Sumário: 1 Introdução. 2 Incentivo fiscal do ICMS ´por convênios. 3Ineficácia da atividade jurisdicional e a expansão da Guerra Fiscal. 4 o excesso do fisco estadual de São Paulo.
1. Introdução
A chamada guerra fiscal surgiu como forma de determinados Estados membros incentivarem a instalação de parques industriais no âmbito de seus respectivos territórios. Assim, esses Estados, isoladamente, concediam isenção do ICMS por prazo certo ou outro benefício tributário como a redução da base de cálculo ou a diminuição de alíquota.
Embora, em princípio, válidos os incentivos tributários, ou até mesmo financeiros, para buscar o desenvolvimento da atividade econômica e contribuir no crescimento do PIB e na expansão do mercado de trabalho, em um País de regime federativo como o nosso, esses incentivos quando outorgados por alguns Estados acabam por agravar os desníveis sócio-econômicos entre as várias regiões do País. E um País só se tornará uma grande potência quando houver a integração sócio-econômica entre os Estados componentes da Federação, e não apenas integração territorial.
Por isso, o uso desses incentivos fiscais, para promover o equilíbrio sócio-econômico entre as diversas regiões do País, só se legitima na esfera federal, como se verifica da parte final do art. 151, I, da Constituição Federal. A União, como condutora da política econômica nacional está investida do poder normativo para fiscalizar e incentivar as atividades econômicas (art. 174, da CF).
Os Estados-membros não podem utilizar o ICMS como instrumento de política econômica regional. Esse imposto, em princípio, deve manter a sua neutralidade como mero instrumento de realização de receita pública derivada. O incentivo fiscal por meio do ICMS deve obedecer aos preceitos constitucionais e legais adiante expostos.
2. Incentivo fiscal do ICMS por convênios
A Constituição Federal em seu art. 155, § 2°, XII, g prescreve que cabe “a lei complementar regular a forma, como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.
E a Lei Complementar n° 24/75, recepcionada pela Carta Política de 1988, prescreve:
“Art. 1º As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica:
I – À redução da base de cálculo;
II – À devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III – À concessão de créditos presumidos;
IV – A quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no imposto de circulação de mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
V – Às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.
Art. 2º Os convênios a que alude o artigo 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal.
§ 1º As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação.
§ 2º A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes”.
Os dispositivos retro transcritos são de lapidar clareza dispensando maiores comentários. Os benefícios fiscais do ICMS só poderão ser concedidos por deliberação unânime dos representantes dos Estados e do Distrito Federal presentes à reunião presidida pelo Representante do Governo Federal (Confaz), sendo certa a obrigatoriedade de convocação para a reunião dos representantes de todos os Estados e do Distrito Federal.
Logo, se determinado Estado concede unilateralmente o incentivo do ICMS, para estimular a atividade econômica regional, parece não existir qualquer dificuldade na declaração de inconstitucionalidade desse incentivo fiscal, sempre que a questão for levada ao Poder Judiciário.
3. Ineficácia da atividade jurisdicional e a expansão da Guera Fiscal
A Corte Suprema não tem conseguido barrar as Guerras Fiscais apesar da clareza dos textos normativos que regem os incentivos fiscais em matéria de ICMS. Na prática, não se sabe porque razão, o STF adotou como procedimento padrão nas ADIs a aplicação do art. 12 da lei de regência da matéria, não apreciando a medida cautelar, preferindo submeter ao Plenário diretamente o julgamento do mérito. Embora correta a medida em termos doutrinários, porque o julgamento direto pressupõe relevância da matéria argüida e especial significado para a ordem social e para a segurança jurídica, a pressupor rápida decisão, na prática, esse procedimento tem se mostrado desastroso. Sem a apreciação da medida cautelar, a solução da questão pelo exame do mérito tem-se prolongado por anos, ensejando, muitas vezes, a perda do objeto por modificações legislativas subseqüentes. Só para se ter uma idéia, duas ADIs foram ajuizadas contra os dispositivos da EC nº 62/09, que decretou a terceira moratória dos precatórios, enquanto o STF ainda não concluiu o julgamento da ADI aflorada contra os dispositivos da EC nº 30/00, que decretou a segunda moratória dos precatórios.
Ainda que fosse julgado inconstitucional determinado incentivo fiscal do ICMS, após passados vários anos, a decisão judicial respectiva não poderia retroagir, sob pena de interferir em múltiplas relações jurídicas consumadas por conta do princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS, que assegura ao adquirente da mercadoria o direito a crédito do imposto pago na entrada sempre que promover a sua venda posterior. A única forma de tornar eficaz a atuação jurisdicional é estancar no nascedouro, por meio de medida liminar, o incentivo tributário concedido unilateralmente por determinado Estado, ao arrepio das normas constitucionais e legais.
Por isso, chegamos a sustentar que a Guerra Fiscal não é uma questão jurídica, mas essencialmente política. Ninguém tem a vontade política de acabar com ela. Parece que a sociedade, as instituições políticas e as autoridades públicas amam e veneram a Guerra Fiscal. Do contrário, ela já teria sido banida há muito tempo, já que não tem o menor apoio nos textos constitucionais, pelo contrário, agride frontalmente esses textos.
A absoluta ineficácia da atividade jurisdicional, nesse particular, estimulou a ação de seis Estados (Santa Catarina, Espírito Santo, Paraná, Pernambuco, Goiás e Alagoas) que estenderam a Guerra Fiscal às importações, concedendo benefícios fiscais a produtos e mercadorias desembaraçados nos portos situados em seus respectivos territórios. Ainda que compreensível o desejo de desenvolvimento de portos locais, tais incentivos prejudicam os demais Estados, principalmente, aqueles altamente industrializados como os Estados de São Paulo e Minas Gerais, e contrariam, em bloco, os dispositivos normativos de início transcritos.
4. O excesso do Fisco estadual de São Paulo
Empresários paulistas estão promovendo importações de mercadorias e produtos a serem comercializados neste Estado por meio de portos localizados e outros Estados.
O governo do Estado de São Paulo, por meio de sua Secretária da Fazenda, está autuando os empresários paulistas, não só, exigindo o estorno do crédito do ICMS, como também, cobrando os 18% do ICMS considerando que esse imposto seria devido se a importação tivesse sido processada por meio de porto situado em seu território, o Porto de Santos.
Ora, não é porque a Corte Suprema não tem agido com a presteza devida que o Estado pode transferir esse problema aos contribuintes. O não reconhecimento do crédito pela entrada da mercadoria no estabelecimento situado no Estado de São Paulo, bem como, a exigência do ICMS como se a importação tivesse ocorrido por meio de porto situado em seu território viola os direitos constitucionalmente assegurados aos contribuintes em nível de cláusula pétrea.
O exame do art. 170 e seguintes da Constituição demonstra, sem margem de dúvida, que a Carta Política assegura aos empresários três marcos mínimos: a liberdade de constituição, a liberdade de lucro e a liberdade de contratação. Nenhum Estado pode obrigar que determinada empresa utilize, por exemplo, o Porto de Santos para importação de mercadorias. Não é dado ao Estado interferir no planejamento ou na logística do empresário. O planejamento no setor privado não é impositivo (art. 174, da CF). A empresa tem a absoluta liberdade de escolher o caminho que lhe parecer menos oneroso em termos tributários, ainda que tenha que arcar com custos adicionais de outra natureza. Não há como o Estado pretender direcionar os negócios da empresa.
A chamada regra antielisiva geral, prevista no parágrafo único do art. 116, do CTN, ainda dependente de regulamentação por lei ordinária, só tem aplicação nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação.
Por isso, a atitude dos agentes fiscais de rendas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, ainda que seguindo a orientação de seus superiores, caracteriza, ao nosso ver, prática do crime de excesso de exação fiscal previsto no § 1°, do art. 316 do Código Penal.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.