Resumo: A inauguração da Penitenciária de Florianópolis, denominada na época de “Penitenciária da Pedra Grande”, deu-se em 21 de setembro de 1930, talvez tenha sido o último desse grupo político e também de encerramento de um período de grandes reformas por que passou a cidade, iniciadas principalmente a partir do início desse século. A idéia de construção de uma penitenciária numa cidade como Florianópolis nas primeiras décadas desse século, contextualiza-se num conjunto de transformações por que vinha passando a cidade no período. O espaço urbano de Florianópolis passou por uma série de transtornos entre o final do século XIX e o início do século XX, respaldada por uma política inserida dentro dos ideais burgueses de reformar, higienizar e modernizar a sociedade, levada à frente pela classe dirigente local, que havia assimilado esses valores, principalmente a partir da implantação da República no Brasil. As discussões em torno da edificação de uma penitenciária em Florianópolis estavam inseridas nesse contexto. Não se tratava apenas da construção de mais uma cadeia, com o objetivo de ampliar o número de vagas para os condenados, em função do aumento da criminalidade e da superlotação das cadeias existentes no Estado. É preciso entende-la como uma instituição nova que, elaborada a partir dos chamados preceitos modernos da ciência penal, vai de encontro com o ideário criminalístico burguês, desenvolvido principalmente a partir do início do século passado. Foram esses, em linhas gerais, os princípios teóricos e políticos que nortearam as discussões entre os grupos dirigentes locais a respeito desse novo tratamento da questão da criminalidade, tais princípios rodavam os imaginários das elites no momento histórico em que se deu todo o debate e, em fim, a construção da nova prisão.
Sumário: Introdução. 1. O Início das Atividades na Penitenciária de Florianópolis. 2. O Advento da Aplicação do Regime Penitenciário na Penitenciária de Florianópolis. 3. A Elaboração do Regimento Interno da Penitenciária de Florianópolis. 4. Competências Administrativas da Penitenciária de Florianópolis. Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
A Penitenciária de Florianópolis é um estabelecimento penal subordinado ao Departamento de Administração Penal – DEAP da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão do Estado de Santa Catarina. Conhecida no início pelo nome de “Pedra Grande”, tendo sido criada em 1929 e inaugurada em 1930, com capacidade de internar 50 (cinqüenta) reclusos. Destina-se aos trabalhos de custódia e reintegração social dos sentenciados em fase de cumprimento de pena, imposta por decisão judicial. Na década de 40 (quarenta) foi ampliada com a construção de 3 (três) novas galerias. Nesta época também foram construídas algumas dependências externas, como alojamento para uma Companhia da Polícia Militar. Tal Companhia tem a incumbência de garantir a segurança externa do complexo. Além disso, foram construídas dependências para o almoxarifado e padaria.
As oficinas (de marcenaria, tipografia, vassouraria, colchoaria, alfaiataria e artesanato) nas quais trabalhavam presos condenados do regime fechado foram edificadas, em sua maioria, ao longo das décadas de 40 (quarenta) e 50 (cinqüenta). Em 1965, todo o serviço administrativo passou a ser executado em um bloco de 3 (três) pavimentos construídos defronte às demais dependências da Penitenciária. Na década de 80 (oitenta), iniciou-se um processo de ampliação da capacidade física da Penitenciária, porém, sem haver o acréscimo do número de celas. Para tanto, optou-se pela adoção de uma medida paliativa, que consistia em substituir as camas individuais por um beliche de concreto nas celas. As dimensões atuais dos cubículos, com a construção dos beliches, acabou sendo prejudicada, contrariando, desta forma, as normas técnicas previstas na legislação vigente, tornando-se, de certa forma, objeto de desumanização do ambiente carcerário, especificamente, no regime fechado, uma vez que no regime semi-aberto, este problema praticamente inexiste.
Em 1988, foi adquirida uma área de 74 (setenta e quatro) hectares, no município de Palhoça, com a finalidade de se construir uma nova Penitenciária, o que não ocorreu, devido a intensas manifestações populares, contrárias ao empreendimento proposto. Assim, gradativamente, foram implementadas atividades agropecuárias no local, surgindo então, o que mais tarde seria conhecido como Colônia Penal Agrícola, com o emprego de um número muito reduzido de detentos. A partir de 1998, foram construídas novas instalações, possibilitando que um número maior de apenados pudesse ser envolvido nas atividades lá desenvolvidas.
Cumpre assinalar, também, que no ano de 1989 foi construída uma ala de segurança máxima, com capacidade para 44 (quarenta e quatro) sentenciados. Com as rebeliões ocorridas nos anos de 1997 e 1999, ambas no mês de maio, todas as melhorias anteriormente realizadas foram destruídas, destacando-se entre os principais danos causados ao sistema, a destruição das oficinas de marcenaria interna, alfaiataria, tipografia, colchoaria, vime, artesanato, escola penitenciária, biblioteca, entre outras.
Com estes atos de vandalismo, o sistema retroagiu, consideravelmente, refletindo-se, até os dias atuais os efeitos daqueles desatinos, pois, o poder público, após as citadas rebeliões, diante da falta de recursos financeiros, limitou-se, preliminarmente, a restabelecer a parte de custódia dos presos, ficando a parte de reeducação e ressocialização bastante prejudicada. Assim, tinha início uma saga que se estende até os dias atuais, onde o Estado, juridicamente organizado, através do sistema penitenciário, teoricamente, deveria penalizar os delinqüentes, isolando-os, temporariamente, do convívio social, em razão de sentença condenatória, ao mesmo tempo em que deveria promover a recuperação (reeducação) dos indivíduos sob a sua tutela.
1. O INÍCIO DAS ATIVIDADES NA PENITENCIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS
A Penitenciária de Florianópolis, desde o início de seu funcionamento, refletiu discursivamente as características de uma prisão moderna. As tentativas de reformas para que fosse realmente aplicado o regime penitenciário, ou seja, um modelo disciplinar com objetivo principal de regeneração social do condenado apresentaram, no entanto, problemas diversos, fazendo com que nesta penitenciária se desenvolvesse uma realidade bastante própria. Como por exemplo: as relações de poder entre os grupos que se formaram internamente, as discussões dos diretores sobre a aplicabilidade do “regime” e os debates em torno de questões do conceito de livramento condicional entre a direção da Penitenciária e os membros do Conselho Penitenciário. Além das discussões em torno da aplicação do regime penitenciário com a instituição já em funcionamento.
Partindo da apresentação de alguns casos específicos, vai se vislumbrar como se criaram certas relações abaixo das normas estabelecidas e como o corpo dirigente tentou manter o controle, estabelecendo novas normas e regulamentos a cada nova situação que surgia. A partir do mês de setembro de 1930 entrou em funcionamento em Florianópolis a “Penitenciária da Pedra Grande”, na localidade da Trindade, distante 4 Km do centro urbano. Essa era uma distância considerável para a época, levando-se em conta a dificuldade de acesso ao local que ficava entre um mangue e uma montanha, servindo esses elementos como isolamento natural. Porém, verifica-se a preocupação com a expansão da cidade para essa área, pois nas imediações da Penitenciária foi construída uma vila operária.
2. O ADVENTO DA APLICAÇÃO DO REGIME PENITENCIÁRIO NA PENITENCIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS
A aplicação do regime penitenciário vai se dar, no cotidiano do funcionamento da Pedra Grande, com as tentativas mais ou menos organizadas dos vários diretores do período. O próprio prédio, que em princípio surgia enquanto moderno, já aparece, nos primeiros documentos escritos da Penitenciária, apresentando alguns problemas de construção. O contrato de construção foi feito com a empresa Corsini & Irmão, uma empreiteira da cidade que sobrevivia de obras públicas. Segundo o Relatório da Penitenciária de 1931, esta empresa deixou de cumprir várias cláusulas do contrato, como por exemplo a colocação dos portões externos, a pintura de vários pavilhões e outras medidas de conservação. Ainda construiu várias portas laterais que permitia uma maior circulação de pessoas.
Assim, a Penitenciária apresentava-se, no momento de sua inauguração, sem portões externos e com acessos laterais à parte interna, facilitando a circulação pelo recinto sem o devido controle da segurança. Ora, em uma instituição que tem como objetivo principal o controle e a vigilância sobre os corpos que a ela estão submetidos, é necessário que sua arquitetura esteja em acordo com esses objetivos. Ou seja, era de se assegurar uma vigilância sobre a circulação e permanência de pessoas no local onde um grande número está sob controle de um pequeno número. É preciso, então, ter o controle através de “uma visibilidade organizada inteiramente em torno de um olhar dominador e vigilante”. Nesse sentido aquela circulação livre aparecia como uma quebra das normas.
3. A ELABORAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO DA PENITENCIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS
Antes mesmo de iniciar seu funcionamento a Penitenciária teve seu regimento reelaborado. A primeira versão do regimento foi desenvolvida no início do governo de Adolpho Konder, em 1926. Através da Lei nº. 1.547, previa-se a organização de uma penitenciária nos moldes estatuídos pelo Código Penal da República, vigente na época. A mesma lei cria a organização administrativa, e expõe os fins da Penitenciária, bem como, institui o regime penitenciário e a criação do “Tribunal de Comportamento”. Este, composto pelo diretor, chefes de seção e professor, que serão encarregados de avaliar o comportamento dos sentenciados dentro da prisão. O parecer deste tribunal auxiliaria o Poder Judiciário na sua decisão de beneficiar ou não os sentenciados com a progressão de regime. Isto é, o referido tribunal tinha a incumbência de demonstrar a eficiência da aplicação da pena, dentro dos princípios de que o objetivo maior da instituição penitenciária e a regeneração do condenado para o retorno a sociedade. Para isso, em todas as etapas de sua condenação tinha seu comportamento avaliado e progressivamente ia “conquistando” seu retorno à liberdade.
Em 1930, o Governo do Estado publica uma segunda versão para o regimento, com a Lei nº. 1.675, dando organização à Penitenciária do Estado. Esta lei cria um corpo administrativo, com seus respectivos vencimentos, e fala sobre o produto do trabalho dos sentenciados, que deduzidos o pecúlio e os custos de matéria-prima, o restante deve ser aplicado em melhoramentos da Penitenciária, além de revogar vários artigos da primeira lei. Essa nova Lei serviu para atualizar e adaptar alguns conceitos e também reformular algumas questões orçamentárias. Em fim, na parte organizacional, aparentemente, estava tudo pronto para o funcionamento desta nova instituição penal. Durante a década de 20 e principalmente no governo de Adolpho Konder, a partir de 1926, a mesma foi pensada, discutida e projetada. Mas será que o corpo funcional, designado passa exercer os cargos prescritos e o próprio prédio recém construído estavam preparados para, desde o primeiro momento, executar um regime penitenciário em todo seu teor?
No que se refere ao prédio, de acordo com o que foi apontado acima, constata-se já no início do funcionamento a intervenção da direção no sentido de reforma-lo, tornando-o mais eficiente na aplicação do regime penitenciário preconizado. O que transparece uma contradição em relação a época da inauguração da prisão, quando os jornais descreveram a exuberância dos aspectos arquitetônicos modernos da nova prisão.
4.COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DA PENITENCIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS
Subordinada diretamente ao Departamento de Administração Penal – DEAP, compete, à Penitenciária de Florianópolis:
I – administrar todas as atividades relacionadas com a administração penitenciária;
II – promover o desenvolvimento de métodos de trabalho que visem fortalecer a segurança, o fiel cumprimento da execução das penas e a reeducação dos sentenciados internos;
III – realizar estudos e levantamentos sobre a situação operacional do órgão, com o objetivo de conhecer a capacidade técnica e sugerir modificações julgadas necessárias para o seu melhor funcionamento;
IV – estudar, implantar e operar mecanismos de relacionamento com instituições federais e estaduais, que executem programas de treinamento e aperfeiçoamento de recursos humanos;
V – adequar e supervisionar o desenvolvimento de programas de ação detentiva, no âmbito da penitenciária;
VI – implantar e operar mecanismos próprios de trabalho objetivando a recuperação, regeneração, educação ou reeducação e readaptação dos sentenciados à vida social;
VII – articular-se com organizações congêneres e com órgãos de segurança, visando fomentar o intercâmbio de conhecimentos e a perfeita integração das atividades penitenciárias;
VIII – encaminhar ao Departamento de Administração Penal, boletim diário de movimentação e o boletim penal de informações;
IX – desenvolver outras atividades relacionadas com a administração-geral das penitenciárias.
Considerações Finais
A Penitenciária de Florianópolis foi considerada à época um marco para o sistema prisional catarinense. Representou um avanço sem dimensões, pois, não existia um prédio de tal tamanho que pudesse suportar demanda tão grande de reclusos. Nesse primeiro momento, pode-se dizer que a Penitenciária de Florianópolis, enquanto modelo de um novo conceito de prisão, apresentava, concretamente, apenas o prédio. Este vai servir para diminuir a lotação das cadeias existentes, criando mais vagas para a demanda de condenados pela Justiça. Contradizendo, de certa forma, os argumentos apresentados pelos membros das elites locais, na época em que se discutia a necessidade de construção de uma penitenciária. Todavia, nos dias atuais, verifica-se que a Penitenciária de Florianópolis encontra-se ultrapassada frente aos moldes atuais de prisões existentes. Entretanto, ela ainda busca cumprir com seu dever, e acolher os reclusos condenados de nosso Estado.
Informações Sobre o Autor
Fábio Coelho Dias
Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de Santa Catarina (ESMPSC)/Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)