Resumo: O artigo trata das possibilidades de utilização do exame de DNA como prova no Direito Penal Brasileiro, esmiuçando as possibilidades e dando especial atenção da realização da prova havendo discordância de participação do acusado.
Sumário: 1 – Do exame feito com a concordância do acusado. 2 – Exame feito sem a concordância do acusado, mas utilizando amostra descartada. 3 – Exame feito na vítima, com ou sem a sua anuência. 4 – Exame feito no acusado sem concordância, de maneira incisiva.
1. Exame feito com a concordância do acusado
Tal hipótese não gera divergência na doutrina, visto que alguns dos direitos relativos à produção de prova são disponíveis e, portanto, podem ser não utilizados pelas partes, como é o caso do Direito ao Silêncio.
No presente caso, o acusado oferece o material genético para a comparação ou, quando inquirido pela autoridade, decide cooperar, possibilitando a produção da prova.
Obviamente que a cooperação (que resulta da renúncia dos pretensos direitos relativos à prova) deve ser expressa, restando demonstrada a plena consciência e vontade da pessoa. Como afirma Castro (2007, p. 84), “também deve ser verificado se a renúncia não é feita por interesses imediatistas”.
É importante que a vontade do acusado não esteja viciada por qualquer fator extraprocessual, como a coação ou valores monetários para se submeter ao procedimento, ou ainda fatores processuais, como a promessa de vantagens futuras no decorrer da persecução (o que é ilegal), o que viciaria a manifestação, tornando-a nula, e a prova produzida, consequentemente, ilegal.
Mesmo quando há a decisão de cooperação por parte da pessoa, cabe aqui fazer análise da tipicidade do método probatório com base na Doutrina de Guilherme Madeira Dezem. Tal prova é atípica em nosso ordenamento, não estando apontado a prova e o seu procedimento específico pela Lei Processual Penal, mas a decisão de cooperação basta para que o método seja permitido, pois contém a afirmativa da pessoa.
2. Exame feito sem a concordância do acusado, mas utilizando amostra descartada
Tal possibilidade ocorre quando a pessoa acusada, que decidiu não entregar material por vontade própria, descarta algum objeto que possa conter material para a comparação, sendo analogicamente próxima a hipótese de um terceiro descartar material que contenha material genético do acusado.
Caso emblemático na Justiça brasileira, julgado em 24 de agosto de 2003, foi o de Roberta Jamily e seu irmão Pedrinho. Nessa situação, a mãe de Roberta, Vilma Martins Costa, estava sendo processada pelo suposto sequestro de Pedrinho quando este era um recém nascido e, no decorrer da investigação, surgiram diversas evidências de que Roberta também teria sido sequestrada na maternidade. Roberta foi chamada para prestar declarações na polícia, e, no decorrer da oitiva não se mostrou disposta a ajudar na investigação e afirmou que não estar disposta a fornecer material genético para a comparação com a provável mãe biológica. Durante as declarações, Roberta fumou um cigarro e deixou a bagana no lixo da Delegacia, o Delegado recolheu o objeto e o mandou à perícia para analisar a saliva deixada nele, que, após a análise, demonstrou que Roberta era filha de Francisca Maria Ribeiro da Silva, e, portanto, realmente tinha sido vítima de sequestro.
Situação análoga ocorreu no caso da cantora mexicana Gloria Trevi, a qual afirmava que, enquanto esteve presa na Superintendência da Polícia Federal, teria sido vítima de estupro e, da violência, teria engravidado. Importante citar que, enquanto presa, a cantora não tinha autorização para receber visita íntima. A Polícia Federal abriu sindicância para investigar o caso, que não obteve nenhum resultado concreto, sendo a única alternativa que havia restado o exame de DNA no filho, comparando o material com os supostos pais. Fato é que Gloria Trevi não permitiu que se coletasse material para a comparação, mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que a placenta do bebê poderia ser utilizada para a realização do exame, visto que, nesse caso, o interesse público (conhecer o pai do recém nascido) era maior que o interesse individual da cantora. Após a realização do exame, ficou concluído que o filho era do seu empresário, Sérgio Andrade, restando então aceita a teoria que a presa utilizou-se de inseminação artesanal para engravidar.
Em ambos os casos, o objeto descartado deixou de fazer parte do corpo do acusado, passando a se tornar objeto público por opção da pessoa, não existindo mais um direito ou garantia que possa ser atingido pela produção de tal prova.
Carla Castro (2007, p. 101) entende tais situações como espécie de prova não-invasiva, explicando que “as provas não-invasivas não violam a intimidade e a integridade física, pois são realizadas com material descartado pelo indivíduo. De igual forma, a pessoa não está sendo obrigada a produzir provas contra si mesma, já que em nada contribui para o exame. Sua vontade não influi em sua realização; ao contrário, a perícia é feita sem sua colaboração.”
Tal interpretação também deve ser estendida a quaisquer objetos que possam conter o material necessário para o exame comparativo, devendo apenas haver cumprimento das formalidades legais, como um mandado da autoridade competente de busca e apreensão de objetos que possam conter material genético. De fato, quando necessário se realizar análise pericial de documentos escritos a punho (outra prova pericial não-invasiva) e o acusado decide não colaborar, a autoridade judiciária pode mandar que se examinem arquivos ou estabelecimentos públicos, com base no artigo 174, inciso IV do Código de Processo Penal.
Embasado no que foi apresentado sobre o tema, a partir do momento que determinado objeto, com o material genético necessário, é abandonado pela pessoa, este deixa de ser parte de sua posse e propriedade, tornando-se um “bem público”, não existindo possibilidade de agressão a direito, também sendo possível a possibilidade de permissão judicial para que se apreenda qualquer objeto que possa conter o material necessário para a realização do exame.
3. Exame feito na vítima, com ou sem a sua anuência
Interessante construção doutrinária sobre a possibilidade de realização de qualquer prova que exija contribuição ou não da vítima durante o Processo Penal. Interessante porque, na prática, tal hipótese não é comum, mas, as teses defensivas podem apresentar qualquer argumento.
Carla Castro (2007, p. 89) afirma que “[…] agora, temos o princípio da ampla defesa, que dá coloração diferente à matéria. O exercício do direito de defesa, amparado em nível constitucional, com todos os recursos a ele inerentes, pode justificar a prova do DNA.”
A citada autora (2007, p. 89) ainda utiliza como argumento que o direito da vítima à intimidade e inviolabilidade é derrotado pelo interesse do acusado em se defender, podendo utilizar o princípio da proporcionalidade como meio (escusa) para tal.
Para os defensores de tal corrente, citando-se aqui Guilherme Nucci e Aury Lopes Jr., a “ampla defesa” garantiria até o uso de força para obtenção do material, o que alguns autores equiparam a utilização da tortura para obtenção da confissão ou tornar o acusado objeto, mas não a vítima. Fica claro que essa, além de sofrer a violação de vários Direitos e Garantias quando é vítima de um delito, ainda deve estar a mercê do acusado/réu durante o processo penal, que tem por finalidade inocentar os inocentes e condenar os culpados, e não ser instrumento de impunidade.
Dizer ainda que o Princípio da Ampla Defesa ou do Contraditório é “maior” ou “mais forte” ou ainda “mais importante” que qualquer outro Princípio Constitucional nos parece um tanto quanto forçoso, pelo fato de ignorar teorias constitucionais consagradas e que se mostraram efetivas e satisfatórias no ordenamento jurídico.
Também se argumenta que o acusado, ao requisitar a prova, estaria agindo em estado de necessidade, o que suportaria a extração da prova mesmo de maneira que pudesse ser considerada ilícita para o processo penal (LOPES JÚNIOR, 2009, p. 541). Defensores de tal entendimento afirmam que seria uma “injustiça” para com o réu não considerar uma prova, mesmo que ilícita, que possa lhe absolver, sem levar em consideração, é claro, que Justiça não significa “absolver a todos”, mas sim absolver quem é inocente, e condenar quem é culpado.
Por fim, entende-se atualmente que se poderia obrigar a vítima a ceder material para exame comparativo com base na Ampla Defesa e na Presunção de Inocência, apesar de que, como exposto anteriormente, o Princípio Nemo Tenetur se Detegere somente se aplica às declarações da pessoa (declarar-se culpado), o que, por si só, já demonstra a possibilidade do exame.
4. Exame feito no acusado sem concordância, de maneira incisiva
Hipótese mais interessante a se discutir é quando o acusado se recusa a ceder material para o exame comparativo. Poderia a Autoridade Judiciária ou mesmo o Ministério Público ou a Polícia obrigar a fazê-lo, ou ainda utilizar de força para tanto?
Tal possibilidade se encontra de certa forma pacificada na jurisprudência brasileira. Em princípio, como ninguém é obrigado a produzir ou deixar que produzam prova contra si mesmo com base na interpretação brasileira do Princípio Nemo Tenetur se Detegere, a pessoa não é obrigada a ceder material para a investigação, também não podendo ser obrigada a colaborar de qualquer forma, inclusive pela autoridade judiciária competente, não podendo se extrair nenhuma conclusão contrária ao acusado de tal recusa. Esse posicionamento toma por dogma a Garantia da Não Auto-Incriminação em sua forma máxima, que permite ao acusado se defender em uma amplitude máxima, inviabilizando, assim, essa possibilidade probatória.
Maria Elizabeth Queijo (2003, p. 245) demonstra o que é uma intervenção corporal e a distinção entre as provas invasivas: “As provas que implicam intervenção corporal no acusado podem ser invasivas ou não invasivas. Consideram-se invasivas as intervenções corporais que pressupõem penetração no organismo humano, por instrumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou não.”
Já as intervenções não invasivas se caracterizam por provas que não precisam penetrar o organismo, mas ainda assim se aproximam da integridade da pessoa, como, por exemplo, a coleta de um fio de cabelo para a realização do exame de DNA.
Com a configuração atual do Princípio Nemo Tenetur se Detegere, cria-se total impossibilidade de colher sangue ou saliva do acusado, e ainda mais, de obrigar o acusado a qualquer ato processualmente válido.
Interessante afirmar que a doutrina entende pacificamente que, no Processo Civil, basta a inversão do ônus da prova, passando àquele que se negou a produzir a prova o encargo de comprovar a situação afirmada pela outra parte não procede (LOPES JÚNIOR, 2009, p. 567). Quando se analisa tal situação no caso concreto, pode-se utilizar como exemplo uma criança, representada por sua mãe, que ajuíza um pedido de reconhecimento de paternidade contra um pretenso pai, que se nega a ceder material genético para o exame. Então, com a inversão do ônus da prova, passa esse a ter que provar que não é o pai. Tecnicamente parece aceitável, mas, tanto para a Justiça quanto para a criança, que nunca saberá se aquela pessoa realmente é um de seus genitores, tal decisão é um tanto quanto injusta.
Por óbvio que a processualística civil encontrou tal manobra para não entrar em atrito com um Princípio superior inclusive aos Direitos da Personalidade, formador da Dignidade da Pessoa Humana, mas, no Processo Penal tal possibilidade inexiste, pois o ônus da prova cabe à acusação, e não ao acusado.
Aury Lopes Júnior (2009, p. 567) explica que “Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas, no processo penal a situação é muito mais complexa, pois existe um obstáculo insuperável: o direito de não fazer prova contra si mesmo, que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo (silêncio).”
O problema de se dar tal interpretação para este Princípio é que o coloca acima de qualquer outro comando normativo, tornando-o, por fim absoluto, o que vai de encontro à Princípios como o do Estado Democrático de Direito, da Razoabilidade e até do Devido Processo Legal.
Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 189) lembra que: “(…) a doutrina processual penal brasileira normalmente não se satisfaz com esses limites, preferindo atribuir ao Nemo Tenetur se Detegere uma verdade imunidade corporal, não reduzida ao direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar-se culpado, como expressamente contém o art. 8º, 2, g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou ao direito de não ser obrigado a testemunhar contra si mesma ou confessar-se culpada, consoante se tem no art. 14, 3, g, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis.”
Certo é que um Princípio ou Garantia Constitucional pode ser (de) limitado por norma, seja ela Constitucional ou Infraconstitucional, necessitando apenas de vontade política para tanto. Grande parte da doutrina entende que falta uma legislação específica que mande que as partes colaborem.
Queijo (2003, p.264) explica que: “Diante da ausência de normas específicas sobre o dever de colaboração do acusado, que viessem a afastar a incidência do nemo tenetur se detegere, tem predominado o entendimento de que a sua recusa em submeter-se à prova não configura crime de desobediência nem pode ser interpretada em seu desfavor.”
Aury Lopes Júnior (2009, p. 569) ainda afirma que “o direito fundamental poderia ser limitado por uma norma ordinária, mas é imprescindível que exista uma norma processual penal que discipline a matéria.”
Ademais, coaduna-se a tal pensamento o Princípio da Legalidade, exposto no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, que afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Base da teoria Garantista de Luigi Ferrajoli (1995, p. 851), o autor afirma que o referido Princípio, sendo entendido como uma “estrita legalidade”, é o fundamento de qualquer sistema Garantista, o que, por si só, confirma a necessidade de haver uma regra específica de colaboração em nosso sistema (que é Garantista).
Portanto, com base no referido Princípio Constitucional, com uma norma explícita de colaboração e a devida tipificação do procedimento, seria suprida a lacuna relativa a reserva legal, e de fato, encerraria a discussão acerca do Direito ao Silêncio frente a produção de provas no Ordenamento Jurídico brasileiro, bastando que, nos autos do processo se discutisse a necessidade da utilização de tal técnica probatória no caso específico, podendo uma decisão fundamentada da autoridade judiciária competente compelir a pessoa a cooperar. Deve-se levar em conta que, com o requerimento da produção da prova e o subsequente mando do Magistrado para produzi-la, abre-se espaço para o Contraditório e a Ampla Defesa, permitindo a discussão acerca possibilidade e a necessidade de tal medida de forma coercitiva.
3.7 Considerações sobre as possibilidades de produção da prova
Após estudo analítico expositivo sobre a temática da possibilidade da produção da prova científica no Processo Penal observou-se que o Princípio Nemo Tenetur Se Detegere, em sua configuração brasileira, estende a sua amplitude não somente ao interrogatório e às manifestações verbais do acusado, para o qual foi originariamente criado, mas também a qualquer manifestação ativa ou passiva que o acusado possa fazer no âmbito processual.
Como, em princípio, tal Garantia disponibiliza ao acusado a decisão em participar, cedendo material, ou não da produção da prova, qualquer técnica que se proceda de forma incisiva se torna ilegal.
Certo é que quando o acusado decide colaborar, manifestando-se nesse sentido, a discussão sobre a legalidade e a licitude é afastada, pois o Nemo Tenetur Se Detegere é um direito disponível ao acusado, podendo ele decidir afastá-lo como parte de sua estratégia defensiva.
Quando a análise se dá através de material descartado pelo acusado não existe ofensa à Garantia de Não Auto Incriminação, visto que o objeto utilizado para a coleta de material genético não se encontra mais na esfera particular da pessoa, não possuindo essa mais nenhuma ingerência sobre aquele bem, devendo a autoridade policial ter o cuidado de preservar o objeto descartado. Analogicamente deve-se incluir em tal possibilidade o material que possa ser apreendido através de ordem judicial da autoridade competente (mandado de busca e apreensão), não havendo ilicitude na apreensão de bens que possam conter material genético da pessoa, como escovas de dente ou roupas de cama.
Quando o acusado requer que a vítima ceda material genético para análise (ou que faça qualquer ação no curso do Processo), a doutrina entende que o Direito a Ampla Defesa atropela qualquer pretenso direito da vítima, que deve ser conduzida, de baixo de vara, se for preciso a entregar o que foi requerido pela Defesa.
Já quando o acusado se recusa a ceder o material para a produção da prova, nada resta fazer para outra parte, pois dessa abstenção não se pode extrair nenhuma avaliação negativa, por estar protegido pelo Princípio Nemo Tenetur Se Detegere. Qualquer material para a produção da prova científica, obtida diretamente do seu corpo e sem o seu consentimento, no Direito brasileiro, é ilegal de pleno direito.
Sem a existência de uma norma processual geral que afaste a aplicação da Garantia de Não Auto Incriminação à brasileira dos meios de prova que não o interrogatório, torna-se inviável a utilização da coerção estatal para a produção da referida prova. Clara é a necessidade de uma norma geral sobre a cooperação toma por base a acepção de que o referido Princípio realmente abarca todos os métodos probatórios de nosso Sistema Judicial, inclusive no Processo Civil e Trabalhista. Mesmo com o entendimento de que o Privilege Against Self Incrimantion engloba apenas as declarações da pessoa, ainda haveria a necessidade da tipificação do meio probatório, regulando em lei como se procederia desde a coleta até o mantimento de material para eventual contra-prova no decorrer da persecução.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Vaz Silva
Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Anhanguera-Uniderp Graduado em Direito pela Furg Professor de Direito na Universidade do Contestado Campus Concórdia Policial Rodoviário Federal.