Resumo: O serviço de praticagem no Brasil, assim como em todo o mundo, é de extrema relevância. Um contrato de transporte marítimo só se dará a termo, se o navio conseguir atracar no porto de destino com segurança.Para desvendar as peculiaridades geográficas que cada porto apresenta, existe a figura do prático, que é o profissional responsável por executar as manobras e fazer com que o navio chegue ao seu destino final.
Palavras-chave: Serviço de Praticagem,Prático,Comandante,Lancha,Atalaia,Navio.
Abstract: The pilotage service in Brazil,as well as worldwide, is extremely relevant. A shipping contract will only be done to the end, if the ship be able to dock at the port of destination safety.To reveal geografic peculiarities that each port has, that is the pilot figure wich is the professional responsable for performing the maneuvers anda make the ship reaches the final destination.
Keywords: Pilotage Service,Pilot,Captain,Motorboat,Pilotage Station,Vessel.
Sumário: Introdução. 1. Histórico da Praticagem. 2. Do Prático. 2.1. Dos Deveres do Prático. 2.2. Das Penalidades do Prático. 3. Da Atalaia. 4. Da Lancha de Prático. 5. Da Zona de Praticagem. 6. Da Organização dos Serviços de Praticagem. 7. Do Contrato de Praticagem. 8. Do Preço do Serviço de Praticagem. 9. Da Responsabilidade Civil do Prático. 10. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
O Serviço de Praticagem encontra-se regulamentado pela NORMAM 12/2003,aprovada pela Portaria n.48/DPC (Diretoria de Portos e Costas), fiscalizado pela Marinha do Brasil,e aduz o Capítulo I da regra supracitada que: “Consiste no conjunto de atividades profissionais de assessoria ao Comandante, requeridos por força de peculiaridades locais, que dificultem a livre e segura movimentação da embarcação e é constituído do Prático, da Lancha de Prático e da Atalaia (Estação de Praticagem).”
Existe ainda a Lei 9.357/97, a chamada Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário ou LESTA, que em seu artigo 12 define o Serviço de Praticagem como: “o conjunto de atividades profissionais de assessoria ao comandante, requerido por força de peculiaridades locais, que dificultam a livre e segura movimentação de embarcação”.
Pode-se dizer que o Serviço de Praticagem apresenta como características mundialmente consagradas:o caráter local, a ausência de vínculo empregatício e o controle efetuado pelo Estado.O Serviço de Praticagem foi privatizado em 1961 por decisão do Ministério da Marinha.[1]
Ainda no tocante ao que diz respeito ao Serviço de Praticagem, relevante reproduzir o que ensinou a professora Carla Gilbertone quando classificou o Serviço de Praticagem em três categorias: a) Praticagem de mar ou de costa;b)Praticagem de barra ou de porto;c)Praticagem fluvial. “A Praticagem de mar é um serviço de assessoramento aos capitães que navegam em zonas perigosas ou muito trafegadas, tais como o Mar do Norte, o Canal da Mancha, o Mar Báltico e outras.A Praticagem de mar estava quase extinta, teve um renascimento com o advento dos grandes navios.São serviços privados, portanto,não regulamentados por quaisquer dos Estados ribeirinhos a essas regiões;desta maneira, não é obrigatório aos capitães servirem-se desses serviços.No serviço de Praticagem de porto e fluvial, os práticos auxiliam os comandantes na navegação e na manobra dentro dos portos ou dos rios.Os práticos devem ter perfeito conhecimento das particularidades dos locais de navegação, manobras e marés e correntes de marés, perigos,profundidades,movimentação de bancos,etc.Os conhecimentos dos práticos são limitados aos locais em que trabalham.”[2]
Importante ressaltar que o Serviço de Praticagem caracteriza-se como um serviço de assessoramento, de acordo com as palavras do art.12 da Lei 9537/97. O comandante poderá dispensar a assessoria do prático, quando essa assessoria comprometer a segurança do navio. Inexiste, desta feita, qualquer relação de subordinação entre o comandante e o prático.As ações do prático deverão, contudo, ser monitoradas todo o tempo pelo comandante do navio, vez que a presença do prático a bordo não desobriga o comandante e sua tripulação de seus deveres e obrigações para com a segurança do navio.
De maneira inicial, pode-se concluir que a definição de Praticagem constitui-se de três requisitos básicos e fundamentais: Prático, Lancha de Prático e Atalaia. No decorrer deste trabalho serão demonstradas as definições de cada um destes itens, de modo a gerar uma melhor compreensão do tema. Por ora, importante fazer menção a um brevíssimo resumo histórico.
1.Histórico da Praticagem
É correto afirmar que a história da Praticagem no mundo é tão antiga quanto o comércio marítimo.No Brasil, a profissão de prático surgiu em 1808 com a chegada da família real ao país, quando D. João VI decretou o “Regimento para os Pilotos Práticos da Barra do porto desta cidade do Rio de Janeiro”[3]. Daí que da expressão “piloto prático” derivou-se o nome utilizado nos dias de hoje como prático, e conhecido internacionalmente como pilot.
2.Do Prático
O capítulo I, Seção II da NORMAM 12/2003 define prático. Afirma a lei que: “É o profissional aquaviário não-tripulante que presta serviço de praticagem embarcado.”
Por faina de praticagem compreendem-se as ações e manobras realizadas durante a execução do serviço de praticagem.
Os práticos, ao ingressarem na carreira recebem um rigoroso treinamento das suas atividades, a fim de conhecer de forma minuciosa a Zona de Praticagem(ZP) na qual atuarão.
O ingresso na carreira é feito através de concurso público a ser prestado perante as autoridades da Diretoria de Portos e Costas na Capitania dos Portos da respectiva Zona de Praticagem.
Além disso, a NORMAM 12, em seu item 0201 estabelece alguns requisitos indispensáveis para os interessados no processo seletivo para Praticante de Prático(PRP) , tais como: ser brasileiro com idade mínima de 21 anos;possuir diploma de graduação de nível superior ou habilitação profissional correspondente; ser aquaviário na seção de convés ou máquinas de nível igual ou superior a quatro ou pertencer a grupos de amadores, no mínimo na categoria de Mestre-amador;gozar de perfeita saúde;não ser militar reformado por invalidez definitiva ou civil aposentado por invalidez permanente;estar em dia com o serviço militar;estar quite com as obrigações eleitorais; efetuar o pagamento de taxa para o exame.[4]
Ultrapassados os requisitos exigidos pela Lei, far-se-á necessário cumprir as cinco etapas da prova para que o candidato torne-se apto a ser aprovado. Essas etapas são:
1. Prova escrita de conhecimentos técnicos específicos, versando sobre os mais diversos ramos das ciências náuticas;
2. Apresentação de exames de saúde,documentação e realização de teste de suficiência física;
3. Prova Prática – Oral, realizada por uma Banca Examinadora, presidida pelo Comandante do Centro de Instrução Almirante Graça Aranha(CIAGA) ou pelo Superintendente da Segurança de Tráfego Aquaviário da Diretoria de Portos e Costas;
4. Prova de títulos;
5. Classificação Final – o resultado final do certame será publicado no Diário Oficial da União por meio de Edital de Homologação.[5]
Tem-se, portanto, que o processo seletivo se encerrará quando da emissão do certificado de habilitação de praticante de prático.
O PRP é o candidato a prático que após ter passado no processo seletivo está autorizado a adestrar-se a bordo de uma embarcação sob a supervisão de um prático. Se durante o período de estágio, que dura em torno de dois anos,o praticante de prático for avaliado de forma satisfatória, este poderá solicitar a realização do exame de habilitação de prático.
O certificado de habilitação de prático é documento expedido pelo representante nacional da autoridade marítima, que certifica e comprova a conclusão com sucesso do programa mínimo do estágio qualificado de praticante de prático, e confere-lhe o direito de exercer a profissão de prático naquela Zona de Praticagem para o qual foi certificado.[6]
Vale ainda mencionar que o prático não tem salário, recebendo por manobra praticada, em sistema de rodízio com os demais práticos da Zona de Praticagem na qual atua, e efetuados os devidos descontos.
2.1.Dos deveres do Prático
A NORMAM 12, em seu item 218, aduz acerca dos deveres dos práticos, com base na Lei 9537/97.Para uma melhor compreensão do texto, importante citar quais são esses deveres, a saber:
a) assessorar o comandante da embarcação na condução das fainas de praticagem, atendendo, com presteza e de forma eficiente, as exigências das atividades profissionais;
b) manter-se apto a prestar com segurança os serviços de praticagem, em todos os tipos de embarcações, em toda a extensão da zona de praticagem(ZP),exceto nos casos de comprovada inexequibilidade de cumprimento previstos no item 211, alínea e;
c) transmitir, responder, ou acusar sinais, com segurança, a outras embarcações que trafeguem na ZP ou demandem ou saiam do porto quando necessário;
d) observar e fazer observar, com frequência, profundidades e correntezas de rios, canais, barras e portos;
e) comunicar as observações do item anterior, assim como qualquer outra informação de interesse à segurança da navegação, ao representante da autoridade marítima;
f) comunicar ao representante da autoridade marítima qualquer alteração/irregularidade observada no balizamento;
g) comunicar, na maior brevidade possível, ao comandante da embarcação e ao representante da autoridade marítima a existência de condições desfavoráveis ou insatisfatórias para a realização da manobra e que impliquem risco elevado à segurança do tráfego aquaviário, à salvaguarda da vida humana ou à preservação do meio ambiente;
h) procurar conhecer particularidades do governo e condições das embarcações, a fim de prestar, com segurança,os serviços de praticagem;
i) manter-se atualizados quanto às alterações de faróis,balizamentos e outras mudanças possíveis, ocorridos na ZP;
j) alertar o representante da autoridade marítima e o comandante da embarcação quando as condições de tempo e mar não permitirem a praticagem com segurança;
l)cooperar nas atividades de socorro e salvamento marítimo(SAR),patrulha costeira ou fluvial e de levantamentos hidrográficos na sua ZP, quando determinado pelo representante da autoridade marítima;
m)atender a convocação do representante da autoridade marítima para prestar quaisquer esclarecimentos por ele julgados necessários ou para integrar fainas de assistência e salvamento marítimo em conformidade com o previsto na NORMAM 16/2003;
n) executar as atividades do serviço de praticagem,mesmo quando em divergência com a empresa de navegação ou seu representante legal,devendo os questionamentos ser debatidos nos foros competentes, sem prejuízo para a continuidade do serviço;
o) manter a continuidade dos serviços permanentemente;
p)cumprir o número mínimo de manobras estabelecido pelo representante da autoridade marítima de sua ZP para manter-se habilitado;
q) portar, obrigatoriamente,o colete salva-vidas na faina de transbordo lancha/navio/lancha;
r) cumprir as normas emitidas pela autoridade marítima sempre que, no desempenho da função de prático, observar o seu descumprimento.
2.2. Das penalidades do prático
De acordo com o que prevê o art.25 do Decreto nº 2596/98 que regulamenta a Lei 9537/97, os práticos estão sujeitos a penalidades.De acordo com o que nos informa o texto legal:
“São infrações imputáveis ao prático: I – recusar-se à prestação do serviço de praticagem:Penalidade: suspensão do Certificado de Habilitação até doze meses, em caso de reincidência o cancelamento;II – deixar de cumprir as normas da Autoridade Marítima sobre o Serviço de Praticagem: Penalidade: suspensão do certificado de Habilitação por até cento e vinte dias.”
O procedimento administrativo se inicia pela elaboração do Auto de Infração, sendo assegurado ao autor do fato o contraditório e a ampla defesa.Uma vez prolatada a decisão pela Autoridade Marítima, se esta implicar numa aplicação de penalidade,caberá recurso no prazo de trinta dias dirigido à Autoridade Marítima superior.
Quando se tratar de acidentes e fatos da navegação, estes serão apurados através de inquérito administrativo, instaurado pela Capitania dos Portos,para posterior julgamento no Tribunal Marítimo.[7]
Já naquilo que diz respeito à responsabilidade dos práticos pelos acidentes e fatos da navegação, de uma forma geral,os Tribunais vêm excluindo os práticos de serem responsáveis civilmente, dizendo que sua responsabilidade é tão somente administrativa, no tocante aos erros ou omissões de sua profissão, sem prejuízo da sua responsabilização criminal.
Ainda no que diz respeito à responsabilização civil dos práticos, este tema será tratado mais adiante ainda neste ensaio.
3. Da Atalaia
Como já foi mencionado em oportunidade anterior, a Atalaia, também conhecida como Estação de Praticagem ou ainda Centro de Operações é um dos requisitos fundamentais para a existência do Serviço de Praticagem.
A palavra de origem tupi significa local de observação.Ela concentra a estrutura operacional e administrativa do Serviço de Praticagem, e deverá ser homologada pelo Conselho Nacional de Praticagem.Detém a capacidade de prover, coordenar, controlar e apoiar o atendimento do prático aos navios numa Zona de Praticagem, possibilitando o trabalho ininterrupto, de forma eficiente e adequada, do Serviço de Praticagem.
No Porto de Santos, o mais importante do país, o Centro Operacional da Praticagem possui mais de noventa funcionários, que trabalham de modo a fazer com que a Praticagem atue de maneira ininterrupta, vinte e quatro horas por dia.
4.Da Lancha de Prático
O último requisito essencial que compõe a estrutura do Serviço de Praticagem. A lancha de prático é a embarcação homologada pelo representante da autoridade marítima regional para ser empregada no transporte do prático para o embarque e desembarque de navios.[8]
O uso da lancha de prático é próprio e específico do Serviço de Praticagem, mas poderá ser empregada em outras atividades quando requisitada pela autoridade marítima.
A estrutura da proa da lancha que auxilia o embarque e desembarque do prático é denominada de enxárcia.
Foram estabelecidos alguns requisitos essenciais quanto a apresentação da lancha.São eles: o casco deverá ser pintado de vermelho e a superestrutura de branco.Deverá ainda ser pintada na superestrutura , por bombordo e por boreste, por ante a ré do acesso à cabine do governo a letra P, que significa prático (pilot). E ainda, o cartão de tripulação de segurança da lancha será composto de um marinheiro de convés e um moço de convés.Após as tripulações estarem adestradas,elas deverão serem submetidas às inspeções necessárias para a homologação que será feita pelo Órgão Nacional de Praticagem.[9]
5. Da Zona de Praticagem
A Zona de Praticagem é a área delimitada pelo Diretor dos Portos e Costas, dentro da qual se realizam os serviços de praticagem.
As praticagens são organizadas por estado ou por região, a critério da autoridade marítima, em função de particularidades de cada local, considerando-se a freqüência média dos navios, a localização dos portos e terminais e outros aspectos pertinentes à segurança da navegação.[10]
Nos portos brasileiros os navios são obrigados a contratar os serviços de atracação e desatracação.Esta obrigação está condicionada aos seguintes fatores:
I) características hidrográficas e condições peculiares de cada porto e terminal brasileiro;
II) segurança física dos portos, dos terminais marítimos e de suas instalações;
III) Necessidade de minimizar o custo operacional das operações de Cabotagem;[11]
Contudo, existem exceções nas quais os navios não são obrigados a contratar o serviço de praticagem: quando se tratar de navio de guerra brasileiro e quando o comandante do navio possuir habilitação de prático naquela Zona de Praticagem específica.
No que tange aos navios de guerra estrangeiros, a Marinha do Brasil adotou o critério da reciprocidade para facilidades aos navios de guerra e de estado estrangeiros não engajados em visita de caráter comercial.
6.Da Organização dos Serviços de Praticagem
Em cada Zona de Praticagem existe um número específico de práticos a exercerem suas atividades específicas, determinadas pelo Diretor de Portos e Costas, através de Portaria. A necessidade de um número determinado de práticos numa ZP é arbitrada pela Autoridade Marítima, considerando a média histórica mensal de navios nos últimos três anos, associada ao tempo gasto para a realização das manobras e o necessário para a habilitação do prático.
De acordo com o que prevê a Lei 9537/97, em seu art.13, o serviço de praticagem poderá ser executado por práticos habilitados, nas seguintes formas: individual, organizados em associações ou contratados por empresas.A regulamentação deste texto legal se deu pela NORMAM 12.
A maneira mais comum que ocorre no país é aquela que se dá através de associações.A forma individual é pouquíssimo utilizada(há registro de nos dias correntes só existir um caso como este no país), pois, uma vez que o prático necessita de lancha e atalaia para realizar suas funções, seria inviável arcar com tais despesas de maneira própria. Já no que diz respeito aos práticos que atuam contratados por empresas, tal item encontra grande conflito jurídico.Nos dizeres do professor Matusalém Pimenta: “Ao permitir o exercício da praticagem por práticos contratados por empresas, quis a lei criar a possibilidade de empresas de navegação ter seus próprios práticos, como empregados a fim de praticarem em seus próprios navios. Essa possibilidade não guarda relação com o espírito geral da Lei da Praticagem, nem tampouco é compatível com outras exigências normativas.(…)Por outro lado,ter-se um prático como empregado de um Armador constitui uma aberração que fere os princípios e os objetivos norteadores da segurança da navegação.”
7. Do Contrato de Praticagem
A matéria ora em questão encontra muita divergência doutrinária quando da definição daquilo que vem a ser Contrato de Praticagem.
O pensamento mais antigo alega tratar-se de contrato de locação de serviços que se inicia com a solicitação do serviço que pode ocorrer por comunicação ou por sinais. Nos dizeres do professor Sampaio de Lacerda: “Sem dúvida alguma,trata-se de contrato de locação de serviços, que se forma pela troca de sinais.”
Todavia, no Brasil este serviço é executado mediante acordo de prestação de serviços entre as associações de praticagem e as empresas de navegação, o que faz com que outros doutrinadores entendam ser simples contrato de prestação de serviços, tal como nas palavras da professora Carla Gilbertone, quando alega: “Não há dúvida quanto à natureza jurídica desta relação processual – trata-se acordo de prestação de serviços – caracterizado por ser um contrato bilateral ou sinalagmático, consensual, oneroso e de execução consecutiva.”
Por fim, há ainda a doutrina da qual nos perfilhamos que entende ser o contrato de praticagem um contrato híbrido, ou seja, não se constitui numa relação processual perfeita, pois não existem alguns dos princípios básicos que norteariam esta relação.Esta é a opinião de Matusalém Pimenta quando informa: “A existência de uma relação contratual pressupõe necessariamente a liberdade de contratar o que não acontece em absoluto com os serviços de praticagem. A praticagem, conforme definida em lei, é atividade essencial de interesse público, não havendo qualquer possibilidade de sua não-utilização por partes dos armadores, nem tampouco de sua não-prestação por parte dos práticos.
Deste modo, quedamo-nos com a vanguarda da doutrina brasileira quando ensina que o contrato de praticagem é contrato de natureza híbrida.
Ainda para defender a tese ora demonstrada, há o fato de o prático não poder recusar proceder a nenhum tipo de manobra, mesmo no caso em que a Praticagem e o Armador não chegam a um entendimento quanto ao valor do serviço, não poderá o prático furtar-se a executar o serviço, deixando eventual conflito ser decidido pela Autoridade Marítima competente.
8. Do Preço do Serviço de Praticagem
Grande é a celeuma no meio maritimista, e na sociedade como um todo acerca do preço cobrado pela Praticagem. Muitos entendem se tratar de valor exorbitante(principalmente no que tange aos Armadores), enquanto que a Praticagem defende que o preço cobrado no país reflete aquilo que é exigido em uma escala mundial.
O art.14 da LESTA(lei 9537/97) informa que o preço a ser cobrado pelo serviço se Praticagem remunerará o conjunto das atividades compostas pelo prático, pela lancha de prático e pela atalaia.
Em um primeiro momento, importa lembrar que o valor a ser cobrado será exigido através de um acordo feito entre as partes.Quando este acordo não existir, a Autoridade Marítima deverá se manifestar de forma a solucionar o conflito.
Vale aqui mencionar o estudo realizado por Pedro Paulo Saraceni,quando ao comparar o Porto de Santos, o mais importante em volume de cargas no Brasil, com outros importantes portos internacionais, ficou evidenciado que o porto brasileiro encontra-se na média mundial quanto aquilo que é cobrado por manobra de praticagem nos demais portos do planeta.
Por conta de tamanho embate, em 2007, o ministro da Secretaria de Portos,Pedro Brito, estudou dotar as Companhias Docas de equipes de práticos, que iriam concorrer com os profissionais atualmente em atividade.A proposta, extremamente polêmica, e no entender de muitos, eivada de elementos de ilegalidade, foi abandonada meses depois.
Fato é que, por conta de todo o aparato que demanda, assim como das especificidades do trabalho que é executado, o Serviço de Praticagem sempre será dispendioso.
9. Da responsabilidade civil do prático
A questão ora estudada é de extrema relevância no direito marítimo, vez que a jurisprudência pátria nada diz a respeito do assunto. A jurisprudência internacional também em nada acrescenta. Os Tribunais inglês e americano entendem que no que tange à responsabilidade dos práticos pelos acidentes e fatos da navegação, são os práticos excluídos de responsabilidade,apenas caracterizando a responsabilidade administrativa pelos erros ou omissões de sua profissão, sem prejuízo da responsabilização criminal na qual incorram.
A argumentação baseia-se no ponto de vista jurídico de configurar o prático como apenas um conselheiro, um assessor do comandante.[12]
No Brasil não existe norma específica que trate sobre a responsabilidade civil do prático.A única norma vigente no país a que faz alguma referência sobre o tema,consagra a total e irrestrita exoneração da responsabilidade do prático.Trata-se da Convenção de Bruxelas sobre Abalroamento(1910), na qual diz que mesmo que o abalroamento seja causado por sugestão do prático, os prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior serão suportados pelos particulares afetados.Restaria portanto, apenas a responsabilidade penal e administrativa do profissional da pilotagem.[13]
Por conta disso, muitos doutrinadores entendem que far-se-ia necessário a regulamentação da praticagem através de uma lei específica que delimitasse as responsabilidades específicas deste serviço.
Entretanto, há aqueles que alegam que a responsabilidade civil do prático, com base no entendimento internacional, no que diz respeito ao dever de indenizar, por quaisquer danos ou por acidentes da navegação, compete aos armadores ou afretadores,vez que o risco do sinistro encontra-se inserto na aventura marítima.[14]
Parece-nos, contudo, adequada a lição de Matusalém Pimenta quando ensina que: “Conclui-se que o limite para a responsabilidade civil do prático passa por ação de regresso a ser proposta pelo armador,quando,e somente quando,ficar estabelecido que a causa determinante do dano foi erro específico do prático, tendo em vista que os erros genéricos levam à responsabilização do comandante, em consonância coma Teoria da Causalidade Adequada.” E mais: “ Ainda que apertados sejam os limites para a responsabilização civil do prático, esta poderá ocorrer , por ação de regresso, envolvendo alguns milhares ou milhões de dólares, tendo em vista as vultuosas quantias abarcadas pelo transporte marítimo.”
Ou seja, a responsabilização civil do prático, ainda que de forma extremamente restrita,poderá acontecer,se aquele procedeu de maneira equivocada em uma atividade que era específica de seu conhecimento.Resta aguardar um futuro posicionamento da jurisprudência brasileira acerca da matéria.
10.Conclusão
O presente trabalho buscou de forma abrangente informar, mesmo que de maneira panorâmica, as principais características do Serviço de Praticagem no país. Apesar de existirem dois ordenamentos que tratam sobre o tema(NORMAM 12/2003 e a LESTA – Lei 9537/97) muitos questionamentos ainda se encontram em pleno estado de ebulição, principalmente naquilo que diz respeito à responsabilidade civil do prático.
Por se tratar de serviço de fundamental importância, o tema encontra posicionamentos tão díspares quanto apaixonados pelos maiores interessados nesta questão, que são os profissionais da pilotagem e os grandes armadores internacionais.
É necessário aguardar a posição da jurisprudência brasileira a respeito do assunto, de modo a sedimentar valores que ainda parecem se encontrar em estado de amadurecimento doutrinário.
Informações Sobre o Autor
Carolina Martinez Pula
Advogada, Pós-Graduada em Processo Constitucional pela Universidade Católica de Santos,Mestranda em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos