Inicialmente, cabe esclarecer que o objetivo maior deste estudo não é adentrar ao mérito da validade da lei neste pleito, mas sim na questão processual regimental sobre o impasse que surgiu após a votação do mérito.
Porém, para maior esclarecimento é necessário uma pequena pincelada sobre o assunto.
O primeiro RE (Recurso Extraordinário) a chegar no plenário do STF, foi o de n.º 630147, cujo recorrente principal era Joaquim Roriz, sendo ele, pelo TSE, considerado inelegível por renunciar ao cargo de senador, em 04 de julho de 2007 A inelegilibidade baseava-se no art. 2º da Lei Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010, que diz, in verbis:
“Art. 2o A Lei Complementar n.º 64, de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;”
Apreciando o mérito do RE, na sessão de 24 de setembro de 2010, os ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello e Antonio Dias Toffoli votaram no sentido da não aplicação da lei nessas eleições por alterar o processo eleitoral, o que é vedado pelo art. 16 da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
Ayres Britto, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia votaram no sentido de validade da lei nesta eleição, eis que:
“O prazo de um ano para a aplicação da lei só se justifica nos casos em que há deformação do processo eleitoral. Ou seja, nos casos em que desequilibra a disputa, beneficiando ou prejudicando determinadas candidaturas. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Logo, sua aplicação é imediata”.
Numa análise matemática simplória chegamos ao empate em 5 a 5. O mais desavisado perguntaria: Mas porque o empate se o STF têm 11 ministros? O Min. Eros Grau aposentou e ainda não houve nomeação do substituto.
Com a finalidade de desempatar o julgamento, recorreram, os eminentes ministros, ao Regimento Interno do STF (RISTF) – que é o objeto principal deste estudo – com os seguintes fundamentos.
De um lado, aqueles que entendiam que prevaleceria a decisão de TSE em face da necessidade de maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade, apoiados no art. 97 da CF, que diz:
“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”
Além disso, sustentam que se aplicaria ao caso o art. 173 do Regimento Interno do STF que prevê que:
“Art. 173. Efetuado o julgamento, com o quorum do art. 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros.”
Em síntese, entendiam esses cinco ministros que somente com quórum qualificado (maioria absoluta, ou seja, maioria de todos os onze ministros, conforme art. 143 do RISTF) se poderia declarar inconstitucional a Lei do Ficha Limpa. Sustentam, assim, que em caso de empate, prevaleceria a “presunção de constitucionalidade da lei”, na forma do art. 146 do RISTF, in verbis:
“Art. 146. Havendo, por ausência ou falta de um Ministro, nos termos do art. 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta.”
De outro lado, aqueles que achavam que o Presidente da Corte, Min. Cezar Peluso, deveria, utilizando o voto de qualidade, na forma do art. 13, IX, do Regimento Interno do STF, desempatar a questão.
“Art. 13. São atribuições do Presidente: […] IX – proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a 30 (trinta) dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o Ministro licenciado.”
Após longo debate, o advogado de Joaquim Roriz propôs, com base no precedente do caso Collor, convocar-se ministro do STJ para votar, o que foi rejeitado pelo plenário em face da inconstitucionalidade da proposta.
Foi nesse momento que, em tom de brincadeira, o Min. Marco Aurélio sugeriu que o “responsável” pela vacância da cadeira do Min. Eros Grau fosse chamado a desempatar, caindo, aqueles que ainda se mantinham acordados, na gargalhada.
Após 11 horas de discussões, o presidente da casa resolveu suspender a sessão.
Neste momento, para a forma ideal para o desempate, os ministros tinham que ter em mente as seguintes indagações: Estavam julgando a inconstitucionalidade da lei? O julgamento em questão precisava de maioria absoluta? O presidente do STF era competente para dar o voto de minerva?
Antes da data marcada para continuar a sessão suspensa, o recorrente, Joaquim Roriz, desiste do recurso e consequentemente de concorrer ao governo do Distrito Federal. Assim, o STF extinguiu, sem julgamento (palavra usada na decisão, apesar de inúmeras críticas ao seu uso, tendo inclusive o CPC substituído por resolução através da Lei 11.232/05, que é a melhor expressão) de mérito, face a desistência.
Hoje, 27 de outubro de 2010, em pauta novamente um RE sobre a LC 135/10, cujo recorrente era Jader Fontenele Barbalho. O STF teve a chance de “continuar” a discussão sobre a forma de desempatar a votação, eis que era presumível novo empate em relação ao mérito.
Foi o que aconteceu. 5 a 5 no mérito. Mas desta vez o presidente, antes de iniciar as discussões sobre a forma de desempate, decidiu votar acerca do prosseguimento ou da suspensão do julgamento. Deu prosseguimento.
Iniciando-se os votos sobre o procedimento para o desempate, o Min. Celso de Mello, suscitou questão até então não levantada. Sugeriu a aplicação por analogia do art. 205, parágrafo único do RISTF, que assim dispõe:
“Parágrafo único. O julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Conselho Nacional da Magistratura será presidido pelo Vice-Presidente ou, no caso de ausência ou impedimento, pelo Ministro mais antigo dentre os presentes à sessão. Se lhe couber votar, nos termos do art. 146, I a III, e seu voto produzir empate, observar-se-á o seguinte: I – não havendo votado algum Ministro, por motivo de ausência ou licença que não deva durar por mais de três meses, aguardar-se-á o seu voto; II – havendo votado todos os Ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado.” (grifos nossos)
Votou assim, pela presunção de constitucionalidade da lei, prevalecendo a decisão do TSE. Acompanharam integralmente seu voto, os ministros Cezar Peluso, Ellen Gracie, Ayres Britto e Cármen Lúcia, esta última, observando que se decisão postergar até a nomeação do novo ministro e se este novo ministro for nomeado no próximo ano, o recorrente poderia sabatiná-lo. Joaquim Barbosa e Lewandoski também votaram pela presunção de constitucionalidade, mas argumentando no art. 146 do RISTF.
Dias Toffoli não via conclusão regimental, mas por ser obrigado a votar, votou pelo voto de qualidade do presidente, conforme o art. 13, inc IX do RISTF.
Criticando este posicionamento, Joaquim Barbosa diz que o inc. IX do art. 13 dá dois votos há um mesmo membro do tribunal, considerando ele “um absurdo”, tendo então uma maioria ficta e não real. Sugeriu até a declaração de inconstitucionalidade de tal dispositivo, onde vários outros ministros se manifestaram, em princípio, de forma favorável.
Aproveitando a crítica, Ayres Britto combate a não aplicação do inc. IX do art. 13 do RISTF, eis que o art. 97 da CF diz maioria absoluta de membros e não de votos, não podendo assim o presidente do tribunal votar duas vezes, nos casos de declaração de inconstitucionalidade.
Em brilhante voto, o Min. Gilmar Mendes defende a aplicação do art. 13, IX do RISTF. Observa que o art. 97 da CF diz sobre a declaração de inconstitucionalidade e no caso em questão não se trata de declaração de inconstitucionalidade e sim sobre questão constitucional, que é requisito para o recurso em análise. Diz: “Toda discussão acerca do art. 97 da CF é inútil.” Aduz que a Corte Italiana, a Corte Alemã, a Corte Americana e até a Corte de Haia, prevê o voto de qualidade do presidente, por que o Brasil não poderia prever tal situação?
Expôs ainda que, por não se tratar de declaração de inconstitucionalidade a decisão pode ser dada por qualquer quorum (respeitando o mínimo, que é de seis membros), mesmo internamente nas turmas, novamente, por tratar-se de questão constitucional e não de declaração de inconstitucionalidade. Assim só viu a possibilidade de aplicar o inc. IX do art. 13 do RISTF. Finalizou dizendo “se é para buscar analogia, que se aplique a norma do Hábeas Corpus, estendendo in bonam partem”.
O Min. Marco Aurélio o acompanhou.
Após cerca de 20 horas de votação (somando as sessões dos dois recursos) chegou-se a seguinte decisão: “Aplica-se por analogia o art. 205, parágrafo único do RISTF, mantendo a decisão recorrida, contra os votos dos Senhores Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio”.
Apesar da decisão, na prática justa, processualmente, data vênia, foi equivocada.
O recurso não tratava de declaração de inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade da lei do ficha limpa era um dos fundamentos do recurso. O pedido não era “declare a inconstitucionalidade da lei”, mas sim “deixe de aplicar a lei, eis que inconstitucional”. A declaração de inconstitucionalidade se dá por ação própria e não por recurso extraordinário.
Assim, não era necessária maioria absoluta, como previa o art. 97 da CF e os arts. 146 e 173 do RISTF. Muito menos, necessitaria de aplicação analógica. A solução, data máxima vênia, estava no art. 13, inc. IX do RISTF, eis que é atribuição do presidente proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de vaga, como no caso em questão.
Informações Sobre o Autor
Gabriel Rocha Soares
Advogado. Pós-graduando em Ciências Criminais