Resumo: O presente trabalho aborda o fenômeno da dificuldade na compreensão atual das normas jurídicas por grande parte da população do Brasil como efeito direto da manutenção prática forense de uma linguagem jurídica rebuscada, fechada, de difícil entendimento ao público leigo e repleta de arcaísmos, utilizadas talvez pelos seus profissionais como forma de se valorizar uma pseudo superioridade intelectual ou objetivando simplesmente o resguardo de vaidades individuais, as quais acabam por afastar ainda mais a população dos seus direitos. Destarte, tal advento tende a se transformar num verdadeiro óbice à implementação da cidadania e do Estado Democrático de Direito no país, na medida em que os indivíduos leigos sentem-se desestimulados a procurar as vias judiciais, tornando-se “reféns” de sua própria ignorância, aumentando assim os conflitos cotidianos existentes. Sendo assim, sugere-se uma discussão auto-reflexiva e um revés nas condutas dos operadores jurídicos, exigindo-se destes maior compromisso com a sua função orientadora e judicante, visando à solução ou – ao menos – a diminuição dos efeitos nocivos do problema.
Palavras-Chave: Direito, Linguagem jurídica, formalismo, arcaísmo, ignorância, cidadania.
Abstract: This paper discusses the phenomenon of the difficulty in understanding current legal standards for a large part of Brazil’s population as a direct effect of maintaining forensic practice of legal language farfetched, closed, hard to understand the lay public and full of archaisms, perhaps used by its professionals as a way of valuing a pseudo intellectual superiority or simply aiming the shield of individual vanities, which ultimately further alienate the population of their rights. Thus, such coming tends to become a genuine obstacle to the implementation of citizenship and democratic state in the country, as it lay individuals feel discouraged from seeking the remedies to become “hostages” of their own ignorance, thus increasing the daily conflicts exist. Therefore, we suggest a self-reflective discussion and a setback in the behavior of legal operators, requiring such greater commitment to its guiding role and adjudicative, or seeking the solution – at least – to reduce the harmful effects of the problem.
Keywords: Law, Legal language, formalism, archaism, ignorance, citizenship.
Sumário: 1. Introdução. 2. A linguagem jurídica. 2.1 A origem do comunicar; 2.2 Linguagem jurídica, discurso ideológico e poder; 2.3 O problema da terminologia jurídica; 2.4 O arcaísmo jurídico como óbice; 3. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
A presente obra tem como objetivo promover discussões crítico-reflexivas sobre um problema sério que, há muito tempo, afeta consideravelmente boa parte da população brasileira, dificultando-lhe a implementação dos seus direitos e garantias fundamentais, afastando-lhe do amplo acesso ao Judiciário, e consequentemente, inviabilizando, sob o viés prático, a perfeita construção dos laços de cidadania no país e a instauração do Estado Democrático de Direito: a ignorância das normas jurídicas.
Nesse ensejo, delineia-se, dentre os vários fatores contributivos para esse fenômeno, a atuação incisiva da linguagem jurídica enquanto processo de afastamento das pessoas da compreensão acerca dos moldes de funcionamento das vias judiciais.
As razões para essa percepção se encontram no fato de ser a comunicação o “primeiro passo” para a interação dos indivíduos dentro do universo humano, sendo a linguagem, seja ela jurídica ou comum, o principal instrumento de veiculação das percepções pessoais mundanas, tornando-se assim um importante elo entre a teoria e a prática, como manifestação social de aquisição do conhecimento e aprendizado.
Nesse âmbito, ao se analisarem fenômenos de assimilação ou aprendizado, torna-se imprescindível o questionamento acerca do meio como os mesmos chegam ao público destinatário (recepção) e os são projetados na sociedade, objetivando-se a situação do fenômeno da incompreensão normativa e a redefinição nas posturas dos profissionais que contribuem para a manutenção desse infortúnio social.
2. A LINGUAGEM JURÍDICA
A viabilidade da compreensão da norma jurídica está direta ou indiretamente atrelada ao advento da linguagem que o Direito utiliza para comunicar aos homens e às instituições interessados sobre os atos e procedimentos peculiares ao ordenamento jurídico na tentativa de resolução dos conflitos sociais.
Todavia, comunicar, muitas vezes, não representa uma tarefa fácil na seara judicante, haja vista que a finalidade de alcance social pela compreensão normativa, sem empecilhos, nem sempre se concretiza, em razão de alguns “ruídos”. Estes interferem na boa interação entre o Estado emissor do preceito normativo, guardião de sua aplicabilidade e exigente de uma contraprestação obrigacional exercida pelo cidadão comum, ora receptor desta obrigação e expectador de garantias legais e da devida segurança jurídica.
2.1 A origem do comunicar
Entender o tema linguagem pressupõe a aprendizagem primogênita de algumas noções linguísticas. Dentre estas, cumpre ressaltar a importância do estudo da Teoria dos Signos, como sendo o principal método para situar as manifestações dos sinais na definição das características das relações comunicativas veiculadas pela ciência jurídica.
O termo comunicar vem do latim comunnicare e significa “fazer perceber”, participar, transmitir, pegar por contágio […] estabelecer comunicação entre […] propagar-se […] estabelecer-se.” (FERNANDES, LUFT e GUIMARÃES, 1997). Destarte, baseando-se na sua etiologia, infere-se dever haver uma relação próxima entre o ser que emite a informação, o chamado emissor, e o ser que recebe e interpreta essa informação, o dito receptor ou interlocutor, sem interferências, a fim de se estabelecer uma efetiva compreensão de ambas as partes comunicantes. Quando, por exemplo, José se aproxima de Jonas e o questiona sobre o caderno que estava em cima do seu computador, deve, mediante atos comunicacionais ordenados e um certo sentido, deixar clara a sua intenção de falar com tal amigo, obtendo deste a informação exata sobre a localização do referido objeto, exercendo, para isso, o ser poder de se fazer compreendido. Desta forma, poderia o emissor estabelecer as seguintes indagações: Jonas, você viu o meu caderno? Ou ainda: Jonas, você pegou o meu caderno que estava sobre o meu computador? Jamais o primeiro indivíduo poderia se direcionar ao segundo, requerendo do mesmo algo totalmente afastado da sua intenção inicial e, depois, ainda exigir a eficácia do seu pedido. Isto é, em determinada hipótese, não pode José questionar Jonas sobre a localização do seu computador, quando verdadeiramente objetivava o caderno que estava em cima do mencionado equipamento eletrônico e, após alguns segundos, se irritar com tal amigo porque este não disse que tinha colocado o citado caderno na mesa da varanda da casa aonde os dois moram juntos.
Tal situação hipotética ilustra uma falha na comunicação entre os dois sujeitos comunicantes, obstaculizando assim o seu bom desenvolvimento e efetividade da compreensão de um indivíduo pelo outro, podendo, doravante, gerar entre ambos conflitos de ordem relacional.
A partir do exemplo supramencionado, nota-se que tal fenômeno comunicacional se manifesta no âmbito do Direito à medida que o Estado emissor impõe certas condutas ao cidadão interlocutor, mediante (meio que representa o canal ou referente) um sistema simbólico composto por normas (linguagem escrita), inexistindo, neste interstício, a compreensão e a obediência esperadas desses preceitos por parte daquele receptor.
Nesse ensejo, exige-se um estudo especial sobre as implicações que o “desaprendizado” normativo jurídico por parte das pessoas possa causar para a eficácia dos preceitos cogentes estatais, ressaltando a significância da Teoria Geral dos Signos propostas por Ferdinand Saussure, a chamada Semiologia, cuja função, segundo Warat, seria a de “estudar as leis e os conceitos metodológicos gerais que poderiam ser considerados válidos para todos os sistemas sígnicos.” (WARAT, 1995: 11)
A essência da teoria Saussuriana utiliza como unidade básica analítica partes menores da língua denominadas signos, que guardam em sua estrutura algumas ideias representativas do universo simbólico humano, ou seja, interpretam e/ou dão significados cotidianos para os sons, sinais, grafias, gestos etc. Doravante, tal unidade pode se organizar com outra e estabelecer assim um “processo de contrastes e oposições, isto é, “as distinções que possuem uma palavra em relação às outras que a cercam, que explicam o seu valor; e a significação, em última instância, depende do valor.” (Idem: 26)
Cabe observar, nesse ínterim, que os signos linguísticos possuem quatro propriedades principais: a) a arbitrariedade – o significante (indício material = sinal, comportamento, grafia, gesto etc.) é imotivado em relação ao significado (conteúdo conceitual = fenômeno, fato), não tendo nenhum laço de parentesco natural com o mesmo, porém, às vezes, o caráter arbitrário desaparece, conforme as convenções dos usuários linguísticos (ex: o sinal de trânsito vermelho no semáforo – significante – representa “pare” – significado – para os condutores de veículo); b) linearidade – cada signo possui discrição, ou seja, tem um único valor, sem matizes intermediárias, sendo independente em relação a outro (ex: o sinal verde no semáforo tem o seu significado único, diferente assim do amarelo e do vermelho); c) imutabilidade – em decorrência da relativização da arbitrariedade na relação significado/significante não pode haver uma substituição comunicacional dos elementos envolvidos (ex: o sinal amarelo no semáforo é único e seu significado de “atenção” não muda por outro); e d) mutabilidade – também decorre do caráter relativo da arbitrariedade, uma vez ser inevitável, com o tempo, um desvio na relação significado/significante, podendo, com isso, implicar mudanças (ex: um dia, num futuro incerto, talvez, o significado da cor vermelha, possa significar “siga em frente” e o sinal verde represente “pare”). (WARAT, 1995: 26-29).
Por outro lado, Saussure apresenta uma oposição entre a língua e a parte verbal desta (a fala), no que tange especificamente à relação signo versus linguística, propondo dois métodos divergentes: um estático, dependente da análise estrutural, chamado de sincrônico – no qual se verificam “relações lógicas e psicológicas entre termos coexistentes e que formam sistemas tais como são percebidos pela consciência coletiva” (estabelecimento de princípios fundamentais de cada língua) e outro dinâmico, dependente da compreensão histórica, o diacrônico – quando são estudadas as “relações entre termos sucessivos, não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que substituem uns aos outros sem formar sistema entre si.” (análise de termos sucessivos que se substituem ao longo do tempo, sem coexistirem na língua). (SAUSURRE apud WARAT, 1995: 33).
Dessa forma, em meio a esse contexto relacional entre significados e representações, cientificamente respaldado pela Semiologia, nasce a norma jurídica, que, sob a égide primordial de coerção social, impõe-se sobre a coletividade, utilizando, para isso, o seu poder de discurso. Doravante, se constituem a fala e a língua do Direito, representando a primeira uma “experiência jurídica enquanto diluída no intercâmbio dos interesses e das práticas sociais”, estabelecendo-se pela “realização viva dos conteúdos e valores jurídicos, enquanto se materializam, seja de forma positiva (cumprimento das leis), seja de forma negativa (infração das leis), e a última a formalização da ciência jurídica, isto é, o mundo dos conceitos, dos esquemas, a petrificação do verbalismo […] a constituição de modelos jurídicos, sistêmicos, aqueles referentes ao conhecimento do direito.” (MENDES, 1996: 33).
Nesse sentido, uma vez instaurado tal processo de significação, cada indivíduo pode apreciar um preceito normativo de maneira peculiar, atribuindo-lhe um entendimento próprio acerca do mesmo, “tendo em vista a forma com que cada qual se relaciona, ou os diferentes valores que embasam as suas concepções sobre a lei.” (Idem: 37). Tomem-se como exemplos desta sistematização a concepção predominante do fenômeno normativo junto aos juízes, “para quem o direito é condição de liberdade e sobrevivência das instituições; do homem comum, para quem o direito é condição de convivência pacífica, garantia de seus interesses; dos advogados, para quem a lei assegura a defesa de seus clientes diante dos tribunais; e finalmente dos infratores, para os quais a lei representa permanente ameaça.” (Ibidem)
Ademais, cabe frisar que a interpretação analítica da linguagem normativa, todavia, não pode ser vista como um fenômeno isolado, exaurido em si mesmo, ou ainda analisado somente por uma ciência específica, a ex. da semiológica, mas sim “necessita da contribuição de diversas ciências, quer sejam daquelas formadoras das expressões lingüísticas (sintaxe, estilística), quer daquelas que montam o arcabouço das significações (psicologia, sociologia, semiologia), quer finalmente daquelas que aperfeiçoam as técnicas de comunicação (retórica, teoria dos sistemas, teoria dos papéis, lugar da fala etc.).” (WARAT, 1995: 37). A razão, pois, para essa análise multicientífica remonta à complexidade do próprio Direito.
2.2 Linguagem jurídica, discurso ideológico e poder
Outro ponto relevante na busca de explicações para o advento da incompreensão dos preceitos normativos jurídicos vigentes é o enquadramento da linguagem jurídica sob um molde discursivo ideológico conveniente à manutenção do poder pelas classes dominantes.
Conforme abordado no capítulo anterior, a Ideologia sempre se confundiu com a ciência jurídica, ao longo do processo de implantação deste nas comunidades populacionais, sendo utilizada, direta ou indiretamente, como meio social estratificador e legitimador do poder.
Nesse contexto, o Direito, enquanto fenômeno sócio-científico diretrizador de comportamentos, utiliza-se de discursos metalinguísticos em prol de resoluções de conflitos individuais e coletivos, mas que, em verdade, só servem para esconder uma realidade de privilégios estamentais de uma minoria, respaldada por “ações que alteram substancialmente as relações reflexivas entre sujeito e objeto.” (MENDES, 1996: 38). Deste modo, o ordenamento jurídico, dos fenômenos sociais é “aquele que mais se apresenta sujeito ao jogo de manipulações ideológicas, dada as suas características próximas à política e aos interesses de poder.” (Idem).
Tal poderio se regula socialmente através da implantação de certas instituições, guarnecedoras estatais dos preceitos a serem aplicados e obedecidos, tais como os fóruns judiciais, as delegacias de polícia, os presídios regionais etc. Contudo, com o fito de se efetivar a concretude da obediência normativa, deve-se considerar o vínculo existente entre essas instituições e as pessoas para quem o funcionamento daquelas se destina. Deste modo, observa Paolo Semana que “a validade e eficácia tanto das normas quanto das instituições repousam sobre a realidade das comunicações, que são as únicas a produzir fenômenos culturais”, dos quais uma parte “tem a função de controlar ou regulamentar a outra, para qual a sociedade representa uma pluralidade de conjuntos de fenômenos regulamentados por alguns deles especificamente produzidos para este fim.” (SEMAMA, 1993: 101) Neste processo de relacionamento entre indivíduos, a consideração deste fim para manutenção do poder é muito importante, pois “aquele que possui um poder efetivo maior que os outros, não se limita a controlar-lhes o comportamento, mas emprega esta diferença de potencial para contrastar o seu poder com quem o tem em menor grau.” (Idem: 102)
Nesse diapasão, o Estado se sobrepõe através do Poder Judiciário, utilizando-se da linguagem jurídica para ver garantidos os laços de controle social (leis, decretos, sentenças, despachos, decisões, processos etc.), representando um processo de hierarquização de forças entre os indivíduos (sociedade), que obedecem, e o aparato estatal (governo), que manda. Sendo que tal processo tradicional de dominação, já está incutido no “consciente coletivo”, conforme observa Marcelo Donazy da Costa (COSTA, 2003: 16). Doravante, a linguagem pode se transformar num meio eficaz de segregação entre os chamados “sujeitos jurídicos processuais (juiz, advogado, promotor, delegado de polícia, escrivão etc.)” (Idem: 17) e os demais indivíduos componentes da população, pois, consoante reitera Maurício Gnerre, a linguagem, em qualquer acepção, seja ela jurídica, econômica ou empresarial, se manifesta no seio social, como “o arame farpado mais poderoso para se garantir o poder.” (GNERRE apud SANTIAGO, 2005).
2.3 O problema da terminologia jurídica
Seguindo-se as lições de Bergel, pode-se constatar que terminologia “é o conjunto das palavras técnicas pertencentes a uma ciência ou a uma arte.” Requer, por isso, exatidão e sua necessidade se impõe a qualquer operador jurídico, seja ele legislador, magistrado, advogado, intérprete e, sob o fito de se tentar entender o “sentido dos textos para prever a solução de um problema de direito, as palavras têm de corresponder a conceitos que tenham um conteúdo preciso e certo.” (BERGEL, 2001: 292). Neste âmbito, o papel da semântica jurídica torna-se essencial à assimilação do conteúdo peculiar de cada termo em sua relação com um determinado contexto normativo e para que “cada palavra própria se prenda a uma ideia particular.” (Idem) e assim possa transmitir o seu enunciado.
Vale considerar, nesse contexto, a importância da função enunciativa do Direito (FARIAS, 1998: 31), na qual a ciência jurídica – mediante enunciados jurídicos distintos – se estabelece como advento comunicacional.
A compreensão de tal função perpassa pela análise da relação enunciado versus discurso. O primeiro representa uma espécie diferente de “unidade elementar do discurso” (FARIAS, 1998: 31-32), que age autonomamente, podendo atuar como uma “teoria, uma norma jurídica, uma decisão judicial, um quadro classificatório, uma equação matemática, um gráfico […]” (Idem, 32). Segundo Foucault, é aquele enunciado o responsável pela existência dos signos, não se reduzindo “às características da frase, da proposição, ou do ato de linguagem” (FOUCAULT apud FARIAS, 1998: 32), pois “não é uma unidade com um objeto material tendo seus limites e sua independência.”(Idem). Trata-se de uma “relação singular” (FARIAS, 1998; 32), porquanto nem sempre o uso das mesmas palavras e nomes significam necessariamente o mesmo enunciado ou, ainda, “pode acontecer uma situação em que “existem dois enunciados diferentes obedecendo a um único e mesmo conjunto de leis de construção e comportando as mesmas possibilidades de utilização.” (Idem: 32). Destarte, o enunciado só pode ser “compreendido no seu exercício, nas suas condições, a partir das regras que o controlam e do campo no qual se efetua.” (FOUCAULT apud FARIAS, 1998: 33). Sendo assim, deve-se observar, a inexistência de qualquer neutralidade ou liberdade enunciativa, haja vista o enunciado constituir uma “entidade que é imposta pelo conjunto de outros enunciados no meio dos quais ele figura, com uma utilização e aplicação definidas, preenchendo funções.” (Idem). Isto é, remete-se o enunciado “ao campo das suas condições de produção, e à função que ele tem numa estrutura discursiva determinada.”
No que tange a atividade discursiva, esta pode ser concebida como “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, numa época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função determinada…” (FARIAS, 1998: 34). Deste modo, conforme já foi dito anteriormente, possui uma estreita relação com o grupo de enunciados, sendo ambos interligados por uma “formação discursiva” (Idem: 35), que se estabelece num determinado contexto, expressando ideias, informando fatos, diretrizando regras, vislumbrando condutas etc. neste âmbito, situam-se o discurso específico, sobretudo, da ciência jurídica.
Doravante, a linguagem jurídica pode assumir múltiplos papéis, haja vista haver diferentes discursos de leis, sentenças, doutrinas, jurisprudências, entre outros.
Em meio a tal universo semântico, o cidadão situa-se numa condição desprivilegiada, à proporção que deixa de existir qualquer uniformidade textual na escrita normativa e remanesce ainda a complexidade dos termos significantes, os quais chegam até aquele regados de tecnicismo, dificultando-lhe, por demais, a compreensão do enunciado jurídico. Por outro lado, não há como negar a importância formal da certeza e da precisão como elementos necessários, utilizados pela ciência jurídica para salvaguardar, em tese, a segurança jurídica, uma vez que, consoante explicita Geny, “a palavra e a fórmula são agentes indispensáveis da expressão dos conceitos e das regras de direito”. (GENY apud BERGEL, 2001: 290).
Sendo assim, a questão relevante que se suscita é se a adaptação do particularismo da linguagem jurídica para a linguagem corrente seria mais prejudicial ou não ao leigo, porquanto poderem ser alteradas as supostas coerência e exatidão habitualmente usadas pelos termos jurídicos.
Nesse sentido, as dificuldades são tamanhas, devido à incerteza dos seus efeitos futuros, pois um termo copiado do linguajar popular “pode redundar, por uma série de aperfeiçoamentos, num sentido específico ou ser suprimido da linguagem jurídica, em proveito de um termo técnico próprio desta.” (Idem, 190). Um bom exemplo disso seria o emprego do termo “roubar”, o qual, para os padrões populares, designa o ato genérico de se retirar de outrem, com ou sem violência, algum bem (ex: fulano “roubou” de cicrano duzentos reais) ou mesmo, em certos casos, representando a atitude desonesta ou o cometimento de um erro de um indivíduo em relação a outro (ex: o árbitro “roubou” Acelino Freitas, o Popó, ao invalidar um golpe seu, que lhe daria a vitória já no 2º round da luta de boxe contra o americano Daniel Corrales).
Outro problema também enfrentado pelos defensores da popularização da linguagem jurídica é o fato de a imprecisão de certos termos causar interpretações diversas, obrigando os mesmos a adotar conceitos particulares para preencher as lacunas jurídicas deixadas. Cita Bergel o exemplo da injúria grave, dos bons costumes e do bom comportamento do pai de família, antigamente. Estes não tinham um sentido preciso, enunciando as mesmas noções jurídicas, e para distingui-los, o Direito tornou as suas noções maleáveis, o que significou, na época, “[…] poder aplicar a todos os casos, mesmo imprevisíveis, um tratamento apropriado.” (BERGEL, 2001, p. 292).
Contudo, não se pode admitir que o excessivo rigor tecnicista domine os enunciados jurídicos, a ponto de limitar o entendimento normativo por parte da imensa parte da sociedade, em beneficío de pequenos grupos ou segmentos gabaritados à interpretação dos preceitos cogentes e sua relação funcional; até mesmo porque a quantidade total de vagas oferecidas para os cursos de Direito no país, é, consoante dados mais recentes, inferior a 1% (um por cento) da população (INEP, 2004: 85).
Por sua vez, no que concerne a construção do vocabulário jurídico, também não se pode desprezar uma eventual tentativa de simplificação da linguagem jurídica, e, não vulgarização, é bom que se diga, como querem alguns. (XAVIER, 1999). Neste sentido, pode-se ilustrar como exemplo o desprezo à utilização de certos termos e expressões jurídicos, normalmente remanescentes de línguas estrangeiras (predominantemente o Latim), tais como de cujus; ex officio; outorga uxória; ab initio; data venia, os quais podem ser perfeitamente substituídos, sem prejuízo de qualquer semântica contextual, por seus significados pátrios, respectivamente: o “morto ou falecido”, “de ofício”, “de início ou inicialmente”; “com a devida permissão”. Outrossim, não seria exagero cogitar a possibilidade futura do emprego alternativo de certos termos populares em lugar de outros termos jurídicos, na medida em que o significado dos termos fossem tão semelhantes a ponto de não ser afetada a sua função judicante. Tome-se como exemplo o uso alternativo do termo popular “empréstimo gratuito” em lugar do termo de Direito Civil denominado “comodato” (tipo de empréstimo contratual em que não se aufere lucro); ou mesmo a utilização do termo popular “defeito imperceptível ou de difícil constatação)” em lugar do termo Civilista, também empregado no Direito do Consumidor como “vício redibitório” (espécie de defeito oculto, que existe no produto, mas que não é percebido imediatamente pelo usuário ou consumidor); ou, ainda, o uso da expressão “sem possibilidades de recurso” ou do termo “irrecorrível” em lugar da expressão constitucionalista ou processual chamada “trânsito em julgado”, entre muitos outros exemplos.
Vale ressaltar, nesse ínterim, que, gradativamente, em alguns casos, esse processo de popularização e/ou alternância dos termos jurídicos pelos populares, já vem ganhando algum espaço na realidade vigente, como acontece em circunstâncias penais, nas quais há o emprego do termo “queixa” em lugar da expressão penal “notitia crimini” (ato do cidadão comum de informar à autoridade policial a ocorrência de certo crime e a descrição de eventual criminoso); quando, na verdade, o termo “queixa”, tecnicamente, designa um tipo de ação processual privada, para crimes cujo trâmite na Justiça, em princípio, dependem do consentimento da vítima (ex: estupro).
Além disso, cumpre observar que, conquanto se tente precisar ao máximo a terminologia jurídica, nem sempre tal feito é eficaz, haja vista a necessidade de serem consideradas as circunstâncias peculiares que atuam junto ao fenômeno jurídico, a exemplo da utilização indistinta dos termos “esbulho” (invasão da propriedade de particular), “turbação” (ameaça de invasão à propriedade particular) e “ameaça” (iminência de invasão da propriedade de particular), quando não se consegue detectar o motivo principal ensejador da violação ao patrimônio terreno de outrem. Tal uso generalizado de termos diferentes ocorre porque vigora, no Direito Processual Civil, o chamado princípio da fungibilidade, o qual ocorre justamente, para que o proprietário não deixe de ter apreciado o seu recurso processual (turbação: é equivalente à ação de manutenção de posse; esbulho: é equivalente à ação de reintegração de posse e ameaça = ação de interdito proibitório), visando à proteção de seu bem, em razão de não ter sido ajuizada ação adequada. Há, portanto, uma flexibilização terminológica, em favor da garantia de direito.
Sobretudo, jamais se deve esquecer que a função primordial do Direito ocidental contemporâneo é a resolução de conflitos ou pacificação social e, como tal, deve buscar métodos lógicos e eficazes, tutelando princípios e valores, a fim de serem harmonizadas as expectativas dos cidadãos como um todo, em prol do estado de bem-estar coletivo. Compreendendo o papel imprescindível da ciência jurídica hoje, sacramentam Ada Pellegrini, Cândido Dinamarco e Antônio Cintra:
“A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve orientar essa coordenação ou harmonização é o critério do justo e do eqüitativo […]
E hoje, prevalecendo as ideias do Estado social, em que ao Estado se reconhece a função fundamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso se deve servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para realização da justiça. Afirma-se que o objetivo do Estado contemporâneo é o bem-comum e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção particularizada do bem comum nessa área é pacificação com justiça.” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2002: 19-95)
Nesse panorama, tentar relegar a linguagem jurídica a um patamar estritamente técnico, embora não se possa desprezar a exatidão dos termos jurídicos, é dificultar o acesso dos indivíduos ao conhecimento de seus próprios direitos e garantias fundamentais, deixando o destino de suas vidas sob o controle de “iluminados” operadores jurídicos que, privilegiados pelas oportunidades corriqueiras de contato com o universo do Direito e suas nuances terminológicas, conseguem promover as relações jurídicas, deixando uma espécie de “vala” entre os homens detentores do conhecimento normativo (juízes, advogados, delegados, intérpretes, juristas etc.) e os indivíduos comuns.
Obviamente, não se quer exigir um conhecimento exaustivo do sistema jurídico como um todo, até porque isso é praticamente impossível, até mesmo entre os próprios profissionais que utilizam a ciência jurídica como seu ambiente de trabalho e meio de sobrevivência; mas sim tentar viabilizar uma aproximação maior daqueles indivíduos considerados leigos, tirando-os da sua condição de analfabetos jurídicos, passivos da diretrização de regras e condutas normativas, para colocá-los numa posição aceitável de participação social, tentando se fazer assim o tão vislumbrado Estado Democrático de Direito.
2.4 O arcaísmo jurídico como óbice
Um dos maiores problemas para a incompreensão dos enunciados normativos, no contexto jurídico nacional, é a reminiscência, em seu bojo, de termos e expressões de origem estrangeira, compondo-lhe o vocabulário. Neste panorama, a principal influência é do Latim, uma vez que estas línguas foram difundidas no Direito Ocidental, desde os períodos Clássicos da Grécia e de Roma, e até então, continuam a integrar o seu vernáculo, que compõem o vocabulário jurídico do país, a exemplo de enfiteuse, laudêmio, in verbis, stricto sensu, usque, habeas data, decisum, ad quo, ad quem, know how, lockout, recall, in casu etc., que os operadores jurídicos, ao longo dos tempos, acharam um meio propício para desenvolver inúmeros textos e redações, utilizando-os, juntamente com outros termos rebuscados, como verdadeiras matérias-primas identificadoras de um estilo formal inconfundível, caracterizado pelo desprezo com a técnica, e imensa preocupação com uma “estética” peculiar na produção literária do Direito. Tal ênfase estilística não só acabou fomentando uma linguagem toda particular entre os intérpretes e aplicadores normativos, permitindo o surgimento de jargões jurídicos, como também possibilitou a ocorrência dos chamados abusos linguísticos da ciência jurídica, popularmente conhecidos como “juridiquês”; isto é, uma codificação da linguagem jurídica por parte de profissionais ligados ao Direito, os quais utilizam o ofício da palavra para expressar significado próprio, muitas vezes, sob o intuito de esconder a realidade ou ainda por mero capricho narcisista e pernóstico.
Não à toa, remanesce um número significativo de sentenças, decisões, peças processuais e documentos cartorários, aliados a incontáveis produções intelectuais (artigos, manifestos, teses etc.), que mantêm em sua estrutura esse rebuscamento linguístico, transformando a compreensão textual jurídica em algo bastante fechado, praticamente inacessível ao leigo. Neste sentido, em certos casos, tais produções utilizam-se da construção neologista (termos novos, sem precedentes no Glossário nacional) – dando ao público “uma impressão de arcaísmo, de jargão especial, de hermetismo deliberado, corporativista e protecionista.” (BERGEL, 2001, p. 308)
Para ilustrar essa concepção predominante, em matéria recente intitulada de “Juridiquês no banco dos réus”, da jornalista Bia Arrudão, dentre as expressões apresentadas ao conhecimento público, algumas palavras e frases chamam a atenção pela preocupação excessiva com o escrito inusitado. São elas:
“Exordial […] Excelso soldalício […] Ergástuo público […] desvestido de supedâneo jurídico válido o pedido feito […] O Supremo Pretório sempre chama a si a colmatagem das lacunas, omisssões e imperfeições da norma fundamental […] Com tal poder tisnou várias regras insculpidas no caderno repressor […]” (ARRUDÃO, 2008)
Tal grafia peculiar caracteriza o chamado arcaísmo, que pode ser definido como o modo obsoleto com que é utilizada a linguagem jurídica, palavras ou expressões antiquadas, que objetivam atender a fins específicos de estética particular, vaidades pessoais e suposta erudição do saber judicante por parte de certos indivíduos agraciados com a compreensão das normas. Os seus defensores tradicionais normalmente o utilizam sob o argumento da necessidade, para a escrita, de que haja “exigências técnicas” (BERGEL, 2001: 310), que traduzam “conceitos precisos” (Idem: 311), bem como do enriquecimento vernacular que tal estilo propicia. Neste sentido, expressa a sua opinião professor Eduardo Ferreira Jardim, da Universidade Mackenzie, de São Paulo:
“Caminho na contramão dos que cogitam simplificar a linguagem dos utentes do Direito. A bem ver, não merece prosperar o argumento contrário à linguagem jurídica tradicional, a qual, embora permeada de erudição, bem assim de expressões latinas e técnicas, é induvidosamente o meio de comunicação estabelecido entre os operadores do Direito, a exemplo de advogados, procuradores, promotores e magistrados.” (ARRUDÃO, 2008)
No entanto, a doutrina moderna caminha em outra direção, ao considerar como imprescindível uma mudança nos tradicionalismos lingüísticos utilizados pelos operadores do Direito, como forma de se tentar possibilitar uma maior democratização e acessibilidade à Justiça. É o que pensa o advogado Márcio Chaer, para quem:
“Toda profissão e atividade tem seu jargão. Isso é inevitável. O que é nocivo é o uso de palavras ou expressões rebuscadas quando há outras que dizem a mesma coisa.” (Idem)
Nessa toada, acreditando ser possível uma maior acessibilidade da linguagem jurídica aos cidadãos comuns, a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros – uma das mais respeitadas e atuantes instituições paraestatais do país, promoveu, em 2006, uma campanha nacional pela simplificação da linguagem jurídica, com o intuito de combater os arcaísmos linguísticos utilizados pelos operadores do Direito, ganhando, inclusive, o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), presidido – à época – pela Ministra Ellen Gracie.
Naquela oportunidade, foram realizados, em diversas instituições de ensino superior do país, vários seminários de conscientização acerca da importância temática na tentativa de se aproximar mais a sociedade da. Sob a ideia de que “ninguém gosta do que não entende” (AMB, 2008), a entidade de Juízes estendeu ao público um livro contendo orientações sobre significados de termos e expressões jurídicas e o funcionamento da justiça nacional, bem como promoveu a premiação de trabalhos de magistrados e acadêmicos de Direito, que sugerissem soluções para a situação-problema.
Isso só demonstra a dimensão proporcional que atingiu o problema da complexidade do linguajar jurídico, a ponto de envolver, em prol da mesma causa, entidades, até então, ortodoxas no modo de agir, retirando-as da sua passividade habitual e procurando ações mais efetivas para a resolução de um impasse, que, direta ou indiretamente, acaba afetando a toda sociedade. Consoante bem aduz o então presidente da AMB, Rodrigo Collaço, “depois da morosidade dos processos, o que mais incomoda a população é a linguagem usada pelos operadores do Direito.” (Idem)
Ademais, a discussão em torno do arcaísmo vocabular jurídico alcança um viés antidemocrático, porquanto aquele representa uma frustração aos anseios sociais de participação no processo construtivo de uma linguagem mais compreensível no âmbito do Direito, com o fito de se tentarem efetivar as relações de cidadania, pois não se pode exigir do indivíduo o cumprimento de normas que ele não entende.
Em meio a essa realidade, concretiza-se, na prática, o efeito perverso do estado social de ignorância, proliferando-se cotidianamente, sob inúmeras maneiras: quando o indivíduo chega a um cartório criminal e, ao tentar se informar sobre o andamento do processo em que figura como réu o seu irmão, ouve da Escrivã a notícia de que havia sido prolatado decisum constritivo de corpo, com supedâneo nas amarras legais constituintes, não sabendo assim o que dizer para a sua família; quando a testemunha escuta do Juiz cível, numa audiência de instrução, a necessidade de contradita de seu depoimento, não sabendo assim como agir; ou mesmo quando, no Juizado de Defesa do Consumidor, um funcionário exige do indivíduo a execução de penhora on-line, e, em troca, emite um simples “o que?” como resposta.
Doravante, as pessoas criam mitos e questionamentos sobre a real necessidade dos instrumentos jurídicos, descredibilizando-se assim as instituições públicas, desestimulando-se, cada vez mais, sob a sensação de que as leis não foram feitas para elas, porquanto o entendimento daquelas estar adstrito a certos profissionais vistos como “capacitados” para realizar as atribuições interpretativas: os advogados; que, por sua vez, já estão “contaminados” com essa realidade, reproduzindo-a assim numa espécie de ciclo vicioso.
Ante o exposto, percebe-se claramente a influência negativa dos arcaísmos jurídicos junto às relações sociais de hoje, uma vez que a sua permanência no contexto populacional apenas serve para criar um código particular vigente, caracterizado por uma linguagem arrevesada, a qual afasta o cidadão comum do entendimento normativo, relegada a um setor privilegiado da população que o consegue interpretar. A sua permanência no âmbito jurídico visa somente à perpetuação de vaidades e desigualdades, cujo efeito impiedoso contribui para a ideia geral de injustiça, representando um retrocesso à linguagem do Direito e ao corolário desenvolvimento dos preceitos jurídicos. Nesse ensejo, são válidos os ensinamentos de Rui Barbosa:
“O gosto da antiguidade levado ao arcaísmo, isto é, a maia de rejuvesnescer inutilmente formas anacrônicas, ininteligíveis ao ouvido comum na época em que se exumam com o vão intuito de as modernizar, avulta entre os mais ridículos e insensatos vícios do estilo, no falar idiomas vivos”. (BARBOSA apud XAVIER, 1999)
Dessa maneira, uma reavaliação conceitual acerca dos critérios operacionais que envolvem o mundo jurídico e seus preceitos normativos cogentes faz-se imprescindível, tendo os profissionais do Direito participação essencial para a mudança dessa realidade cruel, pois, apesar de a palavra ser a matéria-prima do seu atuar junto à sociedade, não precisa ter uma mensagem significativa impenetrável para o seu funcionamento. Ao contrário; as pessoas, na condição de beneficiários finais da relação jurídica, não podem ser prejudicadas pelo viés excludente da incompreensão linguística, em favor de uma noção equivocada de um suposto formalismo verbal predominante. Afinal, não se trata aqui de um jogo, cujos critérios são predeterminados em benefício de meros caprichos particulares ou supérfluas eloquências vaidosas, mas sim está, sob análise, o destino de vidas humanas. Do contrário, de que serviria uma linguagem jurídica ou um preceito normativo “floreado”, porém desconhecido e inefetivo?
Nesse sentido, uma séria auto-reflexão acerca do papel exercido por cada “ator jurídico” (juízes, advogados, promotores, delegados etc.) e de suas relações operacionais, aliada a uma imergência em outros ramos do conhecimento humano, tornam-se indispensáveis, pois, só assim, consoante bem explicita Marcelo Dolzany da Costa:
“todos descobrirão […] quais as mensagens que a todo minuto transmitem ao jurisdicionado. Cada um concluirá quais sentimentos e expectativas chegam a seus interlocutores. Os destinatários receberão de nós a mensagem de respeito, não de medo; de seriedade, não de “casmurrice”; e, finalmente, de honestidade e transparência, jamais de hipocrisia e desconfiança. No aperfeiçoamento desse desafiador processo dialético de comunicação vivido em cada causa teremos a oportunidade de tornar a Justiça cada vez mais acessível a nosso povo”. (COSTA, 2003: 19)
3. CONCLUSÃO
Diante das circunstâncias apresentadas, percebe-se ser inegável que o uso da linguagem jurídica é um dos principais fatores contributivos para o afastamento do cidadão comum da acessibilidade das normas jurídicas, porquanto ainda remanescem, no ordenamento legal, palavras ultrapassadas, regadas pelo excessivo rigor formal e técnico, cultuadas somente para a vaidade e deleite particulares, sem a percepção de que não apenas estão envolvidos, nos atos jurídicos, os seus operadores (juízes, advogados, promotores, defensores públicos etc.), com o privilégio do entendimento, e sim que existem pessoas comuns, muitas vezes, desprovidas de qualquer instrução, ávidas pela compreensão de tais atos e procedimentos, os quais irão determinar o seu destino.
Por isso, torna-se imprescindível uma reavaliação nas condutas propagadas por tais profissionais usuários do vernáculo jurídico como instrumento de trabalho, à proporção que um aumento na simplicidade vocabular e procedimental representa maior integração dos indivíduos na procura e defesa de sua garantias fundamentais; afinal de contas, uma sociedade bem orientada e ciente de seus direitos e deveres exerce melhor o seus laços de cidadania, respeitando-se, consequentemente, os limites de cada um de seus membros, amenizando-se ou mesmo evitando-se vários conflitos, haja vista, consoante frase famosa de François Rabelais ser a ignorância a “mãe de todos os males”. Porporciona-se assim maiores condições de se estabelecer um ambiente cotidiano mais pacífico, justo e solidário, em prol da implementação do tão almejado Estado Democrático de Direito. Pois, de que adianta buscar avidamente alcançar justiça, se sequer se compreende o seu real significado e como funcionam, de forma geral, os atos regentes de sua natureza, necessitando-se então do intermédio “milagroso” urgente de pessoas “iluminadas” para a tradução desse universo jurídico tão próximo e – ao mesmo tempo – tão distante!?
Dessa forma, uma mudança de costumes operacionais pelos operadores jurídicos é algo não só necessário, e sim sublime, da essência do Direito, pois oportuniza-se às pessoas poderem seguir o seu próprio caminho e traçarem os seus propósitos, de maneira, consciente, sempre, sem o sentimento remansoso de frustração ou culpa por algo que não fez ou deixou de fazer, afastando, destarte, a sensação de injustiça, tão predominante na sociedade brasileira moderna e reacendendo a “chama” esperançosa na atuação efetiva do Terceiro Poder.
Informações Sobre o Autor
Alexandre Magno Lins Ramos
Advogado Pós-Graduando em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes / RJ