Resumo: A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente adotou a responsabilidade sem culpa tanto para as infrações administrativas quanto para a obrigação civil de reparar o dano. Na responsabilidade civil ambiental adota-se a Teoria do Risco Integral, a qual não admite excludentes de responsabilidade, tais como força maior, caso fortuito ou fato de terceiro. Por sua vez, a responsabilidade administrativa baseia-se na Teoria do Risco Criado, que admite a incidência de excludentes, mas exige do administrado – ante a presunção de legitimidade dos atos administrativos – que demonstre que seu comportamento não contribuiu para a ocorrência da infração (culpa concorrente).
Palavras-chave: Infração Ambiental; dolo e culpa; Teoria do Risco Criado.
Sumário: Introdução. 1. Elementos Subjetivos. 2. Teoria do Risco. 3. Princípios da Prevenção e da Precaução. Conclusão
Introdução
O conceito de infração administrativa ambiental foi apresentado pelo art. 70 da Lei Federal nº 9.605/98 e pelos dispositivos do Decreto Federal Regulamentar nº 6.514/2008.
Segundo se extrai das referidas normas, a responsabilização do infrator depende apenas da caracterização da relação ou o nexo de causa e efeito entre o comportamento do agente e a conduta descrita na legislação ambiental como infração administrativa.
A imputação de responsabilidade pela prática do ilícito prescinde de dolo ou culpa, bastando que se demonstre a existência de ação ou omissão e de nexo que, para o Direito Ambiental, já se caracteriza a infração administrativa. “Desse modo, os pressupostos para a configuração da responsabilidade administrativa podem ser sintetizados na fórmula conduta ilícita, considerada como qualquer comportamento contrário ao ordenamento jurídico”. (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, 2009, p. 885).
Acerca da natureza jurídica da responsabilidade administrativa registram-se as observações de Edis Milaré.
“A doutrina inclina-se pela regra da objetividade para definir a natureza jurídica da responsabilidade administrativa.
Hely Lopes Meirelles, por exemplo, sempre sustentou que “a multa administrativa é de natureza objetiva e se torna devida independentemente da ocorrência de culpa ou dolo do infrator”.(…)
Por sua vez, mais consentâneo com a nossa opinião, vista a seguir, Régis Fernandes de Oliveira remete à tipificação para definir a natureza da infração: “A infração pode ser meramente formal ou exigir resultado (material). Dependendo da configuração legal, bastará o comportamento antijurídico e típico, tornando prescindível a culpa. (…) Para nós, em certos casos, basta a voluntariedade, isto é, o movimento anímico consciente capaz de produzir efeitos jurídicos. Não há necessidade de demonstração de dolo ou culpa do infrator; basta que, praticando o fato previsto, dê causa a uma ocorrência punida pela lei.(…) Indisputável, parece-nos, que a legislação pode prefixar hipóteses infracionais apenas caracterizáveis com a presença de dolo ou culpa, ou, então – é caso que admitimos – pode satisfazer-se com o mero comportamento do administrado para ter por caracterizada a infração. (…)
Na mesma linha, constata Joel Ilan Pacionirk, ao comparar o ordenamento jurídico pátrio com o direito espanhol, onde a presença do elemento subjetivo é requisito para a incidência da sanção administrativa, aduz: “Já no direito brasileiro não se estabelece posição fechada sobre exigir ou não, em todos os casos, a presença de elemento subjetivo. Opiniões doutrinárias admitem a existência de tipos infracionais para cuja configuração se exige dolo ou culpa; ao mesmo tempo se poderão encontrar na legislação tipos que se consumam independentemente da vontade do agente, bastando para tanto a execução do tipo descrito na norma”.
Concordamos com esses autores quando afirmam que a responsabilidade administrativa em matéria ambiental, em princípio, não se funda na culpa, na medida em que, a teor do art.70 da Lei 9.605/98, a infração administrativa caracteriza-se como qualquer violação do ordenamento jurídico tutelar do ambiente, independentemente da presença do elemento subjetivo” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, 2009, p. 883/884).
Vê-se, portanto, que não merece prosperar a alegação apresentada pela maioria dos infratores de que não houve ânimo em praticar a infração ambiental e que a multa simples somente se aplica ao agente que comete infração ambiental intencionalmente.
1. Elementos Subjetivos
O art.72, §3º, da Lei Federal nº 9.605/1998, não condiciona a aplicação da pena de multa à comprovação de elemento subjetivo do agente infrator, limitando-se a dizer que tal conseqüência sancionadora (multa) sempre deverá ser aplicada quando constatada a reincidência no cometimento de infração ou no caso de embaraço à fiscalização, a serem caracterizados por elemento subjetivo (dolo ou negligência), mas não apenas nesses casos.
Realizando leitura seqüencial de todos os parágrafos e incisos do art. 72 da Lei nº 9.605/98 percebe-se que a multa simples pode e deve ser aplicada pela autoridade ambiental sem qualquer condição prévia.
“Art.72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;(…)
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I – Advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão ambiental competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.”
Essa é também a opinião de Nicolau Dino, extraída de sua obra Crimes e Infrações Administrativas Ambientais:
“A defeituosa redação dada ao §3º pode ensejar interpretações equivocadas que em muito dificultariam a imposição da sanção de multa – “pena administrativa por excelência”, conforme ensinamento de Ruy Cirne Lima, referido por Vladimir Passos de Freitas.
Por primeiro, poder-se-ia considerar que somente se caracterizados culpa ou dolo seria possível a aplicação de multa; em segundo lugar, em face do inciso I, ter-se-ia como imprescindível a prévia aplicação da pena de advertência – relativa ao mesmo fato – para que fosse imposta a multa.
Contudo, estas leituras, além de reduzirem de modo expressivo a eficácia do sistema de sanções administrativas, gerariam uma série de contradições impossíveis de serem explicadas, tais como: por que exigir o elemento subjetivo somente quando a sanção aplicável for a de multa? Por que exclusivamente esta sanção deve vir antecedida da pena de advertência?
É imperativo, portanto, buscar-se uma interpretação que concilie a letra da norma com o espírito e lógica interna do sistema. Com este escopo, a melhor alternativa consiste em considerar-se o dispositivo em análise como veiculador de regras excepcionais, logo insuscetível de interpretação ampliativa. Assim sendo, conclui-se que a presença de culpa ou dolo por parte do infrator só é exigível caso se cuide de embaraço à fiscalização ou de inobservância de prazo para superar irregularidades sanáveis. Nesta última hipótese, a autoridade competente somente poderá impor a pena de multa após o fluxo do prazo atribuído ao infrator e a ele comunicado por escrito quando da notificação da imposição da pena de advertência. Contudo, este iter não é necessário quando se trata de irregularidades insanáveis, caso em que não há qualquer sentido em se conferir tal prazo ao infrator (nem a lei assim expressamente determina).
No mesmo diapasão, em outros casos, que não os discriminados expressamente, será possível a aplicação da pena de multa independentemente de caracterização de culpa por parte do poluidor, de acordo com o que determinar cada tipo infracional específico – conforme demonstrado anteriormente.” (2ª ed.rev.atual. Brasília : Brasília Jurídica, 2001, pgs. 400/401).
Depreende-se que a mens legis está a exigir da Administração Ambiental a aplicação de penalidade mais severa sempre que se constatar situação de clara desídia ou má-fé no atendimento às normas ambientais ou de embaraço aos órgãos fiscalizadores por parte do infrator, não podendo o agente público manter a aplicação de penalidade branda nesses casos. Contudo, não se conclui da norma que essas seriam as únicas situações a merecerem a penalidade de multa simples, sob pena de claro prejuízo ao interesse público de repressão a ilícitos ambientais.
Não se pode deduzir do dispositivo em tela que em todas as hipóteses de infração administrativa ambiental será exigida a demonstração de dolo ou de negligência, vez que somente as situações excepcionais estão dispostas expressamente na lei para vincular o agente autuante na aplicação da penalidade mais justa (§3º, I e II, do art.72, da Lei nº 9.605/98).
2. Teoria do Risco
A pretensão de se anular o ato administrativo punitivo com fundamento no reconhecimento da Teoria da Responsabilidade Subjetiva não possui qualquer amparo legal e vai de encontro ao texto expresso do art. 14, §1º da Lei n.º 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA).
“Art 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:(…)
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
Enfim, não existe dúvida acerca da aplicabilidade da Teoria da Responsabilidade Objetiva no Direito Ambiental. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, como visto, adotou a responsabilidade sem culpa tanto para as infrações administrativas quanto para a obrigação civil de reparar o dano.
Há, todavia, uma gradação de intensidade entre as responsabilidades administrativa e civil. Nesta adota-se a Teoria do Risco Integral, a qual não se admite as excludentes de responsabilidade, tais como força maior, caso fortuito ou fato de terceiro. A responsabilidade administrativa, noutro giro, baseia-se na Teoria do Risco Criado, que admite a incidência de excludentes, mas exige do administrado – ante a presunção de legitimidade dos atos administrativos – que demonstre que seu comportamento não contribuiu para a ocorrência da infração (culpa concorrente).
Pela Teoria do Risco Criado é responsável quem, em função dos riscos ou perigos de sua atividade, incorra em ação ou omissão cuja conseqüência enquadra-se como ilícito administrativo ambiental, ainda que tenha sido diligente para evitar o dano. A teoria admite a responsabilidade independentemente de culpa ou de decisão da empresa, bastando a comprovação do dano (efetivo ou potencial) e do nexo de causalidade, mas sustenta que não se poderia imputar a responsabilidade quando o dano resultasse da conduta ou ação de terceiro, vítima ou não, ou de outras excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito ou força maior.
Pode-se concluir que a responsabilidade ambiental administrativa insere-se entre a responsabilidade civil objetiva (Teoria do Risco Criado) e a responsabilidade penal subjetiva. Assemelha-se e distingue-se de ambas.
3. Princípios da Prevenção e da Precaução
Também não prospera a alegação de que a ausência de dano efetivo obstaria a imposição de penalidades administrativas, pois, consoante expressa previsão legal, poluidor é qualquer pessoa física ou jurídica que direta ou mesmo indiretamente provoque alteração adversa das características do meio ambiente.
“Lei Federal nº 6.938/81
“Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a. prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b. criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c. afetem desfavoravelmente a biota;
d. afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e. lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;”
Tratando-se de Direito Ambiental, em razão da absoluta peculiaridade do bem jurídico tutelado, aplicam-se os Princípios da Precaução e da Prevenção, sendo perfeitamente aceitável que o legislador considere ilícita conduta que, por si só, tenha potencialidade de causar riscos maiores e provavelmente irreversíveis à manutenção da qualidade ambiental.
Falar sobre responsabilidade ambiental conduz reflexão a respeito do princípio do Poluidor-Pagador, que confere sustentação tanto à obrigação civil como à administrativa. Segundo esse postulado, aquele que polui – intencionalmente ou não –, deve arcar com as conseqüências que seu ato produz. Tal expressão se traduz na imposição ao sujeito causador do problema ambiental de sustentar financeiramente a diminuição ou o afastamento do dano. Visa, ainda, impedir a socialização dos prejuízos decorrentes de atividade prejudicial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Dessa forma, ao obrigar o poluidor a incorporar nos seus custos o preço da degradação que causa, a responsabilidade ambiental proporciona o clima político-jurídico necessário à operacionalização do Princípio da Prevenção, pois prevenir passa a ser menos custoso do que reparar.
Distinguem-se no referido princípio duas finalidades básicas: evitar a ocorrência de dano ambiental – caráter preventivo; e, ocorrido o dano, ordenar sua reparação – caráter repressivo. Dentro desse princípio, mais precisamente em seu caráter repressivo, é que se insere a idéia de responsabilidade pelo dano causado ao meio ambiente independentemente de culpa.
Por todos os lados em que se analisa o tema resta claro e inequívoco o reconhecimento da responsabilidade objetiva em matéria ambiental, entendimento, como visto, amplamente consolidado na legislação e doutrina pátrias.
Ressalte-se que é somente com base no Direito Ambiental que a conduta do infrator deve ser confrontada. Ainda que a conduta do agente seja considerada lícita segundo regras peculiares a outros ramos do Direito, se resultar alguma degradação da qualidade ambiental, já estão presentes os elementos necessários à responsabilização administrativa, ante a violação a regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70, da Lei nº 9.605/98), independente de culpabilidade.
Conclusão
Do exposto, conclui-se que se a conduta (ação ou omissão) é considerada ilícita por sua própria natureza ou gera um resultado considerado ilícito pela legislação ambiental, está configurada a infração administrativa, ainda quando não comprovado que visou deliberadamente o resultado danoso. Entretanto, o rompimento do nexo causal pela existência de excludente de responsabilidade é capaz de afastar a possibilidade de imputação da conduta ao suposto infrator.
Informações Sobre o Autor
Mariana Wolfenson Coutinho Brandão
Procuradora Federal em exercício no IBAMA-Sede. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola de Magistratura de Pernambuco – ESMAPE