O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do crime de estupro

1. Introdução


O art. 213 do Código Penal (CP), com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.015, de 2009, define como estupro o fato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.


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Como sujeitos, o delito admite, como ativo e passivo, pessoas de ambos os sexos. É possível, destarte, que um homem seja vítima de estupro praticado por mulher. Nesse caso, se da violência sexual resultar gravidez, terá o ofendido o direito de exigir sua interrupção? O aborto realizado em tais circunstâncias será considerado criminoso ou se entenderá lícito, nos termos do art. 128 do CP? A paternidade indesejada gerará consequências na órbita do Direito Civil?


No presente trabalho, serão examinadas essas questões sob o ângulo de diversos ramos do Direito.


2. O aborto e a legislação penal brasileira


O aborto – interrupção da gravidez com a morte do feto – pode ser espontâneo ou provocado. No primeiro caso, a expulsão do ser advém da natureza e decorre de estados patológicos do nascituro ou da própria gestante. O provocado é aquele decorrente de ação humana e se divide em criminoso ou legal.


A supressão da vida humana intrauterina configurará ilícito penal nas hipóteses descritas nos arts. 124 a 127 do CP, a saber: a) autoaborto ou aborto consentido (art. 124); b) aborto sofrido ou praticado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125); c) aborto praticado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126). Há, ainda, causas de aumento de pena, as quais retratam delitos agravados pelo resultado (art. 127). Cuidam-se de casos em que, em decorrência das manobras abortivas, resultam na gestante lesão grave (CP, art. 129, §§ 1.º e 2.º) ou morte (§ 3.º). O aborto somente se pune como crime doloso. Nas figuras agravadas pelo resultado, trata-se de infração preterdolosa. A morte do ovo, embrião ou feto, provocada culposamente ou decorrente de fenômeno natural, não é criminosa.


Ademais, a supressão voluntária da vida do nascituro será lícita quando cometida nas circunstâncias previstas no art. 128 do CP. De acordo com esse dispositivo:


“Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:


Aborto necessário


I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;


Aborto no caso de gravidez resultante de estupro


II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”


O estatuto penal permite, no primeiro caso, o denominado aborto necessário, hipótese de estado de necessidade elevado a justificativa da Parte Especial; no segundo, o aborto sentimental. Se a gravidez é resultante de estupro ou atentado violento ao pudor, crimes hoje previstos numa só norma incriminadora (art. 213 do CP), o aborto só é permitido em face de prévio consentimento da gestante. É possível, porém, que ela seja incapaz (menor, doente mental etc.), exigindo-se o consentimento de seu representante legal. São excludentes da ilicitude, pois o Código dispõe sobre não ser punido o aborto. Não diz não se pune o médico, hipótese em que teríamos causa de exclusão da culpabilidade, diante do seu caráter pessoal.


O único árbitro da prática do aborto é o médico. Deve valer-se dos meios à sua disposição para a comprovação do estupro ou do atentado violento ao pudor (inquérito policial, processo criminal, peças de informação etc.). Inexistindo, ele mesmo deve procurar certificar-se da ocorrência do delito sexual.


Não é exigida autorização judicial. Tratando-se de dispositivo que favorece o médico, deve ser interpretado restritivamente. Como o tipo não faz nenhuma exigência, as condições da prática abortiva não podem ser alargadas. Não há necessidade, assim, de audiência do Ministério Público ou de autorização da autoridade policial. O Conselho Federal de Medicina chegou a orientar os médicos, em tais casos, a exigirem a demonstração do fato por meio de Boletim de Ocorrência. Na verdade, tal prova pode se dar por qualquer meio admitido em Direito.


O Ministério da Saúde, em 2005, editou a Portaria n. 1.145, de 7 de julho, deixando claro não haver necessidade de lavratura do Boletim de Ocorrência, mas estabeleceu a obrigatoriedade de adoção do “procedimento de justificação e autorização de interrupção da gravidez”. Referido procedimento compõe-se de quatro fases (art. 2.º), sendo a primeira o “relato circunstanciado do evento criminoso, realizado pela própria mulher, perante dois profissionais de saúde” (art. 3.º, caput). Em seguida, o médico emitirá um parecer técnico e a mulher receberá atenção de equipe multidisciplinar, cujas opiniões serão anotadas em documento escrito (art. 4.º). Se todos estiverem de acordo, lavrar-se-á termo de aprovação do procedimento (art. 5.º). Depois, a mulher ou seu representante legal firmará termo de responsabilidade. Por fim, realiza-se o termo de consentimento livre e esclarecido (art. 6.º).


3. Fundamento constitucional


A Constituição Federal (CF) garante a inviolabilidade da vida como direito fundamental (art. 5.º), uma vez que esta é a condição para o exercício de todos os demais direitos. A Convenção de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, estipula que a vida deve ser protegida pela lei e, em geral, a partir da concepção, declarando que ninguém poderá ser dela privado arbitrariamente (art. 4.º).


O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina a obrigação ao Estado de efetivar a proteção à vida mediante políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, além de prestar à gestante tratamento e apoio alimentar (arts. 7.º e 8.º). A partir dessa estruturação jurídica de nosso sistema, que determina a proteção à vida a partir da concepção, há criminalização do aborto em nosso Código Penal (arts. 124 a 127). De acordo com o art. 128, autoriza-se o aborto em duas hipóteses, quando praticadas por médico, mencionadas anteriormente: a) se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário); b) se a gravidez resulta de estupro ou atentado violento ao pudor e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (aborto sentimental).


Conforme ALEXANDRE DE MORAES: “o aborto poderá ser penalizado quando estiver tutelando o direito à vida; devendo, porém, em virtude da relatividade dos direitos fundamentais, ser despenalizado quando houver grave risco para a vida da gestante (aborto necessário), quando atentar contra a liberdade sexual da mulher (aborto sentimental) […]”[1].


A relatividade dos direitos fundamentais é, assim, a justificativa para a despenalização do aborto em certas hipóteses nas quais outros direitos fundamentais também estejam envolvidos no conflito de direitos, como a necessidade de salvar a vida da gestante ou a tutela da liberdade sexual da mulher.


O Supremo Tribunal Federal (STF) já demonstrou a inexistência de direitos absolutos em nosso ordenamento jurídico: “Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela Constituição Federal” (MS n. 23.452/RJ, rel. Min. Celso de Mello). Dessa forma, concluímos pela possibilidade de a lei penal dispor sobre hipóteses em que o aborto não seja penalizado, como o referido art. 128 do CP.


4. O novo tipo penal de estupro e o aborto terapêutico


A Lei n. 12.015/2009, alterando a sistemática dos crimes descritos no Título VI do CP, deixou de prever, como bem jurídico principal, os costumes. Hoje, são delitos contra a dignidade sexual. Em face disso, ampliaram-se as qualificações dos sujeitos do delito. Antes da lei nova, só o homem podia ser sujeito e só a mulher, passivo; agora, homem e mulher são previstos no tipo como possíveis executor e vítima.


Suponha-se que uma mulher constranja um homem à conjunção carnal, resultando gravidez. É permitido o aborto sentimental? Pode a mulher (autora do crime) ser compelida a interromper o processo gestacional? Como devem ser regulados os efeitos civis decorrentes dessa paternidade não desejada?


5. O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do estupro


Deve-se anotar, de início, que o art. 128, II, do CP (aborto terapêutico), exige a autorização da gestante ou de seu representante legal, se incapaz, como condição para o aborto não ser punido, quando a gravidez resulta de estupro (abrangendo o atentado violento ao pudor). A gestante está colocada aqui, obviamente, na condição de vítima, não de autora da infração penal, até porque, quando da edição do Código, estupro e atentado violento ao pudor configuravam crimes autônomos, não sendo possível a mulher figurar como estupradora. Com a nova redação do art. 213, se a mulher for autora da conduta criminosa, de questionar-se a possibilidade de aplicação do art. 128, II, tendo o homem como vítima.


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Inevitável lembrar que a ideia que ampara o aborto sentimental é a de impedir que a mulher carregue em seu ventre o fruto da concepção indesejada, resultado de prática violenta, à qual ela foi constrangida, e também evitar que, caso o nascimento ocorra, seja ela obrigada a conviver com um filho que vai lhe fazer se lembrar, por toda a vida, da violação que sofreu.


Muito embora, em nosso sistema jurídico, a vida seja protegida desde o momento da concepção, excepciona-se a proibição de matar em prol de uma limitação humana em lidar com um fato indelével e que ocasiona, na maioria das vezes, transtornos psicológicos difíceis de superar. Partindo dessa premissa, se a vítima do estupro é o homem, pode não ser de sua vontade que a mulher criminosa dê à luz um filho seu. Apesar de não ser ele a pessoa a suportar os reflexos físicos da gravidez, a paternidade implica uma série de obrigações de ordem jurídica, ética, moral e até mesmo financeira, para não falar de outras. Nessa ótica, poder-se-ia cogitar de uma mulher que dolosamente realiza a conduta criminosa, intencionando engravidar para obter um vínculo com o homem e, ainda, uma pensão futura para o filho comum ou até mesmo para chantagear alguém de ótimas condições financeiras.


Inobstante tais situações, vemos que o problema fundamental é de ordem psicológico-sentimental. Ainda que se resolva qualquer problema jurídico envolvendo sua paternidade, isto é, ainda que se exclua sua paternidade legal, jamais será excluída sua paternidade biológica. O homem vítima de um crime sexual violento saberá que existe no mundo um filho seu e, não dificilmente, viverá um dilema ético de assumir a paternidade indesejada, deixando para trás as marcas do crime, ou manter-se distante do filho que é seu para não ter qualquer tipo de associação entre sua figura e a da prática criminosa.


Não se esqueça, também, da condição da criança que veio da concepção, por sua vez, oriunda da prática de um crime. Cedo ou tarde ela saberá que a gravidez foi “criminosa”, indesejada pelo pai, o que pode interferir na sua formação. Além disso, terá ela, em tese, todo o direito de querer conhecer seu pai, ter contato com ele. Surge novamente o problema de o homem ter de enfrentar as consequências do delito.


Todas essas razões poderiam indicar o caminho da possibilidade de se interromper a gravidez da mulher autora do crime de estupro, se desejado pelo homem vítima. Esse caminho, contudo, não é viável em nossa opinião.


De plano, deve-se ressaltar que a redação do dispositivo legal deixa bem claro que condição para a realização do aborto sentimental é o consentimento da gestante ou de seu representante legal. Sem consentimento, não há intervenção médica, sob pena de o profissional ser punido, já que estamos diante de uma norma permissiva que exige elementos a serem observados para sua caracterização no plano concreto. Ademais, deve-se lembrar que a ideia do legislador é impedir a gravidez indesejada do ponto de vista da mulher vítima. Nessa perspectiva, se, mesmo quando a mulher é atingida por uma odiosa violação, exige-se seu consentimento, o que dizer então quando ela é autora do fato? Em outras palavras, se ela pode optar por carregar as marcas traumáticas do delito sofrido, privilegiando o nascimento da criança, com menos razão poder-se-ia submetê-la à prática do aborto quando a vítima é o homem. Além disso, a intervenção abortiva, atendendo à vontade do homem vítima e contrariando a da mulher autora, consistiria em verdadeira sanção penal contra esta, solução não prevista em nosso ordenamento, ferindo frontalmente o princípio da legalidade, do devido processo legal e, inclusive, a disposição constitucional que veda a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada (art. 5.º, XLVII, da CF), em afronta, também, ao princípio da intranscendência da pena.


Assim, por mais que possa parecer justo o homem vítima de estupro pleitear o aborto sentimental, por mais que se queira equiparar sua condição à da mulher vítima, tal hipótese não encontra qualquer amparo no ordenamento legal. As consequências da paternidade indesejada e resultante de crime poderāo ser minimizadas na esfera cível, no que diz respeito às obrigações daí decorrentes. Na esfera criminal, como dito, na incomum, porém possível, hipótese de o homem vir a ser vítima de estupro, em nossa opinião, não poderá haver o aborto sentimental.


6. A paternidade indesejada e seus efeitos civis


Questionou-se a hipótese de o homem ser estuprado por mulher e, diante da impossibilidade de exigir aborto, quais efeitos remanesceriam sob o ponto de vista civil para o pai vítima?


Para responder à indagaçāo, deve-se ponderar que, de acordo com a ontogenia humana, o aparecimento do novo ser humano ocorre com a fusão dos gametas masculino e feminino originando o ovo ou zigoto, apresentando um código genético próprio e distinto do espermatozóide e do óvulo originário. Segundo a Prof.ª MARIA HELENA DINIZ, “a afetologia e as modernas técnicas de medicina comprovam que a vida inicia-se no ato da concepção, ou seja, da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, dentro ou fora do útero. A partir daí tudo é transformação morfológico-temporal, que passará pelo nascimento e alcançará a morte, sem que haja qualquer alteração do código genético, que é singular, tornando a vida humana irrepetível e, com isso, cada ser humano único”[2].


Independentemente da adoção da teoria natalista ou concepcionista, não resta a menor dúvida de que, durante a vida intrauterina ou mesmo in vitro, existe a personalidade jurídica constitucional, de maneira que o feto é sujeito de direitos, consagrando-se os referentes à vida, à integridade física, à inviolabilidade de sua formação, entre tantos outros, não possuindo apenas personalidade jurídica ou econômica, posto que, para ser titular de direitos econômicos, é preciso que nasça vivo[3]. Mais adiante, na mesma obra, a própria Prof.ª Maria Helena ensina: “Conquanto comece do nascimento com vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, art. 2.º, 1.609, par. ún., 1.779 e 1.798; CP, arts. 124 a 127, 128, I e II; Leis n. 8.974/95 (ora revogada), art. 13; n. 8.069/90, arts. 7.º a 10, 208, VI, 228 e parágrafo único, 229 e parágrafo único; n. 11.105/2005, arts. 6.º, III, 24 e 25), como o direito a alimentos (RT, 650/220), à vida (CF, art. 5.º, caput), a uma adequada assistência pré-natal, a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, de receber herança, ser contemplado por doação, ser reconhecido como filho etc. Poder-se-ia até mesmo tornar a afirmar que, na vida intrauterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, passando a ter personalidade jurídica material e alcançando os direitos patrimoniais e os obrigacionais que permaneciam em estado potencial somente com o nascimento com vida”[4].


A grande discussão aqui travada diz respeito aos efeitos jurídicos da paternidade para o homem vítima de estupro do qual resulta gravidez. Os pontos importantes a ser estudados consistem em saber (i) se poderá a criança intentar uma ação investigatória de origem biológica, (ii) se terá o suposto pai obrigação alimentar, (iii) se fará jus o descendente aos alimentos, inclusive aos gravídicos, (iv) se usará a criança o sobrenome paterno, (v) se participará da sucessão e (vi) se será possível ao menor exigir visita e moradia com o pai.


Sem sombra de dúvida, estamos diante de uma antinomia principiológica na qual o vetor da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF) se relativiza ou para proteger o nascituro e o nascido vivo para garantir-lhes todos os direitos acima enunciados ou inclinando-se a proteger o homem vítima de estupro, deixando de obrigá-lo a se responsabilizar pelo referido nascituro ou pelo nascido vivo.


Na árida tarefa de eleição de bens jurídicos, ou seja, na realização de um juízo de ponderação, é imprescindível, diante dos vetores da razoabilidade e da proporcionalidade, agir, fundamentalmente, com bom senso. Nessa linha de raciocínio, a discussão é muito mais de ordem zetética do que dogmática, posto que ambos os bens jurídicos tutelados fundamentam-se nos direitos naturais e positivos envolvidos, o que torna impossível a eleição de apenas uma tese, tida por verdadeira, sob o ponto de vista ontológico. Dessa maneira, não há discurso que possa convencer a todos que venham interagir com o tema em questão a adotar esta ou aquela posição.


Um dos vetores da dignidade, nessa ordem de coisas, é o princípio da vontade procriacional inequívoca. Para que determinado ascendente, portanto, tenha responsabilidade sobre a sua prole ou descendência, e também para que essa responsabilidade gere efeitos na ordem civil, é imprescindível a presença da referida vontade de maneira expressa, inequívoca ou de maneira presumida, como nas relações sexuais em geral. No presente caso, não há qualquer vontade procriacional, motivo pelo qual também não haverá qualquer presunção de afetividade que possa implicar obrigações para o ascendente genético. Por questões que refogem ao Direito, se o referido ascendente, de maneira inequívoca, quiser reconhecer um filho fruto de estupro a que foi submetido, não haverá nenhum empecilho. Essa situação, porém, será facultativa e totalmente discricionária por parte do referido ascendente-vítima, que poderá optar, inclusive, por não ter nenhum contato com a referida descendência genética, tendo em vista que esta é consequência de uma relação a que foi ilicitamente exposto e obrigado.


7. Conclusões


No início deste trabalho, propusemos alguns questionamentos, aos quais retornamos para, em síntese conclusiva, asseverar que:


1) Se da violência sexual resultar gravidez, terá o ofendido o direito de exigir sua interrupção?


Não. A Carta Constitucional garante como direito fundamental da pessoa a inviolabilidade do direito à vida (art. 5.º, caput) e a Convenção de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, contempla, no art. 4.º, o mesmo direito, que deve ser protegido pela lei desde o momento da concepção (teoria concepcionista).


Sabe-se que não há direitos fundamentais absolutos, de modo que são compatíveis com a Lei Fundamental as hipóteses de aborto legal contidas no art. 128 do CP. Ocorre, todavia, que a justificativa para a existência de tais excludentes de ilicitude prende-se exclusivamente na necessidade de salvar a vida da gestante ou na tutela da liberdade sexual da mulher. A norma permissiva não pode ser ampliada para conferir ao homem estuprado o direito de exigir a ocisão da vida do nascituro do ventre da autora do delito. Não fosse assim, o ser nascente sofreria as consequências do crime cometido por sua ascendência, isto é, a pena passaria da pessoa do criminoso, em patente afronta ao princípio constitucional da personalidade da pena (art. 5.º, XLV, da Carta Magna).


2) O aborto realizado em tais circunstâncias será considerado criminoso (ou lícito, nos termos do art. 128 do CP)?


O ato será considerado criminoso, não sendo possível o médico responsável pelo procedimento cirúrgico invocar a norma permissiva do art. 128 do CP.


3) A paternidade indesejada gerará consequências na órbita do Direito Civil?


Como a hipótese trata de paternidade indesejada, pois ausente por completo a vontade procriacional, nenhuma obrigação civil terá o ofendido perante a prole a ser gerada pela autora do estupro. Nada impede, contudo, por questões que refogem ao Direito, que o ascendente pretenda, por sua vontade, reconhecer o filho. Cuida-se, portanto, de uma faculdade e não de uma obrigação legal.


 


Notas:

[1] Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2005. p. 179.

[2]  O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2007.

[3]  DINIZ, Maria Helena. Op. cit.

[4]  DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 439-440.


Informações Sobre os Autores

Damásio Evangelista de Jesus

advogado, Professor de Direito Penal, Presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e Diretor-Geral da Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Recebeu o Prêmio Costa e Silva e o Colar D. Pedro I, é Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos de Salerno (Itália) e autor de livros na área criminal.

Gianpaolo Poggio Smanio

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Professor no Complexo Educacional Damásio de Jesus

Luiz Antônio de Souza

Professor no Complexo Educacional Damásio de Jesus

Vitor Frederico Kümpel

Professor no Complexo Educacional Damásio de Jesus

Flávio Cardoso de Oliveira

Professor no Complexo Educacional Damásio de Jesus

André Estefam Araújo Lima

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