Resumo: O presente artigo possui basicamente duas finalidades, uma delas é apresentar uma visão geral sobre a teoria geral da prova, mencionando conceitos do processo civil individual que podem e devem ser utilizados também no processo civil coletivo, desde que observadas as peculiaridades da tutela processual coletiva. Em um segundo momento, serão elaboradas breves considerações sobre a prova no âmbito da tutela processual coletiva, apontando-se especificidades, tais como, a utilização da chamada prova por amostragem e como deve ocorrer a utilização da prova emprestada nas ações coletivas.
Palavras-chave: prova; processo coletivo
Abstract: This article has two basics purposes, one of them is to present an overview of the general proof theory, stating concepts of individual civil process that can and should also be used in collective civil process, since considering the peculiarities of collective procedural protection. In a second moment, will be briefly elaborated considerations of the proof in collective procedural protection, pointing to specifics, such as, the use of called sample proof and how should occur the utilization of the borrowed proof in the collective actions.
Keywords: proof; collective process
Sumário: 1 Introdução; 2 Teoria geral das provas; 2.1 Acepções da palavra prova; 2.2 Princípios e regras relativos às provas; 2.2.1 Regra da liberdade ou atipicidade dos meios de prova; 2.2.2 Regra da vedação da prova ilícita; 2.2.3 Regra da aquisição da prova; 2.2.4 Princípio da oralidade; 2.2.5 Princípio da isonomia; 2.3 Prova e contraditório; 2.4 Objeto da prova; 2.5 Poder instrutório do juiz; 2.6 Ônus da prova 2.6.1 Teoria Estática e Dinâmica de distribuição do ônus da prova; 3 Breves considerações sobre provas na tutela coletiva; 3.1 Preocupação justificada com a insuficiência de provas nas ações coletivas; 3.2 Princípio da oralidade e a audiência pública; 3.3 Valor da prova produzida no Inquérito Civil; 3.4 Prova pericial; 3.5 Prova por amostragem; 3.6 Prova emprestada; 4 Considerações finais; Referências.
Introdução
O objetivo do presente trabalho é o de apresentar, em um primeiro momento, um panorama geral sobre o tratamento processual relativo às provas, delimitando assim o objeto de estudo da segunda parte deste breve estudo.
Em um segundo momento, serão destacados alguns pontos específicos sobre provas no âmbito da tutela processual coletiva. Segue-se abaixo a divisão proposta para o desenvolvimento do presente estudo.
No Capítulo I, intitulado por “Teoria Geral das Provas” serão abordados temas gerais, ou seja, conceitos genéricos que se aplicam tanto ao processo individual quanto ao processo coletivo. São ideias fundamentais e iniciais para que o tema proposto possa ser desenvolvido da melhor forma possível.
Já no Capítulo II, denominado “Breves consideração sobre provas na tutela coletiva”, após termos analisados conceitos básicos sobre a teoria geral das provas, foram escolhidos alguns temas específicos sobre provas na tutela coletiva.
Não há a menor pretensão de esgotamento dos temas abordados. Muito pelo contrário, o principal objetivo deste sucinto estudo é o de apresentar o tema, algumas das principais polêmicas envolvidas e contribuir de alguma forma para o estudo e a discussão sobre o tratamento das provas na tutela jurisdicional coletiva.
2 Teoria geral das provas
Neste Capítulo serão abordados temas gerais, ou seja, conceitos genéricos que se aplicam tanto ao processo individual quanto ao processo coletivo. São ideias fundamentais e iniciais para que o tema proposto pelo presente trabalho possa ser desenvolvido e que eventuais dúvidas por parte do leitor possam ser diminuídas.
Serão abordados os seguintes itens no presente Capítulo: os diversos sentidos da palavra prova, alguns princípios e regras relativos à prova, a prova como conteúdo do contraditório, qual o objeto da prova, os chamados poderes instrutórios do juiz, o ônus da prova, bem como as teorias que tratam sobre este assunto (teoria estática e dinâmica de distribuição do ônus da prova).
2.1 Acepções da palavra prova
A palavra prova possui muitas acepções diferentes (DINAMARCO, 2005, p. 86-87), mas podemos destacar especialmente três significados do vocábulo prova que são importantes tanto para a compreensão da teoria geral das provas, quanto para a análise das provas na tutela coletiva, são eles: prova como fonte de prova, prova como meio de prova e prova em sentido subjetivo.
Prova no sentido de fonte de prova é tudo de onde é possível extrair-se uma prova, gerar uma prova. Podemos indicar basicamente três fontes de provas: (a) pessoas; (b) coisas e (c) fenômenos (barulho, erosão, gravidez, etc.).
Meio de prova, por sua vez, é o modo pelo qual se extrai determinada prova de uma fonte de prova. São exemplos de meios introdutores de provas no processo: a perícia, a inspeção judicial, os testemunhos – a testemunha, nesse sentido é uma fonte de prova.
Por fim, prova em sentido subjetivo é ato de convencer o juiz sobre determinada alegação, é o que se quer com aquela prova produzida. Trata-se, portanto, de uma perspectiva de resultado, de fim: o convencimento do julgador.
Considerando os diversos significados da palavra prova podemos resumir o conteúdo de cada um deles da seguinte forma:
2.2 Princípios e regras relativos às provas
Os princípios não são mais vistos como meras técnicas de aplicação ou de integração do direito. O princípio é hoje tratado como verdadeira espécie de norma, fazendo parte, portanto, do próprio direito, sendo apenas relevante notar que o princípio deve ser analisado em momento anterior à análise da regra positiva.
Assim, normas em sentido amplo abrangem as regras e os princípios. Podemos apontar como a principal diferença existente entre princípios e regras a sua função. Enquanto os princípios são mandamentos de otimização, isto é, buscam aproveitar ao máximo as regras existentes, mediante a utilização de técnicas de hermenêutica jurídica. As regras são mandamentos de aplicação, na medida em que são “bastante em si mesmas”, ou seja, não demandam qualquer esforço interpretativo por parte do operador do direito para que sejam aplicadas no caso concreto (SILVA, 2010, p. 43-46).
Nesse sentido, abaixo analisaremos os seguintes princípios e regras relativos às provas: a regra da liberdade ou atipicidade dos meios de prova, a regra da vedação da prova ilícita, a regra da aquisição da prova, o princípio da oralidade e o princípio da isonomia.
2.2.1 Regra da liberdade ou atipicidade dos meios de prova
No Brasil vigora a regra da liberdade ou atipicidade dos meios de prova, o que significa dizer que se pode produzir prova por qualquer meio. Este princípio está previsto expressamente no artigo 332 do Código de Processo Civil (CPC; BRASIL, 1973).
Os meios de prova podem ser assim típicos, aqueles previstos expressamente em lei, mas também podem ser atípicos, aqueles que não estão previstos expressamente em lei. Provas atípicas são, portanto, os meios de prova não previstos em lei, mas aceitos pela doutrina e pela jurisprudência, tais como a reconstituição do crime (no processo civil, é prova atípica, pois é regulada apenas no processo penal), a prova emprestada (é a importação de uma prova produzida em outro processo, ao invés de produzir novamente, respeitado o princípio do contraditório) e a prova por amostragem (é utilizada quando há impossibilidade fática de ser realizada a prova em cada objeto considerado isoladamente).
Já as provas típicas são, por exemplo, aquelas previstas no Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), tais como, o depoimento pessoal, a confissão, a exibição de documento ou coisa, a prova documental, a prova testemunhal, a prova pericial e a inspeção judicial.
O limite para a produção e aceitação das provas típicas ou atípicas é a sua licitude, vez que em regra, não se admite a chamada prova ilícita. Prova lícita resumidamente é aquela que não lesa o direito de outra pessoa. A vedação constitucional, contudo, não é absoluta, em razão da aplicação do princípio da proporcionalidade, pode-se excepcionalmente admitir-se determinada prova ilícita, dependendo do caso concreto, como veremos no próximo item.
2.2.2 Regra da vedação da prova ilícita
A regra da vedação de utilização da prova ilícita é previsto por nossa Constituição Federal (BRASIL, 1988), que em seu art. 5º, inciso LVI, prevê que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Também encontramos no âmbito infraconstitucional um conceito de prova ilícita, é o que podemos extrair do caput, do art. 157 do Código de Processo Penal (CPP; BRASIL, 1941), assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Ainda, quanto à previsão legal positivada sobre a regra em questão, é válido mencionar o art. 332 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), que interpretado a contrario sensu pode ser entendido no sentido de que os meios de prova moralmente ilegítimos não são admissíveis no processo civil.
E, o art. 32 da Lei nº. 9.099/95 (BRASIL, 1995), segundo o qual são admitidos todos os meios de prova, ainda que atípicos e desde que moralmente legítimos para provar os fatos alegados pelas partes.
Não há previsão legal específica para a vedação da utilização de prova ilícita no microssistema processual coletivo. Assim, todos os dispositivos legais supramencionados são aplicáveis também à tutela jurisdicional coletiva.
Além da vedação da utilização da prova ilícita expressamente prevista em diversos âmbitos de nosso ordenamento jurídico, há posicionamento da nossa doutrina e da nossa jurisprudência que também adotam a teoria da árvore dos frutos envenenados ou fruits of the poisonus tree doctrine, segundo a qual, caso a prova produzida seja derivada direta ou indiretamente da prova obtida por meio ilícito, ela não deve ser aceita no processo por ter sido contaminada pelo mesmo vício de ilegalidade da prova anterior.
O Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento, por exemplo, do HC nº. 64096/PR[1] expressamente adotou a teoria da árvore dos frutos envenenados. Nelson Nery Júnior faz interessantes observações quanto a esta teoria de origem norte-americana, apontando que nos Estados Unidos, a fruits of the poisonus tree doctrine é mitigada pela doutrina da atenuação ou doctrine of attenuation, que possui como princípios a fonte independente ou independente source e da exceção de boa-fé ou good faith exception.
Segundo a regra da fonte independente, a prova será considerada lícita se for obtida de maneira independente da prova originariamente ilícita É importante observar que este princípio se diferencia do princípio da exceção da fonte hipotética independente ou inevitable discovery. Para Nelson Nery Júnior (NERY JR., 2009, p. 271), o art. 157, §§ 1º e 2º do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) positivou em nosso ordenamento jurídico o princípio da exceção da fonte hipotética independente e não o princípio da fonte independente, vez que:
A teoria da fonte independente merece crítica porque, para o nosso sistema, a fonte independente não é imprescindível para se obter a mesma prova que se obteria por outro meio e estaria afastada a ilicitude.
A regra da exceção de boa-fé, por sua vez, estabelece que a prova pode ser considerada válida quando os policiais envolvidos na operação de obtenção da prova acreditavam que agiam em conformidade com a lei.
Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, 2008, p. 48-49) aponta que as provas ilícitas possuem duas acepções: a ilicitude na obtenção das fontes de prova e a ilicitude na aplicação dos meios de prova, e como reflexo processual da configuração de qualquer uma dessas situações, será operada a absoluta ineficácia da prova produzida. Este autor também critica a posição do STF ao adotar a teoria da árvore dos frutos envenenados, são seus dizeres:
“Mas o Supremo Tribunal Federal vai além, ao adotar integralmente a conhecida teoria dos frutos da árvore contaminada e assim tachar de ineficazes as fontes de prova obtidas por meio ilícito e também os meios probatórios realizados em desdobramento de informações obtidas ilicitamente. Essa estremada radicalização compromete o acesso à justiça e constitui grave ressalva à promessa constitucional de tutela jurisdicional a quem tiver razão (Const., art. 5º, inc. XXXV). Reprimir fraudes ou violência na obtenção de provas, sim; mas fazê-lo à custa do sacrifício de direitos de extrema relevância constitucional, não” (DINAMARCO, 2008, p. 50).
Como vimos, em regra no processo coletivo, também deve prevalecer a regra da vedação da prova obtida por meio ilícito, bem como a vedação da prova derivada de uma prova ilícita (teoria da árvore dos frutos envenenados). No entanto, inexistindo qualquer outro modo de provar-se o alegado a prova ilícita pode ser excepcionalmente admitida com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Afinal, seria injusto que a coletividade ficasse sem reparação em razão única e exclusivamente da vedação de utilização de provas ilícitas.
2.2.3 Regra da aquisição da prova
Segundo a regra da aquisição da prova não é importante quem produziu determinada prova, isso porque uma vez produzida e, sendo ela juntada aos autos do processo, a prova passa a pertencer ao processo. É o que nos ensina Cândido Rangel Dinamarco:
“Essa é a regra da aquisição da prova, pela qual toda prova vinda aos autos se considera integrante do processo, ou adquirida por ele. Ela pode ter sido produzida pela parte a quem incumbia o ônus de provar o fato, ou mesmo pelo adversário. Pode ter vindo por iniciativa do fiscal da lei, do próprio juiz ou por acaso. Nada disso importa, diante do dever de julgar segundo o que estiver nos autos, sem restrições além daquelas referentes à ilicitude da prova (supra, n. 783)” (DINAMARCO, 2008, p. 84).
Ou seja, as provas produzidas pelo autor ou pelo réu passam a integrar o chamado conjunto probatório que reúne os elementos formadores da convicção do juiz. Assim, é possível que uma prova produzida pelo autor possa ser invocada inclusive em seu desfavor.
2.2.4 Princípio da oralidade
O princípio da oralidade está previsto expressamente em nosso ordenamento jurídico no caput, do artigo 336 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) e no artigo 2º da Lei nº. 9.099/95 (BRASIL, 1995) que disciplina os Juizados Especiais Cíveis.
O principal objetivo deste princípio é o de tornar mais célere a instrução processual e, isso se torna possível porque o ato processual é concentrado, na medida em que ocorrem simultaneamente a produção e a documentação das provas necessárias, então ambos os atos (de produção e de documentação) são praticados de uma só vez.
Os juristas em geral, dentre os quais se destaca Giuseppe Chiovenda (CHIOVENDA, 1938) -, um dos principais e grandes defensores do princípio da oralidade – indicam como subprincípios do princípio da oralidade: o princípio da imediatidade, o princípio da concentração, o princípio da identidade física do juiz e o princípio da irrecorribilidade das interlocutórias.
Como será visto no item 3.2 do presente trabalho, a principal contribuição do princípio da oralidade no processo coletivo está relacionada com a realização de audiências públicas, nas quais se permite a participação direta dos interessados na tutela coletiva.
2.2.5 Princípio da isonomia
O princípio da isonomia é usualmente definido como um modo adequado de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade. Este princípio está consagrado na Constituição Federal (artigo 5º, caput; BRASIL, 1988) e no Código de Processo Civil (artigo 125, inciso I; BRASIL, 1973).
No que se refere à produção das provas para a instrução processual este princípio é fundamental e acaba conferindo maior importância ao poder instrutório do juiz e à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.
Como veremos mais adiante o artigo 333 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) adotou a chamada teoria estática de distribuição do ônus da prova, isto é, é a própria lei que define quem deve provar e o que deve ser provado. No entanto, diante do caso concreto, nem sempre a solução adotada pela lei é a mais justa, ou melhor, é a que contribuirá para o término satisfatório da lide.
Diante de tais circunstâncias é que a doutrina vem cada vez mais se posicionando favoravelmente à ampliação dos chamados poderes instrutórios e à relativização da teoria de distribuição do ônus da prova, com a adoção da chamada teoria dinâmica de distribuição do ônus probatório. E, certamente o princípio da isonomia está diretamente relacionado com esta questão, ou seja, com quem está mais capacitado ou não para produzir determinada prova.
Esta verificação, quanto à maior aptidão para a produção de uma prova específica, deve ser realizada pelo juiz diante do caso concreto e não previamente determinada pela lei, nos termos do que preceitua tanto a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, quanto os defensores da ampliação dos poderes instrutórios do juiz (BEDAQUE, 2010, p. 109-112).
2.3 Prova e contraditório
Muito embora não exista a previsão expressa no Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) do direito à prova, ele em verdade, existe como um dos conteúdos possíveis do contraditório e, por conseqüência, possui embasamento constitucional.
O princípio do contraditório, por sua vez, pode ser subdividido em duas dimensões: a formal e a substancial. O contraditório em sentido formal é o direito de participar e ser ouvido no processo. Ou seja, uma decisão não pode ser proferida contra determinada pessoa, sem que a ela tenha sido conferida a oportunidade de participação para a decisão final.
Por outro lado, o contraditório em sentido substancial é o chamado poder de influência, é o direito de ser ouvido e participar no processo/procedimento, podendo influenciar com seus argumentos o resultado da decisão, é o aquilo que conhecemos por ampla defesa.
O direito fundamental à prova confere à parte três garantias básicas diretamente relacionadas com o princípio do contraditório: (i) o direito de produzir provas em juízo; (ii) o direito de participar da produção da prova e o (iii) o direito de manifestar-se sobre a produção da prova.
Com base nessas três garantias, podemos afirmar que réu revel pode participar da produção da prova, desde que o processo ainda se encontre na fase de instrução, em razão do disposto no artigo 322, parágrafo único, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973).
Ainda com base nas garantais do contraditório relativas à prova, mais precisamente, quanto à garantia do direito de produzir prova em juízo, podemos afirmar que o membro da coletividade pode ser testemunha em uma ação coletiva, desde que possa contribuir efetivamente para a instrução processual. Isso porque o direito tutelado pela via processual coletiva também lhe pertence, principalmente quando pensamos nos direitos individuais homogêneos, direitos individuais por natureza que são apenas tutelados processualmente de forma coletiva (PIZZOL, 1998, p. 101).
2.4 Objeto da prova
Não é qualquer fato que deve ser objeto de prova. Para ser objeto de prova, o fato deve reunir simultaneamente as seguintes características: a) deve ser um fato relevante para o processo; b) deve ser um fato controvertido/não confessado; e c) deve ser um fato determinado (BUENO, 2009, p. 245-246).
Um fato será relevante para o processo quando estiver diretamente relacionado com o pedido e com a causa de pedir. Um fato será controvertido quando afirmado pelo autor e negado pelo réu ou vice-versa. E, um fato será determinado quando delimitado no tempo e no espaço.
O Código de Processo Civil prevê em seu artigo 334 (BRASIL, 1973) os fatos que não são objeto de prova: notórios, confessados, incontroversos e aqueles dotados de presunção legal de existência ou de veracidade.
Os incisos II e III do mencionado dispositivo legal tratam da mesma hipótese, qual seja, a do fato incontroverso. Quanto ao fato notório, é importante não confundi-lo com as chamadas regras da experiência.
Os fatos notórios sequer podem ser discutidos no processo. Já as regras da experiência são juízos abstratos formulados a partir da observação daquilo que ordinariamente ocorre, cuja finalidade é a de imaginar o que pode acontecer. As regras da experiência possuem quatro funções:
(i) limitam a valoração das provas pelo juiz (por exemplo, o juiz não pode afirmar que a gestação humana não dura entre aproximadamente 36 e 40 semanas);
(ii) auxiliam o juiz a confrontar as demais provas existentes nos autos;
(iii) auxiliam o juiz a preencher os conceitos jurídicos indeterminados (por exemplo, o conceito de preço vil, cujo conteúdo jurídico é indeterminado, mas que impede a arrematação de bem em hasta pública. O conceito acaba sendo preenchido pelo juiz de acordo com as regras da experiência e diante do caso concreto);
(iv) auxiliam o juiz a formular suas presunções judiciais. Tais presunções decorrem das regras da experiência. Presunção é a conclusão de raciocínio e possui duas bases: a concreta, que é o indício, e a abstrata, que é a regra da experiência.
Por fim, também independem de prova os fatos em cujo favor milita a presunção legal de existência ou de validade. Nesse sentido é importante também não confundir as presunções judiciais, as quais acabamos de nos referir, com as presunções legais, às quais nos referimos neste momento.
As presunções legais são os resultados de uma regra, ou seja, o legislador se antecipa ao juiz e presume determinado fato. Assim, não há necessidade de que o juiz investigue a prova, vez que o legislador já o teria feito. Existem dois tipos de presunção legal: a absoluta e a relativa.
Na presunção legal absoluta, o legislador torna a discussão sobre o fato uma discussão irrelevante. Contra a presunção absoluta não se admite, portanto prova em sentido contrário. O legislador simplesmente torna irrelevante, qualquer discussão sobre a veracidade ou falsidade do fato. São exemplos de presunção absoluta: a autorização do cônjuge para contrair dívidas em prol das economias domésticas; o adquirente de imóvel em cuja matrícula está averbada uma penhora presume-se conhecedor dessa penhora e o registro torrens para os imóveis rurais que torna absoluta a presunção de propriedade sobre o imóvel.
Já na presunção legal relativa, o legislador admite discussão sobre o fato presumido. Admite-se assim prova em sentido contrário. São exemplos de presunção relativa: a declaração da pessoa para fins de benefício da justiça gratuita presume-se verdadeira e a presunção que decorre do registro imobiliário, salvo a hipótese acima mencionada do registro torrens (BORGES, 1976, p. 114-117).
2.5 Poder instrutório do juiz
No processo civil individual brasileiro o juiz tem o chamado poder instrutório, ou seja, ele pode determinar a produção de provas ex officio. Este poder de determinação de ofício para a produção de provas, não é um poder complementar ao das partes, mas sim um poder paralelo. É o que se pode extrair do art. 130 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973). Assim, o magistrado não precisa ficar acomodado com as provas produzidas pelas partes, podendo, dentro de certos limites, determinar a realização de outras provas a fim de formar livremente seu convencimento, muito embora deva fazê-lo motivadamente.
É importante, em um primeiro momento, compreender o conceito de ônus que não se confunde com conceito de obrigação ou com o de dever.
Segundo o conceito fornecido por Echandía e transcrito por Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, ônus é:
“Poder ou faculdade (em sentido amplo) de executar livremente certos atos ou adotar certa conduta prevista na norma, para benefício e interesse próprios, sem sujeição nem coerção, e sem que exista outro sujeito que tenha o direito de exigir o seu cumprimento, mas cuja observância acarreta conseqüências desfavoráveis” (PACÍFICO, 2000, p. 37).
Nesse sentido, para o autor em questão, ônus é algo ligado ao individual, configurando em opção única e exclusiva da pessoa que o possui o direito de exercê-lo ou não, sem que qualquer outra pessoa possa exigir seu cumprimento, mas ciente de que a sua não observância poderá acarretar conseqüências negativas.
O critério mais preciso para identificar se se trata de obrigação, dever ou ônus é o de identificar justamente o destinatário da incumbência. Este critério foi apontado por Érico de Pina Cabral em sua Dissertação de Mestrado, com base nos ensinamentos de Eduardo J. Couture:
“Em síntese, pode-se dizer, com Couture, que os ônus são imperativos (ou necessidades, como defendem outros autores) que se determinam em razão de um interesse próprio; os deveres o são no interesse da coletividade e as obrigações são instituídas no interesse do credor” (CABRAL, 2005, p. 124).
Assim, pelo exposto podemos extrair os seguintes critérios diferenciadores entre os institutos do dever, da obrigação e do ônus:
Nosso ordenamento jurídico adotou quanto às provas o sistema do livre convencimento motivado (NERY JR.; NERY, 2010, p. 632), isto é, as provas não têm valor pré-estabelecido pela lei, mas devem ser consideradas em conjunto e valoradas pelo julgador que ao tomar um posicionamento deve fazê-lo fundamentadamente, sob pena de nulidade da decisão. É o que podemos extrair do artigo 93, inciso IX da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e do artigo 458, inciso II, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) segundo o qual é requisito essencial da sentença a sua fundamentação.
Mesmo nosso ordenamento jurídico já tendo consagrado expressamente o sistema do livre convencimento motivado podemos indicar uma exceção, ou melhor, um resquício do chamado sistema da prova legal (BUENO, 2009, p. 238). Este resquício está presente, por exemplo, no artigo 227, caput, do Código Civil (CC; BRASIL, 2002) que dispõe sobre a admissibilidade exclusiva de prova testemunhal para negócios jurídicos de até o décuplo do salário mínimo. Ou seja, para negócios jurídicos com valor superior ao décuplo do salário mínimo vigente não se admite que a prova se baseie exclusivamente em testemunhos.
Cândido Rangel Dinamarco é um dos principais defensores do poder instrutório do juiz, mas também demonstra certa preocupação com os limites de tais poderes, segundo ele:
“Por isso é que, se de um lado no Estado moderno não mais se tolera o juiz passivo e espectador, de outro sua participação ativa encontra limites ditados pelo mesmo sistema de legalidade. Todo empenho que se espera do juiz no curso do processo e para sua instrução precisa, pois, por um lado ser conduzido com a consciência dos objetivos e menos apego às formas como tais ou à letra da lei; mas, por outro, com a preocupação pela integridade do due processo of law, que representa penhor de segurança aos litigantes” (DINAMARCO, 2008, p. 236).
Não há dúvidas quanto à importância dos poderes instrutórios, ainda mais quando pensamos na tutela processual coletiva que na maior parte das vezes visa à proteção de direitos indisponíveis e que transcendem a individualidade. Por outro lado, as formalidades processuais são verdadeiras conquistas e protegem os cidadãos de atitudes arbitrárias que venham a ser cometidas pelo julgador. Assim, o maior problema para a adequada utilização dos poderes instrutórios é o de se estabelecer quais são os seus verdadeiros limites.
2.6 Ônus da prova
Segundo a regra geral do processo civil, contida no artigo 333 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), quem alega é quem deve provar e a prova recai sobre fatos, ou seja, adotou-se um critério de distribuição estática do ônus da prova, dado que o legislador atribuiu de maneira prévia e invariável o ônus probante a cada uma das partes (teoria estática do ônus da prova).
No entanto, caso a demanda esteja relacionada ao direito do consumidor, há previsão no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC; BRASIL, 1990), da chamada inversão do ônus da prova, desde que presentes alguns requisitos (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência).
Segundo este dispositivo do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990), o consumidor apenas alega o fato e tal fato deverá ser desconstituído pelo réu quando, a critério do juiz[2], a alegação for verossímil e/ou o consumidor for hipossuficiente.
A doutrina é divergente quanto a determinados aspectos relacionados à inversão do ônus da prova, dentre os quais se destacam os seguintes:
(i) qual o momento de inversão do ônus da prova?
(ii) os critérios de verossimilhança e de hipossuficiência são alternativos ou cumulativos?
(iii) quem deve arcar com o custeio da prova se houver inversão do ônus probante?
Quanto ao momento de aplicação da inversão do ônus da prova, a doutrina diverge, para alguns se trata de regra de julgamento, enquanto que para outros se trata, em verdade, de regra de saneamento, podendo a inversão ser determinada a partir do recebimento da petição inicial até o despacho saneador.
Para Kazuo Watanabe a inversão do ônus da prova constitui-se em verdadeira regra de julgamento, são seus dizeres:
“Efetivamente, somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de non liquet, sendo caso ou não, consequentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissíveis” (WATANABE, 2000, p. 715).
Já para Carlos Roberto Barbosa Moreira a inversão do ônus probatório deve ser considerada como uma regra de saneamento, sob pena de inobservância ao princípio do contraditório e da ampla defesa:
“(…) a inversão ordenada na sentença, representará, quanto ao fornecedor, não só a mudança da regra até ali vigente, naquele processo, como também algo que comprometerá sua defesa, porquanto, se lhe foi transferido um ônus que para ele, não existia antes da adoção da medida, obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar-lhe a efetiva oportunidade de dele se desencumbir. Não só. A aplicação do dispositivo em exame, observada a orientação doutrinária aqui combatida, redundaria em manifesta ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa: ao mesmo tempo em que estivesse invertendo o ônus da prova, o juiz estaria julgando, sem dar ao fornecedor a chance de apresentar novos elementos de convicção, com os quais pudesse cumprir com aquele encargo. Não seria demais recordar, ainda uma vez, que a facilidade da norma que prevê a inversão é de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, e não lhe assegurar a vitória, ao preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao fornecedor se deve proporcionar” (BARBOSA MOREIRA, 1997, p. 145-146).
A discussão quanto ao momento de inversão do ônus da prova é na verdade um pouco confusa, dado que os doutrinadores confundem o instituto com a ocasião em que tal instituto deve ser aplicado. As questões relacionadas ao ônus da prova são sim regras de julgamento, isso porque o juiz só vai analisar se as provas foram ou não suficientes ou a quem caberia ter produzido determinada prova inexistente nos autos, no momento em que for julgar a causa. Quando falamos em inversão do ônus da prova nos referimos também a uma regra de julgamento. No entanto, para que seja evitada qualquer alegação de ofensa ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, uma solução prática que pode ser adotada é a seguinte: o juiz pode sinalizar no despacho saneador ou em qualquer outro momento até a audiência de instrução e julgamento quais provas entende necessárias e apontar a possibilidade de inversão do ônus probante.
Em relação à cumulatividade ou alternatividade dos requisitos para a inversão do ônus da prova (verossimilhança e hipossuficiência[3]) a doutrina também apresenta duas correntes de entendimentos. Para Antonio Gidi, por exemplo, tais requisitos são cumulativos, sob pena do fato alegado pelo consumidor ser desprovido de qualquer racionalidade, são seus dizeres:
“A hipossuficiência do consumidor per se não respaldaria uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova, se o fato afirmado é destituído de um mínimo de racionalidade. (…) Temos, portanto, que, para a inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser verossímil, quanto o consumidor precisa ser hipossuficiente” (GIDI, 1995, p. 34).
No entanto, para Vidal Serrano Nunes e Yolanda Alves Pinto Serrano, por exemplo, tais requisitos são alternativos, devendo o juiz analisar em um primeiro momento a existência ou não de verossimilhança das alegações do consumidor. Inexistindo o caráter verossímil, passa-se à análise da existência ou não de hipossuficiência:
“Em primeiro lugar, servindo-se das regras de experiência, deve o juiz verificar se a afirmação é verossímil, ou seja, se, dentro de um critério de plausibilidade, a afirmação se mostra cabível, com aparência de verdade. Não havendo verossimilhança, deve o juiz analisar a existência de hipossuficiência, quer em decorrência da dificuldade de provar à luz da falta de informação e de conhecimentos específicos acerca da produção, quer em decorrência da dificuldade econômica da prova” (NUNES; SERRANO, 2005, p. 49).
Concordamos com Antonio Gidi, ou seja, os requisitos da hipossuficiência e da verossimilhança devem ser considerados como cumulativos, muito embora a lei utilize a expressão “ou”. Seria descabido a inversão do ônus da prova para uma alegação que não guarde qualquer pertinência com a realidade.
Por fim, quanto à relação estabelecida entre inversão do ônus da prova e inversão do custeio da prova, alguns juristas se posicionam no sentido de que a inversão do ônus da prova acarreta como conseqüência imediata a inversão do custeio da prova, esse é o posicionamento adotado por Kazuo Watanabe:
“Nas hipóteses em que inexista esse flagrante desequilíbrio, nas posições do fornecedor e do consumidor, tem aplicação apenas a primeira situação (verossimilhança) prevista no dispositivo em estudo. Sendo o consumidor, em tais situações, economicamente hipossuficiente, será ele dispensado dos gastos com as provas. O mais que o magistrado poderá fazer, tal seja o custo da prova a ser colhida, por exemplo, uma perícia especializada e sua impossibilidade prática de realização gratuita, é determinar que o fornecedor suporte as despesas com a prova” (WATANABE, 2000, p. 795-796).
Diversamente, contudo, encontramos posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que como o juiz não pode obrigar que o fornecedor pague o custo da prova, o fornecedor arcaria então com o ônus decorrente de sua não produção, ou seja, assumiria o risco pela sua não produção.
“Ementa: Sistema Financeiro da Habitação. Reajustamento das prestações. Inversão do ônus da prova. Custeio da perícia. Precedentes da Corte. 1. A necessidade da prova pericial afirmada pelo acórdão tem fundamento na medida em que se torna necessário aferir se está sendo cumprida a equivalência salarial, diante da afirmação da contestação de que vem sendo respeitada. 2. Na linha da jurisprudência da Corte, a inversão do ônus da prova, deferida nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não significa transferir para a parte ré o ônus do pagamento dos honorários do perito, embora deva arcar com as conseqüências de sua não-produção. 3. Recurso especial conhecido e provido, em parte”. (REsp 651632/BA; 3ª Turma; Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; Julgado em 27.03.07; DJ 25/06/2007 p. 232)
A nosso ver, o STJ adotou posicionamento ponderado, dado que de acordo com nosso ordenamento jurídico ninguém pode ser compelido a custear o pagamento de uma prova a ser produzida em determinado processo. No entanto, quem não produzir a prova, com condições de fazê-lo, arcará com os ônus de sua não produção, é o que se extrai exatamente da regra geral de distribuição do ônus da prova contida no art. 333 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973).
Cumpre mencionar ainda que, para alguns doutrinadores, como por exemplo, Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, atual Ministro do STJ, existe a chamada inversão ex lege do ônus da prova. É o que extraímos de seus dizeres:
“A inversão da prova, no art. 38, vimos, é ope legis, independendo de qualquer ato do juiz. Logo, não lhe cabe sobre ela se manifestar, seja no saneador ou momento posterior” (BENJAMIN, 2000, p. 305).
O exemplo típico citado pelos defensores da ideia de inversão ex lege do ônus probante é o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990).
A lei específica que regulamenta os planos privados de assistência à saúde (Lei nº. 9.656/98; BRASIL, 1998), em seu artigo 11, também possui regra similar quanto ao ônus probatório no que se refere à alegação de doença ou lesão preexistente por parte da operadora de plano de saúde. E, é expressa ao vetar a proibição de suspensão do tratamento requerido pelo consumidor até que tal alegação seja comprovada pela operadora de planos privados de assistência à saúde.
O art. 11 da Lei nº. 9.656/98 (BRASIL, 1998), portanto, poderia ser admitido como mais um exemplo da chamada inversão ex lege do ônus probatório. Contudo, não concordamos com essa nomenclatura e preferimos entender tanto o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990), quanto o art. 11 da Lei nº. 9.6569/98 (BRASIL, 1998) como exceções à regra geral do ônus probatório constante no art. 333 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973).
É impróprio tecnicamente falarmos em inversão de algo que a própria lei já determinou. Além disso, a inversão do ônus probatório depende da implementação de certos requisitos, como vimos, o que não se verifica quando a própria lei já determina a quem cabe provar determinado fato.
2.6.1 Teoria Dinâmica de distribuição do ônus da prova
Como vimos acima, a teoria adotada pelo Código de Processo Civil (art. 333; BRASIL, 1973) quanto à distribuição do ônus probatório, é a Teoria Estática, mas toda essa discussão sobre ônus da prova, intensificada pela chamada inversão do ônus da prova, expressamente prevista no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso VIII; BRASIL, 1990) e posteriormente por outras leis, como por exemplo, a Lei dos Planos Provados de Assistência à Saúde (art. 11 da Lei nº. 9.6569/98; BRASIL, 1998), aliada àquilo que Carlos Alberto de Sales vem chamando de “transição paradigmática da prova” (SALLES, 2007) está agitando a doutrina e a jurisprudência. E, com isso ressurge a discussão sobre a denominada teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova.
Afirmamos que ressurge, porque, ao contrário do que possamos imaginar, a teoria de distribuição dinâmica do ônus probatório tem origem em 1.823, com os ensinamentos de Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês. É o que nos elucida, em seu artigo, Antônio Veloso Peleja Júnior:
“A origem remota da teoria encontra-se em obra de Jeremy Bentham, 1823, para quem “o ônus da prova deve ser imposto, em cada caso concreto, àquela parte que a possa produzir com menos inconvenientes, ou seja, com menos dilações, vexames e gastos” (PELEJA JÚNIOR, 2009).
Atualmente no Brasil é que começa a ganhar força essa nova concepção sobre a distribuição do ônus probatório: a chamada teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova. Segundo esta nova teoria, o ônus da prova tem que ser distribuído caso a caso de acordo com quem tenha melhores condições de arcar com ele. É uma distribuição feita diante do caso concreto, observando-se os princípios da igualdade e da adequação.
A teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova tem forte influência do direito argentino que segundo Roland Arazi, nada mais é do que:
“Ante la falta de prueba, es importante que el juez valore las circunstancias particulares de cada caso, apreciando quien se encontraba en mejores condiciones para acreditar el hecho controvertido, así como las razones por las cuales quien tenía la carga de la prueba no la produjo, a fin de dar primacía a la verdad jurídica objetiva, de modo que su esclarecimiento no se vea perturbado por un excesivo rigor formal, en palabras de la Corte Suprema de Justicia de la Nación (ver CSJN, 20/8/96, E.D. 171-361),” (ARAZI, 2009)[4].
Com base no exposto pelo mencionado jurista, pode-se afirmar que a distribuição do ônus probatório em determinado processo ficará a cargo do juiz, isto é, é o juiz quem deve analisar qual das partes tem maiores condições de produzir determinada prova com o menor dispêndio. É o magistrado que, diante da situação apresentada, indicará quem deverá provar o alegado.
Dentre os processualistas brasileiros que defendem a possibilidade de aplicação da Teoria Dinâmica de distribuição do ônus probatório está Humberto Theodoro Júnior, segundo ele:
“Não se trata de revogar o sistema do direito positivo, mas de complementá-lo à luz de princípios inspirados no ideal de um processo justo, comprometido sobretudo com a verdade real e com os deveres de boa-fé e lealdade que transformam os litigantes em cooperadores do juiz no aprimoramento da boa prestação jurisdicional. De qualquer modo, esse abrandamento do rigor da literalidade do art. 333 depende de condições particulares do caso concreto que, na evolução do processo, permitam um juízo de verossimilhança em torno da versão de uma das partes, capaz de sugerir, de antemão, a possibilidade de o fato ter ocorrido, tal como afirma o litigante, a que toca o ônus da prova, mas que, nas circunstancias, evidencie menos capacidade a esclarecê-lo por completo” (THEODORO JR., 2009, p. 422).
No entanto, é importante também mencionar a justificada preocupação do jurista em questão, quanto à necessária observância de certas condições para a aplicação da Teoria Dinâmica de distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro, sob pena de restar configurado puro arbítrio do julgador.
As condições de necessária observação apontadas por ele (THEORODORO JR., 2009, p. 423) são as seguintes: (i) a parte redirecionada à prova deve apenas esclarecer o fato controvertido apontado pelo juiz; (ii) a prova redirecionada deve ser possível e (iii) o redirecionamento não pode importar em surpresa para a parte.
3 Breves considerações sobre provas na tutela coletiva
Neste Capítulo, após termos analisados conceitos básicos sobre a teoria geral das provas, foram escolhidos alguns temas específicos sobre provas na tutela coletiva.
Assim, serão analisados os seguintes itens: a preocupação justificada com a insuficiência de provas nas ações coletivas, o princípio da oralidade e a audiência pública, o valor da prova produzida no inquérito civil, a análise de algumas provas específicas, tais como a prova pericial, a prova por amostragem e a prova emprestada.
3.1 Preocupação justificada com a insuficiência de provas nas ações coletivas
Encontramos diversas regras processuais coletivas que permitem o ajuizamento de nova ação coletiva desde que haja nova prova, para as hipóteses em que restou configurada a insuficiência de provas da demanda coletiva anteriormente proposta. Os incisos II e III, do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) ao disciplinar os efeitos da coisa julgada nas ações coletivas é expresso ao prever a ressalva quanto à improcedência do pedido por insuficiência probatória. Na Lei da Ação Civil Pública (LACP; BRASIL, 1985), em seu art. 16, encontramos previsão no mesmo sentido e na Lei da Ação Popular (BRASIL, 1965) há semelhante previsão (art. 18).
Todas essas previsões legais demonstram a preocupação do legislador com a eficaz tutela do direito coletivo em sentido amplo, isso porque seria injusto que danos coletivos ficassem sem reparação, em razão de uma demanda mal instruída por apenas um dos legitimados à propositura de demandas coletivas.
Tais regras previnem inclusive, que fraudes sejam evitadas, isso porque poderia haver conluio entre o causador do dano e algum dos legitimados que proporia a ação coletiva com provas insuficientes e, assim, conseguiria tanto a improcedência do pedido quanto a impossibilidade de que novas ações coletivas com o mesmo pedido fossem propostas por outros legitimados.
Por fim, é válido mencionar que a redação dos mencionados dispositivos legais não é a mais correta tecnicamente, uma vez que é o pedido que é julgado procedente ou improcedente e, não a ação.
3.2 Princípio da oralidade e a Audiência Pública
A grande importância do princípio da oralidade nas ações coletivas reside na realização das audiências públicas. Elas podem ser consideradas como uma manifestação do princípio da oralidade de extrema importância quando pensamos na tutela eficaz dos direitos coletivos em sentido amplo. Tanto isso é verdade que encontramos sua previsão em diversas leis específicas que dispõem sobre a tutela de direitos coletivos em sentido amplo.
A Lei nº. 11.445/07 (BRASIL, 2007) que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico dispõe, por exemplo, em seu art. 11, inciso IV, como condição de validade dos contratos cujo objeto é a prestação de serviços de saneamento básico, a realização de prévia audiência pública.
No âmbito específico do direito ambiental é a Resolução nº. 09/1987 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, 1987), em seu art. 2º, que disciplina a realização das audiências públicas sempre que assim for determinado pelo órgão ambiental responsável ou quando for solicitada por entidade civil.
É importante mencionar também a Lei nº. 9.784/99 (BRASIL, 1999) que disciplina o processo administrativo no âmbito federal também prevê a realização de audiência pública (art. 32) durante a instrução a depender da relevância da matéria discutida nos autos.
3.3 Valor da prova produzida no Inquérito Civil
Primeiramente, é válido relembrar que o inquérito civil é um procedimento administrativo regido pelo princípio inquisitivo, não há, portanto, contraditório ou, segundo alguns doutrinadores, poderíamos falar em um contraditório diferido ou postergado (MAZZILLI, 2008, p. 444), caso haja a propositura de uma ação civil pública.
As informações colhidas no inquérito civil podem ser utilizadas em juízo como elementos de convicção do juiz. Isso, aliás, ocorre também no âmbito do inquérito policial, cuja discussão a respeito da validade das provas colhidas em seu bojo, se coloca de maneira análoga à do inquérito civil. A este respeito se posiciona Hugo Nigro Mazzili:
“O valor do inquérito civil como prova em juízo decorre de ser uma investigação pública e de caráter oficial. Quando regularmente realizado, o que nele se apurar tem validade e eficácia em juízo, como as perícias e inquirições. Ainda que sirva essencialmente o inquérito civil para preparar a propositura da ação civil pública, as informações nele contidas podem concorrer para formar ou reforçar a convicção do juiz, desde que não colidam com provas de maior hierarquia, como aquelas colhidas sob as garantias do contraditório” (MAZZILLI, 1999, p. 53).
Todavia, conforme mencionado no início deste tópico, o inquérito civil é caracterizado basicamente pela sua inquisitoriedade. Por esse motivo, o valor das provas indiciárias é relativo, podendo ser infirmado em juízo e, até mesmo, afastado. Esse é o entendimento tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal (STF).
Desse modo, sendo de valor relativo, as provas colhidas no âmbito do inquérito civil podem viabilizar a procedência de uma ação coletiva e, ademais, só poderão ser afastadas se houver contra-prova de hierarquia superior[5]. Esse entendimento é o mais consentâneo com a garantia, em juízo, do contraditório e da ampla defesa, já que quaisquer informações colhidas nos processos ou procedimentos administrativos podem ser contrastadas em juízo. Hugo Nigro Mazzilli aclara bem essa situação:
“Não se deve cair em dois exageros opostos, nessa matéria: um, de entender que os elementos indiciários devam ser recebidos sem quaisquer ressalvas – até porque foram colhidos sem as garantias do contraditório, e, por isso, deverão sempre ser recebidos com extrema cautela; outro, de entender que os elementos indiciários devam ser pura e simplesmente recusados, porque só valem as provas colhidas na instrução judicial. Se o primeiro entendimento é inaceitável, como se expôs, também este último não merece prestígio, porque o inquérito civil contém peças colhidas por agente público, que exerce múnus público, e nele há provas que às vezes só puderam ser colhidas antes da propositura da ação e não há como reproduzi-las, e cujo valor há de merecer prudente apreciação conjunta, no contexto instrutório” (MAZZILLI, 1999, p. 54).
Na prática, os órgãos ministeriais que conduzem o inquérito civil têm convidado os inquiridos para se manifestarem sobre as provas colhidas a fim de serem evitados maiores problemas posteriormente. Desse modo, mesmo que de modo não obrigatório, estabelece-se algo próximo ao contraditório, peculiar aos processos judiciais e administrativos, e não aos procedimentos.
3.4 Prova pericial
A prova pericial é uma prova técnica na medida em que é produzida por um especialista (perito) em determinada área, relacionada diretamente ao caso apresentado para julgamento e na maioria das vezes imprescindível para a correta solução do litígio (MARINONI; ARENHART, 2003, p. 429-431). Nos processos individuais, segundo o artigo 33, caput, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), o adiantamento dos honorários periciais, via de regra, cabe à parte que requereu a perícia. Caso a prova pericial tenha sido requerida por ambas as partes ou tenha sido determinada ex officio pelo juiz, o adiantamento dos honorários periciais, segundo a lei, fica a cargo do autor da ação.
No processo coletivo, a disciplina existente sobre despesas processuais, dentre as quais se inclui os honorários periciais, está no artigo 18 da Lei da Ação Civil Pública (BRASIL, 1985), segundo o qual, salvo comprovada má-fé, as partes nas ações coletivas não devem adiantar honorários periciais.
Muito embora a previsão legal supracitada tenha por objetivo primordial a facilitação do acesso à justiça, dada a importância dos direitos tutelados por demandas coletivas, é inquestionável que esta previsão ocasiona também problemas práticos. Por exemplo, se requerida uma perícia imprescindível para o julgamento da causa e o perito se recusar a receber seus honorários apenas ao final? Como resolver essa questão?
Há diversos entendimentos quanto ao tema, inclusive, no mesmo Tribunal. Para demonstrar tal assertiva, escolhemos o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para exemplificar a verdadeira confusão criada pela jurisprudência. Um primeiro posicionamento encontrado é no sentido de que, o valor da perícia deve ser retirado dos fundos criados para receber a destinação das indenizações fixadas em sede de ações coletivas.
“Ementa: Processual Civil – Administrativo – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – Ação Civil Pública – Parcelamento Irregular de solo em área de Mata Atlântica – Decisão judicial relativa a honorários periciais – Recorribilidade – Súmula 267/STF. 1. Mandado de segurança impetrado contra decisão judicial proferida em autos de ação civil pública — ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo visando evitar a ocorrência de possíveis danos ambientais decorrentes da realização de parcelamento do solo em área de vegetação de mata atlântica —, mediante a qual se determinou que as despesas com a realização da perícia judicial fossem custeadas com recursos do Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados. 2. “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição” (Súmula 267/STF). Hipótese em que o próprio Ministério Público Estadual interpôs agravo de instrumento, ao qual fora atribuído efeito suspensivo, contra a decisão impugnada. 3. Inexistência de circunstância capaz de qualificar a decisão impugnada como manifestamente ilegal ou teratológica, pois a Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos EREsps 733.456/SP e 981.949/RS, ocorrido na assentada do dia 24 de fevereiro de 2010, decidiu que, conquanto não se possa obrigar o Ministério Público a adiantar os honorários do perito nas ações civis públicas em que figura como parte autora, diante da norma contida no art. 18 da Lei 7.347/85, também não se pode impor tal obrigação ao particular, tampouco exigir que o trabalho do perito seja prestado gratuitamente. 4. Diante desse impasse, afigura-se plausível a solução adotada no caso, de se determinar a utilização de recursos do Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados, criado pela Lei Estadual 6.536/89, considerando que a ação civil pública objetiva interromper o parcelamento irregular de solo em área de mata atlântica, ou seja, sua finalidade última é a proteção ao meio ambiente e a busca pela reparação de eventuais danos que tenham sido causados, coincidentemente com a destinação para a qual o Fundo foi criado. 5. Recurso ordinário não provido”. (REsp. n. 30812; 2ª Turma; Relatora Ministra Eliana Calmon; J. em 04/03/2010).
Outro posicionamento adotado é no sentido de que caso seja aplicada a inversão do ônus da prova, o adiantamento dos honorários periciais deve ser feito pelo réu:
“Ementa: Processual Civil e Ambiental – Ação Civil Pública – Dano Ambiental – Adiantamento de honorários periciais pelo Parquet – Matéria prejudicada – Inversão do ônus da prova – Art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 C/C o art. 21 da Lei 7.347/1985 – Princípio da Precaução. 1. Fica prejudicada o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347/1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia. 2. O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes. 3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do emprendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução. 4. Recurso especial parcialmente provido”. (REsp. n. 972902; 2ª Turma; Relatora Ministra Eliana Calmon; J. em 28/08/2009).
Há também orientação jurisprudencial de que o adiantamento dos honorários periciais deve ser feito por quem requereu a perícia, mesmo se o requerente for o Ministério Público, é o que extraímos do seguinte acórdão:
“Ementa: Processo Civil – Ação civil pública – Honorários periciais – Ministério Público – Art. 18 da Lei n. 7.347/85 – Adiantamento das despesas – Cabimento – Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público do STJ – Incidência da Súmula 232/STJ. 1. O Ministério Público deve se sujeitar à exigência do depósito prévio referente aos honorários do perito nas demandas em que figura como autor, incluídas as ações civis públicas que ajuizar. 2. Precedentes: REsp 933079/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 12.2.2008, DJe 24.11.2008; REsp 981.949/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 8.4.2008, DJe 24.4.2008. Agravo regimental improvido”. (Ag. Rg. no REsp. n. 1091843; 2ª Turma; Relator Ministro Humberto Martins; J. em: 27/05/2009).
Encontramos, por fim, julgado que segue à risca o que é determinado pela lei, com o qual concordamos. Ou seja, não deve haver o adiantamento dos honorários periciais e o perito deve ser intimado para se manifestar quanto à aceitabilidade em receber seus honorários apenas ao final da ação, caso contrário, deverá ser designado outro perito que aceite o encargo em tais condições.
“Ementa: Processual Civil. Ação civil pública. Adiantamento de custas, emolumentos e honorários periciais. Art. 18 da Lei nº 7.347/85. 1. Nos termos do artigo 18 da Lei nº 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública – “Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais’. 2. Não se cogitando de má-fé, descabe condenar-se a parte autora ao adiantamento de honorários periciais. 3. A vedação ao adiantamento de despesas na Ação Civil Pública tem como escopo facilitar a proteção dos interesses transindividuais, reservando-se o pagamento do perito para o final da ação. 4. Recurso especial provido.” (REsp. n. 900283; 2ª Turma; Relatora Ministra Eliana Calmon; J. em: 25/03/2008).
É válido observar que para os casos de ações coletivas que envolvam litispendência, conexão ou continência, principalmente quando a perícia a ser realizada é complexa, uma boa solução seria a reunião das ações para a realização de uma só perícia.
Em interessante artigo Carlos Alberto de Salles (SALLES, 2007, 910-921), dentre outros temas, aborda a crescente importância e influência das provas científicas/tecnológicas, tais como, o exame de DNA, a reprodução dos fatos por fotos e vídeos etc, nas decisões judiciais.
“Tais tipos de provas minimizam a valoração por parte do juiz, dado o seu alto grau de certeza e aceitabilidade geral. O referido autor aponta ainda o caráter ambíguo do vocábulo “prova” no direito positivo brasileiro, o que não ocorre, por exemplo, no direito positivo norte-americano, no qual existem dois vocábulos específicos para o tratamento da prova judicial, são eles (i) evidence e (ii) proof. Evidence é aquilo que deve ser necessariamente valorado pelo juiz, por outro lado, proof é aquilo que realmente prova um fato (como por exemplo o exame de DNA).”
Portanto, diante daquilo que é chamado por Carlos Alberto de Salles de “transição paradigmática” da prova, ou seja, a forte influência das provas científicas/tecnológicas sobre as decisões judiciais faz-se necessário não só uma reformulação do conceito de prova, como também uma reformulação no sistema de distribuição legal do ônus da prova.
3.5 Prova por amostragem
A prova por amostragem está relacionada com a impossibilidade prática de ser comprovado o fato individualmente, assim sua aplicabilidade no processo coletivo é usual e de extrema importância.
No Supremo Tribunal Federal (STF) encontramos um julgado (HC nº. 95.295/RJ[6]), que embora no âmbito do direito penal, pode ser utilizado para reafirmar a possibilidade de utilização da prova por amostragem dada a impossibilidade de serem periciados todos os objetos e, que se revela importante na medida em que segundo o voto do Ministro Relator Cezar Peluso, cabe ao critério do juiz de primeiro grau determinar a extensão do alcance da prova por amostragem a ser produzida. É o que podemos extrair do seguinte trecho do voto do Ministro Relator:
“3. Dada a impossibilidade de se efetuar a perícia em todas as máquinas, cabe a esta Corte dar sentido à decisão do TRF no primeiro acórdão. E, nisto, tenho por improcedente o pedido da defesa para que se faça perícia em todas as máquinas restantes. Em sendo inquestionável a relevância da prova nos termos requeridos, a extensão do seu alcance é questão meramente prática, que deve ser resolvida a critério da autoridade de primeiro grau.”
Podemos pensar no direito consumidor ou no direito ambiental como bons exemplos de aplicabilidade da prova por amostragem. Imaginemos as seguintes situações:
a) um produto que informa determinada quantidade em sua embalagem, mas seu conteúdo não corresponde a esta informação, pois, há uma quantidade inferior à informada;
b) uma empresa foi multada por poluir com produtos químicos um rio que passa por diversos municípios.
Em ambas as situações, na linha do que preceitua o STF, o juiz de primeiro grau poderia determinar que a perícia fosse realizada por amostragem dada a impossibilidade fática de serem periciados todos os produtos colocados no mercado ou todo o percurso do rio. Assim, o magistrado poderia determinar que a perícia fosse realizada em alguns trechos do rio a fim de que restasse comprovada a poluição por determinado composto químico e em alguns produtos de diferentes fornecedores com a finalidade de comprovar a divergência da informação constante no rótulo da embalagem e do conteúdo.
3.6 Prova emprestada
Segundo Cândido Rangel Dinamarco, prova emprestada é um:
“(…) conceito elaborado na doutrina e tribunais sem qualquer previsão legal específica, são traslados da documentação da prova constituída em outro processo de natureza jurisdicional. Através dela aproveitam-se em um processo os atos de realização da prova já consumados em outro, sem necessidade de repetição e com vantagem de tornar possível o conhecimento oriundo de fontes talvez até não mais disponíveis quando o processo destinatário dessa prova é realizado (testemunhas que morrem ou desaparecem, vestígios que não existem mais etc)” (DINAMARCO, 2008, p. 95-96).
O mesmo autor aponta ainda quatro requisitos que devem necessariamente serem observados para que se possa admitir a utilização da prova emprestada:
(i) no processo originário da prova emprestada deve ter sido garantido o princípio do contraditório;
(ii) a parte contrária do processo em que será utilizada a prova emprestada deve ter sido parte no processo originário;
(iii) o processo originário da prova emprestada deve ser regido pelo princípio da publicidade, ou seja, não deve correr sob sigilo ou segredo de justiça; e
(iv) a prova emprestada deve ser originada de um processo jurisdicional (DINAMARCO, 2008, p. 97).
Dentre os requisitos apontados pelo jurista para a admissibilidade da prova emprestada merecem ser mais bem analisados o (iii) e o (iv). Quanto à necessidade da prova emprestada ter por origem um processo público, isto é, cujo procedimento não era sigiloso, acreditamos que após o trânsito em julgado da decisão, mesmo o processo estando sujeito ao sigilo, a prova produzida e/ou utilizada poderia ser sim aproveitada em outro processo, desde que respeitadas à intimidade e à vida privada das partes do processo originário.
E, em relação à necessidade da prova emprestada ter por origem um processo jurisdicional, é importante mencionar que não haveria óbice para a utilização de uma prova produzida no âmbito de um procedimento arbitral, isso porque o próprio Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) em seu art. 475-N, inciso IV, equipara a sentença arbitral a título executivo judicial e, o artigo 21, § 2º, da Lei de Arbitragem (Lei nº. 9.307/96; BRASIL, 1996) determina que o procedimento arbitral deve observar, dentre outros princípios, o princípio do contraditório.
Portanto, desde que no processo originário da prova emprestada tenha sido garantido o princípio do contraditório e a parte contrária do processo em que será utilizada a prova emprestada tenha sido parte no processo originário, podemos admitir a prova emprestada tanto entre ações coletivas, quanto entre uma ação coletiva e uma ação individual. Reiterando que no processo coletivo pode ser admitida a utilização de uma prova oriunda de um procedimento arbitral ou de uma prova cuja origem seja um processo sigiloso, cuja decisão já tenha transitado em julgado.
Considerações finais
Acepções da palavra prova: (i) fonte de prova (origem da prova); (ii) meio de prova (como a prova é colocada no processo) e (iii) prova em sentido subjetivo (convencimento do juiz).
São princípios e regras que regem as provas na tutela processual coletiva: a regra da liberdade ou atipicidade dos meios de prova, a regra da vedação da prova ilícita, a regra da aquisição da prova, o princípio da oralidade e o princípio da isonomia.
Inexistindo qualquer outro modo de provar-se o alegado a prova ilícita pode ser excepcionalmente admitida com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Afinal, seria injusto que a coletividade ficasse sem reparação em razão única e exclusivamente da vedação de utilização de provas ilícitas.
O direito fundamental à prova confere à parte três garantias básicas: (i) o direito de produzir provas em juízo; (ii) o direito de participar da produção da prova e o (iii) o direito de manifestar-se sobre a produção da prova.
Para ser objeto de prova, o fato deve reunir simultaneamente as seguintes características: a) deve ser um fato relevante para o processo; b) deve ser um fato controvertido; e c) deve ser um fato determinado.
Não há dúvidas quanto à importância dos poderes instrutórios do juiz, ainda mais quando pensamos na tutela processual coletiva, que na maior parte das vezes visa à proteção de direitos indisponíveis e que transcendem a individualidade. Por outro lado, as formalidades processuais são verdadeiras conquistas e protegem os cidadãos de atitudes arbitrárias. Assim, o maior problema para a adequada utilização dos poderes instrutórios é o de se estabelecer quais são os seus reais limites.
O art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) prevê a regra de inversão do ônus da prova. Existem também outras leis específicas que podem conter tal previsão, como por exemplo, o art. 11 da Lei nº. 9.656/98 (BRASIL, 1998). Trata-se de uma regra de julgamento, mas nada impede que o juiz possa sinalizar no despacho saneador ou em qualquer outro momento até a audiência de instrução e julgamento, quais provas entende necessárias e, apontar a possibilidade de inversão do ônus probante. Os requisitos da hipossuficiência e da verossimilhança devem ser considerados como cumulativos. E, quanto ao custeio de perícia quando determinada a inversão do ônus da prova, como ninguém pode ser compelido a pagar para a realização de uma prova, a parte que optou pela não produção da prova, deverá arcar com o respectivo ônus.
Segundo a teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova, o ônus da prova deve ser distribuído caso a caso, de acordo com quem tenha melhores condições de arcar com ele. É uma distribuição feita diante do caso concreto, observando-se os princípios da igualdade e da adequação.
Ao contrário do que ocorre nas ações individuais, o legislador se preocupou em verificar o motivo da improcedência dos pedidos nas ações coletivas. Caso haja insuficiência de provas, qualquer outro legitimado coletivo poderá propor idêntica demanda, desde que haja prova nova a ser utilizada e/ou produzida. Esta solução é inteligente e evita o cometimento de eventuais fraudes.
A grande importância do princípio da oralidade nas ações coletivas reside na realização das audiências públicas, cuja previsão se encontra em diversas leis esparsas que tutelam direitos coletivos em sentido amplo.
O valor das provas produzidas no âmbito do Inquérito Civil é relativo, podendo ser infirmado em juízo e, até mesmo, afastado.
Não deve haver o adiantamento dos honorários periciais e o perito deve ser intimado para se manifestar quanto à aceitabilidade em receber seus honorários apenas ao final da ação. Caso se manifeste contrariamente, deverá ser designado outro perito que aceite o encargo em tais condições.
Tanto a prova por amostragem, quanto a prova emprestada devem ser admitidas no âmbito da tutela processual coletiva.
Informações Sobre o Autor
Ana Paula de Castro
Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos na Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo – PUC/SP (2009/2011). Bolsista de Mestrado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (2010-2011). Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo – ESMP/SP (2009). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo – PUC/SP (2007). Pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas – GVlaw. Advogada em São Paulo