A propriedade como origem das desigualdades

Resumo: O presente trabalho tem por objeto uma reflexão sobre alguns dos temas propostos por Rousseau, em especial quanto as próprias origens das desigualdades entre os homens e como esta desigualdade influi numa concepção, aqui tomada como distorcida, de uma realidade em que o “ter” representa uma maior importância sobre o “ser”, moldando dessa maneira as relações sociais humanas. Esse sobrevalia desse “ter” aliado a um exacerbado “materialismo utilitarista” são verdadeiras fonte de abismos sociais. A conclusão repousa que a chave de cada mudança encontra-se dentro de nós.


Palavras-chave: Propriedade origem desigualdades. Rousseau


Abstract: The present work has byobjective asimplereflectionon some ofthesubjectsconsidered for Rousseau, in specialhowmuchthepropertcanoriginate someoftheinaqualitiesbetweenthemenand as thisinaqualityinfluences in a conception, meaning as distorted, of a reality where “tohave it” it represents a biggerimportanceonthe “being”, thusmoldingthe social relationshumanbeings. Thisovervalueoftheprivateproprietyalloytoanexaggerated “utilitarianmaterialism” sourceof a real social abysses. The conclusionreststhatthekeyofeachchangecanbefoundinsideof us.


Sumário: 1.Introdução. 2. A Origem das Desigualdades e a Propriedade Privada. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas


“De todos os dons com que o céu os dotou; um coração sensível foi o único que me deixaram; mas se isso fez sua felicidade, contribuiu, para todas as desgraças da minha vida.” (Jean Jacques Rousseau)


1. Introdução


O homem inicialmente vivia isolado, sozinho de maneira breve a aculturado. Não interagia com seus semelhantes, nos primórdios da humanidade, não havia ainda nenhuma espécie desenvolvida de linguagem, mesmo que gestuais. A humanidadeconvivia entre seus semelhantes, limitava-se no máximo a relações de caráter reprodutivos ou da mãe para com sua prole  de maneira breve pois tão logo os filhos pudessem caminhar por si, já eram deixados ao destino do mundo natural.


Com o surgimento desses primeiros grupos humanos,  de convivênciainicialmente ea partir desse um maior desenvolvimento das relações entre seus componentes, surge a linguagem e atrelado a ela o conceito de propriedade privada, inicialmente sob um aspecto coletivo mas que posteriormente caminhou em um sentido privado.


Segundo Jean Jacques Rousseau, estão ai concentrados os fatores que iniciariam as desigualdades entre os homens. Este pensamento aflora, principalmente, em seu Discurso sobre a Origem das Desigualdades. Neste fator se alicerçariam os pilares de todas as formas de desigualdades civis entre os homens, pois as naturais, são inerentes ao ser humano e por si mesmas, isoladamente, não justificam o surgimento das mesmas.


É sob a ótica da filosofia grega, em especial Aristóteles quando trata do problema sob a perspectiva da conduta individual de cada individuo e identifica o problema a ser combatido. Apresenta ele uma possível solução ao dilema humano da sobrevalorização do “ter” (propriedade) em detrimento do “ser”. Ensina que a solução estaria através da orientação da conduta de cada individuo que se daria por meio da educação que cada um deva receber.


2. A Origem das Desigualdades e a Propriedade Privada


Limitava-se esse homem “primitivo” à coleta para sua subsistência diária, a noção que possuía sobre a vida limitava-se somente ao presente, o momento instantâneo, as necessidades instantâneas. As relações interpessoais limitavam-se somente a época de reprodução e não tinham qualquer continuidade após esse período.


Alguns indivíduos, tendo em vista razões de maximização de sua própria subsistência, aprofundaram esse inter-relacionamento efêmero. De inicio, aos pares e, basicamente, limitavam-se a gestos para comunicarem-se. Com a inclusão de mais membros ao grupo, surge a necessidade do desenvolvimento de uma outra forma de comunicação entre os componentes do grupo, desenvolveu-se a necessidade de se aprimorar a forma de interação entre os componentes dessa determinada comunidade.


Surge então a linguagem como forma de conexão, pela simples justificativa de que a mera interposição física do corpo de um componentes do grupo, obscurecendo a visão de um terceiro, impossibilita a comunicação entre eles o que representaria um risco aos componentes.


Em virtude desse agrupamento e com o surgimento da linguagem, e com isso o aprimoramentodas relações interpessoais existentes, torna-se possível compartilhar sentimentos e experiências pessoais, aproximando o convívio entre os indivíduos surgindo então formas de relacionamento interpessoais mais  profundas – o embrião do que se tornaria mais tarde a comunidade.


Com uma maior organização, alguns grupos abandonaram a vida nômade coletora e fixaram-se de maneira permanente em determinadas áreas, delimitando o espaço físico que passariam a ocupar. O grupo toma como de sua propriedade determinada área e nela restringe fisicamente o acesso de estranhos. Até então, o homem era plenamente livre, podia caminhar de maneira irrestrita sobre o território.


A propriedade, até então coletiva e ilimitada, sob o ponto de vista da possibilidade de acesso irrestrito passa a sofrer uma limitação no sentido físico, ou seja, o individuo toma como sua uma determinada área, inicialmente com a finalidade de fixar ali seu grupo, neste caso, trabalharemos com a idéia de ser esta organização aprópria família, uma das primeiras formas primitivas de coletividade. A prole acompanhava a mãe, numa organização matriarcal.


Surgem os primeiros traços de organização social com indivíduos incluídos e excluídos dentro do contexto de participação e de determinação social e com isso o produto da civilização humana, a cultura. Destes traços iniciais, surgem os primeiros padrões sociais, as primeiras regras a serem seguidas e com elas o Poder.


Segundo a tese defendida por Rousseau, o homemantes do desenvolvimento desse tipo de organização social era plenamente dotado de bondade (o homem inicialmente seria bom e a sociedade ao imprimir seus valores, ao educá-lo o corromperia). Indo além, ele vincula essa bondade original com a compaixão humana (“com” “paixão” – no sentido de paixão de todos, amor de todos). Este seria o sentimento de maior importância que poderia aflorar em um individuo inserido no seio de umacomunidade, esta aindaem seu desenvolvimentoinicial onde praticamente não existiam desiguais, tomadas pela concepção civil de desigualdades, ou seja, que surgem no decurso da organização humana, em contrapartida das desigualdades físicas inerentes e inexoráveis a cada. O homem então concebido como o “Bom Selvagem” dotado de extrema “compaixão” e naturalmente bom.


Com o surgimento desses primeiros padrões sociais e com um melhor desenvolvimento da linguagem, a aproximação dos indivíduos torna-se ainda mais coesa, legitimam estes o Poder emanado de sua própria organização social, legitimando este o surgimentodos primeiros traços de desigualdades entre os homens (em razão da propriedade) e a continuidade desse sistema pela transmissão desse “status quo”.


A linguagem, produto da cultura humana, antes desenvolvida em virtude da necessidade de maior e melhor interação entre os indivíduos, de sobrevivência, torna-se instrumento de dominação e alienação, inclusive de exclusão. Quem não interpreta o símbolo deverá ser dominado, fica à margem, alienado. Surge a tradição fixando os primeiros costumes.


Começa aqui o universo simbólico e a projeção metafísica do “ter” e do “ser”, posteriormente trabalhado pelos filósofos gregos e em especial, destacamos Aristóteles[1], que em sus obras destacava a importância de se valorar muito mais o “ser”, ou seja, o individuo enquanto pessoa humana numa concepção muito mais humanista do que em contrapartida a uma concepção mais materialista cuja primazia de dá a outros fatores extra-humanos, como por exemplo, o poder ou as próprias coisas materiais e si.[2]


Em contrapartida a esse “Bom Selvagem”, que vivia em plena harmonia com o estado de natureza, dotado de compaixão, surge no individuo um sentimento muito grande de amor próprio. O percursor de um individualismo “negativo” que mais tarde fomentará as múltiplas desigualdades nos homens – tomadas aqui sob o aspecto civil ou cultural (sendo a cultura o produto do ecossistema social no qual o homem está inserido). Por outro lado, há desigualdades de natureza física inerentes à condição e a natureza humana e a estas, se consideradas de maneira isoladas, não são capazes de desigualar os homens.


Nesse sentido, segundo Bertrand Russel: “Nossos sentimentos naturais afirma ele, nos levam a servir o interesse comum, enquanto nossa razão nos impede ao egoísmo. Por conseguinte, para sermos virtuosos, basta que sigamos mais os nossos sentimentos do que a razão.[3].


Um dos seguidores rousseaunianos que mais se destacou no século XX, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss[4], falecido aos 100 anos em outubro de 2009, explorou esse conceito de o “Bom Selvagem” em seus estudos, principalmente os que foram realizados com as tribos Caduveo e Bororó, ambas do estado do Mato Grosso, no Brasil. Seus trabalhos contribuíram para elevar a consciência dos estudiosos acerca dessa “mente selvagem”, tratados na obra O Pensamento Selvagem, de 1962.


Esclarece o próprio Rousseau, em resposta as críticas tecidas por Voltaire em relação a obra O Discurso da Origem das Desigualdades que inicialmente sua intenção ao elaborar o discurso não seria o de forçar a sociedade a voltar a viver como no estado de natureza, mas sim provocar uma reflexão sobre os valores e caminhos que esta venha a trilhar.Não deixar simplesmente que a razão solape os valores, pois muitas vezes, o próprio racionalismo em extremo afasta o homem dos próprios homens.


3. Conclusão


A conclusão das idéias e a constatação do “problema” por Rousseau, originalmente descrito, necessita de uma abordagem que nos conduza a alguma solução factível, a uma resposta aplicável às nossas vidas.


Tamanha é a importância do apresentado dilema que o próprio Aristóteles[5] preocupa-se em disponibilizar uma plausível solução, ou pelo menos apontar qual seria uma forma pela qual os caminhos entre os homens se encurtassem. Defendia o filósofo em que o ser humano deve ter sempre a idéia fixa de conduzir os atos de sua vida pela reta razão, deve permear-se pelo caminho intermediário evitando-se os que conduzam a extremos.


Principalmente, quando esta conduta se relaciona com a forma pela qual fazemos nossas escolhas, o que infere diretamente no resultado de nossas ações, ostenta a escola aristotélica que a virtude está além do somente pensar, consiste verdadeiramente no agir e este, por sua vez, deve pautar-se pela razão e pela emoção dosadas à conta-gotas.


Qual deles deve preponderar?Cabe a cada um de maneira reflexiva, sobressaltar o que mais lhe aproximar de uma atitude virtuosa em razão da ocasião. O que sempre deve ser evitado é qualquer caminho que conduza a cristas, pois nestes extremosencontra-se o exagero ou a falta, inimigos capitais da virtude.


A chave da solução da maioria de nossos problemas encontra-se em nós mesmos.


“Sentir antes de pensar; é o destino da humanidade”.[6]


Notas:
[1] Conforme o próprio Aristóteles, Ética a Nicômaco, cit., p. 233: … mas o homem feliz, como homem que é, também necessita de prosperidade exterior, porquanto a nossa natureza não basta a si mesma para os fins de contemplação: nosso corpo também precisa gozar saúde, de ser alimentado e cuidado. Não se pense, todavia, que o homem para ser feliz necessite de muitas ou de grandes coisas. (…) a auto-suficiência e a ação não implicam excesso, e podemos praticar atos nobres sem sermos donos da terra e do mar”.
[2] Segundo Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura, cit., p. 69: “Acreditar que a felicidade do homem consiste nas coisas mesmas é levar a extravagância ao excesso.”
[3] RUSSEL, Bertrand, tradução Breno Silveira. Historia da Filosofia Ocidental. Livro III. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, pag. 233.
[4] Rothstein Edward .O Garimpeiro de Mitos. The New York Times. O Estado de São Paulo, São Paulo. 8 de nov 2009, Caderno.Alias J3.
[5] Segundo Aristóteles, Ética a Nicômaco, cit., p. 129: “A origem da ação é a escolha, e da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista. Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão nem sem intelecto, nem sem uma disposição moral
[6] ROUSSEAU, tradução Wilson Lousada. As Confissões. São Paulo: Livraria José Olympio,1948, pag. 09.


Informações Sobre o Autor

Gustavo Nori Testa

Mestrando em Direito – sub área : Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


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A propriedade como origem das desigualdades

Resumo: O presente trabalho tem por objeto uma reflexão sobre alguns dos temas propostos por Rousseau, em especial quanto as próprias origens das desigualdades entre os homens e como esta desigualdade influi numa concepção, ora aqui tomada como distorcida, de uma realidade em que o “ter” representa uma maior importância sobre o “ser”, moldando assim as relações sociais humanas. Na concepção adotada, esse sobrevalia desse “ter” aliado a um exacerbado “materialismo utilitarista” são verdadeiras fonte de abismos sociais. A conclusão repousa que a chave de cada mudança encontra-se dentro de nós.


Palavras-chave: Propriedade origem desigualdades. Rousseau


Abstract: The present work has for object a reflection on some of the subjects considered for Rousseau, in special how much the proper origins of the inaqualities between the men and as this inaquality influences in a conception, here meaning as distorted, of a reality where “to have it” it represents a bigger importance on the “being”, thus molding the social relations human beings. In the adopted conception, this overvalue of the private propriety alloy to an exaggerated “utilitarian materialism” source of a real social abysses. The conclusion rests that the key of each change can be found inside of us.


Sumário: 1.Introdução. 2. A Origem das Desigualdades e a Propriedade Privada. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas


“De todos os dons com que o céu os dotou; um coração sensível foi o único que me deixaram; mas se isso fez sua felicidade, contribuiu, para todas as desgraças da minha vida.” (Jean Jacques Rousseau)


1. Introdução


O homem inicialmente vivia isolado, sozinho. Não interagia com seus semelhantes, nos primórdios da humanidade, não havia ainda nenhuma espécie desenvolvida de linguagem, mesmo que gestuais. Não havia convivência entre os homens, no máximo a mãe com sua prole mas tão logo os filhos pudessem caminhar por si, já eram deixados ao destino do mundo natural.


Com o surgimento dos primeiros grupos e seu desenvolvimento, surge a linguagem e com ela o conceito de propriedade privada, inicialmente coletiva mas depois num aspecto privado.


Segundo Jean Jacques Rousseau, começam ai as desigualdades entre os homens. Este pensamento aflora em seu Discurso sobre a Origem das Desigualdades. Neste fator se alicerçariam os pilares de todas as formas de desigualdades civis entre os homens, pois as naturais ao ser humano são inerente e por si mesmas não justificam o surgimento das mesmas.


É sob a ótica da filosofia grega, em especial Aristóteles que trata do problema sob a perspectiva da conduta individual de cada e identifica o problema a ser combatido. Apresenta ele uma possível solução ao dilema humano da sobrevalorização do “ter” em detrimento do “ser” porém falta através da orientação da conduta de cada por meio da educação que cada um deva receber.


2. A Origem das Desigualdades e a Propriedade Pivada


Limitava-se esse homem à coleta para sua subsistência diária, a noção que possuía da vida era somente do presente, do momento instantâneo, das necessidades instantâneas. Nem mesmo a convivência entre sexos diferentes ocorria, limitava-se somente a época do cio nas fêmeas com fins de perpetuação da espécie.


Alguns indivíduos, tendo em vista razões de maximização de sua própria subsistência, aprofundaram esse inter-relacionamento efêmero. De inicio, aos pares e basicamente, limitavam-se a gestos para comunicarem-se. Com a inclusão de mais membros ao grupo, surge a necessidade do desenvolvimento de uma outra forma de comunicação entre os componentes do grupo, desenvolveu-se a necessidade de se aprimorar a comunicação dentro dessa comunidade.


Surge então a linguagem, pela simples justificativa de que a mera interposição física do corpo de um componentes do grupo, obscurecendo a visão de um terceiro, impossibilita a comunicação entre eles o que representaria um risco aos componentes.


Em virtude desse agrupamento e com o surgimento da linguagem, aprimorando a comunicação interpessoal existente, torna-se possível compartilhar sentimentos e experiências pessoais, aproximando o convívio entre os indivíduos surgindo então formas de relacionamento interpessoais – o embrião do que se tornaria mais tarde a comunidade.


Com uma maior organização, alguns grupos abandonaram a vida nômade coletora e fixaram-se de maneira permanente em determinadas áreas, delimitando o espaço físico que passaram a ocupar. O grupo toma como sua propriedade determinada área e nela restringe fisicamente o acesso de estranhos. Até então, o homem era plenamente livre, podia caminhar por onde quisesse.


A propriedade, até então coletiva e ilimitada, sob o ponto de vista do acesso irrestrito de todos, passa a sofrer uma limitação no sentido físico, ou seja, o individuo toma como seu uma determinada área, inicialmente com a finalidade de fixar ali seu grupo, neste caso, trabalharemos com a idéia de ser a família, uma das primeiras formas de organização primitiva da comunidade, tomada aqui num conceito de organização matriarcal.


Surgem os primeiros traços de organização social com indivíduos incluídos e excluídos dentro do contexto de participação e de determinação social. Destes traços iniciais, surgem os primeiros padrões sociais a serem seguidos e com eles o Poder.


O homem, segundo descrito por Rousseau, antes do desenvolvimento dessa organização social é plenamente dotado de bondade (o homem inicialmente seria bom e a sociedade ao imprimir seus valores ao educá-lo o corromperia). Inclusive, vincula essa bondade original com a compaixão humana (“com” “paixão” – tomada com o sentido de paixão de todos, amor de todos). Este sentimento seria o de maior importância que poderia surgir em um individuo, numa sociedade extremamente primitiva onde praticamente não existiam desigualdades, tomadas na concepção civil de desigualdades, ou seja, que surgem no decurso da organização humana, em contrapartida das desigualdades físicas inerentes e inexoráveis a cada. O homem então concebido como o “Bom Selvagem” dotado de extrema “compaixão” e naturalmente bom.


Com o surgimento desses primeiros padrões sociais e com um melhor desenvolvimento da linguagem, a aproximação dos indivíduos torna-se ainda mais coesa, legitimam estes o Poder emanada da sua própria organização social, surgindo então os primeiros traços de desigualdades entre os homens e a continuidade desse sistema pela tradição do “status quo”.


A linguagem antes desenvolvida em virtude da necessidade de maior e melhor interação entre os indivíduos, de sobrevivência, torna-se instrumento de dominação e alienação, inclusive de exclusão. Quem não interpreta o símbolo deverá ser dominado, fica à margem, alienado. Surge a tradição fixando os primeiros costumes.


Começa aqui o universo simbólico e a projeção metafísica do “ter” e do “ser”, posteriormente trabalhado pelos filósofos gregos e em especial, destacamos Aristóteles[1], que destaca a necessidade da importância de se valorar muito mais o “ser”, ou seja, o individuo enquanto pessoa humana em contrapartida de uma concepção mais materialista que da maior primazia a outros fatores humanos, como por exemplo, o poder ou as próprias coisas materiais e si.[2]


Em contrapartida a esse “Bom Selvagem”, que vivia em plena harmonia com o estado de natureza, dotado de compaixão, surge no individuo um sentimento muito grande de amor próprio, o percursor de um individualismo “negativo” que mais tarde fomentará as múltiplas desigualdades nos homens – tomadas aqui sob o aspecto civil ou cultural (sendo a cultura o produto do ecossistema social no qual o homem está inserido). Por outro lado, há desigualdades de natureza física inerentes à condição e a natureza humana e a estas, se consideradas de maneira isoladas, não são capazes de desigualar os homens.


Nesse sentido, segundo Bertrand Russel: “Nossos sentimentos naturais afirma ele, nos levam a servir o interesse comum, enquanto nossa razão nos impede ao egoísmo. Por conseguinte, para sermos virtuosos, basta que sigamos mais os nossos sentimentos do que a razão[3].


Um dos seguidores rousseaunianos que mais se destacou no século XX, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss[4], falecido aos 100 anos em outubro de 2009, explorou esse conceito de o “Bom Selvagem” em seus estudos, principalmente os realizados com as tribos Caduveo e Bororó, ambas do estado do Mato Grosso, no Brasil. Seus trabalhos contribuiram para elevar a consciência dos estudiosos acerca dessa “mente selvagem”, inclusive sendo englobados na obra O Pensamento Selvagem, de 1962.


Esclarece o próprio Rousseau, em resposta as críticas tecidas por Voltaire em relação a sua obra, O Discurso da Origem das Desigualdades, esclarece o autor que sua intenção ao elaborar seu discurso não seria do de forçar a sociedade a voltar a viver como no estado de natureza. Mas sim, provocar uma reflexão sobre os valores e caminhos que este vem a trilhar, não deixar simplesmente que a razão solape simplesmente os valores, pois muitas vezes, o próprio racionalismo em extremo afasta o homem dos próprios homens.


3. Conclusão


A conclusão das idéias e a constatação do “problema” por Rousseau originalmente descrito necessita de uma abordagem que nos conduza a alguma solução factível, a uma resposta aplicável às nossas vidas.


Tamanha é a importância do apresentado dilema que o próprio Aristóteles[5] preocupa-se em disponibilizar uma plausível solução, ou pelo menos apontar qual seria uma forma pela qual os caminhos entre os homens se encurtassem. Defendia o filósofo em que o ser humano deve ter sempre a idéia fixa de conduzir os atos de sua vida pela reta razão, deve permear-se pelo caminho intermediário evitando-se os que conduzam a extremos.


Principalmente, quando esta conduta se relaciona com a forma pela qual fazemos nossas escolhas, o que infere diretamente no resultado de nossas ações, ostenta a escola aristotélica que a virtude está além do somente pensar, consiste verdadeiramente no agir e este, por sua vez, deve pautar-se pela razão e pela emoção dosadas à conta-gotas.


Qual deles deve preponderar cabe a cada um de maneira reflexiva, sobressaltar o que mais lhe aproximar de uma atitude virtuosa em razão da ocasião. O que sempre deve ser evitado é qualquer caminho que conduza a cristas, pois nestes pólos está o exagero ou à falta, inimigos capitais da virtude.


A chave da solução da maioria de nossos problemas encontra-se em nós mesmos.


“Sentir antes de pensar; é o destino da humanidade”.[6]


 


Referências bibliográficas

ARISTÓTELES. Tradução Pietro Nasseti. A Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2004.

DESIDÉRIO, Erasmo. Elogio da Loucura, tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2009.

FORTES, Luis Roberto Salinas. Rousseau: o bom selvagem. São Paulo: FTD, 1989.

ROUSSEAU. As Confissões. Tradução Wilson Lousada, Livraria José Olympio. São Paulo: 1948.

Rothstein Edward .O Garimpeiro de Mitos.The New York Times. O Estado de São Paulo, São Paulo. 8 de nov. 2009, Caderno.Alias J3.

RUSSEL, Bertrand. Historia da Filosofia Ocidental. Tradução Breno Silveira. Livro III. 2 ed.. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

 

Notas:

[1] Conforme o próprio Aristóteles, Ética a Nicômaco, cit., p. 233: … mas o homem feliz, como homem que é, também necessita de prosperidade exterior, porquanto a nossa natureza não basta a si mesma para os fins de contemplação: nosso corpo também precisa gozar saúde, de ser alimentado e cuidado. Não se pense, todavia, que o homem para ser feliz necessite de muitas ou de grandes coisas. (…) a auto-suficiência e a ação não implicam excesso, e podemos praticar atos nobres sem sermos donos da terra e do mar”.

[2] Segundo Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura, cit., p. 69: “Acreditar que a felicidade do homem consiste nas coisas mesmas é levar a extravagância ao excesso.”

[3] RUSSEL, Bertrand, tradução Breno Silveira. Historia da Filosofia Ocidental. Livro III. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, pag. 233.

[4] Rothstein Edward .O Garimpeiro de Mitos. The New York Times. O Estado de São Paulo, São Paulo. 8 de nov 2009, Caderno.Alias J3.

[5] Segundo Aristóteles, Ética a Nicômaco, cit., p. 129: “A origem da ação é a escolha, e da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista. Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão nem sem intelecto, nem sem uma disposição moral

[6] ROUSSEAU, tradução Wilson Lousada. As Confissões. São Paulo: Livraria José Olympio,1948, pag. 09.


Informações Sobre o Autor

Gustavo Nori Testa

Mestrando em Direito – sub área : Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


logo Âmbito Jurídico