Resumo: Diversos embates são interpostos na sociedade jurídica sobre a atividade das Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI’s, dado o poder de investigação de delitos constitucionalmente dirigida à sua competência, geralmente de interesse interna corporis. É permitido, por estes organismos de natureza administrativa, desenvolver a prática de certos atos, na qual dependem de autorização judicial em prol da garantia de direitos fundamentais. Uma destes é justamente a quebra do sigilo bancário das pessoas investigadas, direta ou indiretamente. Por meio de pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais, procura definir a limitação que se impõe legalmente acerca dessa atividade, no intuito de conhecer especificamente o poder dirigido a essas comissões. Dessa maneira, dirigir a devida atenção, inclusive ao meio jurídico, diante dessa atividade, que é permitida, mas segundo a obediência e conveniência dos direitos e indivíduos envolvidos na investigação dos sujeitos.
Palavras-chave: Investigação. CPI’s. Sigilo Bancário. Limitação.
Abstract: Several clashes are legal in society brought about the activity of the Parliamentary Commissions of Inquiry – CPI’s, given the power to investigate irregularities led to his constitutional powers, usually of interest interna corporis. It is permitted by these administrative bodies, to develop the practice of certain acts, which rely on judicial authorization in favor of guaranteed fundamental rights. One of these is precisely the breach of bank secrecy of persons investigated, directly or indirectly. Through research and doctrinal jurisprudence, seeks to define the legal limit that is imposed on this activity in order to meet the power directed specifically to these committees. Thus, directing attention, including by legal means, before this activity, which is permitted, but under obedience and convenience of the rights and individuals involved in the investigation of subjects.
Keywords: Research. CPI’s. Banking Secrecy. Limitation.
Sumário: 1 – INTRODUÇÃO. 2 – Dos Direitos Individuais. 3 – Do Direito à Privacidade: Sigilo Bancário. 4 – Do Sigilo Bancário no Âmbito Constitucional. 5 – Do Sigilo Bancário em Lei Infraconstitucional. 6 – Das Divergências acerca da Quebra do Sigilo Bancário. 7 – Entendimento Favorável à Decisão Judicial. 8 – Entendimento Favorável à Decisão pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. 9 – As Comissões Parlamentares de Inquérito e a Possibilidade de Quebra de Sigilo Bancário. 10 – REFERÊNCIAS.
1 – INTRODUÇÃO.
O presente artigo visa analisar a problemática que circunda sobre a amplitude do poder investigatório das Comissões Parlamentares de Inquérito em relação aos direitos individuais dos investigados, mais especificamente, o direito à privacidade referente ao sigilo bancário.
As fontes dos direitos fundamentais foram enunciadas, em primeiro plano, nas declarações de direitos decorrentes de movimentos sociais organizados com a finalidade de limitar o poder autoritário do Estado e instaurar princípios democráticos.
Nesse sentido, merecem registro as seguintes declarações: A Magna carta de 1215-1225, a Petition of Rights – Petição de Direitos em 1628, a Bill of Rights – Declaração de Direitos em 1688, o Habeas Corpus Act em 1679 todos elaborados na Inglaterra; a Declaração de Direitos da Virgínia em 1776 nos Estados Unidos da América; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 na França; a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado em 1918 na Rússia; a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 – Criação da ONU; o Pacto de São José da Costa Rica em 1969 dentre outros.
Diante da amplitude e da evolução dos direitos fundamentais do homem, afigura-se uma atividade deveras complexa atribuir-lhe um conceito determinado. Contudo, o renomado jurista Alexandre de Moraes (2002, p. 162) entende que:
“O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, pode ser definido como direitos humanos fundamentais.”
De posse da conceituação apresentada, entendem-se como fundamentais o complexo de direitos e garantias indispensáveis ao desenvolvimento da pessoa humana, ao passo que configura, também, uma limitação ao poder estatal, no tocante à esfera dos direitos individuais dos cidadãos.
Portanto, destacam como fundamentais o direito à vida, à dignidade, à liberdade, à igualdade, à segurança, impondo-se o reconhecimento formal destes no ordenamento jurídico, e exigindo-se a sua plena efetivação. Engloba-se, nesse entendimento, a presença das garantias que constituem normas assecuratórias, destinadas aos cidadãos para o exercício de defesa de seus direitos fundamentais.
No tocante à natureza jurídica, observa-se que os direitos fundamentais do homem consubstanciam normas-princípios positivas de índole constitucional, tendo em vista que este conjunto de direitos, ao longo da história da humanidade, vem sendo expressamente inseridos nas Constituições dos Estados.
Os direitos fundamentais do homem, a partir do momento que são inseridos nos Textos Constitucionais, adquirem uma importante função. Nesse sentido, o professor Canotilho (apud Moraes, 2005, p. 25) enuncia que compete aos direitos fundamentais,
“A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentadamente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico- subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).”
Nesse diapasão, depreende-se que no Estado Democrático de Direito vige o princípio da soberania popular, onde o povo delega aos seus representantes o poder de governar o Estado. Nesse contexto, o poder delegado não é absoluto.
Impõe-se, com a positivação dos direitos fundamentais, a necessidade de limitação do poder estatal, principalmente, no que diz respeito a sua não interferência no âmbito dos direitos individuais dos cidadãos.
Urge, também, impedir que os direitos fundamentais sejam objetos de modificações pelo Poder Constituinte reformadora, a fim de se evitar a implantação de governos autoritários. Cumpre, ainda, consolidar as garantias constitucionais que configuram medidas assecuratórias de defesa dos direitos individuais contra os arbítrios do Estado.
Ressalte-se, por sua vez, que os direitos fundamentais possuem algumas características: a primeira delas concerne à historicidade: os direitos são conquistados, modificados, ampliados de acordo com o momento histórico. A Universalidade, pela qual busca a aplicação dos direitos fundamentais da forma geral e indiscriminada.
Ainda pode ser destacado a limitabilidade, decorrente da ideia de que os direitos fundamentais não são absolutos; a inalienabilidade: a ausência de conteúdo econômico – patrimonial impede a sua negociação; a imprescritibilidade, os direitos fundamentais podem ser exercidos a qualquer tempo; a irrenunciabilidade: podem deixar de ser exercidos, mas não renunciados.
Verifica-se, ao longo da história, a conquista de direitos importante para o desenvolvimento da pessoa humana. A constante evolução das sociedades implica na criação de novos direitos. Nesse sentido, a doutrina classificou os direitos fundamentais em gerações ou dimensões.
Assim, a primeira dimensão relaciona-se com a conquista de direitos individuais e direitos políticos, personificando o valor da liberdade; a segunda dimensão refere-se aos direitos sociais e econômicos, com a regulamentação do direito do trabalho; a terceira dimensão reporta-se aos denominados direitos coletivos ou difusos, a saber, direito do consumidor e direito ambiental; a quarta dimensão apresenta os direitos relacionados à manipulação genética, no caso da bioengenharia e biotecnologia.
Por fim, afigura-se no âmbito jurídico a quinta dimensão, que trata dos direitos decorrentes da realidade virtual (cibernética).
Reportando-se a Constituição de 1988, esta em seu Título II, artigo 5º trata dos Direitos e garantias Fundamentais, classificando–os em cinco espécies: direitos individuais, direitos coletivos, direitos sociais, direitos à nacionalidade e direitos políticos.
Tratando-se, por sua vez, da aplicabilidade das normas que disciplinam os direitos e garantias fundamentais, o § 1º, do artigo 5º do texto constitucional dispõe que elas têm aplicação imediata.
2 – Dos Direitos Individuais.
Os direitos individuais constituem espécies dos direitos fundamentais, e na Constituição federal, encontram-se enunciados, expressamente, no caput do artigo 5º: Desse modo,
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade à segurança e à propriedade, nos seguintes termos.”[…].
Do artigo constitucional supracitado extraem-se os destinatários e a enumeração dos direitos individuais. Nesse ínterim, consideram-se sujeitos ativos dos direitos individuais as pessoas físicas, isto é, brasileiros e estrangeiros residentes no País.
Interpretando o artigo 5º, a doutrina admite que as pessoas jurídicas também façam parte do rol dos destinatários. O artigo enumera os direitos em cinco: vida, liberdade, segurança, igualdade e propriedade.
No entanto, utilizando-se do Princípio da Unidade da Constituição, onde se deve interpretar o texto constitucional como um todo, deduz-se que, os direitos individuais podem ser encontrados nos demais artigos da Constituição.
No campo conceitual dos direitos individuais, o professor José Afonso da Silva (2000, p. 194) preconiza a seguinte lição,
“São direitos fundamentais do homem- indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado.”
Com efeito, a partir do entendimento apresentado, depreende-se que o direito individual é aquele pertencente ao indivíduo em particular. O titular do direito individual pode exercê-lo enquanto direito de defesa contra a ingerência excessiva do Poder estatal, bem como, contra a interferência de qualquer outro membro da sociedade.
3 – Do Direito à Privacidade: Sigilo Bancário.
A Constituição Federal de 1988 enuncia os direitos individuais e coletivos no caput do art. 5º, que se desdobra em setenta e oito incisos. Apesar de não estar disposto de maneira expressa no caput do referido artigo, considera-se o direito à privacidade presente na esfera dos direitos individuais, enquanto variação do direito à vida.
Primeiramente, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca das terminologias privacidade e intimidade, tendo em vista que, no geral, são utilizadas como sinônimas, em decorrências da estreita ligação existente entre ambas. Sobre o tema, Manuel Gonçalves F. Filho (apud Moraes, 2005, p. 47) explica,
A intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto, vida privada, envolve todos os demais relacionamentos, inclusive os objetivos tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc.
Deflui-se, por sua vez, que o campo de incidência da privacidade possui maior amplitude, tratando-se todas as manifestações íntimas inerentes à personalidade da pessoa humana, de ordem pessoal e profissional. Abarca, portanto, a intimidade, onde se refere ás manifestações relacionadas, estritamente a esfera íntima do indivíduo.
Por isso, o direito à privacidade se encontra implicitamente disposto nos direitos individuais do caput do artigo 5º do texto constitucional. Relaciona-se, pois, com o direito à privacidade, enquanto manifestações da esfera privada das pessoas, o sigilo das informações bancárias, tema este de grande repercussão no cenário jurídico nacional.
4 – Do Sigilo Bancário no Âmbito Constitucional.
A defesa da privacidade encontra supedâneo legal em dois incisos do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988. Assim, no tocante à disposição do primeiro inciso: “Art. 5º […] X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O inciso supracitado, no sentido amplo, diz respeito à inviolabilidade constitucional da privacidade que se refere à esfera íntima e exclusiva da pessoa. Constitui, portanto, o conjunto de informações individuais decorrentes da vida familiar, doméstica, particular, profissional de interesse estrito do seu titular, cabendo-lhe a faculdade de divulgá-los ou não. Busca-se a proteção contra as interferências ilícitas externas, do Estado ou de qualquer outra pessoa, seja ela física ou jurídica.
Em complemento ao artigo 5º, inciso X, a Constituição federal pátria dispõe que:
“Art. 5º […]
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e nas formas que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”
O artigo em tela versa sobre a inviolabilidade constitucional do sigilo das correspondências, comunicações telegráfica, telefônicas e de dados, com a finalidade de defesa da privacidade. Observa-se, todavia, que os incisos X e XII do artigo 5º da CF de 1988 não demonstram uma previsão expressa sobre a inviolabilidade do sigilo bancário.
Contudo, o renomado jurista Alexandre de Moraes (2005, p. 60) ressalta:
“Com relação a esta necessidade de proteção à privacidade humana, não podemos deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica.”
Interpretando-se, portanto, o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal juntamente com a opinião acima esposada entende-se, que o sigilo bancário, enquanto conjunto de informações sobre as operações ativas e passivas realizadas por seu titular em determinada instituição financeira encontra-se inseridas no âmbito do direito à privacidade. Exige-se, como regra, a inviolabilidade dos dados bancários, configurando-se, pois, uma garantia contra as interferências arbitrárias do Estado ou de qualquer outra pessoa.
No entanto, excepcionalmente, o sigilo bancário pode ser violado, visto que não se trata de um direito absoluto. Assim, desde que estejam presentes motivos relevantes, devidamente justificados, que se apresentem necessários e estritamente indispensáveis, respeitando ainda, os limites constitucionais, impõe-se a quebra do sigilo bancário. No mesmo sentido, aplica-se para a quebra do sigilo fiscal.
5 – Do Sigilo Bancário em Lei Infraconstitucional.
O sigilo bancário obteve regulamentação expressa, inicialmente, em lei infraconstitucional. Nesse diapasão, a Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1994, que versava sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, dispunha em seu artigo 38 que “as instituições financeiras conservarão o sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”.
O referido artigo preconizava, enquanto regra a inviolabilidade do sigilo bancário, respeitando-se o direito à privacidade do indivíduo possuidor de conta bancária, excepcionalmente, permitia o conhecimento dos dados do sigilo bancário por ordem judicial e a pedido do Poder Legislativo, conforme §§ 1º e 2º do artigo 38 da respectiva lei, desde que estejam presentes motivos relevantes.
Todavia, com a edição da Lei Complementar nº 105 de 10 de janeiro de 2001, tratando sobre o sigilo bancário, revogou-se, parcialmente, as disposições previstas na Lei nº 4.595/64. A referida Lei Complementar, em seu artigo 1º enuncia a regra da inviolabilidade do sigilo bancário, com a mesma redação da Lei por ela revogada.
No mesmo sentido, em caráter de excepcionalidade, admite-se a quebra do sigilo bancário por parte do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, ressaltando-se, mais uma, a exigência de comprovação da necessidade de ato, isto é, a presença de um motivo justificador dentro dos limites legais.
6 – Das Divergências acerca da Quebra do Sigilo Bancário.
A inviolabilidade do sigilo bancário, interpretando-se os incisos X e XII da Constituição federal de 1988, considera-se matéria inerente ao direito à privacidade, e amparado, portanto, pelos direitos individuais. No entanto, o sigilo aos dados bancários tem suscitado discussões, na seara jurídica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, no tocante ao § 3º do artigo 58 do texto constitucional que trata das comissões Parlamentares de Inquérito.
Por suposto, a celeuma jurídica reside na outorga constitucional de “poderes de investigação próprios de autoridades judiciais” às Comissões Parlamentares de Inquérito. Nesse contexto, parte dos estudiosos da matéria admite a possibilidade de quebra do sigilo bancário por requerimento das Comissões Parlamentares de Inquérito, sem a necessidade, portanto, de autorização judicial para o ato. Em sentido contrário, afigura-se outra corrente jurídica asseverando que a quebra do sigilo bancário depende de ordem emanada do Poder Judiciário.
Assim, nesse caso, demonstra-se necessário apresentar os argumentos legais e doutrinários que fundamentam a discussão jurídica das correntes doutrinárias acerca da questão suscitada.
7 – Entendimento Favorável à Decisão Judicial.
As Comissões Parlamentares de Inquérito constituem institutos jurídicos constitucionais que atuam, portanto, na execução das funções típicas de legislação e fiscalização atribuídas, constitucionalmente, ao Poder Legislativo Nacional, Estadual e Municipal. A Constituição Federal, em seu§ 3º, do artigo 58, conferiu aos inquéritos parlamentares “poderes próprios de autoridades judiciais”, com observância às limitações constitucionais.
Nesse sentido, as comissões investigativas não possuem poderes ilimitados. Devem, por sua vez, agir com respeito às limitações e princípios constitucionais, sejam eles expressos ou implícitos. A respeito disso, faz-se necessário citar o Princípio Republicano, o Princípio Federativo, o Princípio da Separação dos Poderes, e principalmente, os Princípios inerentes aos direitos e garantias fundamentais, entre outros.
Nessa corrente doutrinária, o magistrado Francisco Rodrigues da Silva (2001, p. 146) elucida a matéria da seguinte maneira,
“Destarte, mesmo desfrutando as comissões parlamentares de poderes próprios de autoridades judiciais, é bom que se diga, resta-lhe unicamente liberdade na esfera investigatória, sem qualquer restrição que importe limitação de direitos e garantias individuais.”
Por conseguinte, na esfera dos direitos fundamentais, insere-se o direito individual da inviolabilidade do sigilo bancário, decorrente, portanto, do direito à privacidade, amparado constitucionalmente, pelos incisos X e XII, do artigo 5º.
Dessa forma, a inviolabilidade consiste a regra Excepcionalmente, admite-se o conhecimento dos dados de sigilo bancário, desde que se apresentem motivos justificados e necessários, exigindo-se, obrigatoriamente, a autorização judicial para o ato.
Nesse contexto fático, os requerimentos de quebra de sigilo bancário realizadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito devem ser necessariamente, precedidos de autorização judicial. Tal limitação também se aplica ao Ministério Público. Nesse diapasão, com base no entendimento do Magistrado Francisco Rodrigues da Silva (2001, p. 153) salienta-se que,
“É prudente, conveniente e de boa técnica que o devassamento do sigilo bancário seja lembrado pela presidência das Comissões Parlamentares de Inquérito ou requerido pelo Ministério Público, quer na qualidade de dominus littis, quer de custos legis, ao Poder Judiciário.”
Diante do entendimento exposto, os atos das Comissões Parlamentares de Inquérito que interfiram na esfera dos direitos individuais devem ser precedidos, necessariamente, de determinação judicial. Aufere, todavia, que é defeso às comissões investigativas devassar o sigilo bancário dos investigados, sem a prévia autorização do Poder Judiciário. A título de conhecimento, aplica-se ao Ministério Público, a mesma exigência.
Ademais, possuindo as Comissões Parlamentares de Inquéritos poderes próprios de autoridades judiciais, é imperioso que seus atos e requerimentos sejam devidamente fundamentados e públicos, de acordo com o inciso IX, do artigo 93 da Carta republicana de 1988,
“Art. 93. […]
IX – julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente estes […].”
Utilizando, pois, uma interpretação sistemática do texto constitucional, impõe-se que os atos realizados pelas comissões legislativas sejam exercidos dentro dos mesmos limites constitucionais impostos aos órgãos do Poder Judiciário. Cumpre, desta forma, realizar um tratamento isonômico constitucional entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.
Deduz-se que não se atribuiu aos inquéritos parlamentares a faculdade de invadir a esfera dos direitos individuais, especificamente, no tocante aos direitos inerentes à vida privada dos indivíduos, sem prévia decisão judicial.
Diante do exposto, a garantia da inviolabilidade do sigilo bancário considera a regra no ordenamento jurídico pátrio, amparado constitucionalmente. Caso comprove-se estritamente necessária para a investigação dos inquéritos parlamentares o conhecimento dos dados sigilosos, os membros das comissões devem requerer autorização ao Poder judiciário.
8 – Entendimento Favorável à Decisão pelas Comissões Parlamentares de Inquérito.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, amplamente reconhecidas no texto constitucional pátrio, realizam atividades próprias das funções típicas do Poder legislativo, no que concerne, portanto, à fiscalização e legislação.
Nesse ínterim, a realização de investigações pelas comissões investigativas configura, também, uma ferramenta eficaz e adequada para a função legiferante do Poder Legislativo.
Reportando-se ao § 3º do artigo da Constituição Federal, depreende-se que foram atribuídos “poderes de investigação próprios de autoridades judiciais”, às Comissões Parlamentares de Inquéritos. No entanto, a referida cláusula constitucional deve ser interpretada no mesmo sentido dos poderes instrutórios outorgados aos magistrados no curso da instrução processual penal.
Nesse diapasão, afigura-se na seara jurídica um entendimento doutrinário majoritário de que as comissões investigativas, no exercício dos poderes conferidos pelo texto constitucional, podem adentrar na esfera dos direitos individuais, sendo possível, neste ponto, decretar a quebra do sigilo bancário do investigado sem a necessidade de autorização judicial. Desse modo, o magistrado Bezerra e a mestra Fernandes tratam da matéria da seguinte forma,
“Ainda que se considere que o sigilo bancário encontra sede no Texto Constitucional – como espécie, seja do direito à privacidade, seja do direito à inviolabilidade do sigilo de dados – não há como se admitir seja ele um direito absoluto. Sendo o ordenamento jurídico, um conjunto coeso de normas amparadoras de diversos bens, no âmbito do qual não se tolera incongruidades, sob pena de esfacelamento da própria ideia de direito, é de se afastar as concepções absolutas.”
O entendimento do autor no que tange a possibilidade de violação do sigilo bancário por parte das Comissões Parlamentares de Inquérito fundamenta-se na relativização dos direitos e garantias individuais, não possuindo este caráter absoluto. Decorre, portanto, do fato de existirem outros bens jurídicos relevantes, devidamente, amparados pela Constituição e que merecem igual respeito.
Observa-se, portanto, o Princípio da Unidade da Constituição, na busca de se harmonizar todos os preceitos constitucionais.
Outrossim, entendimento dessa natureza registra-se nos julgados do STJ, dessa forma,
“Relatividade do sigilo bancário: STJ – È certo que a proteção ao sigilo bancário constitui espécie do direito à intimidade, consagrado no art. 5º, X da Constituição, direito esse que revela uma das garantias do indivíduo contra o arbítrio do Estado, todavia, não consubstância ele direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior. Sua relatividade, no entanto, deve guardar contornos na própria lei, sob pena de se abrir caminho para o descumprimento da garantia à intimidade constitucionalmente amparada […] (STJ Ag. RG. no IP n] 187/DF, Corte Especial, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, j. 21-8-1996, Diário da Justiça, 16 set. 1999, IBCCrim, n.57).”
Acena-se a relevância do interesse público como fundamento legal para relativização do direito individual do sigilo bancário. No conflito entre dois bens jurídicos igualmente relevantes, busca-se realizar uma comparação entre eles à luz do caso concreto, com a finalidade de definir aquele que deve prevalecer.
No tocante à supracitada decisão, compara-se o interesse público ao direito individual da inviolabilidade do sigilo bancário, Neste sentido, prevalece o interesse público inerente ao objeto dos inquéritos parlamentares, que legitima a quebra do sigilo bancário do investigado por parte das Comissões Parlamentares de Inquérito, visto que, os inquéritos parlamentares, no seu mister investigativo, realizam um controle sobre os atos da Administração Pública, consubstanciando a relevância do interesse público.
A possibilidade de violação do sigilo bancário em sede de Comissões Parlamentares de Inquérito constitui um meio de prova importante, uma vez que em muitos casos concretos, apresenta-se como o único meio probatório para a comprovação de irregularidades administrativas dos órgãos do poder estatal, favorecendo, assim, o interesse da coletividade em face do interesse individual. Nesse sentido, foi publicada a Lei Complementar nº 105/2001 regulando o sigilo das operações de instituições financeiras.
Dessa forma, o parágrafo 1º do artigo 4º da supracitada lei, dispõe que,
“Art. 4º […]
§ 1º As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores imobiliários.”
Diante da função fiscalizadora exercida pelos inquéritos parlamentares nas investigações sobre atos realizados, principalmente, pela Administração Pública, promulgou-se a referida legislação, observe-se, que embora, parte da doutrina, tenha suscitada a inconstitucionalidade do tratamento legal desta lei, em detrimento da ordem hierárquica legal.
Deve-se interpretá-la sistematicamente, como um importante meio de prova, de forma a expressar a supremacia do interesse coletivo sobre o interesse individual que reside no direito ao sigilo bancário.
9 – As Comissões Parlamentares de Inquérito e a Possibilidade de Quebra de Sigilo Bancário.
Antes de adentrar ao cerne da questão, faz-se necessário tecer alguns comentários acerca dos princípios que fundamentam a quebra do sigilo bancário por parte das Comissões Parlamentares de Inquérito.
A doutrina apresenta princípios indispensáveis para a fundamentação da possibilidade de violação do sigilo bancário conferida às Comissões investigativas, a saber: o princípio da proporcionalidade e o princípio da supremacia do interesse público.
Considera-se o princípio da proporcionalidade, aquele de caráter constitucional, implícito na Carta Magna de 1988, e decorrente do Estado Democrático de Direito. Fundamenta-se no art. 5º § 2º da Constituição Federal vigente: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais, em que a República federativa seja parte”. Apresenta-se, portanto, como um instrumento de interpretação, voltado para a solução de conflitos.
A aplicabilidade desse princípio exige, conforme a doutrina clássica, a conjugação de três pressupostos indispensáveis para seu entendimento: conformidade ou adequação dos meios; a necessidade ou exigibilidade da medida adotada; e a proporcionalidade em sentido estrito. No tocante ao primeiro, busca-se avaliar se o meio utilizado pela lei ou por ato do Poder Público é apropriado para alcançar a finalidade a que se destina. O pressuposto da necessidade ou exigibilidade da medida adotada refere-se à escolha que melhor se adeque aos fins pretendidos. Por conseguinte, a proporcionalidade em sentido estrito, utiliza-se de meios adequados e coerentes com o fim pretendido, ou seja, busca-se alcançar a mais apropriada relação entre meios e fins.
Por sua vez, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado encontra-se intrinsecamente relacionado com o objetivo norteador da atuação do Estado, que se verifica na busca do interesse da coletividade. O poder estatal instrumentaliza-se por meio da Administração Pública e tem como finalidade a defesa do interesse público.
A efetividade desse princípio pode ser verificada quando se é preciso sopesar dois bens ou interesses jurídicos constitucionalmente protegidos, sendo um direcionado ao interesse da coletividade e outro ao interesse individual. Sendo o interesse da coletividade, a finalidade da Administração Pública, é consenso na doutrina que, o interesse individual não pode se, sobrepor àquele de maneira absoluta.
Reportando-se à problemática em estudo, averígua-se que há a possibilidade de violação do sigilo bancário por parte das Comissões Parlamentares de Inquérito, fundamentando-se no princípio da proporcionalidade e no princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Como visto anteriormente, a Comissão Parlamentar de inquérito constitui instrumento jurídico constitucional auxiliar das funções precípuas do Poder Legislativo, quais sejam, fiscalização e legislação. No tocante à função de fiscalização, a investigação de Comissões Parlamentares recai sobre atos da Administração Pública, tendo em vista, o interesse público na sua atuação.
Por conseguinte, os poderes de investigação próprios de autoridades judiciais conferidos às Comissões Parlamentares de inquérito abrangem a possibilidade da quebra de sigilo bancário, como direito individual que é se este estiver colidindo com um interesse público, objeto da investigação, seja ele de caráter econômico, político, social, moral, entre outros relativos aos órgãos do poder estatal.
No entanto, é cediço no entendimento doutrinário e jurisprudencial que a inviolabilidade do sigilo bancário é a regra. Só excepcionalmente poderá ser violado, desde que observados determinados preceitos legais decorrentes do princípio da proporcionalidade que exige a conjugação de determinados requisitos supracitados.
Dessa forma, para que se permita a violabilidade deste direito fundamental, é preciso que não haja nenhum outro procedimento possível para se obter à finalidade de investigação. Ademais, se faz importante mencionar que, a quebra do sigilo bancário deve ser a única escolha apta a alcançar o fim almejado pela investigação parlamentar, devendo-se apenas permitir a sua utilização mediante uma comparação entre os meios e os fins a serem atingidos. Corroborando esse raciocínio, esclarece Paulo Ricardo Schier que,
“[…] fixadas às premissas resta claro que a quebra do sigilo bancário enquanto medida restritiva de um direito fundamental, somente poderá ser deferida caso reste demonstrada a presença dos requisitos de limitação do excesso. Portanto, primeiramente, é preciso avaliar em que medida a quebra do sigilo bancário será apta ao atingimento do fim pretendido (adequação meio – fim, ou se o resultado da restrição é proporcional a sua carga coativa (proporcionalidade em sentido estrito). Por fim, a medida somente deverá ser empregada em situações – limites, como ultima ration no procedimento investigatório (exigibilidade ou necessidade). O princípio da proporcionalidade impede sua ordinarização. O sigilo continua sendo regra.”
Não se pode olvidar, também, a relevância do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado no que se refere à quebra do sigilo bancário em análise. Utilizando-se mais uma vez do entendimento do magistrado Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcante e a professora Luciana Medeiros Fernandes, observa-se,
“O sigilo bancário não se superpõe, ao interesse público, considerado mesmo o princípio – imanente à ordem jurídica – da prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Significa dizer que a proteção outorgada, pelo ordenamento jurídico, ao sigilo bancário não pode ser manipulada como impediente à concretização do interesse coletivo pó como instrumento destinado ao encobrimento de comportamentos ilícitos.”
Verificando-se que, o sigilo bancário não constitui direito fundamental absoluto, faz-se necessário a sua relativização em face do interesse público, objeto de investigação parlamentar, para que se possa impedir que o direito à privacidade seja utilizado como instrumento maquiador de comportamentos ilícitos em detrimento do interesse público.
Enfim, resta comprovado que os poderes conferidos constitucionalmente às Comissões Parlamentares abarcam a possibilidade de violação do sigilo bancário do investigado em inquérito parlamentar, consubstanciando-se tal afirmativa na aplicabilidade dos princípios da proporcionalidade e da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, exigindo-se, ainda, a fundamentação do ato deliberativo que aprovar a referida violação, sob a pena de nulidade deste ato.
Tendo em vista que a natureza é de controle político administrativo realizado pelo Poder Legislativo que se personifica por intermédio das Comissões Parlamentares de Inquérito que constitui figura híbrida por conjugar características de inquérito e de processo, admitindo-se neste caso a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Informações Sobre o Autor
Maria dos Remedios Calado
Professora na UFCG; Especialista em Direito Processual Civil; Assessora Jurídica do Programa de Direitos Humanos na UFCG