INTRODUÇÃO
A idéia de escrever o presente trabalho surgiu após várias conversas com profissionais da área jus trabalhista que demonstraram certa apreensão com a suspensão das atividades judicantes regulares do Tribunal Superior do Trabalho, na semana entre 16 e 20 de maio de 2011, para discussão de sua jurisprudência.
E a apreensão desses profissionais ocorre, principalmente, porque nos últimos anos a composição dos Ministros daquele C. Tribunal Superior foi muito alterada e, possivelmente, mudanças de entendimento virão.
Partindo dessa premissa, resolvemos pesquisar um pouco sobre o assunto e verificamos que essas alterações poderiam acontecer sem atingir a segurança das relações jurídicas já ocorridas, existindo, inclusive, institutos jurídicos para resguardar as mudanças.
Assim, o presente trabalho trará um breve arrazoado sobre uma medida a ser adotada para compatibilizar as possíveis alterações de entendimento jurisprudenciais que serão promovidas pelo Tribunal Superior do Trabalho com o Princípio da Segurança Jurídica.
EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL x SEGURANÇA JURÍDICA
Conforme matéria veiculada no sítio do Tribunal Superior do Trabalho, em 16 de maio de 2011, este Colendo Tribunal suspendeu suas atividades judicantes regulares, entre os dias 16 e 20 de maio de 2011, para discutir internamente pontos polêmicos ou não consensuais, sendo feita uma divisão dos trabalhos, naquela Casa, em dois grupos: o de normatização e o de jurisprudência. O 1º grupo para analisar e elaborar propostas de revisão das normas internas do Tribunal Superior do Trabalho e elaboração de anteprojetos de lei voltados para o aperfeiçoamento processual, com prioridade para a execução trabalhista. O segundo grupo para analisar e aprovar propostas de edição, revisão ou cancelamento de súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos para apreciação plenária das propostas.
Considerando que nos últimos 12 anos o Colendo Tribunal Superior do Trabalho sofreu uma profunda modificação em sua composição de Ministros, face a extinção dos Juízes Classistas pela Emenda Constitucional 24/99; face a recomposição novamente originária do número de Ministros com a EC 45/2004; bem como diante da aposentadoria de Magistrados, com a respectiva substituição dos quadros de Ministros, com efeito, mudanças de entendimento poderão surgir.
Para tanto, podemos citar a manifestação do Presidente do TST, Ministro João Oreste Dalazen:
“ A proposta é promover uma reflexão profunda e pontual sobre a jurisprudência, e também elaborar normas que aperfeiçoem os julgamentos do TST e deem maior eficiência e celeridade ao processo trabalhista”
E com essas mudanças, como fica a segurança jurídica das relações ocorridas entre as partes ante o impacto que uma reforma de entendimento jurisprudencial pode acarretar nas relações materializadas sob a égide do posicionamento anterior?
Segundo o Conselheiro da Confederação Nacional da Indústria – CNI, Adauto Duarte
“(…) a cada vez que jurisprudência se altera em relação ao mesmo tema, invalida-se todos os atos que foram praticados de boa-fé durante aquele período gerando-se um passivo para a empresa em virtude do período prescricional de cinco anos.”
Exemplificando, prossegue o Conselheiro:
Um exemplo dessa insegurança jurídica vista na realidade empresarial são os turnos de revezamento na jornada de trabalho. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no artigo 7º, inciso XIV, que a jornada será de 6 horas, salvo negociação sindical, para os empregados que trabalham em turnos ininterruptos de revezamento.
Durante os dez primeiros anos de vigência da Constituição Federal, entendeu-se que a interpretação desse dispositivo deveria acompanhar o que estava registrado nos anais da Assembléia Nacional Constituinte. Assim sendo, entendia-se que para se caracterizar o turno ininterrupto era necessário que o turno fosse contínuo, ou seja, que se trabalhasse no sistema de escalas, em que não há intervalos de refeição ou
folga garantida nos finais de semana. E por revezamento, entendia-se a rotação, a alternância do trabalho em 3 turnos (matutino, vespertino e noturno). Neste caso, a preocupação é com o trabalho noturno pois o mesmo tem impacto diferenciado sobre o trabalhador.
Em 1998 a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE número 205.815-7 fixou um novo entendimento e passou a entender que o turno não precisa ser contínuo e tornou irrelevante a paralisação coletiva do trabalho aos domingos. Manteve e reforçou o entendimento de que os turnos de revezamento deveriam abranger a alternância nas 24 horas ou em 3 turnos. Suportando-se nessa decisão histórica, o Tribunal Superior do Trabalho editou no mesmo ano a Súmula número 360. Como este novo entendimento, abriu-se um passivo (de cinco anos) e milhares de reclamatórias foram ajuizadas em todo o país, reforçando a insegurança jurídica no território nacional.
Esse entendimento estabelecido em 1998 durou dez anos e, em 2008, novamente se alterou. Dessa vez, com a orientação jurisprudencial número 360 o TST passou a considerar que também quem trabalha em 2 turnos de revezamento e não somente em 3 deveria ter a jornada reduzida a 6 horas. A inovação da jurisprudência abre um novo passivo de cinco anos para um número incontável e que com certeza serão objeto de milhares de reclamações ajuizadas no poder judiciário nos próximos anos.
Observa-se, pelo exemplo esclarecedor acima citado, que a reflexão pretendida pelos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho pode impactar diretamente nas relações trabalhistas existentes, trazendo prejuízos e insegurança para os envolvidos, no qual se conclui que não pode ser desconsiderado o Princípio da Segurança Jurídica ante o impacto que uma reforma de entendimento jurisprudencial (sumular) pode acarretar nas relações consolidadas em consonância com a inteligência anterior adotada.
Então, o que fazer?
Com a evolução da sociedade, o entendimento jurisprudencial não pode manter cristalizado.
Daí, uma alternativa plausível e cativante é a adoção pelo Tribunal Superior do Trabalho do efeito modular das decisões.
Nesse sentido expõe Adauto Duarte:
“O que se vê são diferentes entendimentos sobre questões que afetam a vida de todos na sociedade. Justamente pelo fato dos diferentes entendimentos sobre essas questões jurídicas, para evitar esse crescimento no número de processos no Brasil, uma solução seria a implantação, no TST, do efeito modular. É importante ressaltar que, ao se adotar a modulação dos efeitos, o objetivo não é refutar as decisões jurisdicionais. Ao contrário o que se busca, na realidade brasileira, é o aprimoramento desse importante instrumento e a evolução da jurisprudência”.
E o que é a modulação dos efeitos de uma decisão? Qual a previsão legal?
Modulação dos efeitos de uma decisão judicial é a adequação da produção de seus efeitos com relação ao aspecto temporal, visando assegurar a segurança das relações jurídicas existentes anteriormente ao decidido, evitando lacunas e caos, em atenção ao interesse social.
No Direito Comparado, verificamos que em Portugal a Constituição daquele país prevê a possibilidade da modulação dos efeitos, no artigo 282, item 4:
“(…) quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito”
No Chile, a reforma constitucional de 2005 incluiu na Constituição a autorização para o Tribunal modular os efeitos das declarações de inconstitucionalidade.
Pode ser extraído, ainda, na obra de Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, que países como Áustria e Alemanha também prevêem a modulação.
No Brasil, há previsão da modulação dos efeitos da decisão no artigo 27 da lei 9868/99 e no artigo 11 da lei 9882/99:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
Nota-se que as previsões legais existentes de modulação dos efeitos da decisão referem-se ao controle de constitucionalidade abstrato de normas para ADIN e ADPF.
Entretanto, o próprio P. STF tem utilizado essa previsão legal para, através de analogia, em casos excepcionais, modular os efeitos da decisão que declara inconstitucional uma norma no controle difuso.
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.”
Além disso, Luís Roberto Barroso acrescenta:
Na linha da jurisprudência do STF, a modulação temporal dos efeitos de decisão judicial pode ocorrer em quatro hipóteses: a) declaração de inconstitucionalidade em ação direta[1]; b) declaração incidental de inconstitucionalidade[2]; c) declaração de constitucionalidade em abstrato[3]; e d) mudança de jurisprudência. A hipótese dos autos é, sem dúvida, esta última: mudança de jurisprudência. Precedentes emblemáticos e recentes do emprego da modulação temporal em tais casos, como se sabe, foram a mudança de entendimento da Corte relativamente (i) à competência para ações acidentárias, que passou da Justiça Estadual para a Justiça do Trabalho[4]; e (ii) ao regime de fidelidade partidária[5].
Diante disso, face a flexibilidade conferida pelo P. Supremo Tribunal Federal à modulação dos efeitos da decisão, resta evidente que poderia o C. Tribunal Superior do Trabalho adotar a modulação dos efeitos da decisão na reforma que pretende fazer, sendo este o caminho plausível a ser adotado para compatibilizar as alterações de entendimento jurisprudencial que serão promovidas pelo Tribunal com o Princípio da Segurança Jurídica.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto alhures, vislumbramos que a modulação dos efeitos das decisões é a solução para que as reformas de entendimento materializadas ocorram nos Tribunais Trabalhistas sem impactar diretamente as relações jurídicas consolidadas nos termos dos posicionamentos anteriores.
Informações Sobre o Autor
Rosendo de Fátima Vieira Júnior
Advogado Trabalhista em Belo Horizonte/MG. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. Pós-Graduado em Direito Social e Pós-Graduando em Educação a Distância.