Serial killer: prisão ou tratamento?

Resumo: O objetivo deste estudo consiste em analisar a medida mais eficaz a ser aplicada aos chamados Serial Killers – homicidas em série, ou seja, prisão ou tratamento. Procura-se a conexão que esses indivíduos têm com a doença mental, para ser analisada a questão da imputabilidade, bem como da semi-imputabilidade e inimputabilidade.

Sumário: 1 Introdução. 2 Crime: o atual conceito de delito. 3 Homicídio e homicídio em série: aspectos fundamentais.  4 Homicídio em série. 5. Agressividade humana 6 Conclusão. 7 Referências.

 

1 Introdução

Considerando o conceito contemporâneo de delito, a finalidade da pena e as contribuições da psicanálise se questiona se os homicidas em série estão sujeitos a pena de prisão ou tratamento por meio das medidas de segurança, eis que remonta dúvida acerca de sua imputabilidade penal.

Tal questionando ganha importância a partir das modificações acontecidas a partir do século XIX no estudo do crime quando passou-se a considerar sua natureza, qualidade e substância, momento em que começou-se a observar para além do resultado criminoso, estudando as agressões violações anomalias, enfermidades, os institutos e os efeitos do meio e da hereditariedade. Contudo, apesar de todo o desenvolvimento das ciências criminais não se tem respostas para todos os acontecimentos sociais, entre eles os homicídios em série. Dessa forma, demonstra-se a relevância do estudo proposto que pretende investigar qual a resposta jurídico-penal mais adequada para o homicida em série, mais conhecido na literatura estrangeira como serial killer.

2 Crime: o atual conceito de delito

Em sentido jurídico, atualmente no Brasil, tem-se o crime como um fato típico, antijurídico e culpável. Porém, deve-se entender que o conceito de crime não é imutável, visto que hoje pode ser entendido dessa maneira, restando em um conceito transitório, devido o fato de que um dia o que era considerado crime, atualmente não ser entendido como tal. No entanto, para se chegar a essa idéia, o crime passou a ser definido pelas diversas escolas penais, formando-se, assim, conceitos distintos como: o clássico, o neoclássico, o finalista e o analítico. Apesar de não haver consenso ainda hoje sobre a definição de crime, o entendimento mais aceito é o analítico, indicado inicialmente[1]. (ZAFFARONI, 2004).

A atual concepção do delito – tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade – é produto .de construção recente, mais precisamente, do final do século passado. Anteriormente, o Direito comum conheceu somente a distinção entre imputatio facti e imputatio iuris. Ihering, em 1867, desenvolveu o conceito de antijuricidade objetiva para o Direito Civil, mas a adequação desse instituto ao Direito Penal foi feita por Liszt e Beling, com o abandono da antiga teoria da imputação. Quanto à culpabilidade, coube a Merkel, que conseguiu reunir dolo e culpa sob o conceito de determinação da vontade contrária ao dever. A tipicidade, última característica que se somou na construção da forma quadripartida do conceito de delito, foi elaborada por Beling, o qual definiu que: delito é a ação típica, antijurídica, culpável, submetida a uma cominação penal adequada e ajustada às condições de dita penalidade. Desse modo, a definição atual de crime é produto da elaboração inicial da doutrina alemã, a partir da segunda metade do século XIX, que, sob a influência do método analítico, foi trabalhando os diversos elementos que compõem o delito com a contribuição de outros países como Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Áustria e Suíça. (BITENCOURT, 2004).

Além dos conhecidos conceitos Formal, o qual diz que o crime, é toda ação ou omissão proibida por lei, sob ameaça de pena; e Material, onde o crime é entendido como, ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena, tornou-se necessária a adoção de um conceito Analítico de crime, sendo esse o conceito formal de delito com referência aos elementos que o compõem, ou seja, aspectos ou características do crime. O crime passou a ser definido como o fato típico, antijurídico e culpável. Esse conceito analítico de crime continua sendo sustentado em todo o continente europeu, por finalistas e não finalistas. (ZAFFARONI, 2004).

A respeito da definição adotada no Brasil, tanto Mirabete (1998) como Bitencourt (2004) entendem que, por conseqüência do caráter dogmático do Direito Penal, o conceito de crime no Brasil é essencialmente jurídico, segundo artigo[2]. 1º da LICC, Decreto–Lei n. 3.914/41. Ao contrário de leis antigas, o Código Penal vigente não define crime, deixando a elaboração de seu conceito à doutrina nacional.

Relativo aos elementos do crime, a tipicidade a antijuricidade e a culpabilidade, de certa forma estão relacionados entre si, sendo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior. Essa divisão facilita e racionaliza a aplicação do direito, garantindo a segurança contra arbitrariedades e as contradições que freqüentemente poderiam ocorrer. Essa divisão tripartida da valoração permite um resultado final adequado e justo. (ZAFFARONI, 2004).

Diz-se, então, que só haverá Tipicidade  quando os elementos que compõem o fato concreto estiverem configurados, caso contrário não é fato típico, portanto, não é crime. Contudo existe a exceção, que é o caso da tentativa, prevista no artigo 14, inciso II do Código Penal, em que não ocorreu o resultado. Esses elementos são: a Ação ou Conduta do agente, diz respeito ao comportamento humano comissivo ou omissivo, desenvolvido sob o domínio da vontade. Comportamento humano voluntário consciente dirigido a um fim. Numa concepção jurídica, ação é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para lesão ou para exposição a perigo de lesão de um bem jurídico, ou ainda, para a causação de uma possível lesão ao bem jurídico (TOLEDO, 2000); o Resultado é o efeito natural da ação que configura a conduta típica. É a modificação do mundo exterior provocado pelo comportamento humano voluntário e pode ser físico (dano), fisiológico (morte) ou psicológico (medo); a Relação de Causalidade, ou nexo causal entre a conduta e o resultado. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Na esfera penal, essa se acha limitada pelo elemento subjetivo do fato típico, por ter o agente querido o fato ou por ter dado causa ao resultado, ou seja, se agiu com dolo ou culpa; e a Tipicidade, visto como um indício de antijuricidade. Esta é a correspondência exata, adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição contida na lei. (BITENCOURT, 2004).

Antijuricidade ou Ilicitude são sinônimos. Porém, apesar da reforma penal de 1984, ainda utiliza-se com maior freqüência a expressão antijuridicidade. Toledo (2000) seguindo Carnelutti (p. 67), explica que é equívoco chamar de antijurídico o delito que é um fenômeno jurídico por excelência. No entanto Bitencourt (2004) afirma que mesmo reconhecendo essa preferência atual do Código Penal, prefere ainda manter a utilização da expressão antijuridicidade, que se mantém atualizada nas principais dogmáticas européias. A antijuridicidade é entendida como a contradição da ação com uma norma jurídica e também em relação a todo o ordenamento jurídico, eis que como leciona Zaffaroni (2004), uma conduta antijurídica penalmente será repudiada por todo ordenamento, todavia uma conduta que seja proibida por outro ramo do direito não será necessariamente pelo direito penal. Portanto, a antijuridicidade penal é mais restrita que a extra-penal.

Aumentando ainda a discussão em torno da terminologia mais adequada, chega-se a Welzel que prefere Antinormatividade, pois se trata da contradição entre  a ocorrência de um fato  e a proibição ditada  pela norma emanada do tipo penal e não propriamente a contrariedade entre fato e modelo probitivo. o ordenamento jurídico.

Assim, será antijurídica ou ilícita a conduta que não encontrar uma causa que venha a justificá-la. Existem na lei penal e no ordenamento jurídico em geral causas[3] que excluem a antijuricidade do fato típico. Como já exposto, a tipicidade é o indício da antijuricidade, que será excluída se houve uma causa que elimine a sua ilicitude. Assim, por exemplo, matar alguém é um fato típico, porém se for em legítima defesa não será antijurídico.

Por fim, tem-se a Culpabilidade. Em torno desse último elemento é que giram os mais diversos entendimentos. Várias são as teorias que definem tal conceito de culpabilidade, como a Teoria Psicológica da culpabilidade, a Teoria Psicológica-Normativa da culpabilidade, a Teoria Finalista da Ação, a Teoria da Culpabilidade ou Teoria Normativa Pura. Porém, com o advento dessa última teoria sustentada pelo finalismo welzeliano, Bitencourt (2004) explica que as demais restaram superadas, pela sua importância, atualidade e predomínio no continente europeu e pela autêntica revolução que provocou no estudo dogmático não só da culpabilidade, mas de toda a teoria do delito. Assim, a culpabilidade passou a ser entendida como o juízo de reprovação dirigido ao autor por não haver obrado de acordo com o Direito, quando lhe era exigível uma conduta em tal sentido.

A culpabilidade resulta ainda na união de três elementos que são: a Imputabilidade, certo grau de capacidade psíquica que permita ao sujeito ter consciência e vontade, ou seja, a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se segundo esse entendimento. Sem imputabilidade o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se, de modo, que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável (ZAFFARONI, 2004). Para o juízo de reprovação, é indispensável que o sujeito possa conhecer a antijuricidade de sua conduta, consciência efetiva da antijuridicidade, ou seja, é imprescindível apurar se o sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade antijurídica da ação praticada, outra conforme o direito, ou seja, se conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhecê-la; Exigibilidade de conduta diversa, ou conforme o Direito, é necessário que nas circunstâncias do fato, fosse possível exigir-se do sujeito um comportamento diverso daquele que tomou ao praticar o fato típico e antijurídico, pois há circunstâncias ou motivos pessoais que tornam inexigível conduta diversa do agente. É importante ressaltar que existem causas que excluem a culpabilidade pela ausência de um dos seus elementos: são os casos de inimputabilidade do sujeito previstas no artigos 26, 27 e 28 parágrafo primeiro do Código Penal, e inexistência da possibilidade de conhecimento do ilícito previstos nos artigos. 21, 20 parágrafo primeiro e 22 do Código Penal.

Portanto, além de um fenômeno social, o crime é na realidade, um episódio na vida de um indivíduo. Não podendo, contudo, ser dele destacado e isolado, nem mesmo ser estudado em laboratório ou reproduzido (TOLEDO, 2000). Atualmente, não se pode ter o crime como um conceito único e imutável. Cada crime tem a sua história, a sua individualidade; não há dois que possam ser considerados perfeitamente iguais. Diante desses fatos se fará um breve comentário sobre homicídio, dando ênfase no que consiste o crime de homicídio em série.

3 Homicídio e homicídio em série: aspectos fundamentais

No tocante ao crime de homicídio, o mesmo é reprimido por toda e qualquer civilização, por mais remota e primitiva que seja. A história da evolução do Direito Penal é marcada pela atuação do homem, em princípio, não como ser social, mas como uma criatura dotada de grande agressividade, para garantir sua própria sobrevivência diante de outros seres, humanos ou não (BECCARIA, 2000). Assim, o homicídio foi largamente entendido como uma conduta agressiva (FOUCALT, 1998), porém não com a mesma interpretação que se tem hoje. Portanto, antes de ser abordado no que consiste o homicídio, em particular o homicídio em série, torna-se importante explicar o sentido da palavra agressão e, desde já, não se deve tê-la como sinônimo de violência (pelo menos não na antiguidade). Portanto, se passará a observar no que consiste o homicídio em série, do qual resultam diversas condutas violentas, por parte do agente.

4 Homicídio em série

O crime de homicídio em série, teoricamente, é enquadrado como o crime continuado artigo[4] 71 do Código Penal, o qual é pode ser entendido como uma ficção jurídica concebida por razões de política criminal, que considera que os crimes subseqüentes devem ser entendidos como continuação do primeiro, estabelecendo, assim, um tratamento unitário a uma pluralidade de atos delitivos, determinado uma forma especial de puni-los. (BITENCOURT, 2004). Entretanto, dependendo as condições de tempo e lugar, modus operandi e política criminal se observa m alguns casos a identificação como concurso material de crimes, ou seja, considera-se crimes independentes entre si, sem relação própria, resultando simplesmente na soma das penas para efeitos de execução.

Porém, em decorrência das várias condutas que o agente pode praticar, o homicídio em série foi tratado como homicídio qualificado nos dois mais recentes casos de homicídios em série, conforme art. 121, parágrafo 2º e incisos. Tem-se como exemplo, o caso de Adriano da Silva, o qual responde por 10 processos por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, ter matado por asfixia e por dissimulação); e o caso do Maníaco do Parque, Francisco de Assis Pereira, que atualmente se encontra preso, condenado a 24 anos de prisão. Não se tem propriamente um conceito formal desse, porém, quando um assassino reincide em seus crimes com o mínimo de três ocasiões e com um certo intervalo de tempo entre cada um, é conhecido como assassino em série. Sendo assim, tem-se aqui, o chamado Homicídio em Série (BALLONE, 2005a). Um conceito mais atual de Serial Killer é de Egger, Professor de Justiça Criminal da Universidade de Illinois, em Sprinfield, EUA, que, em 1998, baixou o número de três homicídios para dois, a fim de caracterizar o homicídio em série, porém, desde 1979, o FBI nos EUA, vem defendendo a condição de que três homicídios narcísico-sexuais devem ser cometidos para que se possa falar em assassino em série, uma vez que a hipótese de apenas dois crimes análogos poderia ser entendida como simples reincidência. Caso o homicida responda a outros critérios utilizados para definição, já pode ser considerado um Serial Killer, segundo a doutrina especializada. Casos em que houver a tentativa de homicídio, ou após o primeiro crime o Serial Killer for detido, esse critério estatístico falha, embora ainda seja possível o diagnóstico de um assassino em série.

Até o início dos anos 80, os homicídios múltiplos recebiam o único rótulo de assassínios de massa (mass-murderer), que englobava tanto os Serial Killer, como esses. Assim, após os anos 80 o FBI, aprimorando seus estudos, estabeleceu uma diferença sobre esses homicídios múltiplos, abortando conhecimentos oriundos da Criminologia e, igualmente, para eles redirecionando novamente suas pesquisas. Assim, a diferença entre assassinos em série e assassino em massa repousa no fato de que esse mata quatro ou mais vítimas num mesmo local, num mesmo evento criminoso. Em geral são membros de sua família ou um grupo de pessoas que estão geralmente desvinculadas de seus problemas. São os casos do estudante alemão que, fortemente armado, invadiu sua escola e, “num dia de fúria”, matou vários colegas e professores; e de Philipe Vancheri, o francês chamado de O Assassino da Rodovia Marselha, que, em uma noite de fevereiro de 1990, atirou de sua caminhonete, matando diversas pessoas. Existe ainda o spree-killers ou matadores-ao-acaso, os homicidas que matam em locais diversos, mas em um lapso de tempo, muito curto. Esses crimes apresentam um acontecimento único, somente seu desencadeamento e execução podem estender-se por um curto período de tempo, fracionando-se, por isso não são considerados Serial Killer nem mass-murderer. (BONFIM 2004).

No Brasil, segundo Ilana Casoy (2004a), a polícia tem um grande preconceito em aceitar a possibilidade de um Serial Killer estar em ação. Critica, ainda, o fato de que os órgãos especializados em Ciências Forenses existentes no Brasil são pouco incentivados e divulgados, pois, quando se lidar com crimes em série, o trabalho integrado de profissionais forenses deveria ser obrigatório. Ou seja, se existe a dificuldade de aceitar tal fato, é inegável que existe pouco entendimento sobre essa determinada espécie de homicídio, se assim pode ser chamado. Portanto, o homicídio em série, sem dúvida é um dos crimes que mais geram polêmica visto a conduta violenta do agente. Desse modo, se fará um breve comentário sobre a Agressividade Humana, abordando o sentido da palavra agressão, ou seja, o sentimento de agressão pode ser considerado como um fator desencadeante da conduta homicida?

5 Agressividade humana

Através de pesquisas realizadas por Leakey (apud FERNANDES; FERNANDES, 2002), acerca da evolução do homem, constatou-se que essa capacidade, quanto ao seu comportamento agressivo, decorre do desenvolvimento de sua própria inteligência, a qual indicou-lhe o melhor caminho para busca do alimento, a fim de garantir a sua sobrevivência, aguçando-lhe o sentido da preservação. Esse sentido o estimulou a desenvolver estratégias de autoproteção. Inicialmente as armas, criadas conforme consta o registro histórico, passaram a ser usadas contra predadores de outras espécies, depois contra animais que viviam ao redor dos homens e, por fim, para agredir indivíduos da mesma espécie.

Geralmente costuma-se confundir agressão com a violência. Muitos autores usam como expressões, sinônimos. No entanto o criminólogo Ayush Morad Amar (apud FERNANDES; FERNANDES, 2002) explica que a agressão é um comportamento adaptativo intenso que não implica em raciocínio. Resulta numa forma ativa de enfrentar as condições ambientais, podendo ser dirigido contra qualquer de seus aspectos opressivos. Quanto à violência, é o comportamento destrutivo dirigido contra membros da mesma espécie, em situações nas quais outras alternativas para o comportamento adaptativo podem ocorrer.

Há muito se tem discutido sobre a eventual existência de um comportamento inato no comportamento agressivo. Discussões acerca da natureza da agressividade humana dividem a opinião de pesquisadores. A dúvida recai no fato da agressividade ser considerada instintiva, considerando o homem mau por natureza e que herdou sua agressividade de seus antepassados pré-históricos, ou se não é inata, sendo parte do homem e manifestada como qualquer outro tipo de comportamento.

A Etologia que consiste em analisar o comportamento animal fornece várias evidências sobre comportamentos complexos, instintivos, em diversas espécies animais, representando padrões de comportamento determinados endogenamente pelo SNC, através do código genético da espécie. Pesquisadores, como Persky, atribuem à secreção de testosterona, uma relação com o comportamento agressivo e a capacidade de liderança do homem. Freud afirma que a agressividade é uma manifestação consciente do instinto de morte. Clarence Darrow, jurista norte-americano, afirma que por sua própria natureza o homem é um animal predador. Lorenz, um dos fundadores da Etologia junto com Tinbergen, é partidário da teoria da agressividade inata. Dart, diz que os ancestrais animais do homem eram carnívoros, predadores e canibais e que, assim como nos arquivos da história humana, desde as primeiras inscrições egípcias até a recente Segunda Guerra Mundial, o homem revelou esse hábito predatório, essa sede de sangue. William Golding, através de seu romance Lord of the Flies (O Senhor das Moscas), procurou incutir na cabeça de muitas pessoas, principalmente estudantes, que os seres humanos são intrinsecamente perversos. Erich Fromm, fala da existência de dois tipos de agressividade filogeneticamente programada e comum aos animais e aos homens, de que são exemplos os impulsos de atacar ou fugir, quando interesses vitais estão ameaçados. O outro tipo é a agressividade maligna e não tem origem na adaptação biológica, sendo que esse foi observado mais claramente no comportamento de homens como Hitler, Goebbels, Stalin e outros, sendo comum apenas nos seres humanos, surgindo de suas condições de existência (FERNANDES; FERNANDES, 2002).

Ao contrário desses que consideram o homem como um primata socializado e caçador que se organiza em grupos, segundo o princípio de territórios, Montagu (apud FERNANDES; FERNANDES, 2002) não aceita a visão da agressividade inata, argumentando de que o entendimento que a agressão humana é inata é mera analogia com o comportamento dos animais inferiores. Afirma ainda, que os seres humanos são capazes de manifestar qualquer tipo de comportamento, não só de agressividade, mas também de bondade, crueldade, sensibilidade, egoísmo, sendo-lhe possível tanto matar, como socorrer. O comportamento agressivo é só mais um e qualquer explicação do comportamento humano deve incluir todos os comportamentos e não apenas um deles. Explica ainda que o comportamento de um ser humano em qualquer circunstância não é determinado por seus genes, se bem que exista uma contribuição genética, mas sim, pelas experiências que acumula ao longo de sua vida em interação com esses genes. Partidários desse entendimento é Ayush Morad Amar (apud FERNANDES; FERNANDES, 2002), ensina que o SNC após o nascimento da criança é influenciado desde logo pelo contato com o meio ambiente. A interação cérebro-meio ambiente se proceda nos primeiros minutos após o nascimento. O desenvolvimento morfológico real do cérebro depende dessa estimulação ambiental.

Fernandes e Fernandes (2002) explica que, apesar de existir uma contribuição genética para qualquer forma de comportamento, não é absolutamente verdadeiro que o comportamento específico dos seres humanos seja determinado apenas geneticamente. O homem não é só o inato, é também o adquirido.

6 Conclusão

Desse modo, concluiu-se que, segundo a atual concepção quadripartida do delito, para ocorrer o crime, devem estar presentes os elementos que o configuram: o fato típico, a antijuricidade e a culpabilidade. No que diz respeito ao crime de homicídio, observou-se que esse foi largamente utilizado pelo homem primitivo, através da agressão. Devido o fato, pergunta-se muito se a agressividade pode levar ao o homicídio, porém concluí-se que essa é uma manifestação como qualquer outro sentimento humano. Não poderá jamais ser entendida como a violência, menos ainda como a violência-homicida. Sendo assim, o homicídio em série, tipificado na legislação brasileira como o homicídio qualificado art. 121 § 2° e incisos, por dele derivar várias condutas de extrema violência por parte do agente, não deve ser tratado como um homicídio simplesmente qualificado.

No Brasil até pouco tempo existia certa dificuldade de aceitar o fato que um assassino em série estaria atuando. Com os recentes assassinatos ocorridos em São Paulo em meados de 1998 e em Passo Fundo e região entre 2002 e 2004, praticados por Francisco de Assis Pereira – o Maníaco do parque – e Adriano da Silva, sendo esse ainda julgado na comarca de Passo Fundo e comarcas vizinhas, a atenção da polícia como da justiça tem se voltado para o fato de que no Brasil existe sim Serial Killer e não mais pode ser tratado como uma simples estória de filme americano. Por fim, homicídio e homicídio em série são espécies de crimes que apesar do resultado final ser o mesmo, ou seja, a morte existe a diferença entre a prática de execução e a conduta do agente. Desse modo, para que o homicídio ocorra, pode haver outras causas, sendo uma delas a interação do indivíduo com o meio ambiente. Quando essa interação é muito prejudicada pode gerar o homicídio em série, sendo que o convívio do indivíduo com a sociedade já não é considerado aceito.

 

Referências
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CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Sorocaba: Mineli, 2006.
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FERNANDES, N.; FERNANDES, V. Criminologia integrada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
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WINNICOTT, D. W. Delinquência e privação. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
Notas:
[1] Em que pese posições contrárias,  como por exemplo de Capez e Jesus, que entendem se tratar apenas de conduta típica e antijurídica,  sendo a culpabilidade considerada como pressuposto da pena. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 11. ed., 2007, p. 114. JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 226.
[2] Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina como pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
[3] As causas de justificação ou excludentes de ilicitude ou antijuridicidade são o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito, que não serão desenvolvidas em razão de não se encontrarem na discussão central do artigo.
[4] Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhanças, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhes a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 


 

Informações Sobre os Autores

Maitê Prado de Almeida
Pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá.

Paulo César Ribeiro Martins

Doutor em Psicologia pela Puccamp, Prof. da Universidade Estadual do Matogrosso do Sul, Prof. da AEMS – Faculdades Integradas de Três Lagoas – MS

 

Josiane Petry Faria

Doutoranda em Direito pela UNISC. Profª de Direito Penal da Universidade de Passo Fundo/RS

 


 

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