Regime-Jurídico Administrativo e seus Princípios Norteadores

Resumo: O tema ora abordado pretende discutir quanto ao conjunto de normas, regras e princípios que disciplinam um determinado instituto dentro do Direito Administrativo, sendo este o Regime-Jurídico Administrativo, destacando os princípios administrativos aos quais norteiam o presente instituto.


Sumário: 1 – O Direito Administrativo; 1.1 – A Administração Pública e a administração pública; 2 – Regime-Jurídico Administrativo; 2.1 – Supremacia do Interesse Público e a Indisponibilidade do interesse público; 3 – Princípios Norteadores do Regime-Jurídico Administrativo; 4. Conclusão.


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1. O direito administrativo


Primeiramente o que vem a ser o Direito Administrativo? Sucintamente, diz-se de um ramo do direito público que ocupa uma das funções do Estado: a função administrativa. O Direito Administrativo Brasileiro pode ser considerado um direito codificado, pois o mesmo é regido por princípios, regras e normas.


Leciona-se: “o conceito de Direito Administrativo Brasileiro, para nós, sintetiza-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”[1]. Helly Lopes Meirelles, por sua vez destaca o elemento finalístico na conceituação: os órgãos, agentes e atividades administrativas como instrumentos para realização dos fins desejados pelo Estado.


1.1. A Administração Pública e a administração pública


A Administração Pública representa o conjunto de órgãos e agentes estatais no exercício da função administrativa, independentemente se pertencentes ao Poder Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário, ou a qualquer outro organismo estatal (como Ministério Público, Defensorias Públicas e etc).


A administração pública designa a atividade consistente na defesa concreta do interesse público, “exemplo: os concessionários e permissionários de serviços públicos exercem administração pública, mas não fazem parte da Administração Pública”[2]. A expressão “Administração Pública” pode ser empregada com diferentes sentidos. Alude a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Administração Pública” em sentido subjetivo ou orgânico é o conjunto de agentes, órgãos e entidades públicas que exercem a função administrativa; e “Administração Pública” em sentido objetivo, material ou funcional, mais adequadamente denominada “administração pública” (com iniciais minúsculas), é a atividade estatal consistente em defender concretamente o interesse público[3].


Portanto, “Administração Pública” considera-se o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas as quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado; e a “administração pública” tem-se a ótica de que é um complexo de atividades concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições da lei visando o atendimento das necessidades coletivas.


Helly Lopes Meirelles nos lembra que, se grafada com iniciais maiúsculas, a expressão “Administração Pública” terá a conotação de subjetiva. De outra forma (com iniciais minúsculas) sua conotação será objetiva, referindo-se à atividade administrativa exercida sob o pálio do regime jurídico administrativo.


2. Regime jurídico administrativo


A professora Di Pietro nos oferece o seguinte conceito: “A expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o direito administrativo colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa”[4], por isso a apresentação de conceito da Administração Pública e da administração pública acima.


Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que o regime jurídico administrativo pode ser resumido a duas únicas realidades, ou seja, por prerrogativas e sujeições à Administração Pública.


O Direito Administrativo versus regime jurídico administrativo se baseia em 02 (duas) idéias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito, a liberdade do indivíduo; e de outro lado, a idéia da necessidade de satisfação dos interesses coletivos, que conduz a outorga de prerrogativas e sujeições para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos, ou seja, a autoridade da Administração.


A liberdade do indivíduo dispõe do seguinte dispositivo legal, artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”[5], presente aqui o princípio da legalidade.


A Administração Pública possui prerrogativas e privilégios, não utilizados e até desconhecidos na esfera do direito privado, tais como a autoexecutoriedade, a autotutela, o poder de expropriar, o de requisitar bens e serviços, o de ocupar temporariamente o imóvel alheio, o de instituir servidão, o de aplicar sanções administrativas, o de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, o de impor medidas de polícia.


A força maior da supremacia do interesse público nos atos administrativo entre a Administração e o particular para anular e revogar seus próprios atos sem necessidade de autorização judicial é justamente em função da condição da imperatividade da autotutela e da autoexecutoriedade, que reveste o citado supraprincípio.


Por mais que as prerrogativas colocam a Administração em posição de superioridade perante o particular, sempre com o objetivo de atingir o benefício da coletividade, as restrições a que está sujeita limitam a sua atividade a determinados fins e princípios, que se não observados, implicam desvio de poder e consequentemente nulidade dos atos da Administração.


As prerrogativas e restrições a que está sujeita a Administração e que não se encontram nas relações entre particulares dá origem ao regime jurídico administrativo, posicionamento da administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro.


2.1.  A Supremacia do interesse público e a Indisponibilidade do interesse público


Todo o arcabouço legal que dá origem e curso regular ao Direito Administrativo Brasileiro é construído com base nos supraprincípios: supremacia do interesse público sob o privado e indisponibilidade do interesse público.


O professor Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que o regime jurídico administrativo é amparado por dois princípios basilares, a Supremacia do interesse público e a Indisponibilidade do interesse público, que são os princípios centrais dos quais derivam todos os demais princípios e normas do Direito Administrativo.  


A supremacia do interesse público sobre o privado, também chamada simplesmente de princípio do interesse público ou da finalidade pública, significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais, razão pela qual a Administração, como defensora dos interesses públicos, recebe da lei poderes especiais não extensivos aos particulares.


A outorga dos citados poderes projeta a Administração Pública a uma posição de superioridade diante do particular, onde os interesses do grupo devem prevalecer sobre os do individuo que o compõem.


Sendo assim, a supremacia do interesse público designa que os interesses da coletividade, os interesses públicos são mais importantes que os interesses individuais. Exemplo: a desapropriação é a prevalência do interesse público sob o privado, como vários outros exemplos citados acima.


Alude ainda Celso Antônio Bandeira de Mello, sobre a Supremacia do interesse publico sobre o privado: “Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último. É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados.”[6]


Já a indisponibilidade do interesse público enuncia que os agentes públicos não são donos do interesse por eles defendido. Assim, no exercício da função administrativa os agentes públicos estão obrigados a atuar, não segundo sua própria vontade, mas do modo determinado pela legislação.


Portanto a indisponibilidade do interesse público significa que o agente público não é dono dos interesses que defende, por isso que o agente só pode atuar da forma como a lei determina, interpretação dada ainda à validade do princípio da legalidade para o direito público.


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A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.”[7]


A existência desses dois supraprincípios é o reflexo de uma dualidade permanente no exercício da função administrativa, sendo, a dicotomia entre os poderes da Administração Pública, ou seja, a Supremacia do interesse público o qual reflete os poderes da Administração Pública, e de outro lado a indisponibilidade do interesse público o qual reflete os direitos dos administrados.


O regime funciona como se houvesse 02 (duas) colunas verticais uma ao lado da outra, uma a complementar a outra. De um lado os poderes outorgados a Administração para que a mesma haja em benefício e para o bem-estar coletivo, e, de outro lado agentes competentes para agirem de forma finalística em busca da segurança do direito do administrado.


3. Princípios norteadores do regime-jurídico administrativo


A Constituição Federal de 1988, ao tratar da Administração Pública, não traz expressos os princípios da Supremacia do interesse público e da Indisponibilidade do interesse público. Apesar que é possível considerar que os princípios do Direito Administrativo são desdobramento da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público.


Entretanto, no caput de seu artigo 37, enumera os mais importantes princípios administrativos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, são estes ainda os princípios que norteiam a Administração Pública.


Tanto a Administração Pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios expressos no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988.


Importante citar que: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”[8]


Helly L. Meirelles ensina que, “na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’, para o administrador público significa ‘deve fazer assim’9.


Importante observar que não há uma hierarquia entre os princípios, cada um tem sua importância e não se diz que um prevalece sobre o outro. Cada caso é que acaba dando mais valor a um ou a outro, mas isso não quer dizer que exista hierarquia, um princípio que não seja usado num determinado caso pode ser o mais importante em outro.


Imperioso relembrar a interpretação, bem como, a validade do princípio da legalidade para o particular, sendo, que este pode fazer tudo o que a lei não proíbe e já para o direito público, este só pode realizar o que estiver previsto em lei, fazer somente o que a lei permite / determina, sob pena de ter seus atos anulados. O princípio da legalidade explicita a subordinação da atividade administrativa à lei.


A relação que o particular tem com a lei é de liberdade e autonomia da vontade, de modo que os ditames legais operam fixando limites negativos à atuação privada. Assim, o silêncio da lei quanto ao regramento de determinada conduta é recebido na esfera particular como permissão para agir. 


No Direito Público a relação do agente público com a lei é de subordinação, razão pela qual os regramentos estabelecidos pelo legislador desenham limites positivos para as atividades públicas. Por isso, a ausência de disciplina legal sobre certo comportamento significa no âmbito da Administração Pública uma proibição de agir.


Portanto a atividade administrativa, somente será legítima se estiver em consonância com os comandos veiculados em lei, com capacidade de disciplinar o comportamento da Administração Pública.


4. Conclusão


O presente artigo cumpriu o que veio a apresentar. Ao falar do Regime Jurídico Administrativo, a obra demonstrou mesmo que sucintamente o direito de onde o instituto foi extraído, sendo o Direito Administrativo.


No que tange, a montar o quebra-cabeça para melhor elucidar o regime jurídico, importante foi ainda apresentar e demonstrar a diferença entre Administração Pública e administração pública, para melhor entender a influencia, bem como, notar a harmonia entre todos os assuntos brevemente citados. Sem deixar de dar uma noção, da origem do Direito Administrativo, da Administração Pública, do Regime-Jurídico Administrativo, bem como, dos princípios, sejam eles expressos ou implícitos não na Constituição Federal.


Portanto tudo se encaixa ao notar que regime jurídico administrativo nada mais é do que um nome técnico dado ao conjunto de normas, regras e princípios a um determinado instituto, nota-se ainda, que são as normas, as regras e os princípios que norteiam o Direito Administrativo, e, tudo basicamente para montar o conjunto harmônico da Administração Pública sendo ela interpretada de forma objetiva ou subjetiva. Ademais a atividade administrativa somente será legítima se em consonância com os comandos veiculados em lei.


 


Notas:

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª edição. São Paulo: Malheiros,2.002, p. 38

[2] MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo / Alexandre Mazza – São Paulo: Saraiva, 2.011, p. 41

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2011, p. 39

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2011, p. 42.

[5] Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. – 7ª ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2009

[6] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 69.

[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 74.

[8] “Criação de Secretarias Municipais”, Revista de Direito Públcio, 1971, vol.15, PP. 284-286.


Informações Sobre o Autor

Mária Paula Gomes Marçal Belo

Advogada do Estado de Goiás, Pós-Graduada em Direito Público.


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