Trabalho, Capitalismo e Estado: uma correlação do livro segurança, território, população de Michel Foucault e o livro amor sem escala de Walter Kirn

Resumo: O poder pastoral é exercido sobre uma multiplicidade em movimento, e apresenta a distinção entre o bom e o mau pastor. O Liberalismo, que pressupõe o livre trânsito e a livre circulação das pessoas e das coisas, é amplamente discutido por Michael Foucault nos livros Território, Segurança e População, e Nascimento da Biopolitica. Partindo destas leituras propomos uma correlação com o romance Amor sem Escalas, de Walter Kirn, que se desenvolve em um contexto capitalista de crise, caracterizado por “demissões” em massa. A análise está, primeiramente, voltada para questões que afetam o emprego, e aprofundam a precarização do trabalho. Em um segundo momento, discutiremos como o Estado deve superar o paradoxo do pastor, que é o de proteger ao mesmo tempo todo o rebanho e cada uma de suas ovelhas, ou seja, cuidar da coletividade sem perder de vista os direitos individuais.


Palavras-chave: Poder pastoral; Liberalismo; Capitalismo; Indivíduo; Coletividade.


Résumé: Ce travail présente quelques considérations sur le pouvoir pastoral, exercé sur une multiplicité en mouvement, et introduit la distinction entre le bon et le mauvais berger. Le libéralisme, qui plaide pour la libre circulation des biens et des personnes, est largement discuté par Michel Foucault dans les ouvrages Territoire, Sécurité, Population, et Naissance de la Biopolitique. À partir de ces lectures, on propose de faire une corrélation avec le roman Amour sem Escalas (Amour sans Escales), de Walter Kirn, qui a lieu dans un contexte capitaliste de crise, caractérisé par des licenciements en masse. En premier lieu, l’analyse porte sur des questions qui influent sur l’emploi, en rendant plus précaires les conditions du travail. Deuxièmement, nous allons discuter comment l’État doit dépasser le paradoxe du berger, à savoir, celui de protéger à la fois son troupeau et chacun de ses moutons. Il s’agit de s’occuper de la collectivité sans perdre de vue les droits individuels.


Mots-clés: Pouvoir pastoral; Libéralisme; Capitalisme; État; Individu; Collectivité.


Sumário:  1. Introdução. 2. Michel Foucault, o poder pastoral e o liberalismo. 3. O capitalismo contemporâneo e o livro amor sem escalas de Walter Kirn. 4. Considerações finais. Referências bibliográficas.


1. Introdução


O presente trabalho tem como objetivo trazer ao leitor um trabalho diferente, através de uma leitura do capitalismo contemporâneo, sua influência no trabalho, a posição do Estado, fazendo uma correlação do poder pastoral e do liberalismo abordados por Michel Foucault em estudos realizados entre os anos de 1977 e 1978, e o romance Amor Sem Escalas do autor Walter Kirn. Apresentados nas aulas ministradas no Collège de France, esses estudos deram origem ao livro Segurança, Território e População, o qual visa levar ao leitor o conhecimento da arte de governar e os dispositivos de segurança utilizados pelos governos. Quanto ao segundo, tem como protagonista Ryan, que viaja por todo o país fazendo o trabalho que muitos empresários não se sentem a vontade para realiza-lo, que é a função de dispensar seus empregados.


A correlação entre os dois livros é possível uma vez que o romance se desenvolve em um momento de crise, onde o fantasma do desemprego passa a ser uma realidade. Tendo em vista que o poder pastoral, muito bem trabalhado por Michel Foucault na obra supracitada, está ligado à questão de fazer o bem, de proteger, e de salvar. Assim faz-se necessário que o Estado desempenhe o papel do bom pastor e aja buscando soluções, visando minimizar os impactos das crises diretamente sobre os empregos. Uma vez que os capitalistas buscam o lucro, sem a menor preocupação com o individuo e o romance demonstra isso de forma explícita. O Estado deve fazer a intermediação entre o empregado e o capitalista, como faz o bom pastor.


2. Michel Foucault, o poder pastoral e o liberalismo


Em sua obra, Michel Foucault assevera que o poder pastoral é uma metáfora em que Deus é o pastor: “o pastorado é uma relação fundamental entre Deus e os homens, e o rei de certo modo participa dessa estrutura pastoral, entre Deus e os homens”[1]. Foucault formula algumas questões e a partir destas conclui, primeiro, que o poder pastoral não é exercido sobre um território, e sim sobre um rebanho em seu deslocamento. Ou seja, o poder é exercido sobre uma multiplicidade em movimento. Em segundo lugar, trata-se de um poder profícuo, de “fazer o bem”, visto que seu objetivo é a salvação do rebanho, pois esta é a forma de sua subsistência.[2]


Segundo Foucault, o pastor é aquele que zela, que deve ser aqui entendido no sentido de vigiar, estar atento a tudo o que pode ser feito de errado, e principalmente ao que pode acontecer de nefasto. Assim, ele tem toda a sua preocupação voltada para os outros, nunca para ele mesmo. Após nos ensinar o que é um bom pastor, Foucault então preleciona sobre o mau pastor:


“O mau pastor é aquele que só pensa no pasto para o seu próprio lucro, que só pensa no pasto para engordar o rebanho que poderá vender e dispersar, enquanto que o bom pastor só pensa no seu rebanho e nada além dele”.[3]


Portanto, o pastor estará a serviço do rebanho, devendo ser um intermediário entre ele, os pastos, a alimentação e a salvação. De modo que o poder pastoral é sempre o bem.


Assim, o poder pastoral é o poder do bem, do cuidado, por que o bom pastor zela para que suas ovelhas não sofram. Ele cuida de cada ovelha e ao mesmo tempo de todo o rebanho, ou seja, é um poder totalizante e ao mesmo tempo individualizante. Assim, ao conduzir o seu rebanho, o pastor se vê diante de um paradoxo, omnes et singulatin. Segundo Foucault:


“Estamos aí no centro do desafio, do paradoxo moral e religioso do pastor, em fim do que poderíamos chamar o paradoxo do pastor: sacrifício de um pelo todo, sacrifício do todo por um, que vai estar no cerne da problemática cristã do pastorado”.[4]


De acordo com a metáfora do poder pastoral acima descrito, o Estado deve proteger toda a coletividade, sem esquecer o individuo. Desta mesma forma podemos ver no Direito do Trabalho, que uma coletividade como, por exemplo, os metalúrgicos, tem normas especificas, mas dentro dessa coletividade há o indivíduo que também é protegido pelo Estado de forma individual.


Foucault conclui sobre o poder pastoral:


“Em suma, podemos dizer o seguinte: a idéia de um poder pastoral é a idéia de um poder que se exerce mais sobre uma multiplicidade do que sobre um território. É um poder que guia para um objetivo, e serve de intermediário rumo a esse objetivo.” […][5]


Uma outra questão relevante tratada por Foucault foi o liberalismo que, segundo ele:


“O liberalismo, o jogo: deixar as pessoa fazerem, as coisa passarem, as coisas andarem, laisser-faire, laisser-passer, lasser-aller, quer dizer, essencial e fundamentalmente, fazer de maneira que a realidade se desenvolva e vá, siga seu caminho, de acordo com as leis, os princípios e os mecanismos que são os da realidade mesmo”.[6]


Foucault nos ensina que essa ideologia de liberdade foi uma condição do desenvolvimento do capitalismo, mas que esse alto grau de liberdade estava lastreado com uma técnica disciplinar, que limitava consideravelmente a liberdade ao mesmo tempo que garantia a liberdade. O autor conclui que essa liberdade ideológica é uma técnica de governo, e que a mesma deve ser entendida no interior das mutações e transformações das tecnologias do poder.


Deste modo, “a liberdade nada mais é que o correlativo da implementação dos dispositivos de segurança”[7]. Dispositivos estes que somente serão eficientes se lhes for dado liberdade, não no sentido de privilégio, mas de possibilidade de movimentação, de deslocamento, tanto das pessoas como das coisas.


O liberalismo segundo Foucault deve ser analisado como princípios e métodos que visam racionalizar e diminuir a atuação do governo, seguindo a regra interna da economia máxima. Assim, parte-se do pressuposto de que “sempre se governa demais”, ou no mínimo devemos suspeitar que se governa demais.[8]


3. O capitalismo contemporâneo e o livro amor sem escalas de Walter Kirn


É no contexto capitalista e em um momento de crise, envolto em um clima de dispensas e desemprego, que se desenvolve o romance Amor sem Escalas, de Walter Kirn.


O romance sobre o qual discorremos tem como principal protagonista Ryan Bingham que exerce o papel de um profissional que, presta serviços para uma empresa especializada em efetuar dispensas de empregados. Sua tarefa como consultor visa cortar gastos para a empresa. Trata-se de um processo de reengenharia. E para realizar seu trabalho, ele precisa viajar por todo o pais, vendo assim, a chance de acumular um milhão de milhas, devido as suas viagens. Ele não tem uma residência fixa, leva uma vida vazia e sem comprometimentos, ou seja, ele tem uma existência sem raízes.


O seu trabalho é definido como aconselhamento para a transição de carreira (ATC).


Seu trabalho, visa supostamente demonstrar para as pessoas afastadas que a perda do emprego pode ser uma grande oportunidade para a realização de um sonho, para o crescimento pessoal, tem como verdadeiro objetivo uma tentativa de minimizar processos indenizatórios contra as empresas nas quais os respectivos trabalhadores depositaram sua força de trabalho. Assim, resta demonstrada na hipótese o objetivo do capitalismo contemporâneo, atual estágio capitalista, cenário que se desenvolve o livro e o filme.


Tal modalidade de capitalismo, nas últimas décadas do século XX, principalmente a partir da década de 80, dá início à globalização, que é um processo que ultrapassa o local e instaura o global. Isto é, o mercado passa a ser o globo terrestre, e tem como pressupostos a generalização do sistema capitalista, a revolução e a explosão tecnológica da informação e da comunicação, além da hegemonia financeira.


Esses pressupostos da globalização, levam a um novo emprego de técnicas, produtos, ideologias, e a novos estilos de vida, alterando as relações sociais, promovem neste período a mundialização do capital.


Tais mudanças, sejam geográficas, econômicas ou políticas, trouxeram o fim da bipolarização mundial entre os Estados Unidos da América e a União Soviética, levando em um primeiro momento à criação de blocos econômicos regionais. Posteriormente, engendram a massificação dos meios de comunicação, o enfraquecimento da noção de soberania estatal, o fortalecimento cada vez maior dos países ricos, e a miserabilidade crescente dos países pobres.


É assente que essas transformações são produtos de uma planificação neoliberal, que encontrou terreno fértil neste sistema que preconiza a livre circulação de capitais. Se de um lado traz em seu bojo o avanço tecnológico e científico, de outro, a globalização exacerba as diferenças econômicas e sociais.


A capacitação tecnológica tem sido apontada como elemento cada vez mais determinante na avaliação do grau de desenvolvimento de um país. Ademais, torna-se cada vez mais importante a qualificação de mão-de-obra para lidar com novas tecnologias, sob pena de perda de competitividade.


Uma das consequências da globalização é o empobrecimento do trabalhador, além do desemprego, que passou a ser fenômeno permanente, principalmente em países subdesenvolvidos.


Com efeito, a nova realidade mundial capitalista ocasionou um conjunto articulado de respostas que transformou largamente a cena mundial: mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais ocorreram e estão ocorrendo num ritmo extremamente veloz e seus impactos sobre os Estados mostram-se surpreendentes para muitos cientistas sociais.


Nesse período de cerca de 40 anos, consumou-se a mundialização do capital. Ou seja, o quadro político e institucional que permitiu um modo de funcionamento específico do capitalismo, que teve como uma de suas principais conseqüências a flexibilização das leis e a precarização do trabalho.


É inegável, pois, que as mudanças nas relações de trabalho ocorridas nos últimos anos, principalmente devido à revolução tecnológica, reduziram algumas tarefas laborais e retiraram muitos postos de trabalho, sendo necessária a adaptação a essa nova realidade social e econômica.


Vale dizer, a grande maiorias dos doutrinadores e estudiosos são unânimes em afirmar que o que fomenta a geração de empregos é o desenvolvimento econômico, que não pode ter por pressuposto a desregulamentação e a precarização do trabalho.


Como vimos, as evoluções tecnológicas estão diretamente ligadas a continuidade das empresas no mercado frente a concorrência. Neste sentido, o nosso protagonista nos informa que ele vendeu memória, sendo este um produto perfeito, uma vez que ninguém tem o suficiente e fica com medo da (con)correr com o mercado, estando em defasagem.[9]


A venda dessa “memória” pode ser interpretada como uma metáfora, para levar o leitor a perceber a velocidade em que estão ocorrendo as transformações. Somente com um acréscimo de “memória”, para ter e não ser, seria possível acompanhar, e se manter no mercado capitalista.


A competitividade, a qualidade e a eficiência são preocupantes para as empresas, pois, se ultrapassadas pela modernidade tecnológica, o seu produto se desatualiza, o custo aumenta, advém a crise econômica e, em consequência, o desemprego.


Mas por uma ironia do destino, de acordo com as próprias palavras do protagonista do livro, ele agora esta perdendo a sua própria memória, conforme se transcreve: “penso. Olhar para a frente eu consigo lindamente, mas para trás me sinto preso, não consigo nem lembrar quando foi que comecei a esquecer das coisas”[10].


Assim, podemos inferir que perder sua memória e correr cada vez mais, ainda que seja dele mesmo, ou talvez seja justamente dele que está querendo se distanciar, é uma forma de tentar ser sujeito de sua própria vida, e não tão somente um espectador que é levado pelo mercado:


“Com o tempo aprendi a não monitorar mais meus antigos clientes […] não foi por força de vontade que atingi esse esquecimento, mas devido a uma perda de memória progressiva e reflexiva. Aprendi a viver somente do presente em direção ao futuro e não me arrependo, é uma necessidade dos dias de hoje se alguém quiser se manter no mercado, e atualmente tudo é mercado”.[11]


Percebe-se nesse fato um mecanismo de defesa que o protagonista Ryan encontrou para suportar o seu trabalho, ou talvez a sua própria vida, o seu ser, e não mais o ter. Dispensar de forma tão impessoal acaba lhe causando tamanha angústia, que ele passa então a esquecer não só as pessoas que dispensou, mas também os lugares em que esteve.


Tal processo contribui para que ele minimize seus próprios conflitos existenciais. Assim, ele continua fazendo o seu trabalho “sujo”, expressão essa usada pelo próprio protagonista, de uma forma alienada, visando unicamente completar um milhão de milhas, para então mudar de emprego.


Entretanto, enquanto não atinge a marca de um milhão de milhas, Ryan vai levando uma vida completamente vazia, assim, como sua carteira, que não tinha retratos mas apenas cartões de créditos e contatos comerciais. Isto revela a total falta de vínculos afetivos, inclusive com sua família, com a qual raramente tinha contato.


O isolamento e a solidão do protagonista são gritantes, extraindo-se da narrativa que até mesmo os poucos amigos são transitórios e ocasionais. Amizades estas normalmente construídas durante os vôos. Assim, ele vive no “mundo aéreo”, por que a realidade de sua vida, sendo vazia, é para ele insuportável.


Ryan tenta nos passar um perfeito mundo, um mundo de harmonia e dinamismo, quando em realidade, o que se conclui é que ele nada mais é do que mais uma pobre vitima do sistema, mais uma daquelas pessoas que estão aprisionadas, tentando acumular “milhas” e tesouros imaginários e inexistentes.


A postura do protagonista ao longo da narrativa endossa sua afirmativa de que as empresas têm mais valor que o próprio ser humano, visto que ele próprio alega que as empresas sentem, têm alma e, muitas vezes, morrem na solidão.


“Empresas sentem, pensam e sonham e, frequêntemente, quando elas morrem, como o negócio de gás propano do meu pai morreu, elas morrem de solidão. As empresas podem precisar de competição para prosperar, como disse Sandy Pinter num de seus livros, mas também precisam de amor e compreensão”.[12]


Nessa metáfora, fica mais uma vez patente o discurso capitalista que, visando o lucro, chega ao ponto de comparar empresas com o ser humano. De modo que se observa uma inversão de valores, em que o capital se sobrepõe ao homem.


Uma outra passagem muito importante é como Ryan se identifica servindo-se de seus cartões de crédito que acumulam milhas. Aqui, ele não se apresenta como individuo, perdendo toda a sua subjetividade, pois sem esta nenhum indivíduo poderia reconhecer-se como sujeito ou agir com autonomia. Há uma relação muito complexa entre o indivíduo e a sociedade. As pessoas vão assumindo jogos de linguagem (signos e códigos) de uma determinada cultura no processo de individualização, sendo esta uma relação de liberdade e de determinação.


Diante dessa escolha de vida, é possível que ele não tenha escolhido, mas somente se deixado levar pela correnteza, sem agir como sujeito de sua vida, caindo em uma melancolia e sensação da perda, que estão todo o tempo presentes no romance. O suicídio também veio à tona quando um dos dispensados alerta que vai pular da ponte e de fato o faz. Entretanto, a explicação para tal fato foi a de que o sujeito tinha uma predisposição suicida, afastando assim a correlação direta entre a demissão e o suicídio.


Ressalte-se ainda que o trabalho está diretamente ligado à honra, à dignidade da pessoa humana, aos sonhos e, para alguns, à própria existência, afastando-se assim a ilação de que ele teria se suicidado pela predisposição. Sendo o trabalho tão importante para o ser humano e, como sabemos, sendo que cada individuo é único, as reações são diversas diante de cada situação. Não podemos padronizar o individuo como a produção em massa de um produto.


Nos ensinamentos de Regina Célia Pezzuto Rufino:


“Verifica-se a importância do trabalho do homem e toda a sua plenitude, conscientizando-se da existência dos direitos da personalidade e da importância do respeito destes direitos dentro das relações trabalhistas, haja vista, que o trabalho, prestado pelo empregado, não visa somente a busca da sua subsistência e sim, a prevalência de outros direitos deste sujeito, dentro da sociedade”.[13]


Vários personagens do romance, inclusive uma senhor de idade que chora compulsivamente ao ser noticiado da sua dispensa, sabiam que sua sobrevivência estava em jogo, e que juntamente com o seu desligamento, sonhos de uma vida inteira seriam sepultados.


4. Considerações finais  


Podemos depreender da leitura do texto que o fantasma do desemprego não está apenas no romance como uma ficção, mas é uma realidade que tem afetado grande parte da população.


É inegável que as mudanças nas relações de trabalho ocorridas nos últimos anos, principalmente devido à revolução tecnológica, reduziram algumas tarefas laborais e retiraram postos de trabalho. Situação amplamente trabalhada no romance, com as demissões em massa.


Ocorre que o desemprego não é uma questão estrutural, ligado aos fatores das novas tecnologias, à reestruturação empresarial e à acentuada concorrência, pois tais fatores, apesar de eliminarem algumas funções, criam também outras. O que temos na realidade é um desemprego conjuntural, ligado ao tipo de políticas públicas responsáveis pelas elevadas taxas de desemprego que caracterizam a economia capitalista.


Mauricio Godinho Delgado assim se posiciona:


“O desprestigio do trabalho e do emprego no atual capitalismo, e as elevadas taxas de desocupações que ora o caracterizam, não tem caráter prevalentemente estrutural, mas sim conjuntural, sendo produto concentrado de políticas dirigidas precisamente, a alcançar estes objetivos perversos e concentradores de renda no sistema socioeconômico vigorante.”[14]


Conforme suscitado anteriormente, o capitalismo visa essencialmente o lucro, a redução de custos e o aumento da produtividade através de investimentos em tecnologia, máquinas e insumos que, consequentemente, influenciarão, de forma direta a força de trabalho.


Podemos observar no romance que o protagonista vive o paradoxo do pastor, pois ele quer salvar cada uma das ovelhas, isso fica demonstrado quando tenta estimular cada um dos que ele dispensa a realizar um sonho que tinha.


Mas, a flexibilização e a desregulamentação vão ganhando força, levando a desorganização das garantias e dos direitos fundamentais dos trabalhadores, o que ocasiona uma precarização do emprego e isso impede cada vez mais que o rebanho chegue aos bons pastos.


Deste modo, devemos nos questionar se o Estado está deixando um espaço vazio para que outras pessoas atuem como o bom pastor, que deveria proteger seu rebanho sem descuidar de cada uma de suas ovelhas, para aplicar o laisser-faire, laisser-passer, lasser-aller.


O mundo precisa se adequar às novas circunstâncias econômicas e sociais. No entanto, torna-se fundamental a intervenção estatal por meio de normas de caráter geral, objetivando impedir a precarização do trabalho, o aumento do desemprego e do trabalho informal, proporcionando ao cidadão o mínimo de segurança e dignidade.


O pastor deve estar atento ao seu rebanho. Conforme acima exposto, o bom pastor é o que faz a intermediação. Nessa metáfora, é o Estado que deve pensar nos trabalhadores que estão perdendo seus postos de trabalho e intervir junto aos capitalistas, objetivando salvar o emprego daqueles, que não têm a quem recorrer se não ao pastor.


Mais uma vez, retornando ao nosso protagonista, percebe-se nitidamente a sua angustia durante todo o romance, porque ele não esta conseguindo salvar as ovelha, uma vez que, esta sozinho diante de uma grande tarefa que não depende somente dele.


E ainda, sendo o poder pastoral um poder que deve agir sobre o rebanho em deslocamento, o Estado deve estar atento aos movimentos econômicos, para então poder proteger o seu rebanho.


O indivíduo no mundo capitalista pensa que é livre porque assinou um contrato de trabalho e recebe um salário. No entanto, isso não é verdade, pois ele continua sendo explorado, pois o capitalismo nos despersonaliza, uma vez que somos somente o número de nosso registro na empresa. Somos uma força de trabalho, uma massa não identificada enquanto sujeitos.


Assim, ao percebe que não consegue ser o bom pastor, Ryan passa a usar mecanismos de defesa, conforme suscitado no capitulo anterior, e passa a esquecer eventos importantes de sua vida.


Diante da concentração do capital, torna-se necessário o estabelecimento de políticas públicas que visem a proteção das minorias, que só podem contar com o bom pastor para conduzí-las aos bons pastos.



Referências bibliográficas:

DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTr, 2005.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

KIRN, Walter. Amor sem escalas. Rio de Janeiro: Record, 2010.

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2009.

RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral no âmbito da empresa. São Paulo: LTr, 2006.


Notas:

[1]    FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 167

[2]    FOUCAULT, 2009, p. 167-170.

[3]    Foucault, 2009, p. 171.

[4]    FOUCAULT, 2009, p. 173.

[5]    FOUCAULT, 2009, p. 173.

[6]    FOUCAULT, 2009, p. 62-63.

[7]    FOUCAULT, 2009, p. 63.

[8]    FOUCAULT, 2008, p. 432-433.

[9]    KIRN, Walter. Amor sem escalas. Rio de Janeiro: Record, 2010. p. 16.

[10]   KIRN, 2010, p. 3.

[11]   KIRN, 2010, p. 243.

[12]   KIRN, 2010, p. 81.

[13]   RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral no âmbito da empresa. São Paulo: LTr, 2006. p. 28.

[14]   DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTr, 2005. p. 70-71.


Informações Sobre os Autores

Neiva Schuvartz Guimarães

Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Milton Campos; especialista em Negócios Internacionais pela Faculdade PUC Minas; graduada em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte e graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Newton Paiva. Atualmente é Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Pós-Graduação em Direito de Empresa do Centro Universitário Newton Paiva. É professora de Direito do Trabalho e de Introdução ao Estudo do Direito da Nova Faculdade. É sócia – Schuvartz Guimarães Advogados Associados

Silvio Augusto Safe de Andrade Carneiro

Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Milton Campos, graduado em direito do Trabalho pela Faculdade Milton Campos; advogado trabalhista.


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