Resumo: O presente artigo apresenta reflexões sobre os Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito das Faculdades Públicas e Particulares, como órgãos garantidores da Assistência Jurídica Integral e Gratuita aos necessitados, nos termos previstos na Constituição Federal de 1988. O principal objetivo do presente trabalho é levantar uma discussão sobre a identidade de funções exercidas entre a Defensoria Pública e os Núcleos de Prática Jurídica, no que se refere ao atendimento jurídico prestado por esses dois órgãos à comunidade carente, proporcionando acesso à justiça aos seus usuários, sem, no entanto, deixar de lado a análise da função principal dos Núcleos de Prática Jurídica: curricular, manifestada através do ensino da prática jurídica aos alunos dos cursos de direito.
Palavras-chave: Assistência Jurídica Integral e Gratuita. Defensoria Pública. Núcleos de Prática Jurídica
Abstract: This article introduces thoughts about Juridical Practice Center of Private and Public Colleges, as organ guarantors and full legal assistance to those in need free of charge, in accordance with the Constitution of 1988. The purpose of this article is to raise a discussion about the identity of the functions performed between the Public Defender’s Office and the Center for Legal Practices, with regard to legal services provided by these two organs to the communities in need, providing justice to its users, without neglecting the analysis of the main function of the Center for Legal Practice, curriculum, expressed through the practice of teaching to law students.
Keywords: Juridical Practice Center. Assistance to those in need free. Public Defender’s.
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceitos de acesso à Justiça; 3. Assistência Jurídica Integral e Gratuita; 4. Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito; 5. Conclusão; Referências bibliográficas; Notas.
1. Introdução
Compreender o papel desempenhado pelos Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito junto à prestação da Assistência Jurídica aos economicamente vulneráveis, é um dos objetivos do presente trabalho. Partindo da idéia de que o inacesso à justiça é um problema social que aflige grande parte da população brasileira, a qual não tem condições de arcar com as despesas necessárias à contratação de um advogado, sequer com as despesas do processo, aliada a insuficiência dos serviços disponibilizados a este título, pelo Estado, é que foi levantado no presente trabalho as principais considerações à respeito da função social desempenhada pelos Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito junto à comunidade carente.
Num primeiro momento, através de revisão bibliográfica, faremos uma abordagem sobre o conceito de acesso à justiça, a partir das lições de Capelletti e Garth (1988) e César (2002), partindo do conceito clássico do simples acesso ao Judiciário e principal enfoque do presente trabalho, para a análise do acesso à justiça como acesso a uma ordem jurídica justa. Num segundo momento, a partir destes conceitos, passaremos a análise da Assistência Jurídica Integral e Gratuita, trazendo, ao final, uma discussão sobre os Núcleos de Prática Jurídica, pontuando nesta fase a dupla função deste órgão: curricular, atuante na formação dos alunos do curso de Direito, através do ensino da prática jurídica e, por conseqüência, sua função social, como garantidor da assistência jurídica aos necessitados.
2 Conceitos de acesso à justiça
O acesso à justiça é um direito de difícil definição. Por muito tempo, ele foi considerado apenas como o direito de acesso ao Judiciário, o acesso à tutela jurisdicional invocada através do órgão judiciário e exercida pelo juiz competente. Ocorre que, o conceito atual de acesso à justiça não se funda apenas no acesso ao Judiciário.
Para César (2002), o acesso à justiça também deve ser tratado como o acesso a uma ordem jurídica justa, não podendo ficar “[…] reduzido ao sinônimo de acesso ao Judiciário e suas instituições, mas sim a ‘uma ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano’, não restritos ao ordenamento jurídico processual […]”.
De acordo com esta concepção, o acesso à Justiça passa a ser visto como o acesso efetivo a uma ordem jurídica justa (WATANABE, apud, CESAR, p. 49), qual seja, o direito à tutela jurisdicional prestada pelo órgão competente através do procedimento adequado e com resultados proferidos em tempo hábil a garantir a entrega do bem da vida envolvido no processo.
No mesmo sentido, segundo Dinamarco (apud César, 2005, p.69), “[…] àqueles que litigam em juízo devem ser garantidos ‘resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas e desfavoráveis. Tal idéia é a de efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a de plenitude de justiça.”
Nesta ordem das idéias, o acesso à justiça ultrapassa os limites do acesso ao Judiciário e suas instituições e assume uma carga valorativa no que se refere ao andamento regular do processo e aos seus resultados na solução dos conflitos sociais de forma justa.
Ocorre que, para que seja possível termos acesso a uma ordem jurídica justa, necessário, num primeiro momento, termos acesso ao Judiciário, o que, nas palavras de Capelletti e Garth (1988), significa que em primeiro lugar, “o sistema deve ser igualmente acessível a todos”.
Entretanto, vários são os obstáculos que impedem os sujeitos de reivindicarem seus direitos. No que se refere aos necessitados, o principal obstáculo está relacionado ao aspecto econômico, qual seja, a falta de condições financeiras para arcar com as despesas da contratação de um advogado e com os custos do processo.
Nesta esteira, partindo da idéia de que o acesso à justiça é encargo do Estado, nos termos do artigo 5º da Constituição Federal, cabe ao mesmo proporcionar a população carente condições para seu acesso, através de mecanismos gratuitos e disponíveis a todo o cidadão, de forma a proporcionar aos mesmos oportunidades práticas de solução de seus conflitos e realização concreta da cidadania.
Partindo desta premissa, o Estado através da criação da Assistência Judiciária Gratuita e da Defensoria Pública, veio a contemplar, ainda que de forma insuficiente, a previsão constitucional da Assistência Jurídica Integral e Gratuita.
E é dentro desta perspectiva que abordaremos os Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito, os quais serão analisados no presente artigo, ao lado da Defensoria Pública, como um mecanismo de prestação da assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.
3. Assistência Jurídica Integral e Gratuita
A preocupação com assistência jurídica aos necessitados, sempre esteve presente na sociedade, preocupação esta que reside na necessidade de se propiciar a todos o acesso isonômico a uma ordem jurídica justa.
Capelletti e Garth (1988), ao tratarem do assunto, o fazem através da chamada “primeira onda de acesso à justiça”. Para os autores, “Os primeiros esforços importantes para incrementar o acesso à justiça nos países ocidentais concentram-se, muito adequadamente, em proporcionar serviços jurídicos para os pobres” .
Nesta perspectiva, tem-se que a assistência jurídica integral e gratuita é um dos elementos sustentadores do direito fundamental do acesso à justiça aos necessitados. É através deste instituto que tais pessoas têm acesso a informações jurídicas relativas ao bem da vida preterido e podem invocar a tutela jurisdicional mediante a prestação de serviços jurídicos por advogados públicos ou dativos, cujos encargos ficam sob a responsabilidade do Estado, inclusive com a isenção, ainda que temporária[1], do pagamento das despesas processuais e custas do processo[2].
Numa retrospectiva histórica, tem-se que já na antiguidade greco-romana referido tema era motivo de proteção nas normatizações existentes. Segundo Silva (2006, p.12,14), nesse período, a primeira legislação que continha indícios de proteção ao economicamente vulnerável, foi o Código de Hamurabi, o qual concedia garantia especial a determinadas pessoas de inferior condição econômica, por exemplo, viúvas e órfãos. Na cidade de Atenas, no período da vigência das leis de Sólon, existiam regras de proteção aos necessitados, com amparo no princípio de que “ todo o direito ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa”. Já em Roma, também existia instituto similar, fundado no princípio da igualdade perante a lei “[…] consubstanciado na regra atribuída por Constantino, cuja ordem legal veio a ser incorporada na legislação de Justiniano, de dar advogado a quem não possuísse meios de fortuna para constituir por suas próprias posses”. Também, em Roma, nesse mesmo período, outras garantias foram concedidas ao pobres, viúvas e pupilos como o direito de se dirigirem, diretamente, ao tribunal superior e pleitear o julgamento de seus pupilos, como, também, regras concedendo a gratuidade aos litigantes pobres através de garantias e certos privilégios.
No Brasil, afirma Silva (2006), como garantia constitucional, a assistência judiciária só foi prevista na Constituição Federal de 1934. Referida constituição dispunha que cabia à União e aos Estados a concessão da assistência judiciária, criando, para tanto, órgãos especiais e assegurando a isenção dos emolumentos e custas, taxas e selos. Com a Constituição de 1937, continua o autor (2006), a assistência judiciária perdeu o status de norma constitucional, ante a falta de previsão legal, passando a ser regulamentada como norma infraconstitucional, no Código de Processo Civil de 1939, o qual, além de garantir o benefício, determinava quem seria o beneficiário da justiça gratuita e dispunha sobre outras garantias inerentes a tal benefício, inclusive a sua revogabilidade, em caso de desaparecimento de qualquer dos requisitos necessários à sua concessão. Com o advento da Constituição Federal de 1946, a assistência judiciária readquiriu o status de norma constitucional, passando a ser prevista no parágrafo 35, do artigo 141, o qual dispunha que “o poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá a assistência judiciária aos necessitados”. Diante de tal previsão constitucional, surgiu a necessidade de lei complementar que a regulamentasse, vindo, então, a ser regulamentada pela Lei 1.060, de 05/10/1950. Por sua vez, nas Constituições de 1967 e 1969, a assistência judiciária foi mantida nos mesmos termos da Constituição de 1946, assegurando-se a assistência judiciária aos necessitados.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o direito à assistência jurídica gratuita e integral está previsto em seu artigo 5º, inciso LXXIV, onde dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos”.
Referida previsão veio com o objetivo de propiciar aos necessitados, o acesso à justiça, de modo a determinar que o próprio Estado fique responsável pelos custos dos processos, daqueles que não têm condições econômicas de arcar com referidas despesas.
Nas palavras de Silva (2006), a previsão constitucional da assistência jurídica não se trata de um favor do Estado, mas sim de um direito, decorrente do imperativo de que todos são iguais perante a lei. Segundo o autor “hoje, deve-se considerar a Assistência Jurídica Gratuita como um garantia fundamental do homem, tão imprescindível como o direito à vida, à segurança, à liberdade, à educação, à subsistência e à propriedade.”
Muito se discute na doutrina sobre o conceito de assistência jurídica integral e gratuita e quais os serviços por ela abrangidos, em especial, no que se refere ao fato de tal termo ser tomado como sinônimo de assistência judiciária gratuita e de justiça gratuita. Entretanto, embora referidos termos sejam utilizados normalmente como sinônimos, tanto na prática forense como pelos próprios dispositivos legais, referidos institutos possuem significados diferentes.
Castro (apud Silva, 2006 ) leciona que a assistência judiciária pode ser vista em dois planos: no primeiro, é a faculdade do lesado ter seu direito examinado pelo Judiciário “[…] com finalidade de reparação, sem que tenha de arcar com as custas processuais”. No segundo plano, “[…] a assistência judiciária é a organização estatal encarregada de oferecer um profissional do direito ao economicamente carente para que este postule em juízo seus direitos”.Para Silva (2006) “a justiça gratuita é conseqüência da assistência judiciária, portanto aquela que garante a isenção de todas as custas processuais”.
Por seu turno, a assistência jurídica está relacionada ao serviço prestado pelo profissional do direito, seja em juízo ou fora dele, serviço este que poderá ser de informação e de orientação,
“[…] podendo abranger um estudo crítico e também viabilizando o estudo do caso concreto por várias áreas do conhecimento do homem, do ordenamento jurídico existente, com vistas ao encontro de soluções para uma verdadeira aplicação justa da lei ao conflito de interesses” ( SILVA, 2006, p. 7).
Diante de tais considerações, tem-se, portanto, que o conceito de assistência jurídica integral e gratuita é mais amplo que o de assistência judiciária, vez que abrange, também, os serviços de consultoria jurídica extrajudicial prestados aos necessitado.
Definidos os conceitos, tem-se que em termos de abrangência, o instituto da assistência jurídica integral e gratuita, envolve tanto a prestação da assistência jurídica judicial, configurada pela assistência aos necessitados manifestada através da necessidade de um processo judicial, como extrajudicial, caracterizada pela prestação de informações e esclarecimentos jurídicos, independentemente da interferência judicial, bem como, pela justiça gratuita, nos termos da lei 1060/50, a qual isenta o beneficiário do pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios.
Nesta esteira, conforme Bueno (2007), o legislador constitucional, ao garantir a assistência integral e gratuita ao jurisdicionado, foi além do que, simplesmente, garantir a assistência judiciária integral e gratuita, assegurando, também, que “[…] ‘fora’ do plano do processo, o Estado tem o dever de atuar em prol da conscientização jurídica da sociedade, orientando-a com relação aos seus direitos”. Ainda, segundo o autor, referida previsão constitucional constitui
“Um passo decisivo para o desenvolvimento e fortalecimento do sentimento de cidadania de um povo. É fundamental que se saiba que se tem direitos até como pressuposto lógico e indispensável para se pretender exercê-los, se for o caso, inclusive jurisdicionalmente.”
Dentro desta perspectiva, a Constituição Federal de 1988 acertou ao utilizar a terminologia “assistência jurídica integral e gratuita”, pois, segundo Silva (2006), isto contribuiu para ampliar ao necessitado, o direito de ser amparado, conforme já visto, não só na sua necessidade forense, mas também, e principalmente, nas informações e atos extrajudiciais, que é o motivo da maioria dos problemas que estes sofrem com a falta de condições para adquirir conhecimentos.
No plano infraconstitucional, referido instituto está regulamentado pela Lei nº 1.060 de 05/02/1950, a qual estabelece as condições para concessão da assistência judiciária aos necessitados.
Segundo disposto no artigo 1º[3] e 3º[4] da referida Lei, a assistência judiciária compreende tanto a concessão do advogado gratuito, como também a gratuidade das custas do processo e dos honorários advocatícios; bem como, a prestação da assistência jurídica durante a tramitação do processo nas suas diversas instâncias ou até cinco anos após a sentença transitada em julgado.
No que se refere aos beneficiários do instituto e ao campo de abrangência, o artigo 2º[5] da Lei preconiza que tanto nacionais como estrangeiros poderão gozar de tal benefício, não só perante a justiça cível, que é a mais comum, mas, também, perante a justiça militar e do trabalho.
Outro fator relevante no que se refere a tal benefício, é a comprovação por parte do beneficiário sobre a sua condição de vulnerabilidade econômica, vez que o artigo 4º[6] da lei dispõe ser necessário para comprovação apenas a afirmação da parte sobre sua condição econômica, afirmação esta que admite prova em contrário. Neste sentido, sendo inverídica tal afirmação, mediante comprovação, o falso declarante poder ser condenado até o décuplo do valor das custas do processo.
Na prática, referida afirmação se faz mediante simples declaração da parte vulnerável economicamente, de que não possui condições de arcar com as custas do processo sem prejuízo do seu sustento e de sua família, pois
“[…] não interessa para fins de concessão dos benefícios da Assistência Judiciária gratuita se o economicamente carente tem ou não bens; a qual classe social pertence ou seja desta ou daquela profissão. O que cabe-se verificar é que o beneficiário da justiça gratuita não tem dinheiro para responder pelo custeio de uma ação” (SILVA, 2006).
Ocorre que, conforme Silva (2006) existe entendimento contrário a este, no sentido de que uma simples declaração da parte hipossuficiente atestando sua pobreza não seria suficiente para concessão do benefício, sendo necessária a comprovação efetiva de tal vulnerabilidade, qual seja: a comprovação da inexistência de patrimônio móvel ou imóvel, pois, mesmo que o jurisdicionado não tenha dinheiro para pagar as custas, mas existindo outros bens, no caso imóveis, não restaria comprovada sua vulnerabilidade econômica.
Em que pesem tais considerações, tem-se, aqui, que referido entendimento é contrário às disposições da própria lei, vez que esta não exige prova pré-constituída da vulnerabilidade econômica da parte, bastando simples declaração de que não possui numerário suficiente para arcar com as despesas do processo sem prejuízo de seu sustento próprio ou de sua família, independentemente da parte ser detentora ou não de patrimônio imóvel.
Sobre tal aspecto, bem pontua PIERRI quando esclarece que:
“Ainda que detentor de bens, se os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo de sustento, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Não é nem um pouco razoável pretender que a pessoa se desfaça do imóvel que mora para arcar com os custos do processo. Nem se deve presumir que a propriedade sobre um imóvel seja sinal exterior de riqueza, apta a afastar o benefício” (PIERRI, 2008).
Conforme já sabido, a assistência jurídica integral e gratuita não compreende apenas a isenção das custas e despesas processuais, mas também garante ao jurisdicionado o benefício de um advogado gratuito, quer para representá-lo em juízo, quer para assessorá-lo, juridicamente, na esfera extraprocessual.
Seguindo esta linha de raciocínio, a Constituição Federal (art. 134) criou, como instrumento da assistência jurídica integral e gratuita, a Defensoria Pública no âmbito federal, distrital e estadual, a fim de proporcionar atendimento jurídico e gratuito àqueles que não tem condições de arcar com a contratação de um advogado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus aos necessitados.
Na avaliação de Mattos (2011, p. 96, 97), a criação da Defensoria Pública veio satisfazer os anseios sociais do direito de acesso à justiça, mitigados, anteriormente, em razão da insuficiência da nomeação de defensores dativos nos termos da lei de assistência judiciária. Para o autor, a criação da Defensoria Pública como órgão estatal “[…] é absolutamente necessária para a concretização deste direito fundamental e fomentador de todos os outros direitos, em especial no que se refere à prestação de serviços jurídicos extraprocessuais”.
Nesta lógica, Cretella Júnior (apud Silva, 2006), conceitua a Defensoria Pública, como sendo
“[…] órgão essencial à função jurisdicional do Estado, destinada à orientação jurídica integral, gratuita e à defesa, em todos os graus, dos necessitados, para que o Estado garanta proteção aos que comprovem insuficiência de recursos.”
Conforme disposição constitucional, no ano de 1994, foi editada a Lei Complementar nº 84, de 12 de janeiro de 1994, a qual, em seu artigo 4º, dispõe sobre as atribuições da Defensoria Pública, em especial, de prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus e, também, a de promover, num primeiro plano, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos. Referido dispositivo legal, dispõe, também, sobre a organização da Defensoria da União, dos Territórios e do Distrito Federal e sobre as normas gerais da Defensoria Pública nos Estados.
O órgão da Defensoria Pública é independente, possuindo autonomia funcional, administrativa e financeira. As funções da Defensoria Pública são prestadas através do defensor público, o qual atua como advogado daquele que não tem condições econômicas de pagar por um. Conforme adverte Bueno (2007), muito embora o defensor público seja advogado, ele está impedido de exercer advocacia pública ou privada. Sua função de defensor público, absorve, integralmente, sua função de advogado, sendo que a advocacia, nestes casos, é voltada, exclusivamente, para a realização das funções institucionais do órgão a que pertence. Referido cargo é preenchido mediante concurso público de provas e títulos, sendo garantidas as prerrogativas da inamovibilidade, estabilidade, irredutibilidade e isonomia de vencimentos com as carreiras da Magistratura, do Ministério Público e da Advocacia Geral da União.
Ocorre que, segundo pondera Bueno (2007), inobstante a previsão constitucional e regulamentação infraconstitucional, a Defensoria Pública como órgão essencial à Justiça é uma realidade que ainda vem sendo construída nos Estados federados.
A demora na instalação deste instituto junto aos Estados membros, como é o caso do Estado de São Paulo, que só ocorreu em 2006 de do Paraná em 2011, agregada a insuficiência dos serviços prestados, frente ao grande número de usuários que se enquadram nos critérios de atendimentos exigidos pela Defensoria, fez com que a população procurasse outras opções de atendimento jurídico gratuito, destacando-se, neste contexto, o papel dos Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito das universidades públicas e privadas, os quais, paralelamente ao Estado, vem prestando aos necessitados assistência jurídica integral e gratuita, nos termos dispostos na Constituição Federal.
Neste contexto, Silva ( 2006, p.158) leciona que “as Defensorias e os advogados conveniados não suprem toda a demanda que a população carente apresenta no aspecto de suas mazelas jurídicas. Então, o Escritório Modelo encontra nesta lacuna o campo ideal de atuação, uma vez que tem condições de colmatá-la de forma efetiva, visto que há muitas Faculdades de Direito espelhados por todo o nosso território”.
4. Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito
Segundo Silva (2006), a Assistência Jurídica integral e Gratuita faz parte de um conjunto de garantias constitucionais e processuais é efetivada por vários órgãos, entre eles, os Núcleos de Prática Jurídica[7]. Para o autor, tais princípios, em especial o da isonomia, inafastabilidade da jurisdição, interligam os Núcleos de Prática Jurídica e a Constituição Federal, “[…]fazendo com que este possa ser visto como um instrumento para a efetivação da garantia aos economicamente carentes de acesso à justiça através do serviço por ele prestado de Assistência Jurídica Gratuita”.
Também denominados de Escritórios Modelo ou Estágios de Prática dos Cursos de Direito, os Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito (NPJs) vêm desenvolvendo papel significativo na resolução do problema do acesso à justiça aos necessitados, sendo suas funções equiparadas às da própria Defensoria Pública, passando a atuar ao lado da mesma em busca da efetivação da tão aclamada assistência jurídica integral e gratuita, proclamada no artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal.
Nesta perspectiva, segundo Silva (2006), os Núcleos de Prática Jurídica, possuem duas finalidades que se complementam: o ensino prático aos seus alunos e a Assistência Jurídica, intimamente ligada com a prática forense. Assim, tem-se que os NPJs possuem dupla função: curricular, visto estar vinculado ao currículo dos cursos de Direito, e social, na medida em que, ao desenvolverem suas atividades pedagógicas através do ensino de prática jurídica aos seus alunos, prestam assistência jurídica aos necessitados.
Como função curricular, as atividades dos NPJs relacionam-se às aulas de prática forense (penal e civil) ministradas aos alunos dos dois últimos anos dos Cursos de Direito das Faculdades Públicas e Particulares, prática forense esta considerada por Silva (2006) como
“[…] atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais da vida e de trabalho de seu meio, sendo realizadas na comunidade acadêmica ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob a responsabilidade e coordenação da Instituição de Ensino. Esta atividade deve ser fornecida pela instituição, caracterizadas como extensão curricular da atividade didática, oferecendo assim, a oportunidade e o campo para a prática do estágio, bem como, o fomento e a colaboração para um processo educativo integrado à comunidade.”
Inicialmente, referida atividade esteve regulamentada pela Portaria nº 1886 de 30 de dezembro de 1994, a qual ficou em vigor até 29 de setembro de 2004. Dita Portaria obrigou todo Curso de Direito a ter escritório jurídico (NPJ) para o desenvolvimento da prática forense aos alunos dos últimos anos do curso. Para Silva (2006), a mesma foi considerada uma evolução no modelo de ensino jurídico no Brasil, cuja “[…] diretriz básica busca a interdisciplinaridade através do aprendizado prático do direito não desvinculado do conhecimento e da realidade que cerca a sociedade”.
A partir de 01 de outubro de 2004, com a revogação da Portaria 1886/94, as diretrizes curriculares dos Cursos de Direito passaram a ser regulamentadas pela Resolução nº 09/2004, do Conselho Nacional de Educação da Câmara de Educação Superior (CES), pela qual a organização do Curso de Graduação em Direito passou a ser feita por meio de um Projeto Pedagógico, o qual dispõe sobre o currículo pleno do curso e sua operacionalização, trazendo dentre tais regulamentações a implantação e estrutura do Núcleo de Prática Jurídica[8].
Nesta esteira, o Art. 7[9] da Resolução nº 09/04, da CES, dispõe sobre o Estágio Supervisionado como sendo um componente curricular obrigatório e indispensável à formação profissional dos acadêmicos, ficando a cargo da Instituição de Ensino Superior (IES) correspondente aprovar a sua regulamentação e sua operacionalização. Dentro desta ótica, dispõe que o referido estágio deverá ser realizado na própria instituição através do Núcleo de Prática Jurídica, o qual deverá ser estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria da cada IES, aprovada pelo Conselho competente.
Verifica-se que referida Resolução passou a regulamentação e operacionalização dos NPJs para as IES. Entretanto, manteve a obrigatoriedade do estágio para todos os alunos dos últimos anos do curso de direito e junto com tal obrigatoriedade a criação dos NPJs, órgão pelo qual, adverte Silva (2006), os alunos colocam em prática seus conhecimentos jurídicos, estimulando e proporcionando a estes uma visão crítica do fenômeno jurídico “[…] com o condão de habilitá-lo ao raciocínio jurídico adequado à aplicação do direito à realidade social”. Caracteriza-se, desta forma, como órgão fundamental para que o estagiários coloquem em prática todo referencial teórico obtido em sala de aula, integrando-os, desta forma, com a comunidade local.
A respeito, segundo Silva (2006), esta é uma forma de retribuição do curso jurídico à comunidade que o cerca, amparando esta em suas necessidades jurídicas básicas, o que reflete, também, na formação humana básica do aluno. Segundo o autor (2006), há uma
“[…] interdependência entre a sociedade e o aluno, pois ao mesmo tempo em que ela recebe atendimento jurídico qualificado, o estudante amadurece com o trato dos problemas sócio-jurídicos, visto que por vezes, o Escritório é procurado não só para resolver assuntos de cunho jurídico, mas também, como um meio de solucionar problemas de ordem afetiva e emocional. Esse conjunto de situações faz com que o estudante tenha uma maior noção da sociedade em que vivemos, sobretudo, no que se refere às mazelas da classe economicamente carente de nossa sociedade.”
Por certo, a experiência de vida adquirida pelos alunos que fazem estágio juntos aos NPJs e atendem a população carente, tendo contato direto com os problemas sociais que os afligem, contribuirá não só para a sua formação, mas, também, para a sua formação pessoal, fato este que poderá repercutir no profissional do direito que ele venha a ser no futuro.
De outra banda, ao lado da função pedagógica/curricular, encontra-se a função social dos NPJs, os quais são considerados um dos meios de acesso à justiça aos necessitados, vez que, através dos NPJs, estes recebem atendimento jurídico necessário aos seus reclames, como já dito, por intermédio da Assistência Jurídica Integral e Gratuita prevista na Constituição Federal.
Esta atividade não visa substituir, muito menos concorrer com a função estatal de promoção da Assistência Jurídica Integral e Gratuita por meio das Defensorias Públicas, vez que não é objetivo dos NPJs, nos termos da Resolução 09/2004, sequer estes têm estrutura funcional para tanto, mas, sim, de trabalhar, paralelamente à referida instituição, possibilitando outro meio de acesso à justiça aos necessitados, vindo os NPJs, desta forma, a assumir uma responsabilidade social frente à comunidade local, em especial, considerando as dificuldades econômicas e sociais que assolam a assolam, em que o acesso à justiça passa a ser um privilégio de poucos.
Dentro desta ótica, os Núcleos de Prática Jurídica, fazem com que ocorra uma ampliação da clientela abrangida pelo Judiciário, aumentando, desta forma, a noção de cidadania, vez que proporciona aos necessitados um nível cultural melhor, frente às informações e aos serviços que lhe são prestados (SILVA, 2006).
5. Considerações Finais
Gonçalves e Brega Filho (2010) tratam do acesso à justiça como um direito fundamental concretizador da cidadania, pelo qual o Estado atua como o instrumento da sociedade civil para a efetivação dos direitos fundamentais.
Entretanto, a falta de efetivação do direito de acesso à justiça, quer por fatores extraprocessuais, relacionados à própria concepção do acesso à justiça como meio de acesso ao Judiciário, envolvendo nesta perspectiva, as despesas processuais e o próprio desconhecimento do direito; quer por fatores processuais, relacionado aos mecanismos processuais a marcados com excesso de formalismo, o qual através de procedimentos demorados, excesso de recursos e meios apelativos utilizados pelas partes em litígio, contribuem para a morosidade do Judiciário e fazem com que o cidadão fique descrente na Justiça, afastando-se do sistema legal de solução de controvérsias.
Numa perspectiva extraprocessual, Torres (2005, p.19), aponta, que esta situação traz reflexos negativos na sociedade, fazendo “[…] com que haja reclamações e que outras formas alternativas sejam procuradas, sem a presença do Judiciário, pela desconfiança no atendimento do direito reclamado […]”.
O Estado deve ficar atento a tais situações, não apenas na ótica de uma prestação jurisdicional eficiente, mas, também, no sentido de proporcionar à sociedade, novas oportunidades para a solução de conflitos e novas formas de garantia do acesso à justiça, pois “ Justiça efetiva significa garantir o direito fundamental de cidadania” ( TORRES, 2005, p. 31).
Nesta ordem das idéias, é que se destaca a função social dos Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito, os quais, mormente não tenham sido instituídos com o objetivo de prestar serviços jurídicos a comunidade carente, vêm desempenhado este papel frente a sociedade, favorecendo aos seus usurários a realização concreta dos seus direitos e o pleno exercício da cidadania, cidadania esta, que nas palavras de Baranoski e Luiz (2009), “ […] faz parte de um processo que envolve a participação de vários segmentos sociais de uma sociedade como membros integrais desta. Membros que enfrentam um contexto de relações sociais excludentes, em especial na trajetória brasileira quanto ao reconhecimento dos direitos”.
Disponível em <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6006>. Acesso em 10/08/2011.
Informações Sobre o Autor
Gisele Cristina de Oliveira
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Mestra e doutoranda em Ciências Sociais e Aplicadas pela UEPG