Licitações nas Parcerias Público-Privadas


Resumo: O Estado Brasileiro não possui condições de investir no crescimento econômico apenas com recursos próprios. Dessa forma, com a finalidade de propiciar maior participação do capital privado em áreas fundamentais para o desenvolvimento nacional, criou-se a parceria público-privada. Sua função é propiciar uma gestão compartilhada da coisa pública, em vista dos objetivos traçados pela Constituição da República para a ordem econômico-social brasileira. Nesse sentido, o presente trabalho busca analisar no que consiste a parceria público-privada, qual a sua definição, as suas modalidades e os requisitos necessários para a sua instituição. São examinados, também, os aspectos que envolvem a licitação para a contratação da parceria. Nesse ponto, realiza-se uma comparação entre o procedimento licitatório previsto na Lei nº 8.666/1993 e o estipulado na Lei nº 11.079/2004. Ao final, são realizadas considerações acerca do modo de implementação das parcerias público-privadas e as conseqüências que a sua instituição provoca no cenário econômico-político brasileiro.


Palavras-chave: Parceria público-privada – Definição – Modalidades – Licitação – considerações.


Sumário: 1. Introdução. 2. Definição. 3. Modalidades. 4. Condições para a Realização de Licitação para as Parcerias Público-Privadas. 5. Procedimento Licitatório da Lei nº 11.079/2004. 6. Conclusão.


1. Introdução


A Lei nº 11.079/2004 possibilita à Administração Pública promover procedimentos licitatórios para a realização de parcerias público-privadas. Estas parcerias têm por objetivo buscar no capital privado o auxílio técnico e econômico necessário para o desenvolvimento da infra-estrutura nacional.


A parceria público-privada acompanha a tendência atual de diminuição da atuação estatal no campo econômico. O Estado pretende utilizar a iniciativa privada para ajudá-lo na prestação se serviços que exigem grande infra-estrutura, mas que ele não possui condições de realizar por conta da ausência de recursos próprios e, em alguns casos, de disponibilidade de capacidade técnica. A parceria constitui, portanto, um instrumento de cooperação mútua e gestão compartilhada.


Contudo, a sua instituição exige uma atuação séria e eficiente, com valores sociais, econômicos e éticos, tanto da Administração quanto do parceiro privado sem os quais não existirá qualquer valia para o objetivo pretendido.


A parceria público-privada pressupõe contrapartidas de todas as partes envolvidas, em prol de interesses e benefícios mútuos, que, bem planejados e executados, atingirão satisfatoriamente os anseios públicos e privados, tornando válida e eficaz a legislação instituída para tanto.


Por isso, a inclusão do particular para a gestão da coisa pública não só lhe incentiva a cumprir com sua função social, constitucionalmente prevista, como busca a eficiência na disponibilização dos serviços públicos para a sociedade brasileira e, conseqüentemente, o desenvolvimento nacional.


2. Definição


A parceria público-privada origina-se do instituto da concessão. A concessão é o instituto pelo qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a um particular que aceite executá-lo, por sua conta e risco, remunerando-se pela própria exploração do serviço, nas condições fixadas pelo Poder Público, sob a garantia contratual do equilíbrio econômico-financeiro.


A partir da noção de concessão é possível definir as parcerias público-privadas como contratos que estabelecem vínculos obrigacionais entre a Administração Pública e a iniciativa privada, os quais objetivam à implementação ou gestão, total ou parcial, de obras, serviços ou atividades de interesse público, em que o parceiro privado assume a responsabilidade pelo financiamento, investimento e exploração do serviço, observando, além dos princípios administrativos gerais, os princípios relativos à teoria geral dos contratos.


Nas palavras de Marçal Justen Filho[1] a parceria público-privada pode ser entendida como:


“um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro.”


Frise-se que o negócio jurídico entre os setores público e privado em cooperação e parceria já era autorizado pela legislação brasileira. A novidade é que a Lei Federal nº 11.079/04, além de suprir a ausência de um conceito de parcerias público-privadas, delineou um sentido restrito paro o termo, limitando as parcerias às modalidades patrocinada e administrativa.


3. Modalidades


O Art. 2º da Lei nº 11.079/2004[2] estabelece que as parcerias público-privadas são efetuadas através das modalidades patrocinada e administrativa.


Segundo o §1º do supracitado dispositivo legal:


“§1º. Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.”


Na parceria público-privada patrocinada o serviço é prestado diretamente ao público mediante a cobrança de tarifas complementada por contraprestação pecuniária do ente público, tendo em vista o limite fixado no Art. 10, §3º[3] da Lei nº 11.079/2004.


A principal diferença entre a concessão comum e a patrocinada reside na forma de remuneração. Na concessão comum ou tradicional, a forma básica de remuneração é a tarifa, podendo constituir-se de receitas alternativas, complementares ou acessórias ou decorrentes de projetos associados, já na concessão patrocinada, soma-se à tarifa paga pelo usuário uma contraprestação do parceiro público.


A escolha da modalidade de concessão patrocinada não é discricionária porque terá que ser feita em função da possibilidade ou não de executar-se o contrato somente com a tarifa cobrada do usuário. Se a remuneração somente pelos usuários for suficiente para a prestação do serviço, não poderá o poder público optar pela concessão patrocinada.


A caracterização da parceria na modalidade patrocinada não enseja grandes discussões. O mesmo não ocorre com a modalidade administrativa.


A concessão administrativa é fixada pelo Art. 2º, §2º da Lei nº 11.079/2004 como:


§2º. “Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.”


Percebe-se, através da definição legal, que a parceria público-privada na modalidade administrativa possibilita que o particular se remunere por tarifas de um serviço do qual a própria Administração é a usuária direta ou indireta. Nesse sentido quem remunera o parceiro privado é exclusivamente a Administração.


Assim sendo, os valores que o Poder Público tem de pagar para acobertar os dispêndios relativos à prestação do serviço na modalidade administrativa, embora devessem ser tarifas, na verdade representam uma verdadeira remuneração contratual. Isso torna a parceria nesta modalidade um contrato de prestação de serviços, ao invés de uma concessão de serviço.


De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello:


“A única distinção entre eles (contrato de prestação de serviços e concessão de serviços) é que no primeiro o contratado é remunerado pela Administração por prestar tal serviço, não passando de mero executor material; e no segundo o concessionário se remunera cobrando ele próprio sua retribuição dos usuários. É a modalidade de retribuição o que o faz distintos, já que nesta segunda hipótese o desempenho do serviço é transferido ao concessionário, que o presta em nome próprio, por sua conta, risco e perigos, de sorte que não é um simples executor material dele. (…) Ora, se é a Administração, e não o público, quem remunera o parceiro privado, aqui se vê novamente uma contradição entre o que é aduzido para justificar a instituição das PPPs – a alegada carência de recursos – e a disposição normativa de fazer com que a Administração assuma dispêndios que poderiam ser poupados com o uso da modalidade comum de concessão.”


Carlos Ari Sundfeld[4] também aponta para os riscos desta modalidade:


“O quarto risco de um programa de parcerias é o de desvio no uso da concessão administrativa. Essa nova modalidade contratual foi inventada para permitir que o prestador de serviço financie a criação de infra-estrutura pública, fazendo investimentos amortizáveis paulatinamente pela Administração (…) É previsível, porém, que o interesse de certos administradores e empresas gere uma luta pelo afrouxamento dos conceitos, por via de interpretação, de modo a usar-se a concessão administrativa nas mesmíssimas situações em que sempre se empregou o contrato administrativo de serviços da Lei de Licitações. Se a manobra vingar, teremos absurdos contratos de vigilância ou limpeza de prédio público, de consultoria econômica, de manutenção de equipamentos, etc., tudo por 10, 20 ou 30 anos, sem que investimento algum justifique essa longa duração.”


Diante desse raciocínio, a utilização da parceria público-privada na modalidade administrativa, em certos casos, não implica efetivamente uma parceria, mas sim a contratação da prestação de um serviço regido pela Lei nº 11.079/2004 que é mais vantajoso para o contratado do que o regime previsto na Lei nº 8.666/1993.


Desse modo, se a escolha da parceria público privada na modalidade patrocinada já deve ser feita com cautela, ela o será ainda mais na modalidade administrativa.


Nessa linha, cumpre à Administração Pública através da correta identificação da necessidade e da natureza do serviço a ser realizado definir se a parceria público-privada no caso concreto é cabível e em qual modalidade aplicável, levando em consideração o interesse público na fruição do serviço tanto por ela própria quanto pelos administrados, sob pena de ao utilizar o regime jurídico da Lei nº 11.079/2004 incidir em ilegalidades.


4. Condições para a Realização de Licitação para as Parcerias Público-Privadas


O Art. 2º, §4º[5] da Lei nº 11.079/2004 veda a utilização da parceria público-privada nas hipóteses de contratações inferiores à R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), cujo período de prestação de serviços seja inferior a 5 (cinco) anos ou que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.


Os R$ 20.000.000,00 (vinte milhões) estabelecidos para a realização da parceria público-privada foi o montante considerado mínimo pela Lei para justificar a outorga, ao agente privado, dos benefícios do regime da Lei nº 11.079/2004 – como o prazo longo de duração, as proteções especiais em caso de rescisão e o Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (FGP), previsto no Art. 16[6] da referida Legislação, por exemplo.


O legislador, ao impedir que os contratos de parcerias público-privadas fossem limitados à execução de obras ou fornecimento de equipamentos, teve por objetivo vincular a remuneração dos particulares à fruição dos serviços pela Administração e pelos seus usuários de acordo com metas e padrões de qualidade e quantidade, na forma do Art. 6º, § Único[7] da Lei nº 11.079/2004.


Com isso a boa ou má qualidade na execução das obras e prestação dos serviços repercutirá no valor a ser recebido pelo agente privado, o que lhe despertará um interesse próprio a cumprir com sua obrigação.


Esse ponto acaba ligando-se diretamente ao tempo mínimo de 5 anos exigido pela Lei para a celebração dos contratos de parceria público-privada, na medida em que caso o particular venha a realizar uma má-execução dos serviços ficará adstrito ao risco dos prejuízos econômicos decorrentes da sua desídia.


Além disso, o prazo mínimo confere ao Poder Público a possibilidade de amortização do investimento, vez que os custos oriundos da prestação dos serviços, das obras ou do fornecimento de equipamentos e mão-de-obra ficará diluído no tempo.


A Lei nº 11.079/2004 se preocupou, ainda, em reservar ao Estado a gestão privada das funções de regulação, jurisdicional e do exercício do poder de polícia. Referidas competências caracterizam funções típicas estatais por representarem exercício do poder destinado à realização de valores fundamentais. Portanto, indelegáveis ou intransferíveis, por conta do princípio republicano.


Assim sendo, para a contratação da parceria público-privada os três requisitos elencados no Art. 2º, §4º da Lei nº 11.079/2004 devem estar preenchidos cumulativamente, sob pena de ilegalidade e responsabilidade da autoridade pública que não os observar.


5. Procedimento Licitatório da Lei nº 11.079/2004


A Constituição Federal vigente, em seu art. 37, inc. XXI dispõe que, salvo as situações excepcionais previstas na legislação ordinária, os contratos da Administração relativos às obras, serviços, compras e alienações serão precedidos, necessariamente, de licitação pública.


Dessa forma, seguindo o preceito constitucional, os contratos relativos às parcerias público-privadas devem ser, igualmente, precedidos de processo licitatório, cuja regulação de suas normas gerais constitui competência privativa da União, de acordo com as disposições do art. 22, inc. XXVII, da Carta Magna.


As parcerias público-privadas obedecerão aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, a todos os demais princípios dispostos de forma explícita ou implícita no texto constitucional e a todos os princípios que, igualmente de forma explícita ou implícita, constem da Lei nº 8.666/93.


Em vista da já alegada natureza jurídica de concessão da parceria público-privada, aplicam-se a ela, também, as disposições contidas na Lei nº 8.987/1995 (Lei das Concessões).


A Lei nº 11.079/2004, entretanto, traz algumas regras especiais para a contratação das parcerias público-privadas. São elas; (a) justificativa para a adoção do procedimento, (b) desnecessidade da existência de projeto básico para a definição do objeto nos rígidos termos da Lei de Licitações e Contratos, (c) obrigatoriedade de submissão da minuta de edital à consulta pública, por prazo não inferior a 30 dias, (d) possibilidade de adoção de critérios específicos de julgamento, (e) formulação de propostas através de lances verbais, (f) fase específica para saneamento de eventuais falhas e (g) inversão das etapas de habilitação e classificação na modalidade de concorrência.


A Administração Pública deve justificar a sua opção pela parceria público-privada, ao invés do regime de contratação fixado na Lei nº 8.666/1993. Isso porque além do regime da Lei nº 11.079/2004 ser mais benéfico ao contratado em relação ao da Lei nº 8.666/1993 o contrato de parceria pode comprometer as receitas futuras do Estado pelo fato de extrapolar o limite fixado no Art. 57[8] da Lei de Licitações.


Desse modo, a parceria público-privada tem de estar prevista no Plano Plurianual em razão do dever de planejamento do Poder Público, mas, principalmente, pelo princípio democrático e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a fim de evitar a utilização deste instituto arbitrariamente como manobra política para prejudicar governos futuros.


Por isso a motivação é condição de validade para o ato administrativo e vincula a responsabilidade do agente público que lhe der causa.


A licitação para a contratação da parceria público-privada não exige a elaboração de projeto básico com as características e detalhes previstos no Art. 6º, IX[9] da Lei de Licitações. No regime da Lei nº 8.666/1993 cabe ao particular cumprir exatamente a solução pretendida pela Administração, definida, essencialmente, no projeto básico.


Na parceria, contudo, a intenção é conferir ao particular maior maleabilidade para a definição da solução almejada. Em outras palavras, cabe a Administração indicar os fins a serem alcançados pela parceria e ao agente privado escolher os meios para que eles sejam atingidos.


Todavia, a desnecessidade da elaboração do projeto básico não afasta a obrigação da Administração identificar precisamente, no edital, a necessidade que origina a contratação da parceria. Nesse sentido, cumpre a Administração verificar, no caso concreto, a importância da elaboração do projeto básico, ainda que para delinear em aspectos gerais a solução almejada.


Conforme aponta Benedicto Porto Neto[10]:


“Não resta dúvida, porém, de que o objeto da PPP deve ser identificado pela Administração com grau de precisão suficiente para a perfeita compreensão do que ela pretende obter, tornando possível aferir se as propostas apresentadas satisfazem as necessidades administrativas e para que seja viável a comparação entre propostas, ainda que sua avaliação deva ser promovida com adoção de critérios técnicos.”


Ainda, o Art. 10, VI[11] da Lei nº 11.079/2004 obriga a submissão da minuta de edital e contrato à consulta pública. A intenção, com essa obrigação, é o controle mais eficiente da contratação pela sociedade, haja vista a vultuosidade dos recursos que permeiam a parceria público-privada. Tal dispositivo encontra amparo no Art. 39[12] da Lei de Licitações e no princípio da publicidade dos atos administrativos.


A respeito da consulta pública o Tribunal de Contas da União já recomendou no Acórdão nº 1.100/2005 (1º Câmara, Rel. Ministro Marcos Bemquerer Costa) a realização de consulta pública no caso de licitação para a contratação de serviço público, com a finalidade de fornecer aos administradores informações que contribuíssem para o processo de tomada de decisão de modo a melhor atender aos anseios sociais.


O Art. 12[13] da Lei nº 11.079/2004 também permite a adoção de critérios específicos para o julgamento das propostas nas licitações para a contratação de parcerias público-privadas. São eles os previstos; (i) no Art. 15 da Lei nº 8.987/1995, (ii) o menor valor da contraprestação e (iii) a conjugação do menor preço com a melhor técnica.


No aspecto relativo à melhor técnica deve a Administração levar em conta o contido no Art. 46, §3º[14] da Lei nº 8.666/1993 como parâmetro para a escolha da melhor proposta. Isso porque o julgamento de propostas por critérios técnicos deve assegurar a maior objetividade possível, através de atos motivados com bases em exigências, definidas com clareza e objetividade no edital, que guardem relação com o objeto pretendido e o fim almejado pela Administração.


Em relação ao menor preço, propostas consideradas manifestamente inexeqüíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação devem ser desclassificadas, nos termos do §4º[15] do art. 15 da Lei nº 8.987/95, c/c o Art. 11 [16]da Lei nº 11.079/2004. Para a identificação dessas propostas deve-se considerar a definição contida no Art. 48[17] da Lei nº 8.666/1993.


A licitação para a parceria público-privada será realizada sempre na modalidade de concorrência. Não se trata, no entanto, da mesma concorrência prevista no art. 22, § 1º[18], da Lei de Licitações, uma vez que a Lei nº 11.079/2004 possibilitou a adoção de procedimentos previstos na Lei nº 10.520/2002 – Pregão – nesse caso.


A Lei nº 11.079/2004 permite que a licitação possa ser realizada com propostas de preços escritas com possibilidade de alteração no curso da sessão pública através de lances verbais, na mesma linha do pregão. Neste caso, o edital da licitação deverá estabelecer as regras que definirão os participantes da etapa de lances, podendo o ato convocatório restringir a participação às propostas econômicas que apresentarem valor superior ao melhor preço em até 20%, segundo estipulado no Art. 12, §1º, II[19] da Lei nº 11.079/2004.


Contudo, assim como no pregão, é vedado ao edital limitar a quantidade de lances, sendo estes oferecidos em ordem seqüencial a partir da proposta de valor mais elevado.


Além disso, a licitação para a contratação de parceria público-privada possibilita a previsão de uma etapa de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências e de correções de caráter formal no curso do procedimento, como dispõe o inc. IV do art. 12[20] da Lei nº 11.079/2004.


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que falhas meramente formais não podem servir de motivação para a inabilitação de licitantes ou para desclassificação de propostas em licitações. Somente falhas materiais é que podem dar suporte a esse tipo de decisão. Nesse sentido, o saneamento permite que simples erros formais na apresentação dos documentos não impliquem a eliminação de qualquer licitante do certame.


Por isso, a etapa de saneamento em um único momento apresenta vantagens, já que reduz a quantidade de recursos administrativos e judiciais contra decisões de inabilitação ou desclassificação ampliando a celeridade da licitação.


Cumpre ressaltar, entretanto, que apesar da possibilidade de ampla correção de falhas e complementação na etapa de habilitação, o mesmo não ocorre quanto a classificação das propostas. A possibilidade de modificação da oferta permitirá que os licitantes realizem as suas propostas de acordo com os valores apresentados pelos outros participantes do certame comprometendo a competitividade da licitação. Desse modo, a eventual alteração nas propostas só pode ser admitida em caráter formal, sem a modificação do seu conteúdo.


Ainda como novidade em relação à concorrência tradicional, a Lei das Parcerias Público-Privadas estabelece a possibilidade da inversão das etapas, realizando-se inicialmente a fase de julgamento das propostas e, em momento posterior, a fase de habilitação.


Frise-se que a adoção da inversão não é obrigatória. Logo, a Administração possui discricionariedade para decidir pela sua conveniência e oportunidade. Todavia, quanto ao aspecto da inversão de fases cabe algumas críticas.


Tem-se, atualmente, uma sensação de que o regime jurídico da Lei nº 10.520/2002 é melhor do que o regime estipulado na Lei nº 8.666/1993 para os procedimentos licitatórios.


É inegável que a Lei n 10.520/2002 proporcionou para a Administração uma maior celeridade no procedimento licitatório através da redução de atos procedimentais propiciando maior economicidade. Contudo é preciso ter em mente que as vantagens trazidas pelo pregão não representam a solução para todos os problemas relativos à contratação pública.


A fundamentação para a inversão das fases da licitação está diretamente relacionada com a fase de planejamento, isto é com a natureza e complexidade da obrigação capaz de atender à necessidade da Administração.


Aduz Renato Geraldo Mendes[21]:


“Basicamente, existem dois tipos diferentes de necessidades, a saber: () as que são atendidas por meio de soluções comuns já concebidas, prontas, acabadas, padronizadas e normalmente disponíveis no mercado; e (b) as que, para serem viabilizadas e concretizadas precisam de soluções especiais, a serem feitas sob encomenda. Assim, como regra, um veículo é uma solução (objeto) comum. Já a construção de um viaduto ou de uma estrada é uma solução especial, a ser feita sob encomenda.


Se o que afirmamos acima é razoável, muito mais é reconhecer que, se o objeto é feito sob encomenda (como no caso das obras e serviços de engenharia), a capacidade da pessoa que vai cumprir a obrigação é a análise mais importante a ser feita. Nos objetos sob encomenda temos, primordialmente, uma obrigação de fazer e não a de simplesmente dar.”


A contratação de uma parceria público-privada, conforme já dito anteriormente, envolve a concessão da prestação de serviços públicos, em muitos casos, com o fornecimento e instalação de equipamentos e mão-de-obra bem como execução de obra pública. Nesse tipo de contratação, o particular não tem uma solução já previamente definida pela Administração. Ele apenas conhece a necessidade que deverá ser satisfeita.


Isso ocorre porque, a Lei nº 11.079/2004 possibilita a realização de procedimento licitatório sem a elaboração de projeto básico, nos rígidos termos fixados no Art. 6º da Lei nº 8.666/1993, justamente para atribuir ao parceiro privado a possibilidade de escolher o melhor caminho para a satisfação da necessidade.


Percebe-se, por conta disto, que o risco envolvido na contratação de uma parceria público-privada é grande, vez que além da necessidade envolver uma obrigação complexa, será o particular o responsável por encontrar a melhor solução para satisfazê-la e não a Administração, como ocorre nas contratações realizadas por meio da Lei nº 8.666/1993. Ademais, cumprirá ao Poder Público remunerar o particular por isto.


Explica Renato Geraldo Mendes[22]:


“(…) a natureza do objeto (solução) tem uma relação direta com o nível de maior ou menor certeza de sucesso em relação à capacidade técnica do executor. Isso é evidente, pois se a solução para atender a necessidade envolver complexidade técnica e tiver de ser executada diretamente pelo contratado, haverá dúvida quanto à certeza em torno do cumprimento do encargo.(…) Com isso, queremos demonstrar que quanto mais complexo for o objeto, maior será a incerteza em relação ao cumprimento do contrato e, por outro lado, quanto mais simples ele for, maior certeza haverá de que a obrigação será cumprida”


Esse risco é ampliado ainda mais, considerando o valor mínimo instituído no Art. 2º, §4º, I da Lei nº 11.079/2004 e a escolha da modalidade administrativa, em que caberá à Administração remunerar o particular pela integralidade do serviço realizado.


Saliente-se que a própria Lei nº 11.079/2004 fixa como critério de julgamento a aferição da melhor técnica ofertada. Assim, invertida as fases e realizada a habilitação do licitante com o menor preço é muito provável que ele não apresente a capacidade técnica esperada para a prestação do serviço, especialmente se este envolver a realização de obras de engenharia.


É razoável entender que o licitante com o menor preço tenha uma proposta tecnicamente inferior, em que pese seja o mínimo necessário para a satisfação da necessidade pública. Porém, é irrazoável a Administração Pública privilegiar o menor preço caso estipule como critério de julgamento a melhor técnica. Isso porque quanto maior a técnica maior o valor a ser dispendido.


Dessa forma, se a Administração busca uma pessoa com uma capacidade técnica superior ao mínimo esperado para a satisfação da sua necessidade, não pode ela priorizar a análise do preço, mas sim a capacidade técnica de quem vai executar o encargo na parceria público-privada, a fim de obter a melhor relação benefício-custo.


Como é na habilitação que se verifica a capacidade técnica do licitante, deve esta preceder o exame das propostas e não o contrário. Logo, não é lógico realizar a inversão das fases quando o critério de julgamento for a conjugação do menor preço com a melhor técnica.


Ainda que se entenda pela a inversão de fases na concorrência para a contratação de parceria público-privada nessa hipótese, a sua aplicação apenas se justificaria caso houvesse a pré-qualificação dos licitantes nos termos do Art. 114[23] da Lei n° 8.666/1993.


Ressalte-se, por fim, que a inversão de fases é uma escolha discricionária da Administração, que deve ser tomada com base no parâmetro objetivo da complexidade da obrigação a ser cumprida.


São esses, portanto, os principais aspectos que devem ser observados pela Administração para a realização dos procedimentos licitatórios relativos à contratação de parcerias público-privadas.


6. Conclusão


Para haver maior segurança quanto a realização das parcerias público-privadas pretendidas pelo Estado, cabe à Administração Pública avaliar as reais necessidades infra-estruturais.


A melhor distribuição dos investimentos a serem realizados nessas áreas e a garantia de execução e resultados a serem obtidos integralmente ou em partes continuadas é fundamental para o sucesso das parcerias público-privadas.


Sem essa análise, pode-se gerar a implementação de um modelo desastroso de gastos, com a possibilidade de implementação de projetos ociosos e sem atingir ao interesse público relevante do Estado.


Por isso, é essencial que as parcerias público-privadas possam assegurar o cumprimento da Responsabilidade Fiscal, Sustentabilidade Financeira e Vantagens Sócio-Econômicas dos Projetos, para que sejam de fato legitimadas, satisfatórias e proporcionem o crescimento efetivo dos projetos infra-estruturais necessários para o desenvolvimento nacional.


Por isso, não há como implementar as parcerias público-privadas observando-se apenas as diretrizes fixadas na Lei nº 11.079/2004. È preciso que elas sejam analisadas sob a perspectiva do caso concreto bem como da Constituição da República, da Lei nº 8.666/1993, da Lei nº 8.987/1995 e da Lei de Responsabilidade Fiscal.


Deixar de considerar essas circunstâncias pode implicar contratações ilegais que excedam o prazo do mandato do gestor público e prejudiquem o orçamento público das gestões seguintes, além de produzir riscos financeiros para o parceiro privado.


Sem contar a responsabilidades administrativa, civil e penal por parte dos agentes públicos e privados que lhe derem causa, e os prejuízos excessivos decorrentes de onerosos investimentos que envolvem parcerias desse porte, cuja expectativa de retorno do ressarcimento dos custos e de capital é de longo prazo (mínimo de cinco anos ao máximo de 35 anos).


Assim sendo, para que se possa alcançar um mínimo de segurança, é indispensável que as parcerias público-privadas sejam antecedidas de amplo planejamento com publicidade suficiente para garantir a possibilidade de participação dos interessados, não só para conferir mais transparência ao processo, mas para evitar desvios de qualquer natureza por quaisquer das partes envolvidas.



Notas:

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 549

[2] Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

[3] Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: (…)§ 3o As concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica.

[4] SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das parcerias público-privadas. Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 25-26.

[5] Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.(…) § 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:

 I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);

II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou

III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

[6] Art. 16.  Ficam a União, seus fundos especiais, suas autarquias, suas fundações públicas e suas empresas estatais dependentes autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das parcerias de que trata esta Lei.

[7] Art. 6o A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por: (…)

Parágrafo único. O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato.

[8] Art. 57.A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

[9] Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se: (…)IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

[10] SUNDFELD, Carlos Ari e PORTO NETO, Benedicto. Parcerias Público-Privada: Licitação para Contratação de Parceria Público-Privada. São Paulo. 2005. Malheiros Editores. p. 148.

[11] Art. 10. Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: (…)VI – submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública, mediante publicação na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data prevista para a publicação do edital;

[12] Art. 39. Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c” desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados.

[13] Art. 12. O certame para a contratação de parcerias público-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte:

[14] Art. 46. Os tipos de licitação “melhor técnica” ou “técnica e preço” serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4o do artigo anterior. (…)§ 3o  Excepcionalmente, os tipos de licitação previstos neste artigo poderão ser adotados, por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório.

[15] Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: (…)§ 4o Em igualdade de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira.

[16] Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:

[17] Art. 48. Serão desclassificadas: (…)§ 1  Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

b) valor orçado pela administração. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

[18] Art. 22. São modalidades de licitação: (…)§ 1o Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.

[19] Art. 12. O certame para a contratação de parcerias público-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte: (…)§ 1o Na hipótese da alínea b do inciso III do caput deste artigo: II – o edital poderá restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% (vinte por cento) maior que o valor da melhor proposta.

[20] Art. 12. O certame para a contratação de parcerias público-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte: (…)IV – o edital poderá prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório.

[21] MENDES, Renato Geraldo. O regime jurídico da contratação pública. 2008. Curitiba. Zênite Editora. p. 57-58.

[22] MENDES, Renato Geraldo. O regime jurídico da contratação pública. 2008. Curitiba. Zênite Editora. p. 37-41.

[23] Art. 114. O sistema instituído nesta Lei não impede a pré-qualificação de licitantes nas concorrências, a ser procedida sempre que o objeto da licitação recomende análise mais detida da qualificação técnica dos interessados.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Sprada Annunziato

Advogado, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA).


logo Âmbito Jurídico