Ao princípio da legalidade tributária seguiu-se o princípio da legalidade das despesas públicas. As despesas públicas devem corresponder invariavelmente aos dispêndios relacionados com finalidades de interesse público que são aqueles interesses coletivos encampados pelo Estado. Daí porque essas despesas hão de estar previamente fixadas na lei orçamentária anual para sua fiel execução. A sociedade que tem o dever de pagar tributos tem o direito de ver onde, quando e como são gastos os recursos financeiros públicos.
Nesse contexto, os Tribunais de Contas exercem o importante papel de auxiliar o Poder Legislativo no controle e fiscalização da execução orçamentária. Porém, a Corte de Contas não é mero órgão auxiliar do Poder Legislativo, pois a par dessa função de auxiliar (art. 71, I e VII da CF) ela recebeu diretamente do texto constitucional atribuições próprias que a habilita a desempenhar uma atividade contenciosa (art. 71, IV, V, VI, IX, X e XI da CF).
Por isso, não é dado ao Poder Legislativo exercer o controle e fiscalização dos membros da Corte de Contas[1]. Outrossim, o fato de aos Ministros do Tribunal de Contas de União serem assegurados as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, e por simetria serem asseguradas aos Conselheiros das Cortes de Contas Estaduais as mesmas prerrogativas dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça, não fazem dos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas integrantes do Poder Judiciário.
Os magistrados das Cortes de Contas não fazem parte de uma estrutura nacional como acontece na magistratura que integra um Poder uno. Por isso, não há hierarquia entre os Conselheiros do Tribunal de Contas do Município e os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, nem entre estes e os Ministros do Tribunal de Contas da União.
Por se caracterizar como órgão dotado de autonomia jurídica que, às vezes, cumpre o papel de auxiliar do Poder Legislativo os membros das Cortes de Contas não se submetem à fiscalização do Conselho Nacional de Magistratura – CNM –, do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP –, nem à fiscalização do Poder Legislativo, muito menos do Poder Executivo.
Dessa forma, as Cortes de Contas que exercem o papel fundamental de controlar as contas públicas não dispõem de um órgão controlador que fiscalize suas atuações. Ninguém controla o controlador de contas públicas.
Ora, sabemos que todo órgão público não é imune à prática de nepotismo, onde transparecem as mazelas frequentemente apontadas pela mídia. É a partir da constatação dessa realidade que foram instituídos o Conselho Nacional da Magistratura e o Conselho Nacional do Ministério Público que vêm prestando relevante serviço público.
Assim, nos parece oportuna a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas composto de um colegiado capaz de instaurar um sistema nacional de fiscalização de contas, presidido pelo princípio da eficiência, de sorte a conferir efetividade ao controle externo, e ao mesmo tempo criar normas uniformes para enfrentar os desafios no que tange ao comportamento disciplinar dos membros das Cortes.
Como o art. 75 da CF determina a observância pelos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e pelos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios das normas que regem o TCU no que tange à organização, composição e fiscalização, torna-se fácil a criação de um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas nos moldes propostos pela PEC 28/2007 de iniciativa do Deputado Vital do Rêgo Filho; pela PEC n° 146/2007 de iniciativa do Deputado Jackson Barreto; e pela PEC n° 30/2007 de iniciativa do Senado Federal, que se encontram em tramitação no Congresso Nacional. As duas propostas da Câmara dos Deputados estão apensadas.
Essas três propostas contemplam as atribuições básicas do Conselho de controlar a atuação administrativa e financeira das Cortes de Contas, de controlar os deveres funcionais dos membros da Corte de Contas e de representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou abuso de autoridade dentre outras.
A composição desse Conselho, que varia de 13 a 15 membros de uma proposta para a outra, atende perfeitamente aos princípios democrático e republicano, contemplando, inclusive, representantes da sociedade civil.
O citado art. 75 da CF já impõe, de certa forma, a existência de um sistema nacional de controle externo integrado pelos Legislativos e Corte de Contas. Falta apenas um órgão de Controle Externo dos Tribunais de Contas, porque os órgãos internos dessas Cortes, a exemplo das Corregedorias do Poder Judiciário e do Ministério Público, não são suficientes para vencer as barreiras decorrentes do corporativismo que compromete a eficácia dos mecanismos internos de controle dos detentores do poder.
A título ilustrativo transcrevemos abaixo a PEC n° 146/2007 que já está com o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania pela admissibilidade e que é autoexplicativo.
“PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2007
(Do Sr. JACKSON BARRETO e outros)
Dá nova redação ao art. 75 da
Constituição Federal e cria o Conselho
Nacional dos Tribunais de Contas.
Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar acrescida do seguinte art. 75-A:
“Art. 75-A. O Conselho Nacional dos Tribunais de Contas compõe-se de treze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:
I – dois Ministros do Tribunal de Contas da União, indicados pelo respectivo tribunal;
II – dois Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, de Tribunais ou Conselhos de Contas dos Municípios, indicados pelo Tribunal de Contas da União;
III – dois membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, indicados pelo Procurador-Geral do respectivo Ministério Público;
IV – um membro do Ministério Público junto a Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, de Tribunais ou Conselhos de Contas dos Municípios, indicado pelo Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União;
V – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VII – dois contadores, indicados pelo Conselho Federal de Contabilidade;
VIII – dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
§ 1º O Conselho será presidido por um dos Ministros do Tribunal de Contas da União, que votará em caso de empate, ficando excluído da distribuição de processos naquele tribunal.
§ 2º Os membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
§ 3º Não efetuadas, no prazo legal, as indicações previstas neste artigo, caberá a escolha ao Tribunal de Contas da União.
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Tribunal de Contas da União, dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal e dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas em lei complementar:
I – zelar pelo cumprimento das normas constitucionais e legais atinentes à atividade de controle e fiscalização da Administração Pública, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos dos Tribunais de Contas, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Poder Judiciário;
III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Tribunal de Contas da União, dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal e dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, inclusive contra seus serviços auxiliares e Ministério Público, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais e das atribuições do Poder Judiciário, podendo avocar processos disciplinares em curso e aplicar sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;
§ 5º O Ministro do Tribunal de Contas da União não eleito para a Presidência do Conselho exercerá a função de Ministro-Corregedor, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas em lei complementar, as seguintes:
I – receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros de Tribunais de Contas, Ministério Público a eles vinculados e seus serviços auxiliares;
II – exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral.
§ 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.”
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.”
Nota:
[1] O STF, em sede de medida cautelar, suspendeu a eficácia da EC nº 40/2009 do Estado do Rio de Janeiro que definia o crime de responsabilidade administrativa dos membros da Corte Estadual de Contas, invadindo esfera de competência legislativa da União (Súmula 722 do STF) e submetia os Conselheiros ao julgamento pela Assembléia Legislativa do Estado no que concerne a esses crimes, ferindo as prerrogativas dos Conselheiros de serem julgados exclusivamente pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme prescrito no art. 105, I, a da CF (ADI nº 4190/MC-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Trib. Pleno, DJe de 11-6-2010, RTJ-00213/00436).
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.