Resumo: O artigo discute brevemente a prática do denominado cyberbullying exemplificando sua ocorrência na rede social Orkut através do recurso “banimento” de membros nos ambientes “comunidades”. Procura demonstrar a possibilidade do cyberbullying no “banimento” através da análise das características do fenômeno na hipótese exemplificada. Defende a necessidade de imposição de indenização dura, justa e aplicada com a presteza necessária ao justo ressarcimento da vítima e ao desestímulo da reincidência por parte do agressor.
Palavras-chave: cyberbullying; Orkut; comunidades; banimento; dano moral
Abstract: The article briefly discusses the practice of so-called cyberbullying exemplifying its occurrence in the Orkut social network through the use of “banishment” of members in environments “communities.” It seeks to demonstrate the possibility of cyberbullying in the “banishment” by analyzing the characteristics of the phenomenon exemplified in the case. Defends the necessity of imposition of compensation hard fair and applied with the necessary promptly to fair compensation for the victim and to discourage recidivism by the offender.
Keywords: cyberbullying, Orkut, communities, banishment; moral damages
Podemos definir Bullying como a agressão intencional e repetidamente praticada pelo agressor(es) contra a(s) vítima(s), consistente em atos comissivos e omissivos de ameaça, opressão, intimidação, humilhação, tirania ou maustratos físicos e/ou mentais, objetivando minar ao máximo a vontade, o bem estar mental e físico do(s) agredido(s). Seu fim único, e de regra desvinculado de qualquer motivação razoável, é destruir a autoestima e os mecanismos psíquicos adaptativos que permitem à(s) vítima(s) a inserção e convivência saudável em seu meio social, obrigando-a(s) à reclusão como único recurso para a evitação das contínuas e reiteradas violências físicas e psicológicas praticadas pelo(s) agressor(es) e que degradam o ambiente onde ocorrem a ponto de torna-lo para a vítima intolerável.
O bullying, diferentemente do que creem muito, é fenômeno social que acompanha a humanidade desde os primórdios da civilização. Apenas o seu reconhecimento como prática danosa, nociva ao indivíduo, e por consequência à sociedade humana, se deu recentemente, como reflexo do reconhecimento social e jurídico de que é inerente ao Homem e fundamental para sobrevivência da sociedade o respeito à dignidade e o reconhecimento do valor da pessoa humana individualmente considerada (Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948).
O engenho humano continuamente produz tecnologias que diminuem as distâncias e globalizam o conhecimento. Mas estas mesmas tecnologias que democratizam o que de melhor existe no espírito humano, como por exemplo dar visibilidade às diferenças e misérias humanas e permitir concomitantemente a globalização das ações de combate a elas, também ampliam as possibilidades de expressão do que há de pior na natureza humana.
Para Bill Belsey, um dos pioneiros no estudo do bullying mediado pelas tecnologias de comunicação, o cyberbullying pode ser definido como aquele que: “envolve o uso de tecnologias da informação e da comunicação como e-mails, celulares, pagers, mensagens instantâneas, salas de bate-papo, sites difamatórios, enquetes pessoais com fins pejorativos colocados on-line, etc., com a finalidade de legitimar comportamentos hostis, deliberados e repetitivos, produzidos individualmente ou em grupos, para causar danos a outros” (http://www.cyberbullying.org/).
Práticas comissivas, ou seja, consistentes num fazer por parte do agressor, são de regra facilmente identificáveis pela vítima e quem tenha virtualmente estado presente à sua prática ou continuidade da produção de seus efeitos. As práticas consistentes em fazer algo ocorrem de regra de forma declarada, aberta senão para todos, ao menos para um grupo composto por aqueles com quem a vítima tem ou deseja conviver virtualmente.
As práticas omissivas, todavia, são muito mais insidiosas, podendo se caracterizar por um deixar de fazer algo que possa ou deva fazer o agressor em relação à vítima com o intuito de, velada, privada e dissimuladamente, causar-lhe contínuo mal estar, desconforto e/ou humilhação.
Se nas agressões por comissão a vítima e circundantes podem “ver” o que está ocorrendo, permitindo que adirem, se omitam, ou reajam às suas ocorrências, as agressões por comissão expressam por parte do agressor um quê de crueldade a mais, já que de regra apenas a vítima direta da sua prática sabem o que ocorre.
Se o cyberbullying se aproveita da vulnerabilidade (visibilidade e dispersão dos atos de agressão e seus reflexos) a que a vivência virtual expõe a vítima, a sua prática através de atos omissivos são mais perniciosos os comissivos, pois reduzem as chances de reação por parte dela a praticamente zero.
Um exemplo facilitará a compreensão do que se expôs acima:
As redes sociais são um ambiente propício à prática nefasta do bullying digital pela democratização de seu acesso, amplitude da dispersão da sua prática e quase inexistência de meios de controle preventivos de suas ocorrências pelos administradores e virtual inviabilização de mecanismos de reação e/ou defesa por parte da(s) vítima(s).
Na rede social denominada Orkut (http://www.orkut.com/Main?tab=w0#Home) existem ambientes que agrupam perfis de pessoas por afinidade de interesses. São as “comunidades” do Orkut.
Tais “comunidades” são administradas por proprietários (seus criadores) e moderadores, escolhidos pelos primeiros. O ingresso pode ser livre, ou seja, qualquer um pode solicitar participação sendo automático o aceite, ou então depender de aprovação pelos proprietários e/ou moderadores. Estas são denominadas “comunidades fechadas”.
Por óbvio que se uma comunidade é criada para ser fechada, restringindo-se os ingressos e acesso ao seu conteúdo, é direito de seus proprietários recusar ingresso ou permanência de membros. Todos os que participam da rede social Orkut são sabedores deste fato e a aceitação da sua existência é inerente à participação da rede.
Aqueles membros que de alguma forma infringem as regras de participação nas comunidades, às quais aderem ao serem aceitos, podem ser expulsos delas através de dois mecanismos: remoção e banimento.
Em ambas as modalidades de expulsão o membro que é removido perde acesso à comunidade. Todavia, enquanto que na remoção a comunidade deixa de constar de sua relação pessoal de comunidades, no banimento isso não ocorre. A comunidade de onde o membro foi justa ou injustamente banido continua a ser listada na sua relação de comunidades.
O Orkut não disponibiliza qualquer meio para que o membro banido exclua de sua lista de comunidades particulares comunidades de onde haja sido banido, obrigando o usuário a continuar recebendo atualizações, sem indicação dos conteúdos, e a vê-las indefinidamente entre as comunidades que escolheu participar.
A única orientação dada pelos administradores da rede social Orkut para quem se encontre na situação de ter diuturnamente de ver na sua lista de comunidades e atualizações comunidade da qual foi banido é a de que solicite ao proprietário da comunidade que desfaça o seu banimento.
Está ai uma ótima opção para quem queria praticar cyberbullying contra um exmembro de comunidade de que seja proprietário. Cria-se uma comunidade fechada cujo tema seja do interesse dá vítima, permite-se a sua entrada e participação e, sem motivos que justifique a atitude, o proprietário providencia o seu banimento com o objetivo escuso de obriga-la a ver a cada acesso a seu perfil na rede a comunidade na sua lista privada de comunidades e contínuas atualizações sem acesso ao conteúdo do que lá ocorre.
A prática acima exemplificada é claramente cyberbullying, estando presentes todos os seus elementos caracterizadores. Vejamos:
de ameaça, opressão, intimidação, humilhação, tirania ou maltrato físico e/ou mental, objetivando minar ao máximo a vontade, autoestima e o bem estar mental e físico do(s) agredido(s). Seu fim único, e de regra desvinculado de qualquer motivação razoável, é destruir a autoestima e os mecanismos psíquicos adaptativos que permitem à(s) vítima(s) a inserção e convivência saudável em seu meio social, obrigando-a(s) à reclusão como único recurso para a evitação das contínuas e reiteradas violências físicas e psicológicas praticadas pelo(s) agressor(es) e que degradam o ambiente onde ocorrem ao intolerável.
1. Prática de ato comissivos ou omissivo pelo agressor: o proprietário, num aparente exercício regular de um direito seu, bane um membro de sua comunidade.
2. O ato praticado que consiste em agressão intencional que objetiva perpetuar-se no tempo: poderia ter unicamente removido e obtido o mesmo resultado expulsão, mas optou por banir, sabendo de antemão o que isso redundará para o banido na utilização de seu perfil no Orkut. Ou seja, quer consciente e intencionalmente que a vítima banida seja obrigada a visualizar a cada acesso à rede social a comunidade de onde a baniu e as atualizações correspondentes.
3. Ato de agressão que visa degradar o ambiente onde ocorre a porto de torna-lo insuportável para a vítima: o banimento que obriga a vítima a cada acesso à rede social visualizar a comunidade de banimento e suas atualizações a expõe contínua e intencionalmente ao mal estar, desconforto ou mesmo humilhação de se saber banida injustamente. O agressor, ao se manter inerte aos apelos feitos para desfazer o banimento, intenta impedir a vítima de esquecer a agressão sofrida, fazendo-a perpetuar-se indefinidamente.
4. As contínuas e reiteradas agressões impedem a vítima de usufruir meio social, obrigando-a à reclusão como único recurso para a evitação das contínuas e reiteradas violências psicológicas praticadas pelo agressor: incapaz de impedir que o agressor perpetue a agressão a ela imposta a vítima não terá outra saída para fazer cessar a dor mental a que está sujeita senão a de deletar o próprio perfil e criar um novo, com todas as dificuldades que isso provoca, já que terá de solicitar com o novo perfil novo aceite em todas as comunidades de que participava, pedir a todos os amigos perdidos que o adicione e toda a participação que tiver tido através de postagens e recados serão irremediavelmente perdido, já que o Orkut apaga após 15 dias da exclusão toda a participação que um perfil excluído teve durante a sua existência na rede social. Anos de convivência e por vezes colaborações importantes são perdidas para sempre.
Assim, a exclusão de comunidade via banimento com o objetivo escuso de causar mal à vítima do banimento se constitui indubitavelmente em prática de cyberbullying, inclusive o da pior espécie, já que apenas a vítima tem acesso às informações que comprovam a sua prática, inexistindo, de regra, provas outras que não aquelas resultantes do acesso privado e sigiloso ao perfil da vítima no Orkut.
Por se constituir claramente a prática exemplificada em bullying, e como tal ofender ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, numa das suas formas mais vis pela dissimulação da conduta ilícita do agressor, o reconhecimento judicial da sua ocorrência que expôs a vítima a situação vexatória e humilhante, obriga ao ressarcimento dos danos morais e materiais que resultar.
É o que determina o Código Civil Brasileiro nos dispositivos abaixo elencados:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
A prova da ocorrência do cyberbullying pode ser feita através de documentos digitais que comprovam:
1. O banimento: o simples fato de haver sido banido de uma comunidade não basta para que se configure o cyberbullying, mas indispensável para que se comprove o fato social que, com os demais elementos da prática, irão configurar o ilícito civil.
2. A ciência pelo agressor das consequências para a utilização dos recursos do Orkut pelo banido: a agressão pressupõe intenção, um agir consciente das consequências que se desejam ver produzidas. Sem conhecimento do que resulta para o banido o seu banimento, não há que se falar em vontade do agente na produção de um resultado danoso. Deve haver, assim, prova bastante de que o agressor sabia de antemão ao fazer o banimento, ou em não o desfazer quanto solicitado, do que causaria à vítima no que tange à sua utilização da rede social de forma digna.
3. A fim de atestar a boa fé da vítima na busca de solução pacífica para o conflito criado pelo banimento, deve ela providenciar de forma civilizada e incontestável o seu pedido de providências ao agressor: assim toda e qualquer solicitação feita, direta ou por intermediários, para que o agressor desfaça o banimento e por consequência cesse a exposição da vítima aos seus reflexos vexatórios e humilhantes que prejudicam sua saúde mental, deve ser documentada.
4. A inércia do agressor após solicitação clara e incontestável feita pela vítima em fazer cessar os efeitos danosos e vexatórios do banimento é prova da intenção em praticar cyberbullying: a falta de providências, respostas aos pedidos de reversão do banimento pode ser comprovado pela comparação das datas dos pedidos de providências e das datas em que o perfil da vítima continuam a listar a comunidade de banimento.
5. Outras provas que comprove o mal intento do agressor em não desfazer o banimento com o fito de vexar, humilhar e degradar a vítima: um exemplo habitualmente encontrado é a ocorrência de convites públicos feitos pelo agressor e seus moderadores para que qualquer participante do Orkut participe da comunidade do banimento. Também se presta a comprovação do cyberbullying na situação exemplificada a existência de outras vítimas da mesma prática, demonstrando a reiteração do comportamento pelo agressor, sendo válida a utilização de documentos posse de outras vítimas que façam prova da ciência dos efeitos nefastos do cyberbullying pelo agressor.
O valor final da indenização pelos danos morais, e eventualmente também materiais, causados pelo cyberbullying deve, segundo parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, atender a dois critérios indissociáveis e de todo complementares: o justo ressarcimento dos danos sofridos pela vítima e real desestímulo à reincidência por parte do agressor.
A mais nefasta consequência para o bullying, e sua versão tecnológica, o cyberbullying, está em despir da vítima de seu maior atributo enquanto indivíduo: a sua dignidade. O cyberbullying é mais pernicioso na medida em que dá à humilhação, ao vexame, ao sofrimento da vítima uma visibilidade e exposição tão ampla quanto é amplo esta realidade virtual, além de que o que se faz e sofre na internet será para sempre catalogado e disponibilizado de uma forma ou de outra. A vítima nunca estará livre de reviver os momentos de dor e sofrimento a que esteve sujeita por vontade e imposição pelo agressor.
Por isso a importância de nossos tribunais e doutrina darem à sua ocorrência a dimensão necessária, evitando que indenizações pífias deem aos agressores a certeza da impunidade e estímulo para que continuem se regozijando com a sua prática e às vítimas a certeza de que não há saída para elas, não há salvação e que somente lhes resta para fugir do contínuo sofrimento mental imposto pelo algoz a completa obliteração de sua vida social.
Indenizações duras, justas e rapidamente aplicadas devem se constituir, nas ações que visem a cessação do cyberbullying e reparação dos danos que resultar, prática habitual do Poder Judiciário, minimizando quiçá esta prática que rouba das vítimas o mais importante atributo enquanto indivíduos, o valor moral e espiritual que nos faz a todos Homens: a dignidade da pessoa humana.
Informações Sobre o Autor
Rosana Ribeiro da Silva
Professora universitária na Faculdade de Direito UNIFEOB (http://portal.unifeob.edu.br/novoportal/index.php) nas disciplinas de Direito Processual Civil e Psicologia Aplicada ao Direito, Mestre em Processo Civil pela Universidade Paulista – UNIP, Mestre em Educação do Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP, advogada.