Resumo: Este trabalho objetiva estabelecer a ação de imissão na posse como sendo uma ação existente no sistema jurídico brasileiro. Referida ação possui natureza autônoma e definitiva, além de ser ação petitória e não possessória como a doutrina clássica a identifica e classifica. Cumpre ressaltar que a ação imissiva tem um papel assaz importante para efetivar pretensões que sem ela não seriam possíveis de se efetivarem, ou seja, conclui-se que ação de imissão na posse é fundamental para alguns casos em que tanto as ações possessórias quanto a ação reivindicatória não satisfazem de forma coerente as pretensões materiais do sujeito ativo. Defini-se a ação de imissão na posse, portanto, como sendo aquela ação destinada à aquisição originária da posse, quando se tem direito a ela. Assim, este direito à posse poderá decorrer de três fundamentos diversos, que serão a razão de seu cabimento.[1]
Palavras-chave: Ação de imissão na posse. Processo de execução. Direito à posse.
Sumário: Introdução. 1. Da natureza jurisdicional do processo de execução. 2. Direito subjetivo, pretensão e ação. 2.1. A importância do conceito de ação. 2.2. Teorias acerca do conceito de ação. 2.2.1 Noção romana. 2.2.2 Teoria civilista. 2.2.3 Teoria do Direito concreto. 2.2.4 Teoria do Direito abstrato. 2.2.5 Teoria eclética. 2.3. Análise crítica acerca da teoria eclética. 2.4. Conlusão – direito subjetivo, pretensão e ação. 2.4.1 Direito subjetivo processual. 2.4.2 Direito subjetivo material. 2.4.3 Pretensão de direito material. 2.4.4 Pretensão processual. 2.4.5 Ação em seu plano processual. 2.4.6 Ação de direito material. 3. Classificação das ações. 4. Ação de imissão na posse. 4.1. Origens romanas da ação de imissão na posse. 4.2. Antecedentes históricos da ação de imissão na posse no direito brasileiro. 4.3. A ação de imissão na posse tratada pelo Código de Processo Civil de 1939. 4.4. Discussões acerca da existência da ação de imissão de posse no Código de Processo Civil de 1973. 4.5. Natureza jurídica e conceito da ação de imissão na posse. 4.5.1 Terminologia. 4.5.2 Natureza jurídica. 4.5.3 Pressupostos. 4.5.4 Conceito. 4.6. Hipóteses de cabimento da ação de imissão na posse. 4.6.1 Direito de possuir decorrente de direito obrigacional. 4.6.2 Direito de possuir decorrente de direitos reais. 4.6.3 Direito de possuir decorrente de direito real de propriedade. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
Os conceitos e teorias acerca da posse e do direito de possuir sempre se mostraram como temas dos mais polêmicos, apesar de não serem muito debatidos em sede graduação. É por este motivo que foi eleita a ação de imissão na posse como o tema deste trabalho de conclusão de curso. Isto decorre das peculiaridades e especialidades que esta ação apresenta e que irá possibilitar a compreensão de toda a sistemática envolvendo a posse e os direitos que a asseguram.
Assim, a finalidade deste trabalho é, primeiramente, demonstrar a existência da ação de imissão na posse no sistema jurídico brasileiro, passando pelos entraves processuais que obstam o seu reconhecimento e, posteriormente, analisar a sua natureza material, pois é justamente neste aspecto que repousarão as mais duras críticas em relação à sua existência.
Apesar disto, será objeto desta pesquisa a análise das teorias acerca da ação, onde se procurará demonstrar alguns equívocos graves que obstam o reconhecimento da ação imissiva em sua esfera processual.
Importante consignar que a busca pelo verdadeiro conceito e sentido de ação, constitui-se como um importante estudo para os iniciantes e até veteranos estudiosos do direito processual civil, uma vez que, buscará esclarecer algumas questões que dificultam e impedem a aferição do verdadeiro sentido destes conceitos.
Outro elemento fundamental que repousa sobre a ação de imissão na posse é a sua negação em seu plano material, ou seja, negam a ela sua existência como direito material, o que supostamente afastaria a pretensão imissiva.
Buscar-se-á primeiramente, antes de tudo, compreender e esclarecer o que pretende a doutrina clássica, para, em seguida, e se for o caso, fazer as devidas críticas e pontuações acerca de suas considerações.
As questões que envolvem posse são sempre tormentosas, uma vez que, não basta apenas formularmos os devidos conceitos de cada instituto inerente à posse. Importante também identificarmos corretamente os momentos em que estes fenômenos possessórios irão ocorrer, o que, na prática, importa em grande diferença.
Outro objetivo fundamental deste trabalho é elidir a contradição em que a doutrina clássica se encontra. Primeiramente, negam-lhe a existência diante de alguns aspectos processuais e materiais. Posteriormente, entretanto, classificam a como sendo uma ação possessória atípica. Ora, é justamente este equívoco evidente que se buscará suprimir.
Demonstrar-se-á que a ação de imissão na posse não é e nunca foi uma ação possessória, ou seja, nunca foi uma ação fundada no ius possessionis, mas que possui sim natureza de ação petitória, fundada no ius possidendi.
Ademais, ao se sustentar pela existência da ação imissiva, caberá, em decorrência do estudo proposto, demonstrar a sua verdadeira natureza desta ação, e mais, diferenciá-la das ações possessórias e da ação petitória reivindicatória.
Assim, a abordagem do trabalho se limita única e exclusivamente à análise da ação de imissão na posse, de forma a explicitar sua existência e natureza, além de identificar e demonstrar as características e motivos que levam a este entendimento, e ainda, os possíveis casos de sua aplicação e cabimento.
Trata-se de um tema de extrema relevância, haja vista que se continuarmos a tratar ação de imissão na posse como sendo uma ação possessória atípica, assim como pretende a doutrina tradicional, podemos incorrer em sérios erros, na hipótese de se confundir pretensões totalmente distintas, acarretando uma ausência de técnica jurídica que é totalmente imprescindível para o estudioso do direito.
Utilizou-se o método jurídico-teórico, tendo em vista que a solução do problema não é buscada no mundo pragmático, esta, porém, é concebida na análise lógica dos princípios do Direito Civil e do Direito Processual Civil em consonância com o ordenamento jurídico e os conceitos de diversos institutos jurídicos imprescindíveis à compreensão do tema.
A análise e pesquisa partem de um método dedutivo, analisando os conceitos de diversos outros institutos, para somente depois, se chegar ao verdadeiro conceito da ação de imissão na posse. Considera-se o tema inovador na medida em que o trabalho vem para atentar no sentido de obter uma correta conceituação da ação imissiva e também das ações possessórias e da petitória reivindicatória, haja vista que a errônea conceituação destes institutos pode levar a interpretações distintas da finalidade e do espírito que carregam, podendo ensejar complicações práticas imensuráveis.
Pretende-se provar com base numa interpretação lógica e sistemática do ordenamento jurídico aliada aos conceitos e análises doutrinárias que a ação de imissão na posse possui natureza petitória em todas as suas hipóteses de cabimento, ao passo que se fundará, como veremos, no direito à posse.
Objetivou-se, além disso, uma contribuição para correta classificação das ações reais, que deverá ser atentamente analisada pelos estudiosos do Direito. Esta pesquisa que se reflete neste trabalho, constitui-se das seguintes etapas:
No primeiro capítulo ocupou-se de demonstrar e firmar a natureza jurisdicional do processo de execução, uma vez que essa devida inclusão do processo executivo na atividade jurisdicional é de fundamental importância – a execução é considerada como direito e não mais como mero fato – pois podemos incluir as ações ditas executivas lato sensu e mandamentais na classificação das ações que será corretamente realizada.
Em capítulo seguinte, buscar-se-á encontrar o verdadeiro conceito de direito subjetivo, pretensão e ação, em seus planos processuais e materiais. Esta conceituação se mostra fundamental ao passo que sem ela não se poderá sustentar a existência da ação de imissão na posse diante de sua supressão do Código de Processo Civil de 1973.
Além disso, firmar os devidos conceitos se mostra essencial também para a compreensão de todo o trabalho, visto serem conceitos fundamentais, apesar de sofrerem de diversos vícios empregados na doutrina clássica.
Serão objeto de análise minuciosa as mais importantes teorias acerca da ação, e principalmente a teoria eclética idealizada por Enrico Tulio Liebman, que sofre de grave vício que precisa ser analisado e sanado, sob pena de incorrermos em contradições evidentes.
No terceiro capítulo cuidar-se-á de classificar devidamente as ações, utilizando-se da correta conceituação realizada em capítulo antecedente.
Em capítulo derradeiro, se buscará conhecer os antecedentes históricos da ação de imissão na posse desde as suas origens romanas até o presente momento. Além disso, em se verificando a sua existência, cuidar-se-á de identificar os seus elementos fundamentais e peculiares.
Verificar-se-á, inclusive, que serão estes elementos tão especiais inerentes à ação de imissão na posse que sustentam a sua existência e sua necessidade, além de diferenciá-la das tutelas possessórias e da ação petitória reivindicatória.
Desta forma, demonstrar-se-á que a ação de imissão na posse é uma ação executiva, petitória, real, e materialmente sumária que satisfaz de modo rápido o direito à posse, sempre pretendendo posse nova e em face do possuidor ou servidor da posse do bem, tenham estes título justo ou não.
Assim sendo, dever-se-á passar por todos estes aspectos polêmicos que envolvem a ação imissiva, para, somente depois, nos determos da aplicabilidade e cabimento desta ação, que, apesar das dificuldades que nos impõe, merece ser analisada de forma precisa, uma vez que socorrerá direitos materiais não tuteláveis por outras ações.
1 DA NATUREZA JURISDICIONAL DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
A ciência jurídica moderna separa o que se chama de atividade jurisdicional de cognição (processo de conhecimento) e atividade executória (processo de execução). Esta separação, certamente, está a decorrer da antiga noção romana de jurisdição.
Para entender melhor esta noção, é preciso analisar os primórdios do Direito Romano, e destacar que este conheceu, sucessivamente, três sistemas de processo civil, quais sejam o das ações de lei, o formulário e o extraordinário. O sistema das ações da lei (legis actiones) foi utilizado no direito pré-clássico, o mais primitivo e rudimentar para solucionar litígios de natureza privada.[2]
Conforme as Institutas de Gaio[3] – do qual a maior parte das informações de que dispomos provém delas – que as legis actiones eram cinco. A primeira delas, que é o objeto de nosso estudo neste momento, é a chamada actio sacramenti ou legis actiones in sacramentum, que recebe essa designação em razão da pena que comportava. Nesta espécie de legis actiones, o magistrado romano limitava-se apenas a declarar a conformidade dos pedidos do autor com os preceitos jurídicos vigentes. Para satisfazer os seus pedidos, em caso sendo considerada procedente a demanda da legis actiones in sacramentum, era necessário que o autor desse ensejo aos atos de execução privada, fazendo com que seja executada a sentença que lhe favoreceu.
Observando-se o processo histórico, conseguimos analisar que, aos poucos, a vingança privada[4] passou a dar lugar á utilização de métodos de persuasão racional destinados a obter os mesmos resultados.
Nesta perspectiva de análise histórica, extraiu-se da noção romana de jurisdição e se incluiu em nossos padrões culturais modernos, a distinção entre duas figuras de juiz: aquela em que ele participa do processo, tendo o papel de presidir e decidir os litígios entre as partes, e, aquela figura do juiz como autoridade administrativa, legitimado pelo Estado para ser o sujeito que emite ordens (com atos de força ou de violência se necessário) e destinado a preservar a ordem jurídica. Dessa forma, dá-se ensejo à, no máximo, uma sentença de condenação, em que o juiz não executava, limitando-se a reprovar o ilícito e recomendar o cumprimento da obrigação pelo condenado.[5]
Este raciocínio decorre de análise e interpretação equivocadas da conceituação – realizada por Piero Calamandrei – acerca da sentença constitutiva (que nos serve a título de exemplo), pelo qual afirmava que a sentença constitutiva era composta de duas parcelas, uma de natureza jurisdicional, relativa à parte em que o juiz declarava o direito e realizava mudança jurídica, e outra, de natureza meramente administrativa, correspondente à fase em que juiz realizava de forma efetiva a mudança jurídica, mesmo que fosse necessário o uso da força para realizar o direito, haja vista que este, enquanto fenômeno de convivência social, não se confunde com um mero raciocínio lógico, de modo que se pudesse reduzi-lo ao simples ius dicere.[6]
Este falso conceito de Calamandrei nos induz a imaginar que apenas as atividades endoprocessuais de conhecimento praticadas pelo Estado são jurisdicionais, como se os atos praticados pelo próprio Estado a fim de efetivar a declaração constante da sentença não seriam considerados atividade jurisdicional, mas mera atividade administrativa realizada por meio de ordem judicial.
O não reconhecimento da atividade executiva como sendo atividade jurisdicional advém de uma concepção moderna, apesar de ter sua origem na legis actiones romana. Isto porque há neste momento histórico um fator determinante: a crise na distribuição da justiça, em que não se permitia mais aos juízes a ingerência nos atos executórios. Esta concepção traduzia uma visão político-econômica advinda da experiência do mercantilismo e do Velho Regime: a desconfiança em relação ao Poder Judiciário, pois a sua resistência ao poder real e às reformas que ele pretendia promover foi uma das principais causas do imobilismo que acabou por provocar a Revolução Francesa.[7]
É neste sentindo que o Ovídio A. Baptista da Silva explica que:
“A separação conceitual entre atividade de cognição e atividade executiva, entre o ius dicere e a transformação coercitiva da realidade, corresponde a uma manifestação moderna, fruto das concepções liberais dos séculos XVIII e XIX, em que o magistrado se vê despojado de seus poderes de império, reduzindo, como desejava o pensamento individualista e liberal da Revolução Francesa, a simples funcionário público servil aplicador da lei, a quem se negava, até mesmo, a faculdade de interpretá-la.”[8]
Isto significa que o afastamento do juiz (pessoa considerada suspeita naquele contexto) da atividade executória, definindo-o como mero servidor público responsável por aplicar a lei ao caso concreto, está ligada à intenção e finalidade dos princípios liberais, qual seja a de preservar e “limpar o processo jurisdicional de qualquer nódoa ou impureza que pudesse maculá-lo com elementos de imperium inerentes ao ato executivo”.[9]
Dessa forma torna-se evidente o componente ideológico de não se reconhecer e conferir à atividade executória natureza jurisdicional, ou seja, a finalidade dos princípios liberalistas era de afastar qualquer possibilidade de arbítrio exercida pela atividade dos magistrados, vistos àquela época ainda como apegados amigos do rei.
A ideia consagrada pela doutrina, no sentido de que apenas a declaração seria jurisdicional e que a execução não passava de consequência fática da sentença faz com que o direito seja considerado apenas no seu aspecto normativo, passando a execução a ser considerada como puro aspecto fático.
Além disso, essa forma de proteção jurisdicional supunha a incoercibilidade inerente à primitiva obligatio romana, que não permitia a execução jurisdicional in natura. Percebe-se que o equívoco doutrinário reside justamente no sentido da obligatio, decorrente de uma série de vicissitudes históricas por que passou este conceito desde o período bizantino, último estágio do direito romano.
Entende a doutrina que todos os direitos submetidos á jurisdição transformam-se em obrigacionais, ou seja, que da sentença que declara os direitos do autor em processo de conhecimento nasce uma obrigação correlata para o devedor.
Já a este respeito afirmou Emilio Betti que “era absurda a ideia de ver-se o nascimento de uma nova obrigação surgida da litis contestatio, como se esta fora um contrato judicial a gerar obrigação ao invés de sujeição”.[10]
Desta afirmação de Emilio Betti é que retiramos nossa conclusão no sentido de que da declaração da sentença nasce para o réu uma sujeição e não uma obrigação. A obrigação que decorre especialmente do processo de execução nasce no momento em que ocorreu algum ato contrário ao direito dentro da relação jurídica primitiva estabelecida, ou seja, a obrigação não advém do momento em que termina o processo de conhecimento com a prolação da sentença, mas sim no momento em que é violado algum direito do autor que deu ensejo á ação de direito material.
Bem explica Ovídio A. Baptista da Silva, utilizando-se das palavras de Giuseppe Chiovenda, que:
“A obrigação emergente para o demandado seria, em qualquer caso, de idêntica natureza, pois, qualquer que seja a natureza ou a espécie do direito material submetido à decisão jurisdicional, ele sempre se apresenta como obrigação no momento do processo.”[11]
Sendo assim, temos que considerar que a obrigação é anterior à sentença e desta forma, podemos considerar equivocado o entendimento doutrinário de que a execução se há de fazer sempre que o demandado não cumpra a suposta “nova obrigação” que nasce da sentença.
Portanto, todos os atos realizados, da proposição por parte do demandante da ação de direito material até a satisfação da declaração contida na sentença, possuem natureza jurisdicional, ou seja, não se pode ter o entendimento de que a satisfação do autor (por meio de processo executório realizado com o auxílio do Estado) tem como fundamento direito obrigacional decorrente de ato judicial, haja vista que, como dissemos anteriormente, a obrigação nasce no momento em que é violado direito do autor inerente a sua relação jurídica com o réu e não no momento em que o juiz declara o direito na sentença.
Esta análise está ligada a correta interpretação da obligatio romana, devendo lhe atribuir o seu devido significado e tolhendo-a de vicissitudes que o tempo e as equivocadas conceituações lhe atribuíram.
Faz-se necessário verificar que essa devida inclusão do processo executivo na atividade jurisdicional é de fundamental importância, tendo em vista que uma vez considerada a execução como direito e não mais como mero fato, poder-se-á incluir as ações ditas executivas lato sensu e mandamentais na classificação das ações que será realizada corretamente em capítulo posterior deste trabalho.
Em última análise, o que se pretende é uma explicação convincente para alguns fenômenos jurídico-processuais ainda considerados rebeldes ao sistema normativo e pragmático, em que nem mesmo a doutrina consegue explicar, preferindo deixá-las de lado, tendo em vista a complexidade que seu estudo impõe. Para isso, faz-se necessário buscar e extrair, inclusive retomando aspectos históricos, o verdadeiro sentido dos conceitos anteriormente estabelecidos tanto no direito romano, quanto nos princípios que respaldaram a ideologia liberalista, que acabaram por influenciar o posicionamento doutrinário de nossa comunidade jurídica atual.
2 DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO
2.1 A IMPORTÂNCIA DO CONCEITO DE AÇÃO
Diante da diversidade de conceituações impróprias acerca da ação, firmou-se, infelizmente, o entendimento entre os acadêmicos de Direito que seria “dispensável” o estudo aprofundado de tal conceito em nível de graduação. Isto porque diante de tantas explicações doutrinárias inconsistentes, acabaram os estudantes por firmar o entendimento de que a ação constituía-se de uma natureza puramente abstrata, justamente por não entendê-la, levando-os finalmente ao abandono do estudo, o que acarreta sérios prejuízos.
Cabe, então, neste trabalho, especificamente neste capítulo, a tarefa de esclarecer, com base em aspectos históricos e jurídicos, o que venha a ser direito subjetivo, pretensão, ação de direito material e “ação” processual, haja vista serem conceitos fundamentais dos quais funcionarão como premissas e alicerces para a conclusão do tema.
Como muito bem analisa Fábio Luiz Gomes, é muito importante, ao contrário do que pensam alguns, demonstrar a relevância do conceito adequado de ação, uma vez que, segundo o autor, é a correta conceituação que determinará a “maior ou menor amplitude do conceito de jurisdição e a sua influência sobre os limites objetivos da coisa julgada”.[12]
Tantos equívocos em torno do verdadeiro sentido de ação decorrem da multiplicidade de sentidos empregados para o vocábulo “ação”[13], que muitas vezes é utilizada de modo impróprio e desnecessário.
Além disso, contribuíram para criação desta penumbra onde se encontra a correta conceituação de ação, principalmente os defensores da chamada Teoria Eclética – que tem como principal defensor Enrico Tulio Liebman[14] – que a irradiaram e a disseminaram tanto na legislação processual brasileira quanto na doutrina e no pensamento dos jovens estudiosos.
A Teoria Eclética, porém, não é a única que tenta atribuir conceito para a ação. Entretanto, para chegarmos ao verdadeiro conceito de ação, devemos examinar também outras teorias que julgamos inadmissíveis.
2.2 TEORIAS ACERCA DO CONCEITO DE AÇÃO
2.2.1 Noção romana
No período clássico do direito romano, informa-nos Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, que o resultado do litígio dependia da actio concedida ao autor pelo Pretor, que foi adquirindo, só com o passar dos tempos, também um significado material.[15]
Neste momento histórico, definia-se a ação como “nihil aliud est actio quam ius, quod sibi debeatu, in judicio persequendi”, ou seja, a ação era o direito de reivindicar em juízo o que nos é devido.[16] Sendo assim, verificava-se que o conceito romano de ação mesclava o direito processual com o material. É o chamado monismo – a existência de um plano – pelo qual abrangia tanto o direito material quanto o processual.
Por tal motivo, em princípio a actio não era um direito, mas o único instrumento concedido para a tutela dos interesses.[17]
2.2.2 Teoria civilista
Partindo do conceito de ação formulado pelos romanos, Friedrich Carl von Savigny[18] afirmou ser a ação o próprio direito material colocado em movimento, a reagir contra a ameaça ou a violação.[19]
Savigny considerava o direito de ação como evolução: o sujeito possui o direito à tutela jurisdicional em caso de violação do direito material. Para ele há uma chamada metamorfose neste procedimento. Porém, tanto no conceito romano quanto no conceito civilista de Savigny ainda é evidente a mescla entre direito material e processual, a peculiaridade da teoria de Savigny reside em que, apesar de estarem mesclados o direito material e processual no conceito de ação, estes se mostram em momentos distintos e muito bem delineados.
Entretanto, não parece satisfazer de forma suficiente a demonstrar uma distinção em relação à unidade de plano, idealizada pelos romanos.
Apenas com a célebre polêmica entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther (1856-1857) começou-se a colocar na ordem do dia a questão da separação entre o direito processual e material, destruindo-se a unidade da actio.[20]
Na visão de Windscheid, a pretensão é o poder jurídico de exigir a prestação em juízo. Não obstante, Windscheid ainda não se desprega totalmente da concepção de Savigny, porquanto ainda mesclar direito material e direito processual.
A verdadeira revolução de conceito em relação à ação se deve principalmente à crítica de Muther[21], direcionada contra Windscheid, pois em sua obra é que se tem claramente, pela primeira vez, a distinção entre um direito (direito material) e a tutela jurisdicional prestada pelo Estado (direito processual).
A crítica de Muther reside principalmente na negação da chamada “metamorphose” que sofria a ação, obra do pensamento de Windscheid. Para Muther, o fenômeno que ocorre em torno da ação seria o seguinte: o que existiria era um direito de natureza pública do lesado contra o Estado, de outorga de tutela estatal, e o direito do Estado contra o causador do dano para a erradicação da lesão.[22]
Verifica-se, neste momento, que não se concebe mais um conceito em que a ação se inicia com o direito material e depois se transforma em direito processual. Ocorre assim, de forma inédita, o reconhecimento da coexistência de duas ações, uma de direito material e outra de direito processual, passando a serem visualizadas como ações que se seguem em paralelo e ao mesmo tempo.
Informa-nos Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que, a partir dessa ideia, Windscheid reconhece também a legitimidade de um conceito de ação material junto com uma ação processual, e nos dá também o conceito destas:
“O direito de ação no sentido material é a pretensão jurídica material, pela qual é dada com a ação a autorização de realizar – por meio da contraposição da vontade do obrigado e da vontade do titular do direito – aquilo que se reclama do adversário, o que dele se exige no sentido material. O direito de ação no sentido processual, em contrapartida, é o direito à tutela do Estado, não integrando o direito material, mas o processual.”[23]
Desta forma, não apenas restou destruída a unidade até então existente entre o direito material e o direito de ação, mas também foi concedida substância própria à teoria processual no domínio da doutrina do direito de ação, substância que teoricamente até então esta não exibia, pois tudo era deixado aos cuidados do direito civil, cujos resultados eram geralmente apropriados pela ciência processual.[24]
Entretanto, a conclusão que se chegou era a de que a todo direito reconhecido pela lei positiva corresponde uma ação judicial, ou seja, não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito.[25]
Outro passo altamente relevante para a autonomia do direito processual se deu através dos estudos de Adolph Wach, que julgou ser inconsistente a ideia de que o direito de ação deve provir, emanar do direito subjetivo material; Wach aponta que o direito de ação é independente e explica que esta conclusão se deve ao fato de existirem direitos de ação que independem da existência de direito subjetivo material, inclusive citando, a título de exemplo, a ação declaratória negativa.
Acerca deste tema, Fábio Luiz Gomes discorre didática e brilhantemente ao asseverar que:
“Não houve quem não desse razão a Wach. A compreensão do que foi por ele demonstrado tornar-se-á mais fácil aos alunos se recorrermos ao preceituado pelo art. 4° do nosso Código de Processo Civil: “O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I) da existência ou da inexistência de relação jurídica”. Ora, se alguém pode exigir a tutela jurisdicional do Estado, agindo e fazendo-o agir para ver declarado que não mantém determinada relação jurídica com outrem, evidente que a ação independe do direito subjetivo material. Busca-se, com a ação declaratória negativa, justamente a declaração da inexistência de determinado direito subjetivo material.”[26]
Assim, Wach demonstra um equívoco nas teses de Muther e Windscheid e mostra-nos que o conceito de ação – mesmo reconhecendo-se a autonomia do direito processual, paralelamente ao direito subjetivo material – ainda não estava suficientemente maduro.
2.2.3 Teoria do Direito concreto
Primeiramente, convém esclarecer que, cronologicamente, dever-se-ia discorrer sobre a Teoria do Direito Abstrato de Agir antes da Teoria do Direito Concreto. Todavia, faz-se necessário a inversão desta ordem simplesmente por se entender que, juntamente com doutrina em geral, a Teoria do Direito Abstrato de Agir é mais avançada em relação à Teoria do Direito Concreto.
Reveste-se de alta relevância a compreensão desta teoria, idealizada por Wach, uma vez que suas lições se propagaram não só por toda Europa, como também atingiu a América Latina, e consequentemente, o Brasil.
Isto se deve ao fato – informa-nos Fábio Luiz Gomes[27] – de Wach exercido grande influência sobre Chiovenda, e por intermédio de dois dos maiores discípulos deste (Calamandrei e Liebman) atingiu Wach o processo ibero-americano. A influência exercida por Chiovenda em Liebman logo se enraizou sobre a maioria dos processualistas brasileiros, dada a importância dos ensinamentos de Liebman aqui no Brasil. Desta forma, reconhece expressamente Alfredo Buzaid a consagração da Teoria Eclética no vigente Código de Processo Civil brasileiro.
Pois bem. Na tentativa de oferecer um sentido mais completo e sistemático ao conceito de ação, Wach publica, em 1885, o primeiro volume de seu “Handbruch des deutschen Civilprozessrechts”[28], onde, apesar de reconhecer estar no caminho dos passos de Windscheid, inova, no sentido de demonstrar definitivamente a autonomia do direito de ação e a duplicidade de planos.
Apesar de declarar anteriormente que embora autônomo o direito de ação – não imana concomitantemente com o direito material e que por vezes sequer necessita da existência do direito material, como no caso da ação declaratória negativa – Wach completa seu raciocínio afirmando que o direito de ação só compete a quem é titular de um interesse real, e não imaginário.[29]
Finalmente, este autor é peremptório em afirmar que o direito de ação (direito à tutela jurisdicional) decorre direta e necessariamente do direito subjetivo material, à exceção da hipótese da ação declaratória negativa.
2.2.4 Teoria do Direito abstrato
2.2.5 Teoria eclética
Em ponto analisado anteriormente mencionamos a importância da doutrina de Liebman, consubstanciada na Teoria Eclética, que se enraizou na doutrina nacional e se consagrou em nosso Código de Processo Civil.
Liebman, ao analisar as teses até então desenvolvidas, visualiza que o estudo em torno da natureza e do conceito de ação se dividiram basicamente em duas correntes, e para ele ambas problemáticas em alguns aspectos.
A seu ver, a Teoria do Direito Concreto é equivocada por conferir apenas ao autor vitorioso o direito de ação; em contrapartida, critica a Teoria do Direito Abstrato por não identificar ainda a ação. Enxerga Liebman um momento ideal para propor uma nova tese, que tenta conciliar as duas referidas teorias, de forma encontrar uma definição adequada de jurisdição.
A ação, como direito de provocar o exercício da jurisdição, deve ser tida, segundo propunha Liebman, como direito de provocar o julgamento do pedido, ou seja, a decisão da lide, ou, em suma, a análise do mérito.[43] Dessa forma, conceituou Liebman a ação como “o direito a uma sentença de mérito” e determinou certos requisitos para viabilizar o exame do mérito, as chamadas condições da ação, que no seu dizer seriam:
“Requisitos de existência da ação, devendo por isso ser objeto de investigação no processo, preliminarmente ao exame do mérito (ainda que implicitamente, como costuma ocorrer). Só se estiverem presentes essas condições é que pode considerar existente a ação, surgindo para o juiz a necessidade de julgar sobre o pedido para acolhê-lo ou rejeitá-lo.”[44]
A posição assumida pelos defensores da Teoria Eclética gera a conclusão segundo a qual nem todo pedido de tutela jurisdicional desencadeia o exercício da verdadeira jurisdição.[45] Dessa forma, em caso de o juiz verificar a ausência de uma das condições da ação (interesse de agir, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido), não poderá pronunciar-se acerca do mérito e, consequentemente, sua atividade desenvolvida até aquele momento não poderá ser considerada como jurisdicional.
Segunda a Teoria Eclética, essa atividade do juiz para aferir a existência ou não das condições da ação chama-se de joeiramento prévio ou filtragem, utilizando-se a expressão de Liebman.[46]
Disso decorrem fatores relevantes para a determinação dos limites da atividade jurisdicional, além de definir os limites objetivos da coisa julgada. Segundo esta corrente, em não havendo pronunciamento de mérito, não há que se falar em atividade jurisdicional, e não há se falar em eficácia de coisa julgada que julga o processo extingo por ilegitimidade ad causam de qualquer das partes, e nessa mesma hipótese, sequer teria havido “ação”, podendo, em decorrência disto, a parte vencida propor novamente a ação.[47]
A crítica de Fábio Luiz Gomes certamente nos faz refletir acerca do conceito de ação que tomamos como ideal na prática. Afirma ele que:
“Ainda hoje se vê que a maioria dos chamados lidadores do direito maneja muito mal o tema, na medida em que não aplicam qualquer das teorias conhecidas; nem mesmo aquela que afinal restou insculpida no Código de Processo Civil. Com efeito, aceita esta maioria como existentes as chamadas “condições da ação”, mas não as aferem hipoteticamente, resultando de tal procedimento a curiosa e grave conseqüência de se proferir uma sentença de carência de ação, com julgamento de mérito.”[48]
E prossegue, justificando a adoção de tal teoria em nosso sistema jurídico:
“A doutrina majoritária brasileira está comprometida com o pensamento de Liebman. Tal comprometimento decorre de três causas fundamentais, segundo pensamos. A primeira consistiu no impacto e profunda impressão do fundador da Escola de São Paulo sobre os discípulos que o cercaram, sem dúvida uma plêiade de juristas que logo passaram a difundir as ideias do mestre, tornando-se também eles mestres de escol. As obras de Alfredo Buzaid, José Frederico Marques e de Machado Guimarães – para citar apenas alguns – demonstram a procedência da afirmação. A segunda causa decorre diretamente da primeira: a liderança intelectual exercida pelos discípulos de Liebman fez com que o espectro de suas ideias atingisse âmbito nacional; com isso, outros grandes processualistas mais jovens formaram-se sob esta influência. Finalmente, o fato de haver o nosso Código vigente adotado orientação consentânea com o pensamento de Liebman certamente desestimulou uma dissensão maior.”[49]
Dessa forma, partiremos para uma análise crítica da Teoria Eclética antes de adentrarmos na determinação dos conceitos dos fenômenos que ocorrem no plano do direito material e também no plano do direito processual.
2.3 ANÁLISE CRÍTICA ACERCA DA TEORIA ECLÉTICA
A doutrina, seguindo as palavras criteriosas de Guillén, impôs à Liebman críticas acentuadas. A primeira delas refere-se à indefinição da natureza da atividade do magistrado enquanto examina e decide sobre as condições da ação, já que não a enquadrou no âmbito da jurisdição, nem da administração e, tampouco, da legislação.[50]
Neste momento, afirma Ovídio A. Baptista da Silva que a doutrina de Liebman não consegue, de forma aceitável, definir o que venha a ser a natureza desta atividade exercida pelo magistrado, mas que, parece óbvio que, nesta hipótese não está o juiz a desempenhar atividade legislativa quanto executiva, devendo, por decorrência lógica, concluir-se pela jurisdicionalidade desta atividade, e aí, naturalmente, havendo jurisdição, não há como negar ter havido, inclusive, ação.[51]
Além disso, torna-se de difícil aferição o momento em que poderíamos identificar se estamos ou não diante de um processo, haja vista que enquanto não demonstrasse as condições da ação, não teríamos a ação, e sequer há que se falar de processo.
Assim sendo, como bem lembrado por Walter Baethgen, no processo brasileiro atual tudo que se fizesse até a sentença que decreta a sua extinção por algum dos motivos do artigo 267, inciso VI[52], não seria atividade jurisdicional.[53] Neste caso, todo o volumoso processo teria correspondido a uma atividade administrativa dos órgãos jurisdicionais, eventualmente inclusive do Supremo Tribunal Federal?[54]
Ainda mais contundente a crítica de Fábio Luiz Gomes quando afirma que se a Doutrina Eclética classifica como administrativa a atividade do juiz quando da aferição das condições da ação, os seguidores desta doutrina deveriam, por questão de coerência, sustentar a atribuição dessa atividade a algum órgão ou agente do Poder Executivo.[55]
Assim como Wach e Chiovenda não souberam explicar a natureza da atividade do Juiz nas hipóteses de ação improcedente, na Teoria do Direito Concreto de Ação, também a Doutrina Eclética não conseguiu defini-la para os casos da chamada carência de ação.[56]
Para concluir nossa crítica, utilizamo-nos da lição de Walter Baethgen, segundo o qual determina que se presentes ou não as chamadas condições da ação, é algo que o Juiz irá aferir dentro do processo formado, sempre com eficácia de ato jurisdicional; afirmando categoricamente que “é no processo que se decide sobre o processo”.[57]
Neste momento, evidencia-se que as condições da ação integram a relação jurídica de direito material e não, como até então se pensava, a relação jurídica processual. Dessa forma, a investigação sobre a necessidade ou desnecessidade da tutela jurisdicional, invocada pelo autor para obter a satisfação do direito alegado, implica obrigatoriamente perquirir a respeito da ameaça ou da violação desse direito, ou seja, sobre ponto pertinente à relação substancial.[58]
Assim sendo, mais uma vez é de grande proveito a lição de Fábio Luiz Gomes, quando afirma que:
“Os adeptos da Teoria Eclética procuram “contornar” o problema, afirmando que a investigação de tais elementos não implica exame de mérito porque a mesma deve ser levada a efeito hipoteticamente, com o que caem na desastrosa consequencia de bastar ao autor da demanda mentir para adquirir o direito à jurisdição! Sim, pois ao propor uma ação de despejo, por exemplo, bastará que o autor minta ser ele o locador e o réu ser o locatário, para que esta Doutrina considere presente a condição da ação relativa à legitimidade!”[59]
E prossegue o autor, afirmando a grave consequência que pode advir desta equivocada conclusão:
“Para a maioria dos que seguem a doutrina de Liebman e consideram a ação como o direito a um provimento de mérito, uma vez extinto o processo por ausência de uma das condições da ação poderá o autor intentá-lo de novo.”[60]
Ora, esta simples conclusão se dá por meio de uma análise dedutiva, segundo qual se não temos condições para o exercício da ação, sequer teremos ação, e consequentemente, sequer teríamos coisa julgada, podendo a ação ser interposta quantas vezes fosse necessário, ao arbítrio do autor.
A melhor conclusão, no sentido de afastar o aferimento das condições da ação, que, como analisamos, em nada traduz a existência ou não da atividade jurisdicional ou sequer a existência de uma ação, haja vista que, como vimos recentemente, pode-se cair na desastrosa consequencia de bastar ao autor da demanda mentir para adquirir o direito à jurisdição.
Dessa forma, filia-se à doutrina de Fábio Luiz Gomes, no sentido de considerar as condições da ação questões pertinentes ao mérito. Isso se deve ao fato de que em nada se diferenciam as decisões que julgam pela carência da ação e aquelas que julgam improcedentes os pedidos do autor, como também considera Calmon de Passos. Pois, em última análise, a improcedência se dará ou pela aferição de ilegitimidade das partes, ou pela falta de interesse de agir ou até mesmo pela impossibilidade de aplicar a vontade da lei.
2.4 CONCLUSÃO – DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO
Convém determinar e analisar, portanto, os conceitos de cada um dos referidos fenômenos, em seus dois planos, o processual e o material.
Neste momento, estar-se-á a descrever os fenômenos seguindo uma ordem cronológica de surgimento, mesmo que seja necessário entrelaçar os planos material e processual, porquanto que a visualização destes fenômenos é de difícil aferição quando demonstrados de forma estanque.
2.4.1 Direito subjetivo processual
O direito subjetivo público processual é um direito de toda e qualquer pessoa frente ao Estado. Este direito nasce no exato momento em que a ordem jurídica deste próprio Estado determina a proibição da auto-tutela. Dessa forma, toma o Estado, o dever de ouvir os reclames de toda pessoa que pretender uma manifestação formal deste próprio Estado.
Como o direito é um instrumento de convivência social, não se poderia imaginar a existência de uma ordem jurídica a que o Estado não assegurasse uma tutela correspondente, outorgando meios de realização através de seus órgãos, estruturados e predispostos ao cumprimento desse dever fundamental.[61]
Neste caso, não está a se indagar se o proponente da manifestação age de boa ou má-fé, ou se ele acredita ou não estar reclamando um direito violado ou ameaçado. Toda pessoa é detentora de questionar o Estado, trata-se de uma relação pública e de um direito abstrato, é um dever que o Estado assumiu enquanto perdurar a proibição à defesa privada, que por ele próprio impôs. Em decorrência desta proibição, o Estado tornou-se devedor da jurisdição.[62]
2.4.2 Direito subjetivo material
Pode-se conceituar o direito subjetivo público material como uma situação jurídica favorável de um sujeito em relação a outro sujeito passivo determinado (em caso de relações envolvendo direitos relativos) ou em relação à pluralidade de sujeitos (em caso de relações envolvendo direitos absolutos) [63] por força de direito objetivo sobre a relação entre elas mantida. Importa que se destaque o estado absolutamente inerte do direito subjetivo.[64]
Se, por exemplo, sou titular de um crédito ainda não vencido, tenho já direito subjetivo, estou na posição de credor. Há status que corresponde a tal categoria de Direito das Obrigações, porém, não disponho ainda da faculdade de exigir que meu devedor cumpra o dever correlato, satisfazendo meu direito de crédito.[65]
Trata-se de categoria própria de direito material.[66]
2.4.3 Pretensão de direito material
Utilizando-se do mesmo exemplo referido anteriormente, torna-se de fácil aferição quando do momento em que surge a pretensão de direito material. Ocorre quando operar o termo final do prazo previsto para o cumprimento da obrigação.
A partir deste momento, poderá o credor exigir do devedor, para que este, de forma voluntária, cumpra a obrigação. Trata-se de exercício do status do direito subjetivo material. Desta forma, é adequado trazer á este trabalho a clássica definição de Pontes de Miranda acerca da pretensão, onde afirma que se trata de uma posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa, este exigir ainda não é um agir para a realização, e completa alegando que “enquanto pretendo, ainda não ajo”.[67]
Conclui Ovídio A. Baptista da Silva, no sentido de que:
“O exercício da pretensão supõe, então, ação do destinatário do dever jurídico, prestando, cumprindo, satisfazendo a obrigação. O exigir, que é o conteúdo da pretensão, não prescinde do agir voluntário do obrigado, ao passo que a ação de direito material é o agir do titular do direito para a realização, independentemente da vontade daquele.”[68]
É esta a distinção fundamental entre a pretensão e ação de direito material, onde a primeira necessita do agir voluntário do obrigado para satisfazer a obrigação, e a segunda prescinde deste agir.
2.4.4 Pretensão processual
Ao contrário do que pensa o ilustre processualista espanhol Jaime Guasp, em sua obra La Pretensión Procesal[69], entende-se que a pretensão processual não pode ser conceituada como uma declaração de vontade oferecida em face do Estado, para que este force o devedor da prestação material a cumprir sua obrigação.
Esta é uma conceituação que, aliás, encontra-se bem difundida e que dá azo á confusões, como se pode denotar na explicação de Alejandro Ranilla Collado, em que afirma que:
“A pretensão processual é a pretensão material com relevância jurídica formalizada pelo autor ante um órgão jurisdicional, geralmente dirigido a um terceiro localizado, em que se necessita de uma petição, fundamentada, destinada a obter um pronunciamento favorável a respeito da satisfação ou atenção em um ou mais bens ou a imposição de uma sanção. A pretensão processual é a pretensão material formalizada diante de um órgão jurisdicional.”[70]
Ora, se pensarmos dessa forma, estaremos a confundir o conceito de pretensão processual com o de ação, em seu plano processual.
2.4.5 Ação em seu plano processual
Trata-se de uma atividade, um agir, não mais em face do obrigado, mas sim contra o Estado, para que este cumpra o seu dever de prestar a jurisdição.[71]
Muito importante torna-se a lição de Ovídio A. Baptista da Silva, quando afirma que:
“Grande parte das discórdias existentes na doutrina processual a respeito do conceito de “ação” é resultante da indevida equiparação entre o direito publico subjetivo de acesso aos Tribunais e o exercício desse direito por meio da “ação” processual. O agir, que encarado o conceito no plano do direito material quer examinado na perspectiva da relação processual, há de pressupor, sempre, a anterioridade do próprio direito, não se podendo com ele confundir. A ação será, em qualquer caso, exercício de um direito preexistente. Tenho ação porque, antes, hei de ter um direito subjetivo público para exigir que o Estado me preste a tutela necessária à realização de meu direito material.”[72]
Citando a afirmação de Moacyr Amaral Santos: “Dissemos que a ação é um direito”, alega ainda Ovídio A. Baptista da Silva que a assertiva é incorreta, pois se ele dissesse “a ação, que no plano material, quer no plano processual, será, sempre, o exercício de um direito preexistente”, então sim a afirmação faria sentido e poderia ser compartilhada.[73]
Dessa forma, do mesmo modo como ocorre com a ação de direito material, que é o exercício do status que é o direito público subjetivo material, ocorre com a ação em seu plano processual; ou seja, ela representa o exercício daquele status de direito público subjetivo processual de acesso aos Tribunais que a todos pertence dada a abolição da autotutela e a tomada da jurisdição pelo Estado, para garantir a ordem social e o fim do arbítrio.
Sendo assim, podemos afirmar que a pretensão de tutela jurídica, como a “ação processual”, nunca será improcedente, mas simples veículo para se averiguar a procedência ou improcedência da afirmação sobre a existência do direito material invocado.[74]
2.4.6 Ação de direito material
Após a análise de todos estes fenômenos, torna-se de simples aferição a natureza da ação de direito material.
De todo modo, resta demonstrar o caminho percorrido até se chegar à ação de direito material, que é a ação destinada à satisfação dos direitos do autor, ou seja, neste momento, torna-se evidente que a ação em seu plano processual não constitui meio hábil à satisfação dos direitos materiais, porquanto apenas satisfazer o direito subjetivo processual de acesso aos Tribunais. É de relevante importância a compreensão da finalidade de que cada ação se propõe a cumprir, haja vista que no próximo capítulo, realizar-se-á a classificação da ação tomando como critério a sua satisfatividade (materialmente), ou seja, classificarei as ações de direito material – que são as únicas hábeis a efetivar e satisfazer direitos materiais – e não as ações de direito processual.
Pois bem. O direito público subjetivo que é uma situação jurídica favorável de um sujeito perante outro é, como vimos, um status, uma situação estática, imóvel e inerte, sempre subordinada a uma condição ou termo, ou seja, não existe nenhuma faculdade por parte do sujeito ativo em exercitar ou não este direito, haja vista que isto só poderá ocorrer depois de verificada a condição ou ocorrido o termo.
Com o vencimento da obrigação, nasce e agrega ao direito subjetivo material a chamada pretensão, ou seja, a qualidade de poder exigir do sujeito passivo da obrigação que cumpra o seu dever. Aqui, vale relembrar, a diferença entre a pretensão e ação de direito material está justamente na qualidade de imprescindibilidade da atuação do devedor da obrigação na pretensão. Dessa forma, precisa o sujeito ativo da atuação do sujeito passivo para que seja satisfeita a pretensão.
Em caso de restar infrutífero o exercício da pretensão, resta ao sujeito ativo da obrigação a faculdade – aqui sim, o sujeito, se quiser, pode acionar, pois a obrigação é exigível – do exercício do direito subjetivo público material, é o exercício para satisfação deste direito, haja vista que agora este se reveste de exigibilidade. Este exercício do direito subjetivo público material é o que chamamos de ação de direito material.
Entretanto, certamente esse agir para a realização do próprio direito raramente é facultado[75] ao respectivo titular sem que lhe imponha a necessidade de veiculá-lo por meio da “ação” processual, sob invocação de tutela jurídica estatal.[76]
3 CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES
O estudo aprofundado e determinado de um conceito, certamente limita a atuação do pesquisador e possibilita uma análise mais precisa acerca do termo, oferecendo maior precisão técnica.
O que mais importa em termos de limitação conceitual, neste momento, é que, em verdade, busca-se o verdadeiro conceito de ação para que justamente possamos classificá-la sem as confundir com outros institutos, além de possibilitar a inclusão ou exclusão de subespécies. A partir do momento em que se determina o que é algo, pode-se, logicamente, expor o que se inclui ou não dentro deste conceito, e é justamente esta análise que será imprescindível para abarcar a ação de imissão na posse, como será visto adiante.
Bem, a confusão e a diversidade de classificações encontradas na doutrina se verificam em razão da negação, pela maior parte desta, da existência da ação de direito material. Assim, maior parte da doutrina classifica as ações utilizando-se do conceito de “ação” de direito processual, já visto, o que leva a sérias e drásticas consequências, como veremos.
Assim, critica Ovídio A. Baptista da Silva, quando alega que:
“A doutrina processual costuma negar relevância científica, quando não a própria existência da ação de direito material, sob a alegação de que, proibida como está, a autotutela privada, em virtude do monopólio da jurisdição pelo Estado, a ação do titular do direito para sua realização foi transformada, ou substituída, pela ação processual, ou seja, pelo poder que ao titular do direito se reconhece de invocar a tutelar jurisdicional para a realização do mesmo, devendo-se entender que a ação, modernamente, tem sentido inverso ao que esse conceito teve nas formas primordiais do fenômeno jurídico, como sucedeu no direito romano primitivo.”[77]
E prossegue, afirmando que:
“Esse gravíssimo equívoco é possível e tem ganho a dimensão impressionante que se verifica da aceitação, mais ou menos implícita, desse pressuposto pela doutrina contemporânea, em virtude de um outro engano não menos grave, referente ao conceito de jurisdição. Frederico Marques, ao tratar das chamadas “ações de conhecimento”, dá-nos um bom exemplo dessa limitação conceitual, ao escrever que, nas ações de conhecimento, constitui objeto da tutela jurisdicional o pronunciamento de sentença que componha o litígio.”[78]
Como visto anteriormente, em decorrência das teorias fruto dos estudos iniciados por Wach, o que ocorre, de fato, não é supressão ou substituição de uma ação por outra, mas tem-se sim o fenômeno da duplicidade de planos ou dualidade de ações.
Verifica-se que a doutrina enxerga o chamado processo de conhecimento apenas como instrumento declarativo de direito, sem que se dê, nele, o momento fundamental de sua efetiva realização, sempre transferida, segundo tal concepção, para o chamado processo de execução, cuja natureza jurisdicional, como se sabe, foi negada até pouco.[79]
A “ação” de direito processual, como visto, não se presta à realização de direitos materialmente aferíveis. Aquela é, em realidade, um instrumento, ou seja, um meio para que se alcance o direito material pretendido pelo autor. A doutrina clássica pretende classificar a ação tomando como conceito de ação o sentido da “ação” processual visto analisado em capítulo anterior. Pode-se aferir isto no trecho onde Humberto Theodoro Júnior explica que
“Se a ação consiste na aspiração a determinado provimento jurisdicional, a classificação de real relevância para a sistemática científica do direito processual civil deve ser a que leva em conta a espécie e natureza de tutela que se pretende do órgão jurisdicional.”[80]
Evidente o caráter processual da ação que é utilizado para a classificação da mesma, entretanto, é justamente este o equívoco que gera, ao longo do estudo, o problema do não reconhecimento das ações executivas lato sensu e mandamentais.
Desta forma, levando-se como critério para classificação das ações a “ação” de direito processual teremos a clássica trilogia das ações de cognição condenatória, declaratória e constitutiva.
Todavia, a “ação” processual mostra-se inadequada para servir de substrato classificatório. Isto se deve ao simples fato de que a “ação” processual, justamente por ser abstrata, não admitir classificação.
A “ação”, no sentido processual, abstrata como é, atribuída a todos indistintamente, quer seja o postulante titular da relação de direito material, quer não o seja, não admite qualificações que a tornem concreta e individualizada.[81]
Assim como o jurista alemão Rudolf von Ihering que afirma que:
“O direito existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito. O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao contrário, o que se realiza como direito é o direito…”[82]
Pontes de Miranda também advoga neste sentido, ou seja, acredita que a ação deverá sempre ter um caráter realizador da pretensão. Este caráter realizador da pretensão é essencial ao conceito de ação de direito material. Pontes de Miranda faz dessa nota conceitual um ponto irrenunciável de sua doutrina: ação de direito material é o “agir capaz por si só de realizar a pretensão”.[83]
Assim sendo, para esta segunda corrente, liderada por Pontes de Miranda, as ações deverão ser classificadas utilizando-se o como critério sempre a ação de direito material, ou seja, classifica-se a ação levando em consideração os benefícios materiais que trarão ao autor.
Pois bem, chega-se ao ponto relevante e fundamental desta problemática. Vimos que toda a discussão envolvendo a utilização de critérios distintos para a classificação das ações gera divergência em apenas um ponto, qual seja o da ação condenatória, porquanto, se utilizarmos tanto o critério da ação material quanto da “ação” processual, teremos sempre que as ações declaratórias destinam-se à declarar a existência ou inexistência de relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento[84] e que as ações constitutivas destinam-se a criar, modificar ou extinguir um estado ou relação jurídica.[85]
Desta forma, a diferença entre adotarmos o conceito de “ação” processual e ação material para a classificação em caso de ação condenatória, por exemplo, reside justamente em que na primeira, o resultado final limita-se a conceder ao autor vitorioso uma outra ação, agora de natureza executória. Já em relação à segunda, esta confere ao autor vitorioso a própria satisfação da pretensão, ou seja, confere aquele a realização do pedido deduzido.
Portanto, ao contrário do que propõe Humberto Theodoro Júnior, quando afirma ser a ação condenatória aquela que “busca não apenas a declaração do direito subjetivo material do autor, mas também a formulação de um comando que imponha uma prestação a ser cumprida pelo réu (sanção). Tende à formação de um título executivo” [86], Ovídio A. Baptista da Silva afirma peremptoriamente que “Seria um absurdo supor que a virtude de uma ação se limitasse a gerar outra ação, sem satisfazer pretensão alguma, a não ser, no plano puramente processual, a pretensão a obter título executivo.” [87]
Para tanto, o autor oferece uma precisa solução para o caso ao afirmar que:
“Esta dificuldade pode ser, no entanto, facilmente superada se aceitarmos a existência de uma sentença condenatória, a que não corresponda – no plano do direito material – uma ação da mesma natureza. Isto significará simplesmente que a verdadeira ação (de direito material) que se oculta sob a “ação” (processual) condenatória é a ação executiva.”[88]
E prossegue afirmando que:
“Devemos, portanto, recusar autonomia à ação condenatória, reduzindo para quatro as ações de direito material, indicadas na classificação de Pontes de Miranda. As ações serão, portanto, declaratórias, constitutivas, executivas e mandamentais. A sentença condenatória passará a ser um provimento de natureza incidental, como se dá com as sentenças, igualmente de mérito, porém não finais, da primeira fase das ações de divisão e demarcação e com a sentença que, na ação de prestação de contas provada, condena o demandado a prestá-las (artigo 915, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil[89]). Em última análise, a ação condenatória perderá autonomia, na verdade revelar-se-á inexistente como ação de direito material, para em seu lugar aparecer uma ação de executiva de cobrança.”[90]
Dessa forma, classificaremos as ações em: declaratórias, constitutivas, mandamentais e executivas. Observa-se que o ponto fundamental em que reside o impasse é justamente aquele que diz respeito à ação condenatória. Esse impasse ocorre porque, em última análise, a “ação” condenatória revela-se inexistente como ação de direito material, sendo, portanto, abarcada, englobada pela ação executiva.
Ao se retirar a ação condenatória, dá-se maior efetividade a tutela dos direitos materiais, neste sentido afirma Guilherme Rizzo Amaral que:
“O princípio da efetividade impõe a superação de modelos ultrapassados de tutela jurisdicional para certas situações lesivas ao direito material, em prol de mais eficaz e rápida realização do direito material, daí, o surgimento das tutelas executiva e mandamental.”[91]
Já em relação à ação executiva, faz-se necessário um importante esclarecimento em relação às suas subespécies, quais sejam a ação condenatória e executiva e a ação executiva real, em que Guilherme Rizzo Amaral, utilizando-se da lição de Pontes de Miranda, esclarece a distinção entre ambas de forma precisa, ao expor que:
“A distinção entre a ação executiva real (reivindicatória, por exemplo) e as ações de condenação e executiva por créditos encontra-se na circunstância de que na primeira é pedido que “se apanhe e retira a coisa, que está contrariamente a direito, na esfera jurídica do demandado e se lhe entregue”, enquanto nas segundas “os bens estão na esfera jurídica do demandado, acorde com o direito”.[92]
E prossegue, afirmando que:
“[…] a diferenciação decorre do princípio da segurança: recaindo a execução sobre bens que não são do próprio exequente, o processo exige maiores formalidades (daí, o emprego da tutela condenatória), o que não acontece, por exemplo, com a “ação de despejo”, que incide sobre o bem do próprio autor (daí, o emprego da tutela executiva).”[93]
Sobre a primeira, equivale dizer que o demandado, mesmo depois de condenado, permanece “possuidor-legítimo de seus bens”, sobre os quais incidirão, como resultado da condenação, os atos executórios.[94]
Já, todavia, se a sentença contiver manifestação acerca da ilegitimidade da posse em relação ao objeto da demanda, então é porque não haverá qualquer obstáculo à realização do ato executivo de transferência do bem da esfera jurídica do demandado para a esfera jurídica do demandante vitorioso[95], devendo-se utilizar da ação executiva lato sensu, chamada também de ação real, ou ação executiva real.
Portanto, conclui-se que há necessidade de se adotar uma classificação coerente com os conceitos formulados em capítulo anterior, uma vez que a negação da existência da ação de imissão na posse se deve, inclusive, ao fato do não reconhecimento das ações executivas lato sensu.
Sendo considerada, como vimos anteriormente, a fase executória do processo também sendo atividade jurisdicional, além de, já realizada a correta classificação, demonstrando a existência das chamadas ações executivas lato sensu, parte-se neste momento, para o estudo aprofundado do objeto principal deste trabalho, a ação de imissão na posse.
4 AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE
“Não é preciso ter olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter ouvidos afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso, é preciso ver o que não está visível.” (Sun Tzu)
4.1 ORIGENS ROMANAS DA AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE
A proteção que o Direito dispensa à posse, na atualidade, é uma derivação do sistema de defesa possessória do Direito Romano[96]. Assim, há fortes indícios de que a ação de imissão na posse, existente no direito brasileiro, tem uma longa história que a liga aos interditos romanos, mais especificamente na chamada “interdicta adipiscendae possessionis”.[97]
Desta forma, este trabalho limitar-se-á a apontar os institutos de direito romano que influenciaram e que concorreram para a criação da ação de imissão na posse no direito brasileiro.
Pois bem, a respeito dos interditos romanos, Câmara Leal esclarece que àquela ocasião, os interditos relativos à posse dividiam-se em três classes:
a) “interdicta adipiscendae possessionis” – para obtenção de uma posse que não se tinha ainda; b) “interdicta retinendae possessionis” – para a conservação de uma posse que já se tinha e não cessou, mas na qual se foi molestado; c) “interdicta recuperandae possessionis” – para recuperação de uma posse que se tinha, mas da qual se foi privado.[98]
Assim, limitaremos nossa análise apenas ao que diz respeito à natureza dos “interdicta adipiscendae possessionis”[99], interdito que visa a aquisição possessória por aquele que ainda não a teve.
Esta reconstrução histórica e de busca da verdadeira identidade dos institutos, visa, como afirma Ovídio A. Baptista da Silva:
“[…] tentar determinar se, por derivação genética, se poderia encontrar, no direito brasileiro contemporâneo, uma ação de direito material, ligada a uma determinada e precisa pretensão à imissão na posse de algum bem, portanto ação para pedir a posse, com fundamento em direito à posse, que se mantenha demanda materialmente sumária, de caráter petitório e que, sendo sumário, se possa distinguir, pela respectiva res deducta, da ação de reivindicação.”[100]
Destaca-se, nesta fase, que os interditos adipiscendae possessionis, de acordo com a interpretação das Institutas de Gaio, possuem natureza definitiva e não provisória, como afirma a doutrina de Ihering, seguida por Francesco Carnelutti, Max Kaser[101], e outros.[102]
Isto porque referido instituto busca a obtenção da posse, ou seja, visa adquirir a posse e não protegê-la. Nestes exatos termos, ensina Orlando Gomes que “não se defende posse que ainda não existe, não se protege posse cuja imissão se pretende”[103]. Sendo a adipiscendae possessionis dirigida à obtenção da posse e não à sua proteção, logo, evidencia-se a natureza petitória do instituto, afastando a natureza possessória.
Assim, em tendo natureza petitória, jamais poderá representar prestação jurisdicional provisória, uma vez que apenas os interditos possessórios representam prestação jurisdicional provisória, destinadas apenas a manter a paz social, através da preservação de um estado fático que é a posse, enquanto se aguar, no processo e tempo adequados, uma eventual composição, definitiva e de direito (juízo petitório, não de fato), a respeito do direito nela envolvido no dissídio.[104]
Ora, se as ações petitórias jamais serão provisórias, como ensina Orlando Gomes, logo, a adipiscendae possessionis, por ser tutela petitória, jamais poderia ser considerada como um interdito possessório de natureza provisória[105].
Desta forma é que se remonta a ação de imissão na posse nos tempos atuais, e como veremos de forma precisa adiante, esta ação tem natureza definitiva, uma vez que possui caráter petitório e não possessório. O que a distinguirá da ação reivindicatória é o fato de esta possuir ainda natureza materialmente plenária e reivindicar a coisa sempre com fundamento no direito de propriedade e em decorrência de moléstia, enquanto que a ação de imissão na posse possui natureza materialmente sumária[106], ainda que ação de natureza petitória e de cunho definitivo.[107]
4.2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE NO DIREITO BRASILEIRO
Na história do Direito brasileiro, a princípio, a ação de imissão na posse sofreu diversas controvérsias, a começar por sua existência, tanto em seu plano material quanto em seu plano processual.
A problemática em seu plano processual, para reconhecer as ações executivas e mandamentais, negadas pela doutrina clássica, constitui a princípio um desafio e obstáculo que precisa ser eliminado, o que foi feito nos primeiros capítulos deste trabalho.
Não obstante, ainda encontra-se grande resistência em face da ação de imissão na posse no que diz respeito a sua existência material desde antes da promulgação do Código Civil de 1916, quando, em acórdão de que foi relator Raphael Magalhães, que negou cabimento a uma ação de imissão na posse, deu ensejo ao voto de Edmundo Lins que se tornou conhecido, no qual este jurista negava, em termos radicais, a existência da ação de imissão na posse no direito brasileiro, declarando-a não só desconhecida de nosso sistema, como absolutamente supérfluo e desnecessário o interdito adipiscendae possessionis dos romanos, já que, segundo o magistrado, as ações possessórias previstas pelo Código Civil e a ação reivindicatória preenchiam perfeitamente todo o escopo que poderia ser ocupado pela questionada ação[108].
Afirma Ovídio A. Baptista da Silva em relação às divergências acerca da ação de imissão na posse que:
“É uma história singular, em que as mais acirradas divergências se dão, precisamente, a respeito da questão ligada à existência dessa ação, intermitentemente negada por juristas antigos e recentes. E o mais notável é que sua história no direito brasileiro registra uma controvérsia constante, que a ação apareça em texto de lei processual, como ocorreu na vigência de alguns Códigos Estaduais de Processo pré-unitários, que a contemplavam, ou durante a vigência do Estatuto Federal de 1939, quer nos períodos legislativos em que se sustenta sua eliminação do sistema, como se supõe que seja a intenção do legislador de 1973.”[109]
A questão relativa à natureza jurídica da ação de imissão na posse também, se ação de natureza possessória[110] ou petitória, também foi objeto de inúmeras discussões, uma vez que, inicialmente, referida ação foi contemplada pelos Códigos Estaduais de Processo Civil[111]. Isto se deve ao fato de que o legislador estadual processual somente detinha competência para legislar sobre direito processual, jamais podendo criar uma ação material, de natureza petitória.
Assim, prossegue Ovídio A. Baptista da Silva que nos informa que:
“A promulgação do Código de Processo Civil, em 1939, com a expressa inclusão, dentre as possessórias, da ação de imissão de posse, regulada pelos artigos 381 a 383[112], alimentou as controvérsias e reacendeu o debate, se não no campo jurisprudencial que teve de conformar-se ao texto claro da lei e admitir como existente a demanda, ao menos em sede doutrinária.”[113]
Assim, resta analisar nos tópicos subsequentes a disciplinada da à ação de imissão na posse no Código de Processo Civil de 1939 e 1973, para, em seguida, analisar o preciso conceito e a natureza jurídica desta ação, além de identificarmos alguns casos em que seu manuseio mostrar-se-á imprescindível.
4.3 A AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE TRATADA PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1939
A previsão e normatização da ação de imissão na posse pelo Código de Processo Civil de 1939 acabou por obstar qualquer dúvida em relação à sua existência legal, entretanto, como já referido anteriormente, restou à doutrina a árdua discussão sobre, primeiramente, a sua existência, e posteriormente, a sua efetividade e necessidade no plano real.
A primeira discussão que se teve em relação à normativa do Código de Processo Civil de 1939 diz respeito à legitimidade passiva da ação de imissão na posse, uma vez que dispõe o artigo 391 que compete ação de imissão na posse em face dos alienantes ou terceiros, que os detenham.
No que respeita à legitimidade do alienante, não cabia campo para controvérsias. O alienante figurará como sujeito passivo da ação de imissão na posse no momento em que se firma um negócio jurídico em que aquele assegura ao adquirente o direito à posse. Neste caso, até o momento em que não ocorre a tradição (bens móveis) ou transcrição e registro (bens imóveis), o adquirente poderá manejar a ação de imissão na posse.
No Código de Processo Civil de 1939, discussão maior residiu no fato de haver possibilidade de figurar como sujeito passivo da ação de imissão na posse o terceiro detentor. Vale esclarecer que terceiro possuidor de boa-fé com direito pro suo à posse não tinha legitimidade passiva para ação.
Assim, somente o terceiro que detém em nome do alienante teria legitimidade passiva.[114]
Estudar a ação de imissão na posse conforme a jurisprudência formada sobre a disciplina do Código de Processo Civil de 1939 mostra-se de maior relevância para a determinação do conceito desta ação, uma vez que esta jurisprudência pode ser aproveitada, em seus pontos essenciais, mesmo agora sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973.[115]
Já em relação à legitimidade ativa, faz-se necessário alguns esclarecimentos, haja vista que referido campo influenciará diretamente na aplicação ou não da ação de imissão na posse. Algumas definições do Código de Processo Civil de 1939 são equivocadas, isto porque, primeiramente, dispõe o artigo 381, em seu inciso I[116] que cabe a ação de imissão na posse aos adquirentes. Neste sentido, pretende o dispositivo legal restringir apenas às aquisições advindas em virtude de ato inter vivos, afastando os adquirentes por direito sucessório. Ora, não faz o menor sentido tal restrição, uma vez que, como veremos adiante, será cabível a ação de imissão na posse sempre que houver direito à posse, que pode, inclusive, decorrer do direito sucessório.
Ademais, o artigo 382, caput, faz menção à necessidade da petição inicial estar instruída com o título comprobatório do domínio. A questão é: ter-se-ia conceder a ação de imissão na posse apenas aos titulares do domínio, ou, ao contrário, poderiam igualmente intentá-la outros adquirentes não do domínio, mas de direito à posse? A resposta desta pergunta trará uma direta consequência no conceito da ação de imissão na posse que será detalhado mais adiante.
Ora, pensa-se que, ao contrário da literalidade do caput do artigo 382, que se refere a “título de domínio”, a ação de imissão na posse, de natureza materialmente sumária e de procedimento especial no Código de Processo Civil de 1939, deverá ser instruída com o título de domínio ou de direito à posse. Isto porque, a ação de imissão na posse, de natureza petitória, como foi visto anteriormente, funda-se em “direito” e não em “fato”, o que a diferencia dos institutos possessórios. Porém, este “direito” em que se funda a ação de imissão na posse (petitória) não necessariamente será o domínio, podendo, no caso, ser também direito real ou obrigacional que atribua direito à posse.
As ações petitórias nem sempre serão fundadas no direito de domínio. As ações possessórias discutem posse, as ações petitórias, ao contrário do que muitos pensam, não discutem apenas domínio, mas sim, direito. Desta forma, há grande incongruência em se afirmar que as ações petitórias discutem (unicamente) domínio. Isto nem sempre será verdade. Será adequada tal afirmação quando estaremos tratando das ações reivindicatórias, que é espécie das ações petitórias. Assim, existem outras ações de natureza petitória (como a ação de imissão na posse) que não se fundam exclusivamente no direito de domínio, podendo fundar-se em direito à posse advindo de direito real ou obrigacional, aniquilando-se, desta forma, o disposto no artigo 382, caput, do Código de Processo Civil de 1939.
Assim sendo, deve-se incluir como legitimados ativos os adquirentes, oriundos de aquisições inter vivos ou causa mortis, cujo direito à posse funda-se tanto no domínio quanto em direito obrigacional ou direito real que não seja o de propriedade.
Portanto, ao se analisar a ação de imissão na posse sobre o ponto de vista do Código de Processo Civil de 1939, deve-se precaver de dois equívocos: primeiro, a ação de imissão na posse não é, e nunca foi, ação do possuidor contra detentor, e o segundo é que, embora não sendo possessória, a imissão na posse nem sempre será fundada em título de domínio.[117]
4.4 DISCUSSÕES ACERCA DA EXISTÊNCIA DA AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
O Código de Processo Civil de 1973, ao se omitir e não trazer expressamente referência à ação de imissão na posse, fez com que muitos pensassem que esta ação fosse eliminada de nosso ordenamento jurídico. Assim, resta-nos esclarecer este ponto para que não haja dúvidas acerca de sua existência.
Como analisa muito bem Ovídio A. Baptista da Silva, este afirma que:
“À pergunta sobre a permanência das ações de imissão de posse perante o sistema processual inaugurado pelo Código de Processo Civil de 1973, é possível dar-se resposta formulando uma nova pergunta: pode-se afirmar que a ação de investigação de paternidade não existe porque o Código Processual não a prevê? Ou esta outra, mais genérica: as ações são outorgadas pelos Códigos de Processo, ou estes apenas se limitam a regular-lhes o curso e, nalguns casos, a dimensionar-lhes o conteúdo da matéria a ser objeto da controvérsia?”[118]
E prossegue, ensinando que:
“Verdadeiramente, os processualistas tratam da ação de imissão de posse como se tal entidade só existisse no plano do direito processual, como se ela fosse uma realidade só processual, capaz de ser posta ou retirada do sistema pelo legislador do processo. O curioso, todavia, é que todos os que pensam assim não deixam de afirmar que tal ação compete ao adquirente de bens, que invoca “tutela jurisdicional do Estado, para ingressar nessa posse”, como escreve, para citar um dentre muitos, Herondes João de Andrade.”[119]
Ao se inaugurar o novo diploma processual, tivemos posicionamentos dos mais díspares acerca da existência ou não da ação de imissão na posse diante da supressão expressa do Código de Processo Civil de 1939[120]. Assim, houve quem afirmasse que a ação não mais existiria, outros, por sua vez, afirmam que ação continua a existir, porém, que seu procedimento não mais era especial, e sim comum.[121]
Assim, houve ainda quem afirmou que a ação de imissão na posse poderia ser substituída por uma ação para entrega de coisa certa.[122]
A este respeito, esclarece Ovídio A. Baptista da Silva que:
“Afirmar como o fazem J. Frederico Marques, Luiz Antonio de Andrade e tantos outros juristas e tribunais, que a ação de imissão de posse “sumiu”, como ação especial, de nosso Código de Processo Civil, mas, em seu lugar, os interessados poderão socorrer-se de uma “ação para a entrega de coisa certa”, que terá rito (observe-se bem: curso) ordinário ou sumário, em verdade, é fazer afirmação incompleta e ambígua, dizendo muito pouco, ou mesmo nada, sobre a existência de uma demanda determinada, identificável por seus elementos internos, por sua res deducta e por suas eficácias sentenciais, a que se possa dar o nome de ação de imissão de posse […]. A confusão entre os planos de direito processual e de direito material é evidente.”[123]
A confusão é certamente causada pelo fato de que a doutrina clássica não identificar e diferenciar corretamente os planos do direito material e direito processual.
Desta forma, cumpre ressaltar que a ação de imissão na posse prevista pelo Código de Processo Civil de 1939 era ação “especial” não apenas porque era procedimentalmente sumária, mas também materialmente sumária.
A peculiaridade da ação de imissão na posse reside também neste aspecto, ou seja, mesmo se aceitarmos o fato de a doutrina entender pela extinção de seu procedimento sumário, esta se refere exclusivamente ao seu rito, à sua forma, e não à sua substância, à sua materialidade, que continuará sendo sumária, no sentido de limitar a área por que se podem estender as defesas do sujeito passivo processual.
Para concluir, resta-nos evidenciar que a ação de imissão na posse mantém, mesmo no Código de Processo Civil de 1973, sua natureza de ação executiva e que permanece como ação materialmente sumária. Demonstrados estes requisitos, como peculiares e existentes em nossa demanda, então estará fundamentada a questão de sua permanência em nosso sistema.
Pois bem. A respeito de sua sumariedade material, podemos citar um excelente exemplo dado por Pontes de Miranda, onde esclarece o seguinte:
“A ação cambiária, como todos sabemos, é sumária, no sentido de ter severamente limitada a área por que se podem estender as defesas do obrigado cambiário. Porém, se o legitimado cambiário para a ação de cobrança promove “ação” condenatória, sob o rito ordinário, fundado na cambial, como uma “ação” ordinária de cobrança – o que é possível, em nosso direito -, diríamos porventura que a natureza da ação cambiária teria se alterado, a ponto de expor o portador do título a toda sorte de defesas e exceções, mesmo àquelas vedadas pelo direito cambiário? A mudança de “remédio jurídico processual” teria a virtude de transformar a ação cambiária em ação de cobrança fundada em mútuo, ou qualquer que fosse o negócio jurídico subjacente à cambial? Ou, dizendo-se a mesma coisa com outras palavras: a ação executiva cambiária do artigo 585, inciso I, do Código de Processo Civil, quando processada pela forma ordinária, faz o título cambiário desaparecer e transformar-se em “escrito assinado pelo devedor”, simples começo de prova por escrito do (eventual) negócio jurídico que lhe tenha servido de base? A ação cambiária permanece executiva ou desaparece?”[124]
Pontes de Miranda, energicamente responde de forma negativa a essas indagações.
Assim, o fato de eventualmente poder-se utilizar da ação para entrega de coisa certa e negar existência à ação de imissão na posse, como sustenta José Frederico Marques, mostra-se como uma forma genérica e uma saída que não atende satisfatoriamente o direito material pretendido. Ou seja, mostra-se aqui a especialidade da ação de imissão na posse em relação às outras ações, no sentido de que naquela, requerer-se o bem não apenas por querer, mas, pelo fato de fundar-se em título de direito, que possibilita a requisição da coisa de forma sumária[125], prescindindo-se de nova demanda executiva.
Por este motivo, mostra-se aqui uma vantagem da ação de imissão na posse em relação às outras demandas e que a diferencia da ação para entrega de coisa certa e da ação reivindicatória.
Por outro lado, o que caracteriza uma demanda como executiva, como se viu anteriormente, é se se inclui a questão da legitimidade da posse que demandado exerce sobre a coisa que se reclama em sua res deducta. Assim, é da essência da ação de imissão na posse que o magistrado, ao sentenciar, possa declarar a ilegitimidade do sujeito passivo em relação à coisa, possibilitando, desde logo, a execução sem que se deva propor uma nova demanda executiva.
Pode-se concluir de forma tranquila que a existência ou não da ação de imissão na posse não é assunto que o legislador processual deva se preocupar. Portanto, superada esta discussão, trata-se de averiguar se existem no direito brasileiro contemporâneo, pretensões e ações que ensejem direito à posse, que possam ser tratadas processualmente de forma independente e autônoma.[126] Esta será a problemática a ser minuciosamente discutida e analisada posteriormente.
4.5 NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO DA AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE
4.5.1 Terminologia
Etimologicamente, imissão é signo linguístico provindo de imittere, mittere. O significante imissão, imissio, tem o significado de enviar para, introduzir em. Significa, pois, a introdução de alguém ou algo em um lugar.[127]
Câmara Leal inicia seus comentários criticando a locução imissão de posse e mostrando que o correto seria imissão na posse.[128] A regência correta, por conseguinte, é da preposição em e não da preposição de.[129]
Não se pode admitir, entretanto, a afirmação de Ovídio A. Baptista da Silva que alega que “embora se reconheça razão à crítica de Câmara Leal, julgamos que, nesta altura, será preferível perpetuar o pecado gramatical do que tentar corrigir o engano, tal a sua antiguidade e consagração pelo uso.”[130]
Ora, revela-se de suma importância a retificação terminológica da ação, uma vez que a utilização, de forma errônea, da preposição de (ação de imissão de posse) e não da preposição em (ação de imissão na posse) conduz, como se verá a seguir, ao equívoco de supor que seja a ação de imissão na posse uma ação possessória.
Assim, a adequação terminológica não é visada para satisfazer um nomen iuris que nada significa, haja vista a essência da ação se manter a mesma. Busca-se a referida adequação justamente para evitar equívocos e enganos em decorrência do termo, enganos estes já cometidos diversas vezes por renomados juristas e quiçá um dos motivos determinantes a que levou a ação de imissão na posse a ser classificada como ação possessória atípica.
Portanto, longe de pretender demasiadamente, pensa-se que nunca é tarde para corrigir os equívocos terminológicos, que são, apenas, a primeira pedra no caminho para se chegar à essência da ação de imissão na posse.
Em relação ao que foi visto até o presente momento, resta-nos ainda conceituar a ação de imissão na posse e dar-lhe aplicação prática, pois ressuscitar uma ação por simples conveniência acadêmica não representa o motivo e o sentido deste trabalho.
Entretanto, mostrar-se-á a ação de imissão na posse como um mecanismo hábil e adequado a gerar modificações substanciais na temática a ponto de servir a situações que anteriormente ficavam sem remédio jurídico ou então para situações em que este remédio era mal ministrado.
4.5.2 Natureza jurídica
4.5.2.1 Considerações acerca das ações possessórias e petitórias
A análise de vários conceitos e fenômenos que foram demonstrados para se chegar à conclusão de que a ação de imissão na posse sempre existiu já nos dá segurança para tratar de forma tranquila e com mais familiaridade a questão acerca de sua natureza jurídica.
Tratou-se de forma clara da diferença da ação de imissão na posse com relação às ações possessórias quando abordou-se as tutelas possessórias romanas em tópico anterior. Ainda assim, veja-se o exemplo esclarecedor dado por Vilson Rodrigues Alves acerca do tema:
“Se X é titular de direito à posse sobre o imóvel Y e pretende ter a posse a que tem direito, sobre Y, da violação a esse direito não será irradiada ação possessória, em que pese a entendimentos doutrinários adversos, porquanto na causa do pedido de posse não está ofensa a posse, tutelável por meio das ações interditais possessórias referida no artigo 1.210 do Código Civil de 2002. Diversamente, se Z ofende a posse de X sobre o bem imóvel Y, por exemplo, com esbulho por meio de violência ou clandestinidade (Código Civil de 2002, artigo 1.208, 2ª parte), a pretensão de X, de hipótese restrita com o pedido de sua restituição, será possessória, mas não será petitória.”[131]
Assim, razão assiste a Darcy Bessone que afirma que “o discrime conceptual, em verdade, está na causa de pedir”.[132] Ou seja, enquanto que as ações ditas possessórias fundam-se na lesão da posse do possuidor, a ação de imissão na posse funda-se no direito à posse e visa o ingresso nela.
Findas as devidas distinções entre o ius possessionis e o ius possidendi, necessário será, entretanto, pontuar precisamente as distinções entre a ação de imissão na posse e ação reivindicatória.
Precisamente, verifica-se na ação de imissão na posse três características que a distinguem da ação reivindicatória, são elas: primeiro, a ação de imissão na posse, ao contrário da ação reivindicatória, nem sempre tem como fundamento o domínio, podendo ter como causa de pedir um negócio jurídico, ou então, um direito real que garanta direito à posse, tais como a enfiteuse, usufruto, uso, promessa de compra e venda e habitação; a segunda diferença está no fato de que a ação de imissão na posse será sempre uma forma originária de aquisição da posse, ao passo que ação reivindicatória será dada àquele que tinha e perdeu a posse; por fim, outra diferença entre a ação de imissão na posse e a demanda reivindicatória consiste na justidade ou não da posse do legitimado passivo. Isto significa, nas palavras de Paulo Tadeu Haendchen e Rêmolo Letteriello que:
“A justidade da posse (Código Civil de 2002, artigo 1.200, verbo: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”), ou sua injustidade, tem pertinência se a ação de direito material de que se trata é a ação executiva de reivindicação, mas não tem relevância jurídica se a pretensão do legitimado ativo foi deduzida em ação executiva de imissão de posse.”[133]
Logicamente, haverá o juiz de confrontar a posse própria do réu com a posse a que se julga com direito o autor, para definir a que há de prevalecer.[134]
Em relação à natureza petitória, convém esclarecer mais uma vez que ambas as ações, de imissão na posse e reivindicatória, possuem natureza petitória, fundamentando-se em direito e não em fato, onde aquele pode advir de direito real de propriedade ou então de negócio jurídico ou direito real que não seja o de propriedade, mas que garanta, igualmente, direito à posse.
Vilson Rodrigues Alves, em sua obra acerca do tema, entretanto, entende de forma diversa. Utilizando como fundamento as Institutas de Gaio, afirma que “nas Instituições de Gaio, petitória era a fórmula em cujo pedido, intentio, o autor afirmava ser sua a coisa: petitória autem formula haec est, qua actor interndit rem suam esse”.[135]
Ou seja, pretende-se sustentar com isto que somente a ação imissiva na posse que tenha como razão o domínio possui natureza petitória. Entretanto, em passagem seguinte, afirma o mesmo autor que “Nessa orientação, a ação executiva de imissão na posse será petitória se o legitimado ativo agir como titular de um direito real que, conferindo-lhe ius possidendi, lhe propicie pretensão a obtenção da posse nova”.[136]
Ora, num dado momento afirma o autor que terá natureza petitória a ação de imissão na posse embasada em direito de domínio, e noutro dado momento, logo em seguida, pretende que o fundamento dado pelas Institutas de Gaio se aplicam também aos direitos reais que não sejam o de propriedade, o que, certamente, gera um contra-senso.
Pretende ainda o autor sugerir que a ação de imissão na posse, quando fundada em direito obrigacional, tenha natureza dita não-possessória e não-petitória, ou então, nas palavras do próprio autor “[…] não sendo petitórias, também não no são possessórias, razão que figuram num tertium genus, ações de direito material não-possessórias nem petitórias.”[137]
Ademais desta colocação, a respeito da criação de um “terceiro gênero”, convêm frisar que a maior preocupação deste trabalho é afastar a ação de imissão na posse da velha e já reprovada classificação de ação possessória atípica, que, como já vimos e revimos, carece de sustentação lógica, porquanto a qualificação da natureza como possessória poderá dar ensejo à fungibilidade em caso de erro na propositura da ação devida, intentada pelo autor, o que não acontece nas ações petitórias.
Assim sendo, apesar de se respeitar a doutrina de Vilson Rodrigues Alves, filia-se, neste momento, à doutrina de Ovídio A. Baptista da Silva, que considera como ações petitórias aquelas fundadas em direito à posse, as diferenciando das possessórias, fundadas em fato da posse.
Confirma este entendimento o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, pelo qual se firmou o seguinte entendimento:
“AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INSTRUMENTO PARTICULAR. REGISTRO. NULIDADE. SÚMULAS Nº 05 E 07 DA CORTE. 1. Não é necessário o registro para o ingresso da ação petitória de imissão de posse, na forma de precedente da Corte. 2. Não incide o art. 134 do Código Civil tratando-se de compromisso de compra e venda. 3. A existência de alvará judicial para o inventariante outorgar a escritura definitiva aos autores é forte o suficiente para afastar a alegada nulidade do instrumento de promessa de compra e venda. 4. Arrimado na prova dos autos e na interpretação do contrato o Acórdão recorrido não pode sofrer o ataque do especial, presentes as Súmulas nº 05 e 07 da Corte. 5. Recurso especial não conhecido”. “grifos nossos”. [138]
Ora, se não houve registro do instrumento particular de promessa de compra e venda e mesmo assim ainda se tem ação de imissão na posse, importa em reconhecer que o instrumento particular que representa, neste caso, uma relação de direito obrigacional, um negócio jurídico sem eficácia real, e que, ainda assim conserva sua natureza petitória, não merecendo ser acolhida a teoria do tertium genus.
4.5.2.2 Ação de direito real e de direito pessoal
Na lição de Vilson Rodrigues Alves, a ação de imissão na posse apresenta-se como de ação real sempre que no suporte fático, ou seja, sempre que tiver como causa de pedir a titularidade de direito de possuir decorrente de direito real, entretanto, terá natureza pessoal sempre que o direito de possuir tiver como fundamento direito obrigacional.[139]
Entretanto, a afirmação é imprecisa, porquanto nas ações pessoais pede-se a obrigação, ao passo que nas ações reais “se pede a coisa”. Desta forma, as ações que visam a aquisição, recuperação, proteção da posse são ações reais, mesmo que não se fundem em direitos reais, pois estas ações não visam o cumprimento de obrigação, mas sim, aquisição, recuperação ou proteção da coisa.
Assim é o caso da ação de imissão na posse, que em todos os casos, seja ela fundada em direito real ou seja ela fundada em direito obrigacional, terá natureza de ação real, visando sempre a aquisição possessória originária do bem.
4.5.2.3 Ação materialmente sumária e procedimentalmente comum
Viu-se então que a ação de imissão na posse, para que seja considerada ação pela doutrina e pela jurisprudência, deve conter algo de especial, que a diferencia dos institutos possessórios e também, principalmente, da ação reivindicatória.
Neste sentido, o que individualiza a ação de imissão na posse é o direito material e não processual, ou seja, apesar de ter sido suprimida do Código de Processo Civil de 1973, não significa que ela não exista.[140]
Assim, temos que a ação de imissão na posse possui, materialmente, natureza sumária, que nas palavras de Ovídio A. Baptista da Silva significa:
“O que caracteriza a sumariedade material de uma determinada ação é a separação entre a ação e as correspondentes exceções que o demandado poderia – se ela fosse plenária – opor à sua procedência. Em vez da faculdade que o ordem jurídica [sic] confere ao demandado de valer-se de todas as defesas que lhe possam socorrer, nas ações materialmente sumárias, muitas dessas objeções, que poderiam ser empregadas como defesas, terão de ser utilizadas pelo demandado em demanda posterior independente, tornando-se, portanto, questões de outra lide de sentido inverso, de que o demandado, tendo sucumbido no sumário, poderá valer-se para desfazer o resultado prático que lhe fora adverso.”[141]
Desta forma, evidencia-se o seu caráter materialmente sumário, no sentido de limitar a defesa do demandado, assim como nas ações cambiárias. Isto porque a tutela do direito à posse deve ser dotada de maior satisfatividade, apesar de fundar-se em direito e não em fato, como as ações possessórias.
Para a obtenção desta satisfatividade, entretanto, faz-se necessário também que a ação de imissão na posse seja executiva lato sensu, ou seja, a decisão a ser proferida pelo magistrado deverá declarar a ilegitimidade da posse do sujeito passivo, não havendo que se falar, neste momento, em nova ação de execução, mas sim de execução no próprio processo da demanda[142]. A ação de imissão na posse deve ser um meio rápido de satisfazer o direito à posse. Assim, acredita-se que a ação de imissão na posse, no que tange ao procedimento, à forma, tramitará pelo rito comum, ordinário ou sumário.
Percebe-se que existe um grande temor no que diz respeito à definitividade da ação de imissão na posse – que necessita de forma urgente ser superado – ainda que sendo uma ação petitória. Há uma negação ao que diz respeito a demandas materialmente sumárias e definitivas. Nas palavras de Ovídio A. Baptista da Silva:
“[…] desembaraçando-se o procedimento de formalidade supérfluas, passou a significar, no direito moderno, busca incessante da “verdade material”, numa equivalência entre verdade e justiça, como se esta só pudesse ser atingida depois da mais ampla exaustão, por todos os meios imagináveis da pesquisa da verdade, o que, naturalmente, fazia com que um dos pólos da ideia de direito pesasse desmesuradamente, a ponto de aniquilar o próprio sentido ontológico de conceito.”
Evidente que se passou a ter aversão de tudo que fosse materialmente sumário e definitivo[143] ao mesmo tempo, como se esta combinação fosse sinônimo de falta de segurança jurídica, além de “soar” sempre como injusta a sentença que supostamente tenha se baseado em fatos que não sejam a verdade material, ou verdade real. É assim que pensam os que são contra a sumariedade material da ação de imissão na posse.
Ademais, esclarece Vilson Rodrigues Alves que:
“No campo do direito material permaneceu e permanece incólume a ação de imissão na posse, que em razão da falta de expressa previsão no Código de Processo Civil atual, no que concerne ao rito a ser seguido pelo respectivo processo, há de reger-se pelo procedimento comum, em conformidade com o artigo 271, seja ele o procedimento ordinário, seja ele o procedimento sumário, de acordo com o artigo 272.”[144]
E complementa Ovídio A. Baptista da Silva, ensinando que:
“A circunstância de ter-se de tratar a demanda pelo rito ordinário ou sumário não pode ter a virtude de transformar-lhe o petitum, de sorte a reduzi-lo a simples pedido de condenação. O objeto da ação permanece o mesmo e corresponde, qualquer que seja o procedimento adotado, ao pedido de ingresso forçado na posse; e a resposta jurisdicional contida na sentença só pode corresponder à rejeição desse pedido, ou à execução dele.”[145]
Assim, tem-se a ação de imissão na posse como de natureza materialmente sumária e procedimentalmente comum, ordinária ou sumária[146], sendo uma demanda petitória e definitiva, posto que, como vimos, discute-se direito (à posse) e não fato, como as ações possessórias.
4.5.3 Pressupostos
Analisando-se a ação de imissão na posse, especialmente as suas peculiaridades e especialidades, conclui-se pela existência de três pressupostos fundamentais, vamos a eles:
4.5.3.1 Direito de possuir
Verificou-se, anteriormente, que na causa de pedir da ação de imissão na posse, seja qual for o direito de que emana o direito à posse, esta mostra-se sempre como um requisito para ação, o que a diferencia das ações possessórias.
José de Oliveira Ascenção esclarece que:
“O direito de possuir, assim, tanto pode ter sido outorgado ao adquirente por conter-se noutro direito ingressado em sua esfera jurídico-patrimonial, real, como quanto pode ter sido outorgado ao adquirente por conter-se noutro direito ingressado em sua esfera jurídico-patrimonial, pessoal.”[147]
Ou seja, o direito à posse pode nascer em decorrência do ingresso de um direito real na esfera do sujeito ativo, ou então, pode nascer em decorrência do ingresso de um direito pessoal, ou seja, em função de negócio jurídico que outorgue direito à posse, além de, obviamente, do ingresso do direito real de propriedade.
4.5.3.2 Tença do legitimado passivo
A pretensão decorrente de direito a imissão na posse será infundada se o bem não se acha na tença de outrem, que será necessariamente o sujeito passivo da ação imissiva.[148]
Tença é poder fático sobre o bem, ora autônomo, ora dependente.[149] Ou seja, a tença abrange tanto o possuidor quanto o servidor da posse, o detentor. Assim, a ação de imissão na posse exige como pressuposto fundamental, que seja o sujeito passivo possuidor ou servidor da posse do bem.
Ademais, como já afirmado anteriormente, a justidade da posse não constitui-se como requisito, podendo ingressar o autor tanto em face do sujeito passivo que tenha posse justa, tanto quanto em face daquele que tenha posse injusta. Obviamente, em caso de havendo justo título para a posse do sujeito passivo, caberá ao magistrado a análise dos dois títulos, o do autor e o do réu, para que se eleja o melhor título.
4.5.3.3 Forma originária de aquisição possessória
Por fim, revela-se a ação imissiva como uma verdadeira demanda que visa o ingresso daquele que tem direito de possuir em face daquele possuidor ou servidor da posse.
Esta característica especial, oriunda das interdicta adipiscendae possessionis, que visa a obtenção de uma posse que não se tinha ainda, é fundamental para distingui-la das ações petitórias reivindicatórias e das possessórias, em que se tem a perda da posse[150] e tentativa de recuperá-la, fazendo valer o autor o seu direito de sequela fundado sempre no domínio.
Ademais, há grande incongruência na seguinte teoria que busca alargar os casos de cabimento da ação de imissão na posse:
“No Direito Brasileiro, que adotou quase na totalidade a teoria objetiva de Ihering, a posse pode ser compreendida como o exercício de fato de um dos poderes inerentes à propriedade, de acordo com o artigo 1.196 do novo Código Civil (artigo 485 do Código Civil de 1916). Como conseqüência da adoção dessa teoria pelo nosso sistema, observa-se que a qualidade de possuidor pode ser atribuída a muitas pessoas, uma vez que ela é verificada não pelo animus domini, como propunha Savigny, mas pela utilização econômica que se dá ao bem. Ou seja, de acordo com a lição de Orlando Gomes, vemos que “a doutrina objetiva admite tranqüilamente a posse por outrem, já que não exige a intenção de dono para que alguém seja possuidor. Permite, assim, o desdobramento da relação possessória como um processo normal, que resulta da diversidade de formas da utilização econômica das coisas.” Com isso, também ganham relevância os conceitos de posse direta e indireta. De acordo com o disposto no artigo 1.197 do Novo Código Civil o possuidor direto é aquele que tem a coisa em seu poder e sua posse não anula a do possuidor indireto. Este, por sua vez, tinha posse plena, mas por ocasião de um negócio jurídico, viu sua posse ser dividida, mantendo consigo apenas a posse indireta. Dessa forma, conclui-se que o possuidor indireto não exerce poder de fato sobre a coisa, tendo uma posse ‘incompleta’, pois a posse que antes era una, passou a ser escalonada. Por isso, considerando a hipótese do possuidor indireto, repito, que nunca tenha exercido poder fático sobre o bem, desejar exercê-lo, pode ele valer-se da ação de imissão de posse. Com base nessas considerações, verifica-se que o conceito da ação de imissão de posse pode ser ampliado, sendo ela, portanto, não só o meio processual pelo qual se busca a obtenção da posse por quem jamais a teve, como também a demanda destinada a aquisição de posse efetiva no plano fático. Em casos como esse, a finalidade da ação será a investidura do possuidor na posse direta, eis que a indireta já foi obtida pelo título. Diante desse novo conceito, abre-se a possibilidade de ampliação dos casos de cabimento dessa ação.”[151]
Rebate esta teoria Vilson Rodrigues Alves, ao afirmar que:
“[…] exclui a irradiação da ação de imissão na posse o ter o legitimado ativo adquirido a possibilidade de assumir e exercer faticamente a senhoria do bem imóvel. Se ocorre isso entende-se ter-se ele incursionado na posse do bem, de modo a não ter mais ação executiva de imissão nessa mesma posse. Qualquer ofensa é, nesta ótica, ofensa à posse, que se repara com as ações interditais possessórias mandamentais de proibição e de manutenção, bem assim com a ação interdital possessória executiva de recuperação.”[152]
Ora, a crítica de Vilson Rodrigues Alves coaduna-se precisamente com o que Orlando Gomes ensina, pois para este:
“O adquirente já é, no entanto, possuidor por haver adquirido a posse mediante tradição ficta; nesse caso, o terceiro estará possuindo injustamente e, portanto, o fato de deter a coisa pode ser considerado esbulho, cabendo, assim, a ação de reintegração.”[153]
Assim, não resta dúvida de que o possuidor indireto não poderá manejar ação de imissão na posse, uma vez que já o é possuidor, ainda mais diante da previsão do artigo 1.204 do Código Civil de 2002, in verbis: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”. Assim, adquire-se a posse não no momento em que se efetiva o seu exercício, mas sim, a partir do momento em que este exercício é possível, ou seja, será possuidor (indireto ou mediato) aquele que tiver virtualmente o exercício de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
Esclarece ainda, Orlando Gomes que:
“[…] antes da codificação de 2002, para que a posse fosse adquirida era necessário: a apreensão da coisa, fatos ou qualquer um dos modos de aquisição enumerados no artigo 493, ao passo que, a partir da vigência do novo diploma, basta o exercício em nome próprio.”[154]
Portanto, em caso de o sujeito ativo adquirir a posse, ainda que indireta, deverá se utilizar do remédio jurídico adequado, que neste caso se mostra como sendo a tutela possessória.
4.5.4 Conceito
Diante das considerações acerca de sua natureza jurídica, pode-se conceituar a ação de imissão na posse como sendo aquela ação petitória real que satisfaça de modo rápido o direito à posse, sempre pretendendo posse nova e em face do possuidor ou servidor da posse do bem, tenham estes título justo ou não.
Assim, não pode confundir-se com as ações possessórias, pois o sujeito ativo não foi molestado em sua posse, pelo simples fato de sequer ter posse, e ser a posse justamente o que se busca, assim, mostra-se, definitivamente, a ação de imissão na posse como ação de natureza petitória[155] e não possessória, pois se funda em direito e não em fato[156].
Além disso, diferencia-se da ação reivindicatória, uma vez que esta, também de caráter petitório, sempre fundar-se no domínio[157], ao passo que na ação de imissão na posse, o direito à posse pode não provir da condição de proprietário do autor e sim estar fundado em relação contratual ou legal que lhe dê a pretensão a imitir-se na posse mesmo não sendo proprietário.[158] Desta forma, se há direito de possuir, mas não direito de domínio, nasce a ação de imissão na posse.[159]
Ademais, mostra-se a ação reivindicatória como a demanda eficaz para fazer valer o direito de sequela, retomando a coisa com quem quer esteja, ao passo que a ação de imissão na posse faz valer o direito originário à posse, ou seja, é o ingresso, daquele que tem direito à posse na posse do bem, que nunca experimentou anteriormente, sendo uma verdadeira forma originária de aquisição possessória.
Desta forma, demonstrada natureza jurídica e o conceito da ação de imissão na posse, pode-se verificar os campos de sua incidência. Entretanto, dedicar-se-á o derradeiro tópico desde trabalho justamente para estudar e analisar de forma minuciosa o campo prático da ação imissiva.
4.6 HIPÓTESES DE CABIMENTO DA AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE
Pode-se demonstrar de forma clara os fundamentos que possam, eventualmente, ensejar, a propositura da ação de imissão na posse, ou seja, os títulos que dão direito à posse. São eles:
4.6.1 Direito de possuir decorrente de direito obrigacional
A ação de imissão na posse que nasce para o titular de direito de possuir decorrente direito obrigacional, que não será nem possuidor e nem proprietário do bem, vem para fazer valer este direito.
Deste modo, qualquer que seja o negócio jurídico que atribua ao adquirente do direito pessoal o direito à posse, nasce ao outorgado a ação imissiva. Nos contratos consensuais, o pacto de outorga do direito à posse dá ação de imissão.[160]
Assim, a título de exemplo, o locatário poderá intentar ação de imissão na posse em face do locador que se recusa a transferir a posse, para haver a posse que o contrato de locação lhe confere direito.
4.6.2 Direito de possuir decorrente de direitos reais
Quando estamos a tratar do direito à posse que decorre de direito real que não seja o de propriedade, tais como a enfiteuse, usufruto, uso, promessa de compra e venda e habitação, a única ação cabível para satisfazer este direito à posse também será a ação de imissão na posse, pelo mesmo motivo analisado na hipótese anterior, ou seja, não possui o promitente-comprador ou o usufrutuário título de domínio para ingressar com a ação reivindicatória, devendo-se valer da ação de imissão na posse.
Quando estes direitos reais forem devidamente registrados, adquirindo oponibilidade erga omnes, dúvidas não restam em relação à sua eficácia de gerar direito à posse. Aqui, o direito à imissão na posse é decorrência do negócio jurídico de aquisição do direito real.[161]
Deste modo, a título de exemplo, o compromisso de compra e venda, além de ensejar obrigação de fazer consistente no dever de outorga da escritura pública como ato devido, impõe ao alienante uma obrigação de dar ao adquirente a posse da coisa compromissada.[162] A partir da sua celebração, tem o adquirente o direito de se assenhorear do bem imóvel compromissado, ainda que de forma mitigada, continuar sob a titularidade do alienante.[163]
Assim, Valter Farid Antonio Junior ensina que:
“Com efeito, o fato de ainda não ser formalmente proprietário da coisa não impede a propositura da referida ação que, por ser destinada ao adquirente de bem imóvel, pode ser manejada pelo compromissário comprador para que a obrigação de dar decorrente do contrato – acesso à posse da coisa – se concretize. E isso independentemente da quitação do preço, já que o termo inicial do cumprimento da obrigação de dar ínsita ao compromisso de compra e venda é a data da sua celebração.”[164]
Vale salientar ainda que o direito à posse decorrente de direito real que não seja o de propriedade realizado por instrumento particular, ou seja, aquele que não sendo devidamente registrado no Registro Imobiliário, ainda assim, tem eficácia para fazer valer o direito à posse.
A este respeito, muito bem explica Valter Farid Antonio Junior que neste caso:
“Trata-se de prerrogativa que deriva da eficácia obrigacional da avença, e como tal, não se relaciona com o direito real de aquisição decorrente do seu registro, destinado a evitar que novos atos de alienação do mesmo bem sejam reputados eficazes. Afinal, se por um lado o compromitente comprador tem o dever de pagar pontualmente o preço, em contrapartida também tem o direito de, desde logo, usar e gozar a coisa de forma desembaraçada, por ser essa a causa determinante da celebração desse negócio jurídico.”[165]
Ou seja, neste caso o fundamento da ação de imissão na posse, a sua causa de pedir não será o direito real que não seja o de propriedade, mas sim, o direito à posse decorrente de negócio jurídico entre as partes.[166]
4.6.3 Direito de possuir decorrente de direito real de propriedade
Outra hipótese, e esta a mais tormentosa, é aquela que há direito à posse fundado no domínio. Isto porque, nesta hipótese, há possibilidades diferentes que possibilitam ou a propositura de ação de imissão na posse, ou de ação reivindicatória ou ainda as duas, ficando a escolha ao interessado a opção, de acordo com seu interesse.
Haverá a necessidade da propositura da ação de imissão na posse quando o direito à posse decorrer do domínio, e que, neste caso, tenha como finalidade a aquisição originária da posse do bem, devendo ser a ação proposta sempre em face daquele que tem a tença do bem, seja ele o alienante, seja ele um terceiro.
Na hipótese em que haja direito à posse decorrente do domínio, seja porque o interessado tinha posse e a perdeu, seja porque pretende intentar ação contra o alienante que não tem posse, a ação a ser proposta será sempre a reivindicatória, com fulcro de discutir a propriedade e, consequentemente, requerer a sua posse.
Assim, bem explica Marcos Afonso Borges que a ação reivindicatória distingue-se da ação de imissão na posse, também de natureza real porque na primeira
“O autor pede domínio e posse, e o réu pode opor-lhe toda e qualquer defesa sobre um e outra, inclusive pedir seja ele, réu, reconhecido como dono. Na imissão, o autor não pretende discutir a propriedade, que tem como certa e como tal tem que prová-la initio litis; nem admitirá qualquer discussão sobre o ius possessionis. Pretende, apenas, a consolidação em concreto do ius possidendi que adquiriu, e o réu pode opor-lhe somente a nulidade da aquisição, ou justa causa para retenção da coisa.”[167]
Ainda, explica Ovídio A. Baptista da Silva que:
“[…] poderá alguém estar legitimado para a reivindicatória e não dispor da imissiva na posse seja porque, não a tendo a pessoa de quem o proprietário houvera a coisa, seria ineficaz o acordo de transmissão da posse entre ambos assinado; seja finalmente porque haja o proprietário tomado posse vindo a perdê-la depois para outrem, ou para o próprio alienantes. Se o transmitente transfere domínio, e obriga-se a transferir também a posse que, todavia, não mantém sobre a coisa […].”[168]
Assim sendo, será o caso daquele que adquire um bem, e que ainda antes da tradição, tem direito de possuir fundado no domínio, porém que ainda não recebeu o bem, e intenta ação imissiva para consolidar o seu direito de domínio com o seu direito de posse. Cabe verificar, a título de exemplo, uma situação peculiar, que é o caso do direito à posse que decorre do direito sucessório, vejamos:
A abertura da sucessão se dá com a morte e, no Direito brasileiro, domínio e a posse da herança se transmitem imediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários, em conformidade com o disposto no artigo 1.572 do Código Civil, configurando-se a aplicação do princípio da saisine.[169]
Desta maneira, poderíamos facilmente concluir pela não possibilidade de interposição da ação de imissão na posse diante do fato de os herdeiros já serem possuidores do bem e assim, terem a faculdade de manejar ação possessória para a sua restituição.
Pois bem, apesar disto, há possibilidade dos herdeiros utilizarem-se da ação imissiva, haja vista que o autor da herança, não obstante transmitir o bem pelo princípio da saisine, não ser, ao tempo de sua morte, possuidor, e assim, conforme o artigo 1.206 do Código Civil, “a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”.
Ora, se o autor da herança não tinha posse ao fato de sua morte, com esta, transfere apenas o domínio dos bens aos herdeiros, que, não sendo possuidores, mas sim, proprietários do bens, buscarão esta posse por meio da ação de imissão na posse.
Além disto, existe outra situação em que o direito à posse é direito que compõe o acervo patrimonial do de cujos, e neste caso, se transfere aos herdeiros da mesma maneira. Muito bem explica e exemplifica Josiane Guarnier da Costa ao esclarecer que:
“Dispõe o artigo 1.206 do novo Código Civil que “a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”. Ou seja, “se o de cujus não tinha posse e precisava pedi-la, tal direito se transmite aos herdeiros que receberam, no caso, o direito à posse, e não posse.” Logo, nesses casos, há que se investigar se o sucessor obteve realmente posse ou apenas o direito de pedi-la. Por exemplo, imaginemos a situação em que A prometeu vender a B um determinado imóvel, convencionando as partes que B seria imitido na posse 60 dias após a celebração do contrato. Ocorre que, passados 10 dias da data da assinatura do contrato, B vem a falecer. Por força do art. 1.784 do novo Código Civil, o direito à posse de B foi transmitido aos seus sucessores, porém, decorrido o prazo estipulado no contrato (60 dias), A nega-se a entregar aos herdeiros de B a posse do imóvel. Ora, por óbvio está caracterizado o cabimento da ação imissiva, pois B ainda não havia sido imitido na posse, transferindo aos sucessores, por ocasião de sua morte, apenas a pretensão de ser imitido na posse do imóvel prometido a venda.”[170]
Sendo assim, não resta dúvida de que a única ação possível para os herdeiros será a ação de imissão na posse, visto que não são possuidores, mas proprietários com direito à posse que sem nunca experimentaram anteriormente. Assim, mostra-se a ação imissiva como o remédio jurídico adequado para satisfazer o direito material à posse.
Situação mais emblemática será, todavia, aquela em que há a possibilidade dada ao autor de intentar uma ou outra ação, ficando a sua opção o que melhor lhe convir. Assim, é a situação daquele que preenche os requisitos para a ação imissiva fundada em domínio, neste caso, explica Ovídio A. Baptista da Silva que:
“[…] em certos casos, o adquirente (proprietário) poderá escolher entre a imissão de posse a reivindicatória, conforme julgue de seu interesse controverter apenas seu direito à posse, derivado do contrato ou de outro qualquer negócio jurídico, ou entenda mais conveniente fundar a demanda na propriedade ou outro direito real, trazendo para o debate, como pressuposto da ação, o direito à posse fundado no domínio.”[171]
Ou seja, caberá ao autor verificar se há a necessidade de controverter o seu direito de possuir fundado no domínio, situação em que deverá utilizar-se da ação reivindicatória, que é ação plenária e campo hábil para a discussão da propriedade em si, ao passo que deverá promover ação de imissão na posse, ação materialmente sumária, em caso de buscar apenas a concretização do seu direito à posse, porquanto dúvidas não pairam a cerca da certeza de seu domínio.
CONCLUSÃO
Iniciou-se este trabalho com imensa desconfiança acerca da existência da ação de imissão na posse. Esta desconfiança, fundada em diversos fatores, passou por problemas em relação ao reconhecimento do processo de execução como atividade jurisdicional, pela problemática envolvendo a distinção feita por nós entre ação de direito material e “ação” de direito processual, indicando que aquela se trata de um agir em face do Estado e inerente a qualquer pessoa, ou seja, é o seu direito de buscar uma resposta do Poder Judiciário, e esta é a ação em face do obrigado para fazer valer o direito material do sujeito ativo.
Ademais, supunha a doutrina clássica, diante da supressão da ação de imissão na posse do Código de Processo Civil de 1973 que a referida ação não existia mais no sistema jurídico brasileiro.
No entanto, demonstrou-se o vacilo da doutrina, que, por sua vez, influenciada pela teoria eclética da ação idealizada por Enrico Tulio Liebman, não soube diferenciar as ações de direito material e de direito processual.
O Código de Processo Civil de 1973, como viu-se, apenas elidiu o procedimento especial da ação de imissão na posse que era previsto pelo Código de Processo Civil de 1939.
Diante das duras críticas que a ação imissiva sofreu, em decorrência do equívoco de não se diferenciar direito material e direito processual, a ação de imissão na posse subsistiu, porquanto nunca deixou de existir. Isto porque o legislador processual não detêm competência para eliminar um direito material, implicando na mantença da ação imissiva no sistema jurídico brasileiro.
A despeito disto, o legislador processual apenas lhe retirou a especialidade procedimental, mantendo intacta a sua natureza material que apenas necessitava de uma devida organização e sistematização para emergir.
Neste sentido, buscou-se encontrar a verdadeira natureza jurídica e o verdadeiro conceito da ação imissiva, a começar pela sua natureza processual e posteriormente, sua natureza material.
Em relação a sua natureza processual, verificou-se que a ação de imissão na posse, em verdade, constitui-se como uma ação executiva lato sensu, porquanto se demonstrou a existência e a pertinência da classificação das ações em declaratórias, constitutivas, mandamentais e executivas lato sensu, que, assim como se verificou, englobam a ação condenatória.
Desta forma, a ação será executiva quando a sentença declarar a ilegitimidade da posse do sujeito passivo, e, em contrapartida, será executiva-condenatória quando exigir uma segurança jurídica maior para o executado, pois, como a sentença não declarará a ilegitimidade da posse do réu, a execução exigirá uma garantia maior nos atos expropriatórios.
Assim, procedeu-se a uma explicação convincente para alguns fenômenos jurídico-processuais que eram considerados rebeldes ao sistema normativo.
Procurou-se encontrar o verdadeiro conceito de ação, porquanto entender-se que referido conceito constitui um importante e imprescindível ponto para o estudo de todo o direito processual civil. Este ponto é dedicado principalmente aos iniciantes e também veteranos estudiosos do direito processual civil, uma vez que, na maioria das vezes, o estudante de direito nega prioridade a este conceito por considerá-lo demasiadamente abstrato.
Além do mais, longe de esbarrar no excesso de abstração, procurou-se ainda fixar o estudo da ação voltado para o dia-a-dia do profissional do direito, ou seja, visou-se determinar o verdadeiro conceito de ação para justamente entendermos o que se configura como requisito essencial ou não diante do que se entende por ação.
Determinados os verdadeiros conceitos de ação, pretensão e de direito subjetivo, em seus aspectos processuais e materiais, passou-se a estudar detidamente a natureza material da ação imissiva, o que também demandou longa análise expositiva.
Para tanto, buscou-se nas antigas formulas romanas a antecessora da ação de imissão na posse que conhecemos hoje. Assim, encontrou-se a chamada interdicta adipiscendae possessionis, formula romana que visava a aquisição da posse por aquele que nunca a tinha experimentado ainda.
Nesta esteira, com fundamento na antiga fórmula romana, passou-se a buscar outros elementos para justificar a existência material da ação imissiva.
Assim, a ação de imissão na posse é uma ação que existe no ordenamento jurídico brasileiro, porque possui elementos que a identificam e que a especializam em relação às demandas possessórias e a ação petitória reivindicatória. Diferencia-se em relação das ações possessórias porque a ação imissiva é ação de quem ainda não tem posse, ou seja, não é ação que visa a proteção da posse, tal qual as possessórias, mas sim a sua aquisição, assim, fundam-se as ações possessórias no ius possessionis, ao passo que ação imissiva funda-se no ius possidendi.
Desta forma, conclui-se que ação de imissão na posse é fundamental para alguns casos em que tanto as ações possessórias quanto a ação reivindicatória não satisfazem de forma coerente as pretensões materiais do sujeito ativo.
Por fim, importante considerar que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, muito pelo contrário, tem como finalidade provocar os estudiosos não apenas da ação de imissão na posse, mas todos aqueles que pretendem estudar a fundo o direito processual civil e os direitos reais.
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Décima sétima Câmara Cível, Apelação Civil n. 0700470-6, Relator: Desembargador Paulo Roberto Hapner, decisão unânime, Paranaguá, data do julgamento: 16 mar. 2011.
Informações Sobre o Autor
Reshad Tawfeiq
Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa.