Resumo: Este trabalho busca desenvolver a questão do exercício da advocacia privada pelos advogados empregados de empresas públicas, notadamente quanto aqueles que se sujeitam ao Regime de Dedicação Exclusiva, comumente adotado por esses entes da Administração Indireta após o advento da Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Palavras-chave: Empresas Públicas – Advogados – Advocacia Privada.
Sumário: Introdução. 1. Inaplicabilidade do Capítulo V do Título I da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB). 2. Aspectos relativos ao regime de dedicação exclusiva. 3. Existência de advogados regidos por diferentes regimes dentro da mesma empresa pública e o poder diretivo do empregador. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Na definição de Marçal Justen Filho[1], Empresa Pública “é uma pessoa jurídica de direito privado, dotada de forma societária, cujo capital é de titularidade de pessoas de direito público e cujo objeto social é a exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público”. O regime de seu pessoal é o celetista, ou seja, incidem as regras da Consolidação das Leis do Trabalho que disciplinam a formação e a rescisão do contrato de trabalho, não sendo aplicáveis, por certo, as regras protetivas especiais do servidores públicos estatutários.
A representação judicial e extrajudicial das Empresas Públicas dá-se por profissionais do quadro jurídico dessas empresas, admitidos por concurso público e obedientes ao regime previsto na CLT. Além disso, posto que integrantes de categoria profissional diferenciada, são regidos por estatuto profissional especial, o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994), que os distingue dos demais empregados da mesma empresa, nos termos do §3º do art. 511 da CLT.
O presente estudo pretende, pois, sem a pretensão de encerrar o debate, enfrentar a temática do exercício da advocacia privada por esses profissionais, assim entendida como aquela exercida fora de suas atribuições, dado que boa parte deles cumpre, por força contratual, regime de dedicação exclusiva.
1. INAPLICABILIDADE DO CAPÍTULO V DO TÍTULO I DA LEI Nº 8.906/94 (ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB)
É fundamental destacar, de início, que o Estatuto da Advocacia da OAB, no capítulo que trata do Advogado Empregado, não é aplicável à Administração Pública direta e indireta, inclusive às empresas públicas, por força do art. 4º da Lei nº 9.527/97:
“Lei nº 9.527/97
Art. 4º As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista. (grifamos)
Estatuto da Advocacia e da OAB
CAPÍTULO V
Do Advogado Empregado
Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.
Parágrafo único. O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego.
Art. 19. O salário mínimo profissional do advogado será fixado em sentença normativa, salvo se ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva.
§ 1º Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte, hospedagem e alimentação.
§ 2º As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, mesmo havendo contrato escrito.
§ 3º As horas trabalhadas no período das vinte horas de um dia até as cinco horas do dia seguinte são remuneradas como noturnas, acrescidas do adicional de vinte e cinco por cento.
Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados.
Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.
A Lei nº 9.527/97 adveio das sucessivas reedições e conversão em lei da MP 1522-2/96, que continha dispositivo de redação idêntica ao hoje vigente art. 4º. Importante destacar que a redação do dispositivo foi atacada, à época, por meio da ADI 1552, tendo sido deferida, inclusive, medida cautelar para suspender os efeitos da norma em relação às estatais que explorassem atividade econômica, em sentido estrito, sem monopólio:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADVOGADOS. ADVOGADO-EMPREGADO. EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. Medida Provisória 1.522-2, de 1996, artigo 3º. Lei 8.906/94, arts. 18 a 21. C.F., art. 173, § 1º. I. – As empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. C.F., art. 173, § 1º. II. – Suspensão parcial da eficácia das expressões “às empresas públicas e às sociedades de economia mista”, sem redução do texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação conforme: não aplicabilidade às empresas públicas e às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, em sentido estrito, sem monopólio. III. – Cautelar deferida.” (ADI 1552 MC, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/04/1997, DJ 17-04-1998 PP-00002 EMENT VOL-01906-01 PP-00088)
A medida cautelar perdeu seus efeitos através de decisão monocrática do Ministro Relator Celso de Mello, datada de 11 de abril de 2002, que julgou prejudicada a ação direta, por perda superveniente de objeto. Posteriormente o dispositivo teve novamente questionada sua constitucionalidade, desta feita pela ADI 3396, que, até a presente data, pende de julgamento, sem que qualquer decisão em caráter precário tenha sido proferida, inclusive. Hoje, portanto, o art. 4º da Lei nº 9.527/97 é vigente e eficaz.
A partir dessa realidade, torna-se possível afirmar que o cumprimento de jornada de quarenta horas semanais por advogados de empresas públicas que não se sujeitam ao regime de dedicação exclusiva não fere o direito posto, visto que o dispositivo do EOAB que veda a carga horária superior a vinte horas semanais nessas condições não lhes é aplicável. Em contrapartida, a exigência de dedicação exclusiva de um advogado de empresa pública que cumpra jornada inferior a quarenta horas semanais também encontra respaldo jurídico, pela mesma razão.
2. ASPECTOS RELATIVOS AO REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA
Os integrantes dos departamentos jurídicos das empresas públicas, em sua vasta maioria, devem obediência ao regime de dedicação exclusiva. Resta perquirir, entretanto, o que vem a ser esse instituto e os efeitos decorrentes de sua definição, dada a omissão do Estatuto da Advocacia e da OAB, que se limitou a dispor sobre a diferença de carga horária (só é possível extrair de seu texto que há dedicação exclusiva se a jornada for superior a vinte horas semanais).
No campo doutrinário, Hely Lopes Meirelles[2] trata apenas dos regimes de “dedicação plena” e de “dedicação integral”:
“O adicional de tempo integral advêm do regime de full-time norte americano e só recentemente foi adotado pela Administração Brasileira. O estatuto federal facultava o estabelecimento deste regime de trabalho “para os cargos ou funções indicados em lei” (Lei 1.711/52, art. 244). A subsequente Lei 3.780, de 12.7.60, permitia sua adoção pelo servidor que exercesse atividades técnico-científicas, de magistério ou pesquisa, satisfeitas as exigências regulamentares, declarando-o incompatível com o exercício cumulativo de cargos, empregos ou funções, bem como de qualquer outra atividade pública ou privada (art. 49 §§).(…)
As esferas públicas estaduais e municipais podem ou não adotar esse regime, variando na porcentagem do adicional e em minúcias para sua concessão. O adicional de tempo integral é, assim, uma vantagem pecuniária ex facto officii, privativo de certas atividades (comumente de Magistério e Pesquisa) e condicionado a determinados requisitos regulamentares. Não é um acréscimo por tempo de serviço, como à primeira vista pode parecer; é um típico adicional de função, auferível em razão do serviço técnico ou científico a ser prestado (pro labore fasciendo) nas condições estabelecidas pela Administração. A ampliação da jornada de trabalho entra, tão somente, como pressuposto do regime, e não como causa da vantagem pecuniária, a qual assenta, precipuamente, na realização de certas atividades que exigem maior assistência do funcionário, que há de ficar integralmente à disposição da Administração, e somente dela. O que caracteriza o regime de tempo integral é o fato de o servidor só poder exercer uma função ou um cargo público, sendo-lhe vedado realizar qualquer outra atividade profissional particular ou pública. Nesse regime a regra é um emprego e um só empregador, diversamente do que ocorre no regime de dedicação plena, em que o servidor pode ter mais de um emprego e mais de um empregador, desde que diversos da função pública a que se dedica precipuamente. (…)
A diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação plena está em que naquele o servidor só pode trabalhar no cargo ou na função que exerce para a Administração, sendo-lhe vedado o desempenho de qualquer outra atividade profissional pública ou particular, ao passo que neste (regime de dedicação plena) o servidor trabalhará na atividade profissional de seu cargo ou de sua função exclusivamente para a Administração, mas poderá desempenhar atividade diversa da de seu cargo ou de sua função em qualquer outro emprego particular ou público, desde que compatível com o da dedicação plena. No regime de tempo integral o servidor só poderá ter um emprego; no de dedicação plena poderá ter mais de um, desde que não desempenhe a atividade correspondente à sua função pública exercida neste regime. Exemplificando: o professor em regime de tempo integral só poderá exercer as atividades do cargo e nenhuma outra atividade profissional pública ou particular; o advogado em regime de dedicação plena só poderá exercer a Advocacia para a Administração da qual é servidor, mas poderá desempenhar a atividade de Magistério ou qualquer outra para a Administração (acumulação de cargos) ou para particulares.
Trabalhando em regime de dedicação plena o servidor fará jus ao adicional de função estabelecido em lei, como compensação pelas restrições do cargo. Este regime só se justifica para aqueles serviços que exigem demorados estudos e pacientes trabalhos técnicos que nem sempre podem ser feitos nas repartições, requerendo do funcionário a preparação ou a complementação em casa ou, mesmo, em biblioteca e locais diversos do da sede do serviço.” (grifo nosso).
Nos casos das empresas públicas que exijam de seus advogados o cumprimento do regime de dedicação exclusiva, pensamos que não é juridicamente viável defender-se que esse regime pressuponha proibição de exercício de qualquer outra atividade, pública ou privada, conceito próprio do regime de tempo integral, conforme demonstrado alhures e no aresto a seguir destacado:
“AÇÃO CIVIL PUBLICA Nomeação para o exercício de cargo em comissão em regime de dedicação exclusiva plena, com recebimento de gratificação de 70% dos vencimentos – Funcionário que mantinha atribuições no Magistério, com horários flexíveis junto à Administração Pública Possibilidade – Regime de dedicação exclusiva plena não tem definição junto a doutrina, no entanto o regime de dedicação plena não se confunde com o regime de dedicação integral, este sim impondo restrições quanto a um outro emprego – Confirmação de que o funcionário cumpria sua jornada diária, ainda que em escala diferenciada, com possibilidade de ser chamado fora de horários, pois ocupante de cargo comissionado – Inexistência de ilicitude e, principalmente, de ato de improbidade administrativa – Sentença mantida – Recursos desprovidos.” (Processo: CR 4626305300 SP Relator(a): Henrique Nelson Calandra Julgamento: 16/12/2008 Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público Publicação: 26/01/2009) (Destacamos)
O próprio Regulamento Geral do Estatuto da OAB, na redação original do art. 12, dispunha que o Regime de Dedicação Exclusiva não impedia o advogado de exercer outras atividades remuneradas, fora dela. O dispositivo não foi repetido na nova redação definida nas sessões plenárias dos dias 16 de outubro, 06 e 07 de novembro de 2000 – DJ, 12.12.00, p. 574, S.1, mas também não foi contradito.
“Art. 12: Considera-se dedicação exclusiva a jornada de trabalho do advogado empregado que não ultrapasse 40 (quarenta) horas semanais, prestada à empresa empregadora.
§ 1º Prevalece a jornada de dedicação exclusiva, se este foi o regime estabelecido no contrato individual de trabalho quando da admissão do empregado no emprego, até que seja alterada por convenção ou acordo coletivo de trabalho.
§ 2º A jornada de trabalho prevista neste artigo não impede o advogado de exercer outras atividades remuneradas, fora dela.” (Destaque nosso)
Nesse sentido, o próprio TST, ao tratar de temas referentes a jornada de trabalho e pagamento de horas extras a advogados, trata com naturalidade a questão do exercício de outra atividade, desde que fora da jornada contratual, o que faz crer que não há qualquer irregularidade nesta conduta:
“RECURSO DE EMBARGOS. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. ADVOGADO EMPREGADO. JORNADA DE TRABALHO. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. CONTRATAÇÃO. O artigo 20, “caput”, da Lei nº 8.906/94, estabelece que a jornada de trabalho do advogado empregado não pode exceder 4 horas diárias ou 20 horas semanais, salvo em acordo ou convenção coletiva de trabalho ou em caso de dedicação exclusiva. O art. 12 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB dispõe que : -Para os fins do art. 20 da Lei nº 8906/94, considera-se dedicação exclusiva o regime de trabalho que for expressamente previsto em contrato individual de trabalho. Parágrafo único: Em caso de dedicação exclusiva, serão remuneradas como extraordinárias as horas trabalhadas que excederem a jornada normal de oito horas diárias”. Quanto ao advogado que celebrou contrato de trabalho com cláusula de dedicação exclusiva, a jurisprudência desta C. Corte é no sentido de não haver direito à jornada reduzida de 4 horas, não cabendo afastar a jornada nesse sentido, quando o reclamante é confesso quanto ao fato de que procedia a atividades particulares apenas após a jornada contratual. Embargos não conhecidos.” (Processo: E-RR 7723822920015035555 772382-29.2001.5.03.5555 Relator(a): Aloysio Corrêa da Veiga Julgamento: 30/06/2008 Órgão Julgador: Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Publicação: DJ 01/08/2008) (grifamos).
A doutrina, por sua vez, também destaca que o regime de dedicação exclusiva previsto no EOAB não segue o modelo da Administração Pública, notadamente aquele aplicável ao magistério superior, que impede o exercício de qualquer outra atividade remunerada em caráter permanente. “Não há impedimento legal para que o advogado, fora de sua jornada, possa exercer outras atividades remuneradas”[3].
Com efeito, a Lei nº 5.539/68, que trata do magistério superior, em seu art. 18, dispõe que “fica proibido ao docente em regime de dedicação exclusiva o exercício de qualquer outro cargo, ainda que de magistério, ou de qualquer função ou atividade remunerada”, ressalvadas as hipóteses de exercício em órgãos de deliberação coletiva, desde que relacionado com o cargo ou função, e de atividades de natureza cultural ou científica exercidas eventualmente, sem prejuízo dos encargos de ensino e pesquisa. O art. 14 do Decreto 94.664/87 determina que o “regime de dedicação exclusiva” a que é submetido o professor da Carreira de Magistério Superior pressupõe o impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada. Daí se concluir que, quando a Lei quis determinar o impedimento para outra atividade àquele que cumpre regime de dedicação exclusiva, assim ela o fez expressamente, o que não se observa no EOAB.
Ainda segundo Paulo Lôbo[4], “não existe apenas um modelo de dedicação exclusiva”, que pode ser entendida sob mais de um aspecto. No caso do magistério de nível superior, como visto, a dedicação exclusiva, por força legal, traduz-se como sinônimo de “exclusividade absoluta”, ou “regime de tempo integral”, não podendo o trabalhador dedicar sua força laborativa a nenhum outro tomador de seus serviços, isto em qualquer circunstância, podendo tal vedação ser adotada tanto na relação jurídica subordinada, regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, como na relação autônoma regida pelo Direito Civil, a exemplo da representação comercial ou do advogado autônomo. Ocorre que, a par desta “dedicação exclusiva absoluta”, pode também ser observada a “exclusividade relativa” na prestação de serviços, quando então veda-se ao trabalhador laborar para outro tomador de serviços no mesmo horário dedicado àquele, no mesmo ramo de atividade ou na venda de produtos concorrentes, permitindo-se, todavia, a prestação de serviços a tomador diverso, desde que ocorra a compatibilidade de horários e que não haja atuação em atividade concorrente ao tomador primitivo[5].
O Estatuto da Advocacia e da OAB, na condição de norma especial, trata expressamente das incompatibilidades e impedimentos a que se sujeitam os advogados:
“CAPÍTULO VII
Das Incompatibilidades e Impedimentos
Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.
Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: (grifamos)
I – chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;
II – membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; (Vide ADIN 1127-8)
III – ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;
IV – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;
V – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
VI – militares de qualquer natureza, na ativa;
VII – ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;
VIII – ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.
§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.
§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.
Art. 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.
Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I – os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;
II – os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.
Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso I os docentes dos cursos jurídicos.”
A leitura atenta desses dispositivos permite que se extraiam algumas conclusões:
a) Quando a Lei quis vedar a advocacia em causa própria, o fez expressamente, como no elenco taxativo do art. 28 do EOAB, no qual certamente não se incluem os advogados de empresas públicas. Reforça esse raciocínio o fato de aos integrantes da carreira da Advocacia-Geral da União ser garantido o direito de advogar em causa própria, nos termos da Orientação Normativa nº 27, de 9 de abril de 2009:
“ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 27, DE 9 DE ABRIL DE 2009
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTERINO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00406.002462/2008-64, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
É VEDADO AOS MEMBROS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E DE SEUS ÓRGÃOS VINCULADOS O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PRIVADA E FIGURAR COMO SÓCIO EM SOCIEDADE DE ADVOGADOS, MESMO DURANTE O PERÍODO DE GOZO DE LICENÇA PARA TRATAR DE INTERESSES PARTICULARES, OU DE LICENÇA INCENTIVADA SEM REMUNERAÇÃO, OU DURANTE AFASTAMENTO PARA O EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO, SALVO O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA EM CAUSA PRÓPRIA E A ADVOCACIA pro bono.
INDEXAÇÃO: ADVOCACIA PRIVADA. LICENÇA. MANDATO ELETIVO. CAUSA PRÓPRIA. PRO BONO.
REFERÊNCIA: art. 28, inc. I, Lei Complementar no 73, de 1993; arts. 28, 29 e 30 da Lei nº 8.906, de 1994; Parecer nº 06/2009/MP/CGU/AGU; Despacho do Consultor-Geral da União nº 524/2009.
EVANDRO COSTA GAMA”
No caso específico dos integrantes da carreira da AGU, a advocacia privada é vedada porque, mais do que uma simples sujeição ao regime de dedicação exclusiva, tem eles contra si a previsão do art. 28 da Lei Complementar nº 73, que expressamente proíbe o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. Se, ainda assim, como visto, é autorizada a advocacia em causa própria para esses servidores, com mais razão há de se entender que a advocacia em causa própria é autorizada aos advogados de empresas públicas.
“Art. 28. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União é vedado:
I – exercer advocacia fora das atribuições institucionais; (grifamos)
II – contrariar súmula, parecer normativo ou orientação técnica adotada pelo Advogado-Geral da União;
III – manifestar-se, por qualquer meio de divulgação, sobre assunto pertinente às suas funções, salvo ordem, ou autorização expressa do Advogado-Geral da União.”
b) O regime de dedicação exclusiva na sua acepção absoluta, sinônimo de regime de tempo integral, conforme tratado acima, não é objeto de presunção, exigindo-se previsão legal ou contratual expressa, como nos casos do art. 29 do EOAB.
c) A possibilidade de exercício da advocacia fora de suas funções, mesmo para aqueles advogados contratados anteriormente ao Estatuto da Advocacia e da OAB, não pressupõe uma autorização para litigar em face da Administração Pública contratante e contra a Fazenda a que está vinculada, por impedimento decorrente do art. 30 do referido diploma.
A partir da consolidação desse entendimento, avultam-se, em princípio, três possíveis interpretações para o regime de dedicação exclusiva fixado para os advogados empregados de empresas públicas, no caso de não existir normativo interno dispondo em sentido contrário:
a)Primeira Interpretação: considerar a dedicação exclusiva em sua acepção absoluta, de forma a vedar o exercício da advocacia privada ou mesmo o exercício de qualquer atividade paralela, pública ou privada. Conforme já delineado linhas acima, entendemos que, na ausência de disposição no contrato de trabalho ou mesmo de regulamentação interna da entidade nesse sentido, essa linha careceria de base, pois importaria em equiparar o regime de dedicação exclusiva ao regime de tempo integral, distintos em sua essência.
Ademais, nas empresas públicas em que os advogados empregados seguem o mesmo Plano de Carreira dos demais empregados de nível superior (chamados comumente de ‘analistas”), essa interpretação importaria em uma indevida distinção, posto que inexistente qualquer discrímen justificador. Ora, os advogados, na hipótese em que tratados sem distinção no Plano de Carreira (situação, aliás, observada em boa parte das empresas públicas), não poderiam ter por limitado seu labor externo sem justificativa consistente (como visto, o Estatuto da Advocacia e da OAB não pode ser invocado, porque inaplicável, neste ponto). Em casos como tais, mostra-se contraditório impor regime dessa natureza sem que a mesma limitação seja estendida aos demais empregados integrantes da mesma categoria aos olhos da empresa. Essa impossibilidade resta ainda mais acentuada nos casos das empresas públicas que não pagam qualquer adicional remuneratório como compensação a um alegado regime de exclusividade absoluta.
b) Segunda Interpretação: considerar a disposição contratual de dedicação exclusiva no sentido de “exclusiva dedicação no período da jornada”, restando permitido o exercício de outra atividade se houver compatibilidade de horários. Quanto ao acúmulo de cargo, emprego ou função pública, este só será permitido nas hipóteses definidas pelo inc. XVI do art. 37 ou se o outro cargo, emprego ou função pública for de tipo não remunerado, desde que, em todos os casos, não exista conflito de horários ou de interesses. Quanto ao exercício de outra atividade privada, há de se exigir também a compatibilidade de horários e a ausência de conflito de interesses, restando vedado o desenvolvimento ou participação em atividades concorrentes à linha de negócio da empresa pública empregadora (se exploradora de atividade econômica).
c) Terceira Interpretação: entender que o Regime de Dedicação Exclusiva previsto para os advogados deve ser tido como uma vedação ao contrato de emprego paralelo, ou seja, proibição de relação empregatícia com outro empregador, mesmo havendo compatibilidade de horários. Nesse caso, o exercício da advocacia como profissional liberal continuaria permitido. Entendemos que esta interpretação encontraria óbice no Princípio da Interpretação Mais Favorável ao Trabalhador, tendo em vista que a segunda interpretação, inegavelmente, é menos gravosa ao empregado.
3. EXISTÊNCIA DE ADVOGADOS REGIDOS POR DIFERENTES REGIMES DENTRO DA MESMA EMPRESA PÚBLICA E PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Questão que desponta, nesta fase do estudo, é a concernente ao possível malferimento do ordenamento jurídico caso se observem duas categorias de advogados dentro da mesma empresa pública, quais sejam, aqueles que se sujeitam ao regime de dedicação exclusiva e aqueles que não devem sujeição a esse regime. A abordagem dessa questão é pertinente naquelas empresas públicas que possuem quadro jurídico preexistente quando do advento da Lei nº 8.906/94, em que convivem advogados que laboram nessas condições diferenciadas.
Caso os dispositivos do Estatuto referentes à jornada de trabalho fossem aplicáveis aos advogados desses entes, por certo elas seriam aplicáveis também aos advogados contratados anteriormente à sua vigência, tendo em vista jurisprudência pacífica do TST nesse sentido:
“HORA EXTRA. JORNADA DO ADVOGADO. CONTRATO ANTERIOR À LEI Nº 8.906/1994. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA CONFIGURAÇÃO. O Tribunal a quo registrou que o Reclamante firmou, antes da vigência da Lei nº 8.906/94, contrato prevendo jornada de 8 (oito) horas. Esta Corte entende que a previsão contratual de 40 (quarenta) horas de trabalho semanais ou 8 (oito) horas diárias, antes da entrada em vigor da aludida Lei, é suficiente à configuração da hipótese de dedicação exclusiva. Por conseguinte, não lhe assiste direito à jornada reduzida de quatro horas. Precedentes”. (E-RR 639751/200.9, Ac. SBDI-1; Rel. Min. Maria Cristina Peduzzi; DJ 30.3.2007).
“HORAS EXTRAS. EMPREGADO ADVOGADO. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. CONFIGURAÇÃO. A Corte, por força do que dispõe o artigo 12, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, que regulamentou o artigo 20 da Lei nº 8.906/94, adota entendimento pelo qual configura-se dedicação exclusiva no caso de a jornada de trabalho ter sido fixada em oito horas diárias ou quarenta horas semanais, ou seja, a dedicação exclusiva decorre do que for expressamente previsto em contrato individual de trabalho. Na hipótese do processo, é fato incontroverso que o Reclamante desempenhou uma jornada de 8 (oito) horas diárias ou 40 (quarenta) horas semanais, pelo que ficou configurada a dedicação exclusiva, que valida a fixação de jornada diversa. Embargos não conhecidos.” (E-ED-RR 28808/1999-015-09-00.5, Ac. SBDI-1; Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula; DJ 9.6.2006).
“ADVOGADO EMPREGADO HORAS EXTRAS REGIME DE EXCLUSIVIDADE. A Decisão da Turma, pela qual o advogado, cuja contratação se deu anteriormente à edição da Lei nº 8.906/94, para jornada de trabalho de 40 horas semanais, sujeita-se ao regime de dedicação exclusiva, pelo que não faz jus à jornada de quatro horas diárias, está em consonância com a iterativa, notória e atual jurisprudência da Corte, encontrando óbice o apelo na Súmula nº 333/TST. Recurso de Embargos não conhecidos.” (E-RR 578365/99, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ 10/11/2006)
Conforme já exaustivamente explanado, porém, esses dispositivos não possuem aplicabilidade, por força do art. 4º da Lei nº 9.527/97, de forma que contratos de trabalho que prevejam jornada de quarenta horas semanais sem dedicação exclusiva, quando observados isoladamente, são regulares do ponto de vista jurídico. Mas haveria irregularidade no fato de coexistirem duas categorias de advogados dentro da mesma empresa pública, obedientes a regimes diversos? Pensamos, salvo melhor juízo, que não, por se tratar de ato baseado no poder diretivo do empregador.
Assim é que, do ponto de vista técnico-jurídico, não se avista qualquer irregularidade ou afronta ao Princípio da Isonomia no fato de os advogados contratados em períodos distintos obedecerem a regimes de trabalho distintos. Em tese, é direito do empregador celebrar contratos de trabalho nesses moldes, desde que obedecidos os direitos mínimos da categoria e os aspectos referentes à equivalência salarial previstas no art. 461 da CLT. Nessa senda, a título de exemplo, nota-se que a criação de planos de cargos e salários aplicáveis apenas a determinados empregados, a depender de critério exclusivamente temporal, não gera, por si só, afronta a direito adquirido ou diferenciação indevida entre empregados.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. PROGRESSÃO FUNCIONAL. PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. Não há falar em violação do princípio da isonomia na hipótese em que a empresa ajusta os salários iniciais da carreira, sem gerar repercussão nas categorias mais antigas, visto que agindo dentro de seu poder diretivo, bem como apenas suprimindo algumas categorias, mantendo outras. Ademais, tal procedimento não ocasionou redução salarial ou qualquer outro prejuízo aos empregados de categorias mais antigas, não podendo, assim, pretender -equiparação salarial proporcional- com os iniciantes da carreira, mormente por não se tratar de direito assegurado por Lei ou mesmo pelo regulamento interno da empresa. Agravo de instrumento a que se nega provimento”. (627003420095040010 62700-34.2009.5.04.0010, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 16/11/2011, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/11/2011)
“INSTITUIÇÃO DE NOVO PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. VULNERAÇÃO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. PODER DIRETIVO. DESPROVIMENTO DO APELO. A instituição de um novo plano de cargos e salários pela empresa para os empregados admitidos após a sua vigência, com a manutenção do plano anterior e dos benefícios concedidos para os antigos contratados, não importa ofensa ao princípio da isonomia, mas simples exercício do poder diretivo a ela inerente. Apelo não provido.”
Inviável seria, por outro lado, o aditamento dos contratos de trabalho dos advogados empregados para fazer prever o regime de dedicação exclusiva, tendo em vista o Princípio da Vedação ao Retrocesso ou da Aplicação Progressiva dos Direitos Sociais.
Por derradeiro, deixe-se consignado que, caso os motivos tidos como determinantes para a imposição do regime de dedicação exclusiva tenham sido expressamente declarados em ato interno como sendo o advento do Estatuto da Advocacia e da OAB, com o entrada em vigor da MP 1522-2/96 e sua conversão na Lei nº 9.527/97 esses motivos teriam perdido seu fundamento de validade, o que, de acordo com a Teoria dos Motivos Determinantes, importaria na invalidade dos mesmos. É uma circunstância a ser observada caso a caso.
CONCLUSÃO
Em síntese conclusiva, são possíveis as seguintes afirmações:
1) O art. 20 do EOAB, que trata da jornada de trabalho, não é aplicável aos advogados de empresas públicas por força do art. 4º da Lei 9.527/97. Este dispositivo é objeto de questionamento no STF (ADI 3396), que, até a presente data, não exarou decisão acerca de sua constitucionalidade;
2) Não há ilegalidade em se fixar jornada superior a vinte horas semanais sem exigência de dedicação exclusiva a esses causídicos, ou mesmo jornada de vinte horas semanais sob regime de dedicação exclusiva;
3) Não há impedimento aos advogados de empresas públicas para o exercício profissional judicando em nome próprio (advocacia em causa própria), dado o entendimento de que, quando a Lei quis vedá-lo, assim o fez expressamente, o que não ocorre, in casu;
4) Em jurisdições onde o jus postulandi é concedido ao próprio autor da contenda, inexigindo a representação por advogado, como ocorre nos Juizados Especiais nas causas inferiores a vinte salários mínimos, com ainda mais razão é de se entender que não há violação ao contrato de trabalho;
5) O regime de dedicação exclusiva pode ser entendido sob a acepção absoluta (proibição de exercício de qualquer outra atividade, pública ou privada), ou relativa (dedicação exclusiva durante a jornada de trabalho, sendo possível o exercício de atividades paralelas havendo compatibilidade de horários e inexistindo conflito de interesses). A dedicação exclusiva na acepção absoluta não se presume, carecendo de regulamentação no contrato de trabalho, em normativos internos do empregador ou na Lei (art. 29 do EOAB, v.g.). Como não há disposição legal específica com relação aos advogados de empresas públicas, e sendo o contrato de trabalho e os regulamentos expedidos pelo empregados silentes nesse aspecto, a interpretação deve ser a mais favorável ao empregado;
6) Do ponto de vista técnico-jurídico, não há qualquer irregularidade no fato de advogados empregados contratados em períodos distintos obedecerem a regimes de trabalho distintos, posto que é direito do empregador celebrar contratos de trabalho nesses moldes, com base em seu Poder Diretivo.
Informações Sobre o Autor
Rafael Effting Cabral
Advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados – Serpro