Resumo: O presente artigo objetiva demonstrar os possíveis critérios para a solução de conflitos entre os signos distintivos da atividade empresarial, atendo-se à marca e ao nome empresarial. Para tanto, em primeiro lugar, estes institutos serão conceituados, explicados e diferenciados entre si e então inseridos no contexto do direito empresarial e ordem econômica. Ainda, serão formuladas questões acerca dos sistemas de tutela diversos para cada signo distintivo, motivo de ocorrência de colisão entre estes e suas hipóteses fáticas, os critérios jurídicos para solução quando ocorrem, bem como os critérios utilizados pela doutrina e jurisprudência nacional para resolver tais colidências.[1]
Palavras-chave: Direito empresarial. Signos distintivos. Marca. Nome empresarial. Colidência.
Abstract: The present paper is proposed to demonstrate the possible criteria to solution of conflicts among distinctive signs of the business activity, particularly between trademarks and trade names. To this, first, these institutes will be conceptualized, explained and differentiated among themselves and inserts in the context of the business law and economic order. Even so, questions about the diverse tutelage systems for each distinctive sign, reasons of occurrence of collision between these and their situations, the legal criteria for solution when they occur, as well as the criteria used by the national doctrine and jurisprudence to resolve such conflicts.
Key words: Business law. Distinctive signs. Trademark. Trade name. Conflicts.
Sumário: 1. Introdução – 2. O nome empresarial e a regulamentação pelo Código Civil – 2.1. As diferentes espécies de nome empresarial e a polêmica questão em torno de sua natureza jurídica – 2.2. O sistema protetivo dispensado ao nome empresarial: os princípios da veracidade e da novidade e a questão da territorialidade – 3. A propriedade intelectual e o direito marcário – 3.1. Marca: definição e espécies – 3.2. Dos princípios informadores da tutela dispensada às marcas – 4. Nome empresarial X Marca: conflitos oriundos de uma tutela descompassada – 4.1. Razões para a ocorrência fática dos conflitos entre nome empresarial e marca – 4.2. Critérios jurídicos necessários para a superação dos conflitos existentes: uma análise doutrinária e jurisprudencial – 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Trazendo como tema os signos distintivos da atividade empresarial, em especial a marca e o nome empresarial, o presente artigo analisará a possibilidade de ocorrência de colisão entre os dois signos acima citados, o descompasso da tutela entre estes e os critérios jurídicos, doutrinários e jurisprudenciais para resolução de tal colidência.
Marca e nome empresarial tem uma proteção diversa por conta de sua importância frente à clientela, não raro as marcas sobressaem-se ao nome empresarial a que pertencem, sendo conhecidas muito além de suas fronteiras, daí pode-se entender por que seu âmbito de proteção é mais amplo territorialmente do que o do nome empresarial. Os conflitos ocorrem por serem ambos institutos distinguidores, que individualizam partes importantes da atividade empresária.
O tema da presente pesquisa é atinente ao Direito Empresarial, mostrando-se altamente relevante, tendo em vista a proteção constitucional a diversos institutos necessários ao desenvolvimento da atividade empresária e sua importância para a ordem econômica do país. A escolha do tema esta ligada à importância dos bens incorpóreos para a atividade empresarial, bem como o seu valor no mercado atual. Assim, serão estudados conceitos, espécies, regulamentação e princípios atinentes ao Nome Empresarial e a Marca para, ao fim, chegar-se aos critérios de solução de possíveis conflitos entre eles.
O Centro Universitário Metodista – IPA- define suas linhas de pesquisa para o curso de Direito sempre pautado pelos princípios constitucionais e pelos Direitos Humanos. O Direito Empresarial é ramo indispensável para a promoção dos Direitos Humanos, eis que a atividade empresarial está inserida na ordem econômica do país. A Constituição Federal Brasileira traz em seu artigo 170 a necessidade de a ordem econômica estar pautada através de princípios que garantam vida digna a todos e a justiça social, daí a relevância do estudo destinado aos institutos relativos à atividade empresarial, a qual está inserida nessa ordem econômica, fundada principalmente nos princípios da função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, entre outros.
O adequado desenvolvimento da atividade empresarial afeta, não só os diretamente envolvidos, mas toda a sociedade. Daí hoje falar-se em função social da empresa. Buscar soluções para conflitos, como o que será abordado nesta pesquisa sobre os signos distintivos da atividade empresarial, garante que aqueles que exerçam tal atividade tenham segurança ao exercê-la, que os bens e direitos indispensáveis para a atividade (como a marca e o nome empresarial) serão tutelados em caso de mau uso e usurpação, preservando-se com isso os princípios da livre e leal concorrência, da defesa do consumidor e da função social da empresa.
1 O NOME EMPRESARIAL E A REGULAMENTAÇÃO PELO CÓDIGO CIVIL
O empresário, seja ele pessoa física ou jurídica, deve se distinguir dos demais para que possa exercer a atividade empresarial de forma que seja identificado como tal. Para isso, utiliza diversos sinais distintivos, como o nome empresarial, as marcas e o título do estabelecimento[2] [3]. O nome empresarial identifica o sujeito exercente de uma atividade econômica de produção ou circulação de produtos ou serviços, estes sendo individualizados por uma marca a eles designada, podendo ser comercializados através de um estabelecimento, que terá um título ou nome fantasia que o distinguirá dos demais. Cada um destes institutos goza de diferentes tipos de proteção, bem como tem naturezas jurídicas distintas, mas todos têm por função individualizar algum aspecto da atividade empresarial, entre aqueles que a exercem, bem como perante a clientela.
1.1 As diferentes espécies de nome empresarial e a polêmica questão em torno de sua natureza jurídica
Como dito acima, o nome empresarial é o sinal distintivo do sujeito exercente da atividade empresarial. A cada pessoa se atribui um nome: para os atos da vida civil, cada um tem um nome civil que se presta a sua identificação. Já para o exercício de atividade empresarial, o empresário será identificado pelo seu nome empresarial.
O nome empresarial tem proteção garantida constitucionalmente no art. 5º, XXIX[4], assim inserida na classe dos direitos fundamentais individuais, a despeito de tratar-se de norma de eficácia contida[5], ou seja, depende de legislação ulterior, tal previsão constitucional faz com que a proteção seja das mais fortes[6]. Em sede de proteção infraconstitucional, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.155 e seguintes[7], traz a regulação do nome empresarial, bem como explicita tratar-se de um gênero de instituto distintivo que comporta duas espécies de nome: a firma e a denominação. Maria Helena Diniz explica que este nome, tanto para o empresário individual quanto para o coletivo[8], serve como elemento diferenciador dos demais[9].
Não há a menor dúvida de que o nome empresarial é o signo que distingue o sujeito exercente da atividade empresarial. Todavia, a natureza jurídica deste signo distintivo é bastante discutida na doutrina. Alguns autores entendem que o nome é direito de personalidade, já outros entendem que se trata de um bem patrimonial[10].
O artigo 1.164 do Código Civil proíbe a alienação de nome empresarial[11], fato que acirra a discussão acerca da natureza jurídica do nome empresarial, já anteriormente citada. Fábio Ulhoa Coelho identifica o nome como parte integrante do estabelecimento[12], assim pendendo para a tese de que este é um bem de propriedade do empresário[13]. Já Maria Helena Diniz classifica o nome empresarial como um direito da personalidade protegido pela Constituição Federal[14] e pelo Código Civil[15] que garante ao empresário, subjetivamente, a defesa de sua identidade e individualização[16]. Marlon Tomazette acredita ser o nome empresarial um direito pessoal, por ter valor econômico e não haver exclusividade sobre sua utilização, já que pode ser alienado se atendidas as condições do parágrafo único do artigo 1.164 do Código Civil[17] [18], corrente esta seguida também por Rubens Requião[19] e Ricardo Negrão[20].
Maria Helena Diniz entende que é um direito de personalidade o nome empresarial. Invocando os arts. 16 a 18 e 52 do Código Civil[21], sustenta que:
“É um direito de personalidade que consiste no direito subjetivo do empresário individual ou coletivo de defender sua identidade e individualização. É o direito de exigir um comportamento negativo dos outros, protegendo seu nome empresarial, valendo-se de ação judicial. O nome empresarial integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa e se individualiza o empresário, no mundo negocial, ao exercer sua atividade econômica e ao assumir seus compromissos. É direito personalíssimo e como tal é absoluto, extrapatrimonial, intransmissível, indisponível, irrenunciável, impenhorável e imprescritível. Conseqüentemente, o nome empresarial: não consta do ativo do balanço; é insuscetível de penhora em execução; é inalienável; não entra na falência; não pode ser desapropriado; não pode constituir quota social”[22].
Adepto da corrente que acredita ser o nome empresarial um bem patrimonial, Gama Cerqueira argumenta que:
“[…] parece-nos igualmente frágil essa construção teórica [do nome empresarial como direito de personalidade/pessoal], cujos princípios só poderiam ter aplicação ao caso dos comerciantes individuais[…] Além disso, é inegável que o nome comercial possui valor patrimonial, constituindo bem jurídico suscetível de apreciação pecuniária, podendo, ainda, ser objeto de cessão, transmissão e perda, ao contrário dos direitos pessoais, que, por sua natureza, são inalienáveis e imprescritíveis. […] Não podemos acompanhar a doutrina do direito pessoal, que assenta, de modo essencial, na função subjetiva do nome comercial, como simples designação da pessoa do comerciante, sujeito de direitos. […] Em nossa opinião, o direito sobre nome comercial constitui uma propriedade em tudo idêntica à das marcas […], que se exerce sobre uma coisa incorpórea, imaterial, exterior à pessoa do comerciante ou industrial, e encontra seu fundamento no direito natural do homem aos resultados de seu trabalho”[23] [24].
Mas, sobre a função do nome empresarial, ressalta que esta é dupla: uma função subjetiva que caracteriza o nome como um direito de personalidade ligado ao sujeito que exerce a atividade (neste viés se afastando da propriedade industrial) e uma função objetiva na qual emerge o caráter patrimonial do nome[25].
Maria Helena Diniz acrescenta mais um viés à função objetiva, utilitário, no sentido de proteção aos esforços empreendidos pelo empresário individual ou coletivo para garantir uma boa reputação e proteção aos consumidores, que associam aquele nome a produtos e serviços por eles prestados[26].
Entretanto, Fabio Ulhoa Coelho acredita ser a função chamada de utilitária por Maria Helena Diniz – de renome ou reputação – a principal atualmente, já que a marca teria usurpado a função de distinção antes exercida pelo nome empresarial. Sustenta que há muito já não se conhece a qualidade de algum produto ou serviço por ser vendida por tal empresário, mas sim se tem familiaridade com a marca e, através dela, de certa forma, se identifica o empresário. Desta forma, a função do nome empresarial seria a de distinguir aqueles que exercem atividade empresária entre si, não mais perante a clientela[27]. Em outras palavras, o nome empresarial seria utilizado apenas para a distinção entre empresários e não para a relação entre empresários e consumidores.
O nome empresarial, enquanto gênero de sinal distintivo, comporta duas espécies, quais sejam: a firma e a denominação[28]. A “firma ou razão comercial[29], além de designar o nome sob o qual o empresário exerce sua atividade, constitui também a sua assinatura”[30], além disso, distingui-se da outra espécie de nome em função da sua forma de composição. A firma sempre será composta pelo nome civil do(s) sócio(s) acrescido ou não de identificação mais precisa da pessoa ou do gênero da atividade exercida[31].
A firma é individual quando referente a empresário individual, o qual é pessoa física. Assim, por exemplo, Marcelo Pereira, pessoa física, empresário individual do ramo de comércio de calçados, poderá utilizar como firma seu nome por extenso: Marcelo Pereira; ou abreviado: M. Pereira; sendo facultativa a especificação de seu ramo de atividade[32]: Marcelo Pereira Comércio de Calçados. Quando a firma é utilizada por sociedade empresária, será firma social. Portanto, se Marcelo Pereira constituir uma sociedade limitada com Hernani Bastos, a firma poderá ter ou o nome de ambos, por extenso ou abreviado: Pereira & Bastos Ltda, por exemplo; ou nome de apenas um dos sócios, substituindo-se o nome dos outros por “& Cia”: M. Pereira & Cia Ltda., por exemplo; também de menção facultativa o ramo de atividade: M. Pereira & Cia – Comércio de Calçados Ltda. é uma das possibilidades.
Adotam firma, obrigatoriamente, as sociedades em que os sócios têm responsabilidade ilimitada[33], para que terceiros tenham ciência de que os nomes ali constantes têm este tipo de responsabilidade[34]. E, facultativamente, as de responsabilidade limitada (possível apenas para as modalidades sociedade limitada[35] e comandita por ações[36]), sendo obrigatória, no caso das sociedades limitadas, a inserção da palavra “limitada” ao final, e no caso das comanditas por ações a expressão “comandita por ações”, para que não haja dúvidas sobre o tipo de responsabilidade dos sócios destas sociedades[37], bem como para explicitar o tipo societário.
Relativamente à denominação, para a sua composição é possível utilizar-se de qualquer expressão lingüística, sendo possível utilizar o nome civil de algum sócio ou um elemento fantasia, como por exemplo, Cruz de Prata Metais S/A. O elemento fantasia pode ser um termo comum do vernáculo ou um termo incomum, como uma sigla (TGE Energia S/A), por exemplo. Quando se utiliza o nome civil de algum sócio ou pessoa importante para a história da sociedade empresária, haverá a necessidade de anuência deste sócio ou de seus sucessores, registrando a denominação como, utilizando o exemplo acima, Marcelo Pereira Indústria de Calçados S/A[38].
Esta espécie poderá ser adotada por sociedade limitada e sociedade em comandita por ações e será obrigatória para cooperativas e sociedades anônimas[39]. A sociedade que utilizar denominação deverá incluir, além da designação de seu objeto social, o tipo societário no nome empresarial, sendo assim, a cooperativa e a comandita por ações, deverão incluir “cooperativa” e “comandita por ações” ao final de sua denominação; já a sociedade limitada, deverá conter a expressão “limitada” ou sua abreviatura ao final; e as sociedades anônimas deverão integrar a locução “sociedade anônima” ou a palavra “companhia”, caso escolha a última opção, não poderá incluir a palavra “companhia” ao final da denominação[40].
O nome empresarial então, como um dos signos distintivos da atividade empresária, identifica o exercente da atividade empresarial, encerra em si a reputação do empresário individual ou sociedade empresária, tendo assim um valor econômico próprio, à parte do valor do estabelecimento ao qual pertence. A usurpação ou mau uso deste nome acarreta em prejuízos ao renome deste empresário ou sociedade, além de prejuízos de ordem econômica. Por isso, tão importante quanto a sua correta constituição é o pleno exercício da proteção legal dispensada a este instituto.
1.2 O sistema protetivo dispensado ao nome empresarial: os princípios da veracidade e da novidade e a questão da territorialidade
Para a formação do nome empresarial deve-se atender a dois princípios: o da veracidade e o da novidade. Tomazette sustenta que o princípio da veracidade visa garantir que terceiros não sejam induzidos em erro por informações não verdadeiras contidas no nome empresarial, assim não se admite a inserção de uma atividade não exercida, bem como é proibida a colocação de nome de quem não seja sócio em razão social, excetuando-se os casos onde há autorização do alienante, quando em transferência de estabelecimento, sendo obrigatória a adição do nome do adquirente como sucessor[41]. Importante ressaltar que o princípio da veracidade ou autenticidade só é aplicado em relação à firmas individuais ou sociais, as quais, necessariamente, deverão ter o nome civil de pelo menos um dos sócios[42]. Assim, não é possível que o nome civil de um sócio falecido, excluído ou retirante se mantenha na firma social (art. 1165, Código Civil[43]). Caso ocorra uma dessas três possibilidades, a firma deverá ser alterada e outro nome empresarial adotado[44]. Como mostra a ementa abaixo colacionada:
“ADMINISTRATIVO. OBRIGATÓRIA A ALTERAÇÃO DA FIRMA SOCIAL QUANDO DELA CONSTAR O NOME DE SÓCIO QUE VIER A SE RETIRAR DESTA. ART. 1.165 DO CC. Em relação à sociedade limitada, o Código Civil, no seu art. 1.158, possibilitou a adoção de firma ou denominação para a composição do nome empresarial. No caso, a impetrante utilizou o nome empresarial na modalidade “firma social”, porquanto não mencionou o objeto da sociedade, conforme preconiza o § 2º do art. 1.158. O nome da sócia Jandira Maria Delevati Colpo tem correspondência direta com o nome empresarial, mediante a abreviação dos prenomes, gerando a firma social “J.M.D. Colpo & Cia. Ltda.”. Portanto, o nome empresarial da impetrante foi criado mediante ‘firma social’, razão pela qual insere-se na proibição expressa do art. 1.165 do Código Civil no que tange à exclusão da firma social do nome do sócio que se retira da sociedade. Mantida a sentença”[45].
Já o princípio da novidade garante ao empresário a exclusividade na utilização do nome escolhido, devendo ser o nome, além de diferente de outros, passível de distinção clara de outros nomes empresariais[46]. Este princípio tem previsão legal no art. 1. 163 do Código Civil[47] e no art. 34 da Lei de Registros Mercantis[48] e por conta dele, caso uma denominação ou firma seja idêntica a outra já registrada anteriormente, deverá ser alterada ou acrescida de designação que a distinga. Existem critérios a serem seguidos em caso de análise de semelhança entre nomes empresariais, dados pelo art. 8º da Instrução Normativa nº 104/2007 do DNRC – Departamento Nacional de Registro de Comércio, quais sejam:
“Art. 8º Ficam estabelecidos os seguintes critérios para a análise de identidade e semelhança dos nomes empresariais, pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis – SINREM:
I – entre firmas, consideram-se os nomes por inteiro, havendo identidade se homógrafos e semelhança se homófonos;
II – entre denominações:
a) consideram-se os nomes por inteiro, quando compostos por expressões comuns, de fantasia, de uso generalizado ou vulgar, ocorrendo identidade se homógrafos e semelhança se homófonos;
b) quando contiverem expressões de fantasia incomuns, serão elas analisadas
isoladamente, ocorrendo identidade se homógrafas e semelhança se homófonas”[49].
Para a utilização destes critérios, não se leva em conta o tipo societário ou o da atividade empresária[50], apenas o elemento distinguidor[51]. Assim serão utilizados, na prática:
“MANDADO DE SEGURANÇA. SOCIEDADE. ARQUIVAMENTO DOS ATOS CONSTITUTIVOS DE FILIAL PERANTE A JUNTA COMERCIAL. COLIDÊNCIA COM O NOME EMPRESARIAL DE OUTRAS EMPRESAS. INOCORRÊNCIA. HOMOGRAFIA OU HOMOFONIA NÃO CONFIGURADAS. 1. A legislação de regência veda a utilização de firmas ou denominações idênticas ou semelhantes, concernentes, respectivamente, à homografia ou homofonia, em comparação com outras já registradas perante a Junta Comercial. 2. Os nomes empresariais devem ser examinados por inteiro, na forma da alínea “a” do inc. II do art. 8º da IN 104/07-DNRC, a fim de se verificar ocorrência de identidade gráfica ou de fonia. 3. Hipótese em que os elementos constantes nos nomes das outras empresas os diferenciam do da impetrante. Considerada essa circunstância e o fato de que as empresas atuam em ramos de atividade distintos, o registro da filial da impetrante não acarretará prejuízos às outras empresas, pois não causará confusão aos consumidores e clientes e nem ensejará concorrência desleal”[52].
Fábio Ulhoa Coelho informa que estes princípios existem para coibir a concorrência desleal e preservar a reputação do empresário junto à fornecedores e financiadores[53].
Outra medida de repressão à concorrência desleal vem prevista no parágrafo único do artigo 1.155 do Código Civil Brasileiro, equiparando a denominação das sociedades simples, associações e fundações ao nome empresarial para os efeitos da proteção da lei[54]. Infelizmente essa proteção não se mostra muito efetiva já que o nome empresarial e as denominações das sociedades simples, associações e fundações tem órgãos registrais diversos no âmbito estadual. O nome empresarial garante sua proteção através do Registro Público de Empresas Mercantis, arquivado na Junta Comercial, com sede na capital daquele estado e jurisdição em todo seu território, já as denominações acima citadas efetuam seu registro no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, divididos por comarcas, sendo sua jurisdição limitada pela comarca onde se localiza sua sede. Tal fato demonstra a dificuldade em proteger ambos os institutos, mostrando-se necessária a formação de um organismo central ou uma ligação de banco de dados entre os órgãos[55].
Também importante é o princípio da territorialidade, o qual define a base territorial da proteção dispensada ao nome empresarial. No caso do nome, a proteção restringe-se ao Estado da federação onde está localizada a Junta Comercial onde foram arquivados os atos constitutivos da pessoa jurídica que o registrou e está é a posição atual do STJ,[56] pois o Código Civil de 2002 manteve a determinação de proteção apenas sob o espectro estadual, em seu artigo 1.166[57]. O parágrafo único do artigo anteriormente citado prevê a extensão desta proteção à todo o território nacional, condicionando à registro na forma de lei especial ulterior, o que ainda não ocorreu. Dessa forma, segue extrato de julgado elucidativo:
“(…) 4. A proteção legal da denominação de sociedades empresárias,consistente na proibição de registro de nomes iguais ou análogos a outros anteriormente inscritos, restringe-se ao território do Estado em que localizada a Junta Comercial encarregada do arquivamento dos atos constitutivos da pessoa jurídica. 5. Não se há falar em extensão da proteção legal conferida às denominações de sociedades empresárias nacionais a todo o território pátrio, com fulcro na Convenção da União de Paris, porquanto, conforme interpretação sistemática, nos moldes da lei nacional, mesmo a tutela do nome comercial estrangeiro somente ocorre em âmbito nacional mediante registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os Estados-membros(…)”[58]
O arquivamento dos seus atos constitutivos no Registro Público das Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais dos Estados, garante ao empresário individual e as sociedade empresária a proteção contra mau uso e usurpação de seu nome empresarial, bem como possibilidade de pedido de indenização por violação através de atos de concorrência desleal e ação de anulação de inscrição de nome empresarial que fira lei ou contrato, dentro da jurisdição da Junta onde seus atos foram arquivados[59]. Esta proteção é perdida quando expira o prazo de duração da sociedade ou ela entrar em liquidação, bem como quando for considerada inativa porque não houve qualquer arquivamento no órgão registral pelo período de dez anos consecutivos ou ainda quando for proposto à Junta Comercial o cancelamento do registro empresarial[60].
A marca, outro dos signos distintivos da atividade empresarial, ao contrário do nome é tutelada em todo o território nacional, eis que seu órgão registral é um instituto federal. No entanto o espectro de sua proteção, a priori, é inferior já que se limita as atividades determinadas na classe em que a marca está registrada, enquanto o nome tem proteção independentemente do ramo de atividade exercida. No decorrer do próximo capítulo, depreender-se-á a diferença na efetividade da tutela dispensada aos institutos tendo por base tais contradições.
2 A PROPRIEDADE INTELECTUAL E O DIREITO MARCÁRIO
Apesar de não haver definição expressa de propriedade em nossas leis, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.228, define os direitos do proprietário: usar, fruir, dispor e o direito de reaver esta de quem injustamente a possua ou detenha[61]. Assim, tem a propriedade de algo aquele que detém este feixe de direitos. A propriedade intelectual, por sua vez, garante esses direitos sobre bens[62] móveis[63] incorpóreos[64], fruto do intelecto humano, idéias em última instância. Esta modalidade divide-se em dois grupos: no campo das artes e das ciências (a propriedade literária, científica e artística) e da propriedade industrial (marca, invenção, modelo de utilidade e desenho industrial)[65].
A propriedade industrial, como já acima referido, bem como o direito autoral, é espécie do gênero propriedade intelectual, abrangendo bens imateriais criados a partir do exercício criativo de seus titulares. A diferença entre estas espécies, explica Fábio Ulhoa Coelho, reside na origem do direito e na extensão da tutela. Com relação à propriedade autoral (obra científica, artística, literária ou programa de computador), o direito de exclusividade dos titulares dos bens ocorre da simples criação da obra ou programa, não sendo necessário nenhum tipo de registro para reconhecimento de direito exclusivo de exploração destes[66]. Sobre a extensão da tutela dispensada à propriedade autoral, ela se dá somente sobre a forma exterior do bem, ou seja, não protege a idéia do autor. Em contrapartida, e servindo de elemento diferenciador do direito autoral, a propriedade industrial (patentes de invenção, modelos de utilidade, registros de desenho industrial e marcas) está protegida por um ato administrativo, em forma de registro no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial -, autarquia federal criada em 1970 pela Lei 5.648[67], vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Tal órgão é responsável por registros de marcas, concessão de patentes, averbação de contratos de transferência de tecnologia e de franquia empresarial, registros de programas de computador, registros de desenho industrial, registros de indicações geográficas e registros de topografia de circuitos integrados[68]. Este ato administrativo, o registro, tem natureza constitutiva, ou seja, terá direito exclusivo sobre o bem imaterial aquele que fizer o registro primeiro. Serve de diferenciador também a extensão da tutela, que abarca a idéia inventiva, nesta espécie[69].
Assim, o direito marcário está inserido no grupo da propriedade industrial. A marca tem proteção constitucional, em nosso sistema de direito, desde a Constituição de 1891[70] e o artigo 5º, XXIX da Constituição Federal de 1988 preserva esta proteção, além de estendê-la a outros signos distintivos[71], dando ênfase ao interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Denis Borges Barbosa explica que esta ênfase se dá para além da simples função social, pois a exclusividade do proprietário de uma marca tem natureza de monopólio por estar inserida num contexto concorrencial. Desta forma, a função social da marca é, presumidamente, um “uso concorrencial socialmente adequado”. A propriedade sobre as marcas, então, é “uma forma de proteger o direito fundado na concorrência”[72].
2.1 Marca: definição e espécies
A marca, um dos signos distintivos da atividade empresarial, tão importante quanto o nome empresarial, tem a função de identificar os produtos e os serviços ofertados pelos exercentes de empresas, mostrando-se como verdadeiro agente individualizador destes[73]. Fábio Ulhoa Coelho define marca como o quarto bem da propriedade industrial – os outros três seriam a invenção, o modelo de utilidade e o desenho industrial[74], como já mencionado -, sendo protegida pela Lei 9.279 de 1996[75], a chamada Lei da Propriedade Industrial, para além da tutela enquanto direito fundamental conferida pelo artigo 5º, XXIX da Constituição Federal[76]. A marca é definida como um “sinal distintivo que identifica, direta ou indiretamente, produtos ou serviços[77]”. Identifica de forma direta quando se tratar de marca de produto ou serviço e indireta quando a marca for de certificação ou coletiv[78]. A marca é parte integrante do estabelecimento, instituto já definido no capítulo anterior, tratando-se de um bem de propriedade industrial. Ricardo Negrão traz um conceito mais amplo ao sustentar que “a marca pode ser conceituada como um direito de propriedade incorpóreo, integrante do estabelecimento, que tem como funções distinguir produtos e serviços e, em alguns casos, identificar sua origem e atestar o atendimento desses quanto a certas normas e especificações técnicas[79]”. Desta forma, o autor agrega outra função à marca, para além da de distinguir, qual seja: a idoneidade de origem e publicitária[80].
Um exemplo de marca de produto é Coca-Cola. Já Liberty Seguros é exemplo de marca de serviços. A marca de certificação se presta para atestar que um produto ou serviço está em conformidade com certas normas e/ou especificações técnicas, como exemplo pode-se citar a ABIC – Associação Brasileira da Indústria de Café. E a marca coletiva identifica produtos ou serviços pertencentes a uma determinada entidade, como a COODETEC – Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola[81]. Esta moderna[82] classificação, regulada pelo art. 123 da LPI[83], quanto à aplicação da marca, segundo Ricardo Negrão, relaciona-se com a atividade do titular[84].
As marcas também podem ser classificadas de acordo com a sua finalidade, ou seja, se identifica apenas um objeto é singular ou específica, como por exemplo: Bubbaloo, ou assinala uma série de produtos, todos estes com marcas específicas, mas a marca é genérica ou geral, como o é a Brastemp. Ou ainda relativamente à forma, as marcas podem se distinguir por conta dos elementos visuais, sendo verbais ou nominativas, emblemáticas ou figurativas, mistas e tridimensionais. A marca é nominativa quando formada apenas por palavras, existentes ou não. O exemplo da marca Brastemp é apropriado para descrever uma marca nominativa. Se for figurativa (também chamada de logotipo), virá representada por um desenho, com cores pré-definidas ou não, podendo até mesmo ser constituída de letras e números, desde que apresentados de maneira diferenciada, como o logotipo do Bradesco, por exemplo:
A marca será classificada como mista quando se apresentar de forma figurativa e nominativa concomitantemente. A marca Google segue este padrão, como se pode perceber:
Por fim, marca tridimensional é aquela que virá apresentada com “formato característico, não funcional e particular que é dado ao próprio produto ou ao seu recipiente[87]”. Um exemplo de uma marca deste tipo é a garrafa de vidro de 290 ml da Coca-Cola:
Para além das possíveis classificações relativas as marcas, fala-se também em uma distinção de marcas que tem uma projeção tal que exigem um tratamento especial. As marcas que gozam de fama dividem-se em marcas de alto renome e notoriamente conhecidas. As marcas de alto renome, consagradas pelo art. 125, Lei 9279/96[89], são aquelas amplamente conhecidas, não apenas em seu ramo de atuação, mas pelo público em geral, nacional e internacionalmente, como a Coca-Cola, por exemplo. Para tornar-se marca de alto renome, o titular desta deverá requerer ao INPI um registro como tal e, se deferido, esta marca terá proteção em todos os ramos de atividade, tonando-se, então, uma exceção ao princípio da especialidade. Já as marcas notoriamente conhecidas, consagradas pelos artigos 126, da Lei 9279/96[90] e 6 bis, inciso I, da CUP[91], são aquelas que são muito conhecidas em seu ramo de atuação, inclusive internacionalmente[92].
Diferentemente das marcas de alto renome, as marcas notoriamente conhecidas prescindem de prévio registro ou depósito no Brasil para usufruir de proteção neste território, sendo ela uma exceção ao princípio da territorialidade[93]. Pode se citar o exemplo da marca Votoran, no ramo da construção civil, como marca notoriamente conhecida[94]. A classificação de uma marca como notoriamente conhecida ou de alto renome faz com que esta receba uma proteção específica, para além da tutela dispensada às marcas em geral. Apesar de terem conceitos claramente distintos, no plano fático podem ser que se confundam, fazendo necessária a intervenção judicial para separar uma classificação da outra, cita-se julgado que assim exemplifica:
“RECURSO ESPECIAL – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – DIREITO MARCÁRIO – ART. 131, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇAO – FUNDAMENTAÇAO SUFICIENTE – ART. 460, DO CPC – PRINCÍPIO DA ADSTRIÇAO DO JULGADOR – OBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE – MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA – EXCEÇAO AO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE – PROTEÇAO ESPECIAL INDEPENDENTE DE REGISTRO NO BRASIL NO SEU RAMO DE ATIVIDADE – MARCA DE ALTO RENOME – EXCEÇAO AO PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE – PROTEÇAO ESPECIAL EM TODOS OS RAMOS DE ATIVIDADE DESDE QUE TENHA REGISTRO NO BRASIL E SEJA DECLARADA PELO INPI – NOTORIEDADE DA MARCA “SKECHERS” – ENTENDIMENTO OBTIDO PELO EXAME DE PROVAS – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ – MARCAS “SKETCH” E “SKECHERS” – POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA – ATUAÇAO EM RAMOS COMERCIAIS DISTINTOS, AINDA QUE DA MESMA CLASSE – RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSAO, IMPROVIDO. I – O v. acórdão regional explicitou de forma clara e fundamentada suas razões de decidir. Assim, a prestação jurisdicional, ainda que contrária à expectativa da parte, foi completa, restando inatacada, portanto, a liberalidade do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, bem como do art. 131 do Código de Processo Civil. II – Na hipótese, a decisão do Tribunal Regional observa estritamente os limites do pedido, ou seja, a legalidade da concessão do registro da marca “SKECHERS” em favor da ora recorrida, afastando-se, por conseguinte, eventual alegação de violação ao art. 460 do Código de Processo Civil. III – O conceito de marca notoriamente conhecida não se confunde com marca de alto renome. A primeira – notoriamente conhecida – é exceção ao princípio da territorialidade e goza de proteção especial independente de registro no Brasil em seu respectivo ramo de atividade. A segunda – marca de alto renome – cuida de exceção ao princípio da especificidade e tem proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que previamente registrada no Brasil e declarada pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial. IV – A discussão acerca da notoriedade ou não da marca “SKECHERS” deve ser observada tendo em conta a fixação dada pelo Tribunal de origem, com base no exame acurado dos elementos fáticos probatórios. Assim, qualquer conclusão que contrarie tal entendimento, posta como está a questão, demandaria o reexame de provas, atraindo, por consequência, a incidência do enunciado n. 7/STJ. V – Nos termos do artigo 124, inciso XIX, da Lei 9.279/96, observa-se que seu objetivo é o de exclusivamente impedir a prática de atos de concorrência desleal, mediante captação indevida de clientela, ou que provoquem confusão perante os próprios consumidores por meio da reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca alheia, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim. VI – No caso dos autos, não se observa, de plano, a possibilidade de confusão dos consumidores pelo que viável a convivência das duas marcas registradas “SKETCH”, de propriedade da ora recorrente e, “SKECHERS”, da titularidade da ora recorrida, empresa norte-americana. VII – Enquanto a ora recorrente, LIMA ROUPAS E ACESSÓRIOS LTDA., titular da marca “SKETCH”, comercializa produtos de vestuário e acessórios, inclusive calçados, a ora recorrida, SKECHERS USA INC II”, atua, especificamente, na comercialização de roupas e acessórios de uso comum, para a prática de esportes, de uso profissional. De maneira que, é possível observar que, embora os consumidores possam encontrar em um ou em outro, pontos de interesse comum, não há porque não se reconhecer a possibilidade de convivência pacífica entre ambos. VIII – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido”[95].
Outro ponto que deve ser considerado é a diferença no procedimento para reconhecer uma marca como de alto renome ou notoriamente conhecida. Esta última pode ser constatada de ofício ou incidentalmente pelo INPI, não havendo procedimento específico para tal, enquanto a primeira só terá reconhecimento da condição de alto renome pelo INPI após avaliação por uma Comissão, que somente será convocada quando houver alegação de titular em oposição ou processo administrativo de nulidade contra pedido ou registro de terceiro que afronte a marca que se considere de alto renome[96]. São poucas as marcas reconhecidas como de alto renome pelo INPI e todas elas estão listadas na página da autarquia na internet[97].
É possível, ainda, classificar as marcas em razão de sua origem, como marcas brasileiras, que são aquelas depositadas no Brasil por pessoa nele domiciliada, e marcas estrangeiras, que são aquelas ou depositadas no Brasil por pessoas que não são nele domiciliadas ou aquelas que são depositadas regularmente em países vinculados a acordos, tratados ou organizações internacionais das quais o Brasil faça parte e que serão depositadas também no Brasil dentro do prazo estipulado nos acordos, tratados ou organizações, com a reivindicação de prioridade em relação à data do primeiro pedido[98].
2.2 Princípios informadores da tutela dispensada às marcas
Para adquirir direitos sobre uma marca é indispensável seu registro junto ao INPI. Ricardo Negrão explica que o procedimento se inicia com um pedido feito por pessoa natural ou jurídica ao Instituto. Devidamente requerido o registro, realiza-se um exame formal preliminar, através da análise da documentação exigida e é feito o depósito, ou seja, ato em que o pedido é formalmente protocolado. Não havendo diligências a serem cumpridas, segue a publicação do pedido na Revista da Propriedade Industrial. Há a possibilidade de terceiro com interesse legítimo apresentar oposição, este terá prazo de sessenta dias da data da publicação para fazê-lo. Ultrapassadas tais fases será analisado o mérito do pedido, onde se examina três condições à que a marca está sujeita para efeito de registro: a novidade relativa, a não colidência com notoriamente conhecida e o desimpedimento[99].
A condição chamada de novidade relativa ou disponibilidade é exigida para que a marca cumpra com a sua função distinguidora, ou seja, o signo ou expressão escolhido não pode ser passível de confusão com outro já existente. Na novidade relativa está o princípio da especificidade, que concede proteção à marca registrada apenas em seu ramo de atividade, excetuando-se marca de alto renome, que é protegida em todos[100].
Com a exigência de não colidência visa-se a repressão à contrafação de marcas (pirataria), assim não permitindo que se reproduza ou imite outra marca já existente, mesmo que parcialmente[101].
Uma marca, para efetuar seu registro, deve estar livre de impedimentos. Este desimpedimento está relacionado à licitude da marca, ou seja, esta não pode ofender nenhuma das hipóteses do art. 124 da lei 9279/06[102], onde se encontra a listagem dos signos não registráveis como marca[103].
Por fim, se a marca pretendida lograr êxito na fase anterior e comprovado o pagamento da retribuição para expedição de certificado de registro e pelo primeiro período de proteção da marca, que é de 10 anos, será expedido certificado de registro de marca, garantindo assim, proteção nacional àquele que a registrou[104].
Além da exclusividade de uso em território nacional, Ricardo Negrão elenca mais três direitos decorrentes do registro da marca: “o direito à cessão do registro ou mesmo do pedido de registro; o direito ao licenciamento de seu uso, por autorização de uso a terceiros e o direito de exercer ações visando à integridade material e a reputação da marca depositada”[105]. Tomazette explica que o direito do titular de impedir o uso de marca igual ou semelhante à sua o mais importante daqueles que advém de registro, mas, ressalta que o exercício deste direito obedece a dois princípios: o da territorialidade e o da especialidade[106].
O princípio da territorialidade determina que a marca registrada apenas está protegida dentro dos limites territoriais do país onde foi registrada, com exceção das marcas notoriamente conhecidas, que gozam de proteção independente de registro no país, como já mencionado[107]. Ainda há de ser referido que alguns tratados internacionais criaram escritórios centrais, para análise e concessão de registro de marca, com validade em vários países, como por exemplo o regulamento nº 40/94 de 20 de dezembro de 1993, que criou a marca comunitária[108], onde mesmo um país não participante da Comunidade Europeia pode ter proteção nesta, já que admite o pedido de registro feito por nacional de qualquer país integrante da Convenção da união de Paris ou por titular de marca já registrada em qualquer dos países membros de tais tratados[109].
Já o princípio da especialidade permite à proteção de uma marca apenas em seu ramo de atuação ou em ramos com afinidade mercadológica, exceto as marcas de alto renome, que recebem proteção em todos os ramos de atuação, não apenas o seu, mas exclusivamente no território nacional[110]. Desta forma, não há necessidade de ser a marca totalmente inédita, apenas é preciso que naquele ramo de atividade não exista registro prévio ou pré-uso (há mais de seis meses)[111]. Vê-se a aplicação deste princípio, por exemplo, no julgado abaixo:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – CESSAÇÃO DE USO DE SIMBOLO FIGURATIVO. PRINCIPIO DA ESPECIALIDADE. Pertencendo autora e ré a atividade econômica distintas, atingindo mercado e consumidores distintos, não há impedimento para o uso pela ré da marca registrada pela autora, em razão do princípio da especialidade”[112].
Para além destes, a Constituição Federal traz em seu art. 170[113] os princípios gerais da atividade econômica, dentre os quais se destacam o da função social da propriedade, da livre concorrência e da defesa do consumidor. Em contrapartida, estes princípios servem de base para algumas normas da propriedade intelectual, como a asseguração da marca através de registro próprio, caducidade de registro de marca caso esta não cumpra sua função social (ou seja, a falta de uso efetivo da marca) e lealdade concorrencial, que permita que o consumidor exerça seu direito de escolha através da concorrência livre[114].
Ainda pode-se citar o princípio da afinidade, que impede marcas idênticas ou semelhantes em ramos mercadológicos que tenham afinidade entre si, mesmo que de classes[115] diferentes e registradas. A aplicação deste princípio é visível através do art. 124, XIX[116], que impede o registro de marca que reproduza ou imite outra já registrada para identificar produtos idênticos, semelhantes ou afins[117].
Outro princípio característico do direito marcário é o da celebridade, consagrado na medida em que o princípio da especialidade é excepcionado nos casos de marca de alto renome, ou seja, aquelas muito conhecidas e famosas. Assim, por ter reconhecimento ou fama, a marca pode ter sua tutela ampliada para além do normal, não se restringindo apenas à produtos ou serviços semelhantes, idênticos ou afins. Impede-se, com isto, o aproveitamento indevido por terceiros do renome de uma marca famosa, sendo exceção dos princípios da especialidade e da afinidade, o reconhecimento da celebridade de uma marca ajuda na repressão do comportamento parasitário, mesmo em ramos de mercado ainda não explorados pelo titular desta marca[118].
O princípio da distinvidade também é de fácil definição, tendo em vista a necessidade de haver o elemento distinguidor para que se possa registrar uma marca, expressões de uso vulgar/comum e símbolos sem poder de diferenciação não são registráveis como tal[119].
Respeita também a marca o princípio da veracidade, não podendo esta suscitar equívocos, servir de instrumento de engodo ou publicidade enganosa, princípio também visível nos incisos do art. 124 da LPI[120]. Por fim, tem-se o princípio da interdependência, tendo em vista que a proteção de cada um dos signos se interpenetra, assim, os conflitos entre marcas, nome empresarial, título de estabelecimento de nome de domínio[121] possam ser resolvidos pelos demais princípios[122].
Estes princípios e normas fazem com que a proteção às marcas seja mais efetiva, na medida em que regulam o registro e concorrência entre os sujeitos exercentes de atividade empresarial. Em resumo, a tutela à marca abarca proteção dentro do território nacional (exceto as marcas notoriamente conhecidas), necessitando registro prévio no órgão registral competente (INPI). Esta tutela protege o detentor de direitos sobre a marca de contrafação e mau uso, como repressão à concorrência desleal. A marca, atualmente, aparece como o mais visível dos signos distintivos, ultrapassando fronteiras nacionais e, em alguns casos, agregando valor monetário maior do que todo o resto dos bens contidos no estabelecimento de um empresário ou sociedade empresária.
3 NOME EMPRESARIAL X MARCA: CONFLITOS ORIUNDOS DE UMA TUTELA DESCOMPASSADA
Levando em conta a análise realizada sobre marcas e nomes empresariais, pode-se perceber que são institutos, embora semelhantes na função identificadora, claramente diversos. Marcas identificam produtos e serviços e o nome, regra geral, identifica o empresário em si, o sujeito exercente da atividade empresária. A primeira tem proteção nacional, feito seu registro no órgão competente, o INPI; já o nome empresarial tem sua proteção restrita ao(s) estado(s) da Federação onde está a Junta Comercial onde foi registrado. Apesar desta diferença clara, estes institutos se encontram no plano fático, podendo vir a causar confusão entre os consumidores, fornecedores e financiadores. Muitos são os conflitos entre nomes empresariais e marcas que acabam sendo submetidos à análise pelo Poder Judiciário, o qual busca estabelecer alguns parâmetros para a solução dos referidos conflitos.
3.1 Razões para a ocorrência fática dos conflitos entre nome empresarial e marca
Marca e nome empresarial são dois dos três signos distintivos da atividade empresarial e, sendo assim, são de suma importância para o exercício desta. Cada um destes signos (marca, nome empresarial e título do estabelecimento e domínio, para alguns doutrinadores) possui uma tutela diferenciada, o que torna mais fácil a confusão e mais difícil a efetividade desta proteção.
Os signos distintivos têm por função distinguir seu titular de seus pares e criam em torno deste titular uma reputação, boa ou ruim, que será um importante ativo[123] do patrimônio do empresário ou sociedade[124]. Para além da já explicitada tutela dispensada às marcas e ao nome empresarial, ainda há que ser ressaltado, sobre os signos distintivos, que o título de estabelecimento não possui órgão registral[125], mas isso não quer dizer que não é protegido, já que o art. 195, V da LPI[126] insere o uso de título de estabelecimento[127] alheio no rol de atos de concorrência desleal[128].
Para se ter a noção do motivo pelo qual marca e nome empresarial se confundem no cotidiano empresarial, deve-se identificar as diferenças da tutela entre os institutos. Fabio Ulhôa Coelho lista quatro, quais sejam: órgão de registro, âmbito territorial da tutela, âmbito material e âmbito temporal[129].
Quanto aos órgãos de registro, como referido ao longo deste artigo, a diferença é das mais pronunciadas, já que a marca é registrada junto ao INPI, autarquia federal, e o nome empresarial recebe proteção quando se dá a inscrição de firma individual ou arquivamento do ato constitutivo da sociedade na Junta Comercial, autarquia estadual ou repartição pública pertencente à Administração Pública direta, dependendo do estado da Federação em que esteja situada[130].
Pela forma jurídica dos respectivos órgãos registrais, consequentemente, nota-se a segunda diferença: âmbito territorial da tutela. Enquanto o registro do nome empresarial abrange apenas o estado em que se situa a Junta Comercial onde seus atos foram arquivados ou sua firma inscrita, o registro de uma marca garante sua tutela em todo o território nacional. Um nome empresarial, para equiparar-se com a tutela de uma marca, deve se arquivar o pedido do registro de proteção ao nome empresarial nas Juntas de todos os demais estados, conforme art. 1.166, parágrafo único do Código Civil[131] e art. 11, §§ 1º e 2º da IN – DNRC nº 104 de 30 de abril de 2007[132] [133].
A terceira diferença reside no âmbito material da tutela destes institutos. A marca tem sua proteção restrita ao ramo de atividade a que se dedica seu titular, exceto nos casos de marca de alto renome, que tem proteção em todos os segmentos, independentemente de qual esta esteja inserida. Já o nome empresarial não tem essa restrição, pois é protegido em todos os ramos de atuação, sendo este irrelevante para efetivação de sua tutela[134].
Por fim, a última diferença se dá em relação ao prazo de duração da tutela destes institutos. O nome empresarial não tem prazo predeterminado para extinção desta tutela, isto só se dará pela vontade do titular ou por declaração de inatividade da empresa[135]. Enquanto que o titular de uma marca tem seu direito exclusivo de utilização extinto em dez anos, se não solicitada a prorrogação por este[136].
Posto isso, tratando-se estes dois institutos de sinais distintivos da atividade empresarial, mesmo que distintos, e ambos tendo como principal função distinguir seu titular de seus pares, a ocorrência de confusão no plano fático ocorre, em ramos de atividade similares, idênticos ou afins ou não, no sentido de haver possibilidade, quando há semelhança ou igualdade entre institutos, de confusão perante a clientela[137]. Nas palavras de Denis Borges Barbosa:
“Um dos mais árduos problemas da Propriedade Industrial em nosso país é a questão do conflito entre a proteção dos nomes de empresa e as marcas ou outros signos distintivos. À diferença do que ocorre com as marcas, cuja lei de regência prevê um complexo regulamento de irregistrabilidades, inclusive em face de nomes empresariais, a norma aplicável a estes últimos apenas recusa o registro a nome comercial que conflite com outro, da mesma espécie. A questão ainda se agrava pelo fato de que, na estrutura atual das Juntas Comerciais, de base estadual, o preceito é aplicado apenas no contexto do próprio órgão registral – ou seja, no estado onde o arquivamento se procede”[138].
Ainda, Gladston Mamede, refere a possibilidade de colidência entre estes institutos quando um patronímico utilizado em nome empresarial é registrado como marca por terceiro, por exemplo: os sócios Marcelo Pereira e Hernani Bastos registraram na Junta Comercial de seu Estado o nome empresarial “Pereira e Bastos Ltda” e, um terceiro, registra a marca “Pereira e Bastos” para seus produtos. A questão está em: por se tratar de nome de família a expressão contida em nome empresarial, pode-se obstar o terceiro que a registrou como marca? E mais, se é possível a utilização de nome empresarial em informes publicitários ou comercialização de produtos quando este é coincidente com marca registrada. Trata-se, neste caso, de uma falha deste empresário ou sociedade, na medida em que apenas cuidaram de seu registro na Junta comercial, não registrando, para obter direito de uso exclusivo, o patronímico em questão no INPI para poder utilizá-lo como marca, que tem procedimento próprio para garantia de direito de uso. O mesmo acontece em sentido contrário, quando um titular de uma marca pretende incluir esta em sua denominação, quando há outra sociedade com esta denominação já registrada[139].
Ao fim, a possibilidade de confusão entre os institutos prejudica o exercício da atividade empresarial e influencia o âmbito concorrencial. Nas palavras de Turczyn:
“Enquanto no comportamento examinado houver a presença do fenômeno concorrencial, ou seja, disputa pelo consumidor do bem ou serviço, essa concorrência poderá desenvolver-se dentro do largo espectro que vai de normal a desleal, esta considerada pela legislação atual tanto a prática dos atos definidos como crime e elencados no art. 195 da Lei 9279/96, quanto aqueles genericamente definidos pelo art. 209 da mesma lei como tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviços, ou entre os produtos ou serviços postos no comércio”[140].
Então, tendo estas diferenças sido explanadas e as possibilidades apresentadas, serão elas levadas em conta na solução de conflitos entre estes dois institutos, levando em conta o âmbito concorrencial em que estão inseridos, além dos critérios estabelecidos pela jurisprudência e doutrina brasileira.
3.2 Critérios jurídicos necessários para a superação dos conflitos existentes: uma análise doutrinária e jurisprudencial
Considerando as similitudes e diferenças entre os signos distintivos da atividade empresarial, a doutrina e a jurisprudência nacional utilizam princípios para dirimir conflitos entre estes, já que não há legislação prevendo critérios para isso.
Este ano, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial de número 1204488/RS, através de sua Terceira Turma, incluiu mais um critério, além dos já utilizados anteriormente pela doutrina e jurisprudência – princípio da especialidade e anterioridade, para resolução quando do conflito entre marca e nome empresarial. A extensão territorial da tutela dos institutos marca e nome empresarial, nacional e estadual respectivamente, passa a ser o primeiro critério a ser levado em conta, seguido, então, do princípio da especialidade, seguindo a ordem dos dois principais princípios do Direito Marcário[141]. Ocorreu, no caso em apreço, que a Gang Comércio do Vestuário Ltda. impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI intentando suspensão de processo administrativo no qual foi registrada a marca “Street Crime Gang”, alegando violação ao art. 124, III e V da Lei 9.279/96[142], que proíbe registro de marca que ofenda honra ou imagem ou nome empresarial de outrem. Houve provimento do pedido pelo TRF da 4ª Região, assim, O INPI recorreu ao STJ, que proveu o Recurso Especial, restabelecendo a sentença de primeiro grau que havia denegado a segurança. Abaixo a ementa do referido Recurso Especial:
“PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE CANCELAMENTO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE ACOLHEU REGISTRO DE MARCA. REPRODUÇÃO DE PARTE DO NOME DE EMPRESA REGISTRADO ANTERIORMENTE. LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA À PROTEÇÃO DO NOME EMPRESARIAL. ART. 124, V, DA LEI 9.279/96. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. COTEJO ANALÍTICO. NÃO REALIZADO. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.
1. Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de empresa serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela é a mesma: proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto.
2. A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem parcimoniosa do art. 65, V, da Lei 5.772/71 – corresponde na lei anterior ao inciso V, do art. 124 da LPI -, marca acentuado avanço, concedendo à colisão entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verificação de colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência. 3. A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71), pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71, consagradores do princípio da especificidade. Precedentes. 4. Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfico de proteção; e (ii) o princípio da especificidade, segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou “notória”, segundo o art. 67 da Lei 5.772/71), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários. 5. Atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais. Precedentes. 6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui proteção nacional -, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação seja “suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”. Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada. 7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 8. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.[143]
Quando da análise deste julgado, outro critério para solução de conflitos pôde ser visualizado, mesmo que não tenha sido tal critério decisivo para deslinde do caso acima. Se este for o escolhido pelo julgador, o nome empresarial só terá proteção, quando em conflito com marca, se seu titular fizer o registro deste em todas as Juntas Comerciais do território nacional, igualando a amplitude de sua tutela com a da marca. Caso contrário, sempre prevalecerá a proteção à marca registrada.
A despeito do anteriormente referido, para conflitos entre marca e nome empresarial, tema da presente pesquisa, comumente se utiliza os princípios da especialidade, anterioridade e da repressão à concorrência desleal. Tomazette refere que, antes de qualquer coisa, deve-se indagar se a marca em colidência é de alto renome, caso em que o conflito será resolvido em favor desta, se não o for, segue-se os princípios da especialidade e, se este também não for suficiente, o da novidade[144].
O princípio da especialidade, advindo do direito marcário, é utilizado no sentido de que se marca e nome empresarial não estiverem situadas em ramos de atuação similares, idênticos ou afins poderão conviver pacificamente[145], sem que haja necessidade de imposição judicial de abstenção de uso, modificação ou dever de indenização[146]. A ementa abaixo demonstra tal posicionamento:
“DIREITO COMERCIAL. MARCA E NOME COMERCIAL. COLIDÊNCIA DE MARCA “ETEP” (REGISTRADA NO INPI) COM NOME COMERCIAL (ARQUIVAMENTO DOS ATOS CONSTITUTIVOS DA SOCIEDADE NA JUNTA COMERCIAL). CLASSE DE ATIVIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. I – Não há confundir-se marca e nome comercial. A primeira, cujo registro é feito junto ao INPI, destina-se a identificar produtos, mercadorias e serviços. O nome comercial, por seu turno, identifica a própria empresa, sendo bastante para legitimá-lo e protegê-lo, em âmbito nacional e internacional, o arquivamento dos atos constitutivos no Registro do Comércio. II – Sobre eventual conflito entre uma e outro, tem incidência, por raciocínio integrativo, o princípio da especificidade, corolário do nosso direito marcário. Fundamental, assim, a determinação dos ramos de atividade das empresas litigantes. Se distintos, de molde a não importar confusão, nada obsta possam conviver concomitantemente no universo mercantil(…)”[147].
Mas este princípio não poderá ser utilizado se a marca em questão se tratar de marca de alto renome, como acima referido, pois este tipo goza de proteção especial, ultrapassando seu ramo de atuação, por força do art. 125 da LPI[148] e do art. 2º da resolução 121/05 do INPI:
“(…)considera-se de alto renome a marca que goza de uma autoridade incontestável, de um conhecimento e prestígio diferidos, resultantes da sua tradição e qualificação no mercado e da qualidade e confiança que inspira, vinculadas, essencialmente, à boa imagem dos produtos ou serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença”[149].
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando há conflito entre marcas, nesse sentido, fica explicitado na ementa de julgado abaixo transcrita:
“MARCA. USO INDEVIDO, POR ASSOCIAÇÃO DE EX-REVENDEDORES DA MARCA FORD. Sendo a marca objeto de propriedade, seu titular tem o direito exclusivo ao respectivo uso em qualquer âmbito, sempre que, registrada no Brasil, for considerada de alto renome (Lei nº 9.279/96, art. 125) ou for notoriamente conhecida em seu ramo de atividade (art. 126); quem a usa para reunir forças contra o seu titular viola a proteção que a lei confere à marca. Recurso especial não conhecido”[150].
E, quando a marca de alto renome conflita com o nome empresarial, este princípio também não será aplicado:
“COMERCIAL. MARCA E NOME COMERCIAL. COLIDENCIA. PRINCIPIO DA ESPECIFICIDADE. NÃO-APLICAÇÃO. MARCA NOTORIA. OMISSÃO EXISTENTE. EMBARGOS ACOLHIDOS. I – Não ha confundir-se marca e nome comercial; este elemento individualizador da empresa; aquela, meio de identificação de produtos, mercadorias e serviços. Eventual conflito entre eles deve ser resolvido pelo princípio da especificidade, sendo fundamental a determinação dos ramos de atividade das empresas litigantes, porque, se distintos, de molde a importar confusão, não haveria impossibilidade de convivência. II – Sendo notória a marca, porém, tem a empresa titular o direito de impor-lhe respeito, porque pode, em regra, a razão social ser utilizada em qualquer documento da sociedade, a colidir com o propósito de evitar-se o uso indiscriminado da referida marca que guarda característica diferenciada”[151].
Em contrapartida, se o conflito se estabelece entre empresários do mesmo ramo de atuação, prevalece a anterioridade do registro, por conta do princípio da novidade[152]. Este princípio é baseado no antigo princípio romano prior in tempore potior in jure, que diz que aquele que se apossar de um nome, símbolo ou expressão por primeiro e legitimamente, será o detentor de seu uso exclusivo[153]. Esta solução já é utilizada pelos tribunais, como se pode depreender da ementa colacionada:
“APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO PARA ABSTENÇÃO DE USO INDEVIDO DE MARCA E NOME COMERCIAL. REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL. ANTERIORIDADE. RECONHECIMENTO DA PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL A PARTIR DO ARQUIVAMENTO DOS ATOS CONSTITUTIVOS DA SOCIEDADE NA JUNTA COMERCIAL. ATIVIDADES IDÊNTICAS. POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME”[154].
Acerca do princípio da repressão à concorrência desleal[155], pode-se dizer que ele é a base dos anteriores e de todos os outros existentes na teoria dos signos distintivos. Ele é claro quando se percebe a busca da jurisprudência e doutrina por critérios que impeçam o mau uso e a possibilidade de confusão entre signos distintivos, intentando a proteção da livre e leal concorrência[156].
Nas possibilidades de confusão descritas por Gladston Mamede acima, começando com aquela em que o empresário ou sociedade empresária, que tenha patronímico em seu nome empresarial, tenha seu patronímico registrado como marca por terceiros. O autor explica que a justificativa de este patronímico ser seu nome de família não impede o uso exclusivo deste como marca pelo terceiro que a registrou[157]. Desta forma julgou o Superior Tribunal de Justiça:
“Nome comercial. Marca. Princípio da anterioridade. Ausência de registro da marca pela empresa ré. Utilização de patronímico. Precedentes da Corte. 1. A circunstância do uso de patronímico não altera o princípio maior da proteção ao nome comercial, subordinado ao princípio da anterioridade, nos termos do art. 8° da Convenção de Paris, na forma da revisão de Haia de 1925. 2. Dispondo a autora de registro de marca em diversas categorias, não pode a empresa ré, que não dispõe sequer de registro, havendo nos autos indicação de mero pedido, invadir a exclusividade nas classes registradas, que impede a utilização por terceiros. 3. Recurso especial conhecido e provido”[158].
E sobre a possibilidade de utilização nome empresarial, não registrado como marca, para comercialização de produtos e veiculação em material de propaganda, este autor refere que é proibida a utilização parcial do nome comercial, ou seja, apena as parte isolada que semelhante ou idêntica à marca registrada, sendo possível a utilização do nome empresarial por inteiro, impossibilitando a confusão entre este e a marca[159]. Entendimento que pode ser visualizado no seguinte julgado do STJ:
“DIREITO COMERCIAL. COLIDÊNCIA DE MARCA (REGISTRO NO INPI) COM NOME COMERCIAL (ARQUIVAMENTO DOS ATOS CONSTITUTIVOS DA SOCIEDADE NA JUNTA COMERCIAL). PROTEÇÃO JURÍDICA. RECURSO PROVIDO. (…) II – Havendo colidência entre marca e parte do nome comercial, a fim de garantir proteção jurídica tanto a uma quanto a outro, determina-se ao proprietário do nome que se abstenha de utilizar isoladamente a expressão que constitui a marca registrada pelo terceiro, de propriedade desse, sem prejuízo da utilização do seu nome comercial por inteiro, quer nos letreiros quer no material de propaganda ou documentos e objetos”[160].
Na possibilidade de um titular de uma marca intentar incluí-la em seu nome empresarial, quando há um registro anterior feito por terceiro. O entendimento é de que não se pode violar o direito daquele que registrou na Junta Comercial anteriormente[161]. Veja-se julgado que reflete tal entendimento:
“Marca – Nome comercial
A circunstância de ter-se obtido registro de determinada expressão, como marca, não significa que possa ser utilizada como nome comercial, colidindo com o de terceiro, que anteriormente havia adquirido direito a exclusividade de seu uso”[162].
Desta forma, visando a repressão à concorrência desleal, utiliza-se, se não se tratar de marca de alto renome, os princípios da especialidade, em primeiro lugar, e, quando de mesmo ramo mercadológico, o da novidade, prevalecendo o instituto que primeiro foi registrado. Ainda, há de ser referido que o patronímico, pelo fato de se tratar de nome de família, não prevalece sobre os critérios utilizados, seguindo, assim, os princípios atinentes à todos os nomes empresariais e marcas.
Por fim, importante ressaltar a importância dos sinais distintivos da atividade empresária, assim como a importância da tutela efetiva destes, fazendo indispensável à criação de mecanismos para a solução de conflitos entre estes e combate ao mau uso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Claro é o fato de que, como não há lei regulamentando a matéria, a jurisprudência e doutrina dão preferência à tutela da marca, principalmente se for uma marca de alto renome. Tal posicionamento advém da importância que a marca tomou no cenário mundial, ultrapassando fronteiras, obtendo valor expressivo e, confirmando sua importância, vindo a ser tutelada além de seu território original.
Entretanto, com isso não se quer dizer que o nome empresarial não tem papel fundamental como signo distintivo ou que sua importância é menor, tendo em vista sua função de identificador do empresário, sendo tão imprescindível quanto o nome civil da pessoa física. A questão está na força da publicidade destes institutos, na medida em que a marca e o título de estabelecimento são aqueles que estão no cotidiano dos consumidores, são estes que individualizam os produtos e serviços prestados, às vezes de maneira tão forte que passam a identificar todos os produtos e serviços de mesma natureza.
Por fim, tendo em vista a relevância do tema apresentado, nota-se a necessidade de regulamentação legal da matéria, bem como pacificação jurisprudencial sobre o tema, garantindo-se assim a segurança jurídica daqueles que exercem atividade empresária. Os signos distintivos são indispensáveis ao exercício da atividade empresarial e devem ser protegidos, seja através da regulação existente, seja através de julgamentos em que se interprete o caso concreto da melhor maneira possível, sempre tendo como norte a garantia dos princípios constitucionais da livre e leal concorrência, da defesa do consumidor e da função social da empresa.
Informações Sobre o Autor
Camille Damé Abreu
Acadêmica de Direito