Resumo: Esta produção tem como objetivo discorrer sobre a justiça e o acesso à justiça tomando o Direito como a instituição social encarregada de garantir os meios adequados para promover um mais efetivo modelo de jurisdição adequado à realidade social. Tomam-se os juizados especiais como modelos de jurisdição simplificados inseridos em uma reforma da justiça para garantir um Direito descomplicado, ou seja, mais adequado à realidade social e garantindo um mais efetivo acesso à justiça.
Palavras- chave: Direito. Justiça. Acesso à Justiça. Juizados Especiais
Sumário: Introdução; 1 O Direito e a justiça; 2 Da justiça ao acesso à justiça; 3 Os juizados especiais para um direito descomplicado; Conclusão; Referencias.
INTRODUÇÃO
Partindo do marco histórico onde o Direito aparece como uma instituição social do Estado moderno para garantir a justiça, discorre-se criticamente sobre a falta de racionalidade do Direito como uma instituição com métodos de garantias desalinhados da realidade. A partir do conceito de justiça como equidade, é possível fazer uma construção acerca do acesso à justiça. A discussão do acesso à justiça deve ser tomada como uma crítica ao modelo jurisdicional que garante apenas formalmente um acesso igualitário, mas não promove meios materiais para um efetivo acesso á justiça.
Tratando da justiça ao acesso à justiça observa-se a necessidade de reformas que buscam descomplicar o direito. Dentro das amplas possibilidades dos âmbitos da reforma da prestação jurisdicional, esta produção opta por tratar da implementação dos juizados especiais para a apreciação de pequenas causas. Tal implementação visaria garantir um mais efetivo acesso à justiça, com um modelo de prestação jurisdicional mais adequado à realidade social e propiciando a implantação de um Direito mais descomplicado.
1 O DIREITO E A JUSTIÇA
A modernidade ocidental emerge a partir de profundas transformações sociais e econômicas. Em uma transição conturbada, os antigos Estados absolutistas dominados pela vontade absoluta do rei, passam a Estados Nacionais com promessas de garantir os direitos fundamentais da pessoa humana a partir de uma constituição que refletiria todas as vontades e anseios de uma nação emergente. Logo, instituições são criadas, e outras consolidadas, para garantirem os projetos da modernidade para a construção de um Estado coeso.
Fez-se necessário fazer este breve resgate histórico para aportar criticamente o desvirtuamento do projeto moderno que passa a demonstrar pouca eficácia em garantir os direitos fundamentais. O Direito positivo é inserido na modernidade como um paradigma norteador e garantidor da harmonia social. Tal paradigma deveria refletir a própria sociedade e construir-se como uma instituição adequada à realidade social.
Santos (2002) proporciona uma interessante reflexão que é pertinente à construção da crítica que se pretende fazer:
“[…] as sociedade são a imagem que têm em si vistas nos espelhos que constroem para reproduzir as identificações dominantes num dado momento histórico. São os espelhos que, ao criar sistemas e práticas de semelhança, correspondência e identidade, asseguram as rotinas que sustentam a vida em sociedade”[1].
Para Santos (2002), tais espelhos são todas as instituições, normatividades e ideologias que conferem utilidade às praticas sociais. Mas esses espelhos podem adquirir vida própria mediante o excessivo uso e importância dada a estes. Quando isso ocorre, a sociedade deixa de se ver refletida, ou seja, não mais se reconhece; logo, o espelho passa a ser estátua. E entre esses espelhos construídos que passam a não corresponderem mais à realidade, tem-se o Direito [2].
Portanto, o Direito passa a não mais refletir efetivamente as expectativas e anseios da sociedade. Talvez, tal ineficiência se dá desde inserção no projeto moderno. Para a construção que se pretende fazer, o recorte feito será a partir do Direito como um meio de garantir a justiça. Tomando a justiça como um direito fundamental, poder-se-á entrar na discussão que se pretende fazer acerca do acesso à justiça.
Há inúmeras teorias que tentam estabelecer um conceito adequado de justiça. Nesta produção, tomasse a teoria da justiça como equidade apresentada por Rawls (2000). Apesar de tratar da teoria da justiça sobre uma perspectiva diferenciada, tomam-se pontualmente as idéias apresentadas por Rawls (2000); as quais podem ser aplicadas à construção pretendida. Portanto, na teoria da justiça como equidade: “as instituições da estrutura básica são consideradas como justas desde que satisfaçam aos princípios que pessoas morais, livres e iguais, e colocadas numa situação equitativa, adotariam com o objetivo de reger sua estrutura”[3].
Entende-se que a justiça se faz quando as instituições, no caso, o Direito, garantem uma situação de equidade entre os indivíduos a partir de princípios adotados. Dentre tais princípios destaca-se o seguinte:
“[…] As desigualdades sociais e econômicas são autorizadas, com a condição (a) de que estejam dando a maior vantagem ao mais desfavorecido e (b) de que estejam ligadas a posições e funções abertas para todos, nas condições de justa igualdade de oportunidades”[4].
As idéias apresentadas podem ser aplicáveis quando se faz uma crítica a cerca do Direito. Se o Direito se constitui como uma instituição social que promove a justiça a partir de uma estrutura normativa geral e abstrata que formalmente estabelece a igualdade entre todos, logo, já estaria garantindo a justiça através da simples aplicabilidade desses preceitos. Mas tal afirmação não é correta, pois, o Direito estabelece um modelo de garantia de justiça desalinhado da realidade social. Devido às grandes formalidades dos processos judiciais, a morosidade e principalmente aos altos custos processuais, uma grande parcela da sociedade que não possuem meias materiais para dispor da prestação jurisdicional é excluída de ter o acesso à justiça.
A partir das considerações, remete-se ao principio exposto da teoria da justiça como equidade. Portanto, para garantir a igualdade de oportunidades a todos, se faz necessário autorizar desigualdades sociais e econômicas. Logo, a justiça como equidade toma a igualdade de forma relativa, ou seja, tratar desigualmente os desfavorecidos para gerar uma situação de igualdade.
Todos esses pressupostos são necessários para seguir a discussão a cerca do acesso à justiça. Tomando a teoria da justiça como equidade, poder-se-á traçar opções de mudanças na estrutura do Direito para garantir a justiça de forma mais efetiva.
2 DA JUSTIÇA AO ACESSO À JUSTIÇA
Para discorrer sobre o acesso à justiça é preciso atrelar o Direito à funcionalidade do Estado. Garantir o acesso à justiça não basta apenas tratar do acesso formal, pois esse não é efetivo para garantir a justiça. O Estado precisa se preocupar para garantir, através de suas instituições, a justiça às pessoas desfavorecidas. Discorrer sobre esta temática é indispensável seguir a construção feita pela obra “Acesso à Justiça” de Cappelletti e Garth.
Para Cappelletti e Garth (1988), o acesso à justiça pode ser visto como “o requisito fundamental – mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar direitos de todos” [5]. Logo, para garantir o acesso á justiça, não basta apenas reconhecer formalmente direitos sem que sejam garantidos meios práticos e acessíveis para se obter tais direitos. O Estado deve garantir os meios necessários para promover o acesso à justiça e tornar o Direito mais acessível e descomplicado a todos.
O Direito possui toda uma estrutura organizada para resolver litígios e garantir os direitos lesados. A resolução formal dos litígios enseja altos custos tanto para o Estado quanto para as partes em conflito. As custas processuais e com os advogados podem até exceder o montante em disputa. A demanda passa a perder sentido, o processo se torna irracional, e a promessa de justiça passa a ser posta em dúvida.
Os processos judiciais são morosos, o que ocasiona ainda mais o aumento das custas judiciais. Cappelletti e Garth (1988) afirmam que:
“os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito”[6].
Portanto, os próprios procedimentos jurídicos impõem barreiras que limitam as pessoas que não possuem recursos financeiros para arcarem com as custas processuais e pagar os honorários advocatícios. Logo, quem possui mais recessos financeiros, mais vantagens possuirão, ou como afirma Cappelletti e Garth (1988): “elas podem pagar para litigar” [7]. Para ter acesso à justiça será necessário possuir recursos, então, a justiça passa a ter um preço.
Outras barreiras para o acesso à justiça consistem na falta de informação. Nem todos conhecem seus direitos garantidos e nem como proceder para ajuizar uma demanda. Observa-se que todos esses empecilhos atingem de modo significativo e mais diretamente as classes sociais desfavorecidas. As demandas em discussão são as de pequenas causas, as quais, que aparentemente parecerem de pouca relevância, possui extrema importância para as partes em conflito. Cappelletti e Garth (1988) reiteram tal perspectiva quando dizem:
“[…] os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para autores individuais, especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus próprios interesses”[8].
É indubitável que os meios para o acesso à justiça não correspondem à realidade de toda a sociedade. Mas devem-se buscar alternativas para levar a justiça de modo mais efetivo a todos. O Estado chega a se comprometer a garantir defensores públicos a pessoas que não possuem recursos financeiros para pagar um advogado; mas as defensorias públicas no Brasil possuem pouca efetividade. Outros meios de promover a justiça são através de escritórios de assistência jurídica, os quais, em geral, são propiciados por universidades de Direito. Essas soluções pontuais são tratamentos desiguais, mas com o objetivo de estabelecer um equilíbrio e garantir a real igualdade.
Com um modelo de garantia da justiça pouco eficaz, desalinhado da realidade social, faz-se necessário, além de buscar meios práticos para promover o acesso à justiça, ampliar a discussão propondo formas de descomplicar os processos judiciais de modo que este garanta maior celeridade na apreciação jurisdicional e menos custas processuais. Logo, deve ser pensada uma reforma da prestação jurisdicional para garantir na maior medida possível, um acesso mais efetivo à justiça.
As reformas da prestação jurisdicional já são amplamente discutidas e pontualmente implementadas. Há vários métodos para ampliar e melhorar o acesso à justiça que podem consistir em incentivos a meios alternativos de resolução de conflitos, mudanças nas leis para promover maior celeridade nos processos, e criar “tribunais” de apreciação jurisdicional de pequenas causas. A discussão prosseguirá tratando deste último.
No Brasil há a implementação de juizados especiais que funcionam com um modelo de apreciação jurisdicional mais simples, célere, e adequado às pequenas causas. Feito este recorte, a seguir, a analise prosseguirá a partir dos juizados especiais como meios para promover um mais efetivo acesso à justiça adequado à realidade social.
3 JUIZADOS ESPECIAIS PARA UM DIREITO DESCOMPLICADO
Pensar em uma reforma judicial sobre a perspectiva de sua ordem interna é propor mudanças nos procedimentos processuais e buscar maior eficácia, celeridade, economia, e informalidade, tornando, assim, os processos judiciais mais coerentes e justos. Para romper as barreiras que impedem pessoas de classes desfavorecidas de terem acesso à justiça, foram criados os juizados especiais.
Sinhoretto (2006) traça as experiências externas que serviram de base e como fora a implantados dos juizados especiais no Brasil. A criação dos juizados foi inspirada nas experiências de tentativa de democratizar o acesso à justiça com a criação de cortes especiais para pessoas desfavorecidas financeiramente. No Brasil, desde a década de 80, começara a se discutir como melhorar o acesso à justiça levando o judiciário ao povo. Com a iniciativa do Programa Nacional de Desburocratização, foram criadas diretrizes para a criação de juizados de pequenas causas para a ampliação do acesso à justiça através de um artigo publicado no jornal O Estado de São Paula, intitulado: “A justiça do pobre”.
Na constituição de 1988, foi expressamente prevista a criação dos juizados especiais, possibilitando uma apreciação especial para as pequenas causas. Posteriormente, em 1995 foi sancionada a Lei 9.099 que estabelece a criação de juizados especiais cíveis e criminais e retoma expressamente os princípios processuais da oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade, economia processual, conciliação e transação penal. A lei dos juizados especiais ainda destaca que a apreciação dos litígios cíveis se da em causas de até quarenta salários mínimos, e propondo a dispensa de advogados em causas de até vinte salários mínimos.
A dispensa do advogado para poder seguir adiante em um processo é uma inovação muito significativa. Acredita-se que a maior dificuldade de se manter em um processo são os altos honorários advocatícios a serem pagos. Mas essa situação deve ser observada com ressalvas, pois devido à falta de conhecimento de certas pessoas a ampla defesa pode ficar, de certa forma, menos efetiva. A possibilidade de conciliação é um importante fator para resolver a lide de forma mais pacifica, sem que seja necessária a decisão do juiz.
A atuação dos juizados especiais garante o maior acesso à justiça, a medida em que descomplica as formalidades processuais, reduz as custas do litígio, e trata da prestação jurisdicional de forma equitativa. Quando foi analisada a justiça como equidade, observou-se que para garantir oportunidades iguais seria necessário autorizar desigualdades para promover a igualdade. Portanto, a implementação de juizados especiais que beneficiam diretamente as pessoas de baixa renda, gera um maior equilíbrio nas oportunidades de acesso à justiça.
A informatização da estrutura interna da prestação jurisdicional é um importante fator para dar maior celeridade ao processo. Os Juizados especiais não precisão de uma grande estrutura para poderem funcionar. Pode haver ainda, a especialização de juizados em certas demandas especificas, como por exemplo, juizados para apreciação de demandas de consumo e de transito.
Tomando como exemplo a implementação dos juizados especiais pela justiça estadual em São Luis do Maranhão, observa que esses se localizam em pontos específicos em bairros da periferia. A cidade conta com dezessete juizados especiais espalhados pela cidade. Desses, treze são para apreciação de demandas cíveis e relações de consumo; três tratam de matéria criminal, as quais não podem exceder penas de dois anos; e um é especificamente para demandas de transito.
Observa-se que essa aproximação nos bairros periféricos garante uma maior efetividade ao levar a justiça mais próxima das classes desfavorecidas. É de extrema significância a apreciação de demandas de relações de consumo pelos juizados, pois garante a equiparação do consumidor hiposuficiente perante grandes empresas prestadoras de serviços. E a especialização em demandas como as de trânsitos, melhora a organização da prestação jurisdicional tornando mais célere e efetiva.
Portando, a inovação trazida pela implementação dos juizados especiais garante um Direito descomplicado. A prestação jurisdicional torna-se mais próxima da realidade social. Com a implementação do principio da oralidade, as leis e os direitos passam a serem mais claros para quem não compreende a excessiva formalidade e linguagem rebuscada presentes no Direito. As propostas de reformas da justiça devem ser vistas de forma ampla para garantir o acesso à justiça em todos os espaços sociais, e garantindo, assim, um Direito mais descomplicado. Cappelletti e Garth (1988) trazem uma importante reflexão que fundamenta tal perspectiva:
“Nosso Direito é frequentemente complicado e, se não em todas, pelo menos na maior parte das áreas, ainda permanecerá assim. Precisamos reconhecer, porém, que ainda subsistem amplos setores nos quais a simplificação é tanto desejável quanto possível. Se a lei é mais compreensível, ela se torna mais acessível às pessoas comuns. No contexto do movimento de acesso à justiça, a simplificação também diz respeito à tentativa de tornar mais fácil que as pessoas satisfaçam as exigências para a utilização de determinado remédio jurídico”[9].
CONCLUSÃO
Observou-se que o Direito passou a ser uma instituição social para garantir a justiça a todos que estabelecera um modelo desalinhado da realidade social. Portanto, para garantir a justiça e o acesso à justiça, faz-se necessário promover profundas reformas na estrutura interna (e tomando por outra perspectiva, também na estrutura externa) da prestação jurisdicional para garantir um modelo mais próximo e alinhado à realidade social. Propor um Direito descomplicado é garantir meios mais efetivos para uma prestação jurisdicional adequada.
Os juizados especiais para um Direito descomplicado e um acesso à justiça mais efetivo, é um passo pontual, mas profundamente válido para romper as barreiras impostas. Propor princípios processuais como a oralidade, celeridade dos processos, simplicidade e informalidade; é tornar a prestação jurisdicional mais efetiva e adequada. A reforma da justiça deve sempre ser observada de forma ampla, pois, nenhum modelo é absolutamente eficiente. Mas as grandes e significativas transformações ocorrerão quando o Direito for pensado da forma mais ampla possível, para, então, construir um Direito cada vez mais descomplicado e alinhado à realidade.
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Felipe Fonseca de Carvalho Nina