O reexame e a revaloração da prova no recurso especial

Resumo: Este artigo possui como objetivo analisar a possibilidade do reexame e revaloração de prova em sede de recurso especial. Sendo vedado à Corte destinatária do recurso especial o reexame da matéria de fato, busca-se com o presente trabalho, demonstrar a dicotomia entre o reexame e a revaloração da prova e que em determinados casos, deve ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça. Neste cenário, o foco principal deste estudo é analisar, os casos em que a violação de lei federal no que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção deve ser apreciado pela via do especial. Na elaboração deste artigo, utiliza-se o método indutivo. [1]


Palavras chave: Recurso Especial. Pressupostos de Admissibilidade. Reexame de Prova e Revaloração de Prova.


Abstract: This article has as objective to analyze the possibility of reconsideration and reevaluation of proof on special appeal. Being forbidden to the Court of Appeal addressed the review of the special matter of fact, we seek with this work, show the dichotomy between the review and reevaluation of the proof and that in certain cases, must be assessed by the Superior Court of Justice. In this scenario, the main focus of this study is to analyze the cases in which the violation of federal law regarding the valuation of the legal criteria of proof concerning the use and training of conviction must be assessed through the special. In preparing this article, we use the inductive method.


Keywords: Special Appeal. Requirement of Admissibility. Review of Proof and Reevaluation of Proof.


Sumário: Introdução. 1. O recurso especial. 1.1. Cabimento do recurso especial pela alínea “a” do permissivo constitucional. 1.2. Recurso especial pelo autorizativo da letra “b”. 1.3. Recurso especial pela letra “c” do permissivo constitucional – dissídio jurisprudencial. 1.4. Efeito devolutivo. 1.5. Efeito suspensivo. 2. Reexame e revaloração de prova em recurso especial. 3. Estudo de casos práticos.  Considerações finais. Referências.


Introdução.


O presente artigo tem por escopo o estudo a respeito do recurso especial, especificamente no problema do “reexame e da revaloração da prova na via do especial”.


É evidente o número alarmante de recursos destinados ao Superior Tribunal de Justiça que não são conhecidos ou inadmitidos sob o argumento de que é vedado o reexame e revaloração de provas em sede de recurso especial a teor do disposto na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça[2]. Por esta razão a escolha do tema, com o intuito de analisar se toda a análise de matéria fática implica o não conhecimento ou a inadmissão do recurso destinado à Corte Superior.


Criado pela Constituição da República de 1988, o recurso especial aparece como um valioso instrumento processual para se buscar o zelo pela autoridade, uniformidade e aplicação da norma infraconstitucional. Da mesma importância foi a criação do Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário encarregado de julgar os recursos especiais que lhe são direcionados.


É importante registrar que a razão principal da criação desse novo Tribunal foi a de “solucionar a tão propalada crise do Supremo, absurdamente assoberbado de feitos para julgar, o que impossibilitava o exercício da sua função político-social decorrente da posição de proeminência que ocupava, e ainda ocupa, em relação aos demais órgãos jurisdicionais”[3].


Sendo vedado àquela corte o reexame de questões fáticas, busca-se com o presente trabalho, demonstrar que o reexame e a revaloração da prova é matéria estritamente jurídica e que deve ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, sempre que o acórdão prolatado pelos tribunais inferiores contrariarem normas de direito probatório.


Neste contexto, a questão central deste estudo é analisar, as situações em que a valoração da prova é matéria estritamente de direito, porquanto a desobediência das normas de direito probatório, resultando numa errônea valoração da prova, configura-se claramente violação de lei federal, abrindo margem para a via especial.


Para que fosse possível a análise da questão supramencionada, embora lembrando que o intuito não seja o de esgotar o presente tema, foi efetuada ampla pesquisa doutrinária e jurisprudencial, acerca da possibilidade do reexame e revaloração de prova em sede de recurso especial em casos peculiares.


Assim, com a utilização do método indutivo este artigo analisa em seu primeiro item a origem do recurso especial e os seus pressupostos específicos. Num segundo momento, será efetuada uma análise do tema principal do presente estudo, qual seja, a problemática do reexame e da revaloração de prova em sede de recurso especial. No terceiro e último item, será apresentado exemplos e hipóteses em que o instituto encontra espaço na augusta via do recurso especial.


1. O recurso especial.


O recurso especial é uma novidade introduzida pela Constituição Federal de 1988, juntamente com a criação do Superior Tribunal de Justiça, a quem foram delegadas competências exercidas anteriormente pelo recurso extraordinário, ficando este último adstrito às matérias estritamente de índole constitucional.


Sua função, como salienta a doutrina, é assegurar a aplicação e a correta interpretação, de modo uniforme, dos tratados firmados pelo Brasil e das leis federais em todo o território da nação.


Para o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:


“Trata-se de recurso extraordinário lato sensu, destinado, por previsão constitucional, a preservar a unidade e a autoridade do direito federal, sob a inspiração de que nele o interesse público, refletido na correta interpretação da lei, deve prevalecer sobre os interesses das partes. Ao lado do seu objetivo de ensejar o reexame da causa, avulta sua finalidade precípua, que é a defesa do direito federal e a uniformização da jurisprudência. Não se presta, entretanto, ao reexame de matéria de fato, nem representa terceira instância.”[4]. 


O recurso especial constitui instrumento valioso e nobre, essencialmente destinado a proteger a integridade e a uniformidade de interpretação do direito federal infraconstitucional. É o remédio instituído para viabilizar o Superior Tribunal de Justiça como guardião do direito federal comum. Conforme leciona o professor Barbosa Moreira, o recurso especial é “o meio próprio para controlar a fundamentação das decisões judiciais, proferidas pelos tribunais de segundo grau, com o escopo de uniformizar, em âmbito nacional, o entendimento das normas federais” [5].


É certo que alguns recursos existentes no ordenamento processual brasileiro tem uma forma menos rígida, que são aqueles dirigidos a Tribunais locais ou regionais; não apresentam exigências específicas quanto à sua admissibilidade; comportam discussão sobre a matéria de fato e de direito, e a mera sucumbência basta para deflagrar o interesse na sua interposição. A esses podemos chamar “comuns”, “normais” ou “ordinários”, conforme a terminologia que se prefira. Já os outros recursos que, ao contrário desses, apresentam uma rigidez formal de procedibilidade, são restritos às questões jurídicas, dirigem-se aos Tribunais da cúpula judiciária e não são vocacionados à correção da mera injustiça da decisão e apresentam a particularidade de exigirem a sucumbência e um plus que a lei processual determina e especifica, esses ficam bem sob a rubrica de “especiais”, “excepcionais” ou “extraordinários”.


Determina o art. 105, inciso III, da Carta Magna que:


“Compete ao Superior Tribunal de Justiça: julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”


Como se pode constatar, o dispositivo constitucional supracitado determina e delimita o cabimento do recurso especial ao estabelecer que a matéria objeto do especial deve ter sido analisada e decidida por todos os tribunais inferiores, em única ou em última instância.


Logo, o recurso especial só poderá ser conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça se a matéria jurídica nele versada tiver sido objeto de prévio pronunciamento por parte do tribunal a quo. É a exigência do prequestionamento da matéria objeto do recurso especial. Segundo a lição do eminente Ministro Athos Gusmão Carneiro:


“Para que uma determinada questão seja considerada como prequestionada, não basta que haja sido suscitada pela parte no curso do contraditório, preferentemente com expressa menção à norma de lei federal onde a mesma questão esteja regulamentada. É necessário, mais, que no aresto recorrido a matéria tenha sido decidida, e decidida manifestamente (não obstante se deva considerar prescindível a expressa menção ao artigo de lei)”[6].


Discute-se se, para a configuração do prequestionamento, é indispensável que o acórdão objurgado tenha mencionado explicitamente o dispositivo de lei federal apontado como violado no recurso especial. A doutrina e jurisprudência entendem que o que importa à configuração do prefalado prequestionamento é que a questão federal tenha sido objeto de decisão no aresto recorrido, não resultando do ordenamento constitucional a exigência de referência explícita ao artigo de lei federal. É o que professa com maestria Ovídio Batista: “Contudo, não é necessário, para a admissibilidade do recurso especial, que o julgamento que se increpa de violador da lei federal, haja feito referência expressa a determinado dispositivo legal, dado como vulnerado”[7]. Nesse sentido perfilha a jurisprudência, conforme julgado da lavra do Ministro Marco Aurélio: “O prequestionamento prescinde da referência, no acórdão proferido, a números de artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Diz-se prequestionado certo tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito” [8].


Em suma, como bem assevera Fredie Didier Jr.:


“Preenche-se o prequestionamento com a presença, na decisão recorrida, da questão federal ou constitucional que se quer ver analisada pelo Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal. O que importa, portanto, é verificar se houve, efetivamente, decisão do tribunal recorrido acerca do tema debatido”[9].


Tendo presente a noção de que o prequestionamento consiste em manifestação do órgão julgador a respeito de questão federal suscitada ou a respeito da qual pudesse examiná-la ex officio, mas não o fez, o que configura o vício de omissão indispensável é a interposição do recurso de embargos de declaração, a fim de que o órgão julgador emita pronunciamento a respeito daquela. Persistindo a omissão, deve o embargante manejar o recurso especial, veiculando violação ao art. 535 do Código Buzaid, com o objetivo de anular o acórdão recorrido. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 211, segundo a qual é “inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. 


Outro pressuposto específico de admissibilidade do recurso especial é o de que haja o prévio esgotamento das vias recursais ordinárias, ou seja, a decisão recorrida deve ser aquela em face da qual não cabe recurso ordinário na esteira da Súmula 281 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.


O mestre Rodolfo de Camargo Mancuso leciona que:


“A explicação dessa exigência está em que o STF e o STJ são órgãos de cúpula judiciária, espraiando suas decisões por todo o território nacional. Em tais circunstâncias, compreende-se que as Cortes Superiores apenas devam pronunciar-se sobre questões federais (STJ) ou constitucionais (STF) que podem ser até prejudiciais numa lide que esteja totalmente dirimida nas instâncias inferiores”[10].


Destarte, o prequestionamento e o esgotamento prévio das vias recursais ordinárias são os pressupostos especiais de admissibilidade do recurso especial, a fim de viabilizar a sua análise pela corte Superior.


Imperioso salientar, também, que o acórdão prolatado por turma recursal de juizado especial não pode ser atacado pela via do especial, porquanto às Turmas ou Câmaras Recursais dos Juizados Especiais não foi conferido a categoria de “Tribunais”, haja vista que o permissivo constitucional autorizativo foi expresso em delimitar o cabimento do recurso especial contra decisão prolatada por “Tribunal”. Essa orientação resultou cristalizada na Súmula 203 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. Registra-se, ainda, que, posteriormente, esta súmula teve sua redação alterada com a exclusão da expressão “nos limites de sua competência”.


1.1. Cabimento do recurso especial pela alínea “a” do permissivo constitucional.


Conforme a alínea “a”, do art. 105, III, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça, julgar, em grau de recurso especial, a causa decidida que, “contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. Tal dispositivo retrata a finalidade de verificar a legalidade das decisões proferidas em última e única instância.


O controle referido incide principalmente sobre a fundamentação do decisum impugnado, ou seja, sobre a operação lógico-jurídica promovida pelos julgadores na interpretação e na aplicação da lei federal, de molde a permitir a uniformidade do direito federal pelos tribunais que integram a federação.


Além da lei federal, o permissivo constitucional inserto na alínea “a” aduz caber recurso especial quando a decisão impugnada contrariar ou negar vigência a tratado.


1.2. Recurso especial pelo autorizativo da letra “b”.


Além do permissivo genérico inscrito na letra “a” do inciso III do art. 105 da Carta Magna, existem ainda dois específicos. O primeiro deles está na alínea “b”. Segundo esse mandamento constitucional, cabe recurso especial quando o tribunal a quo “julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal”. A parte relativa a “julgar válida lei local contestada em face de lei federal” foi suprimida do texto da letra “b” do inciso III do art. 105 da “Carta da Primavera”, por força da Emenda Constitucional 45/2004, a qual passou a integrar uma das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário (alínea d), que foi acrescentada pela referida Emenda.


O mencionado preceito constitucional objetiva garantir a observância do princípio da hierarquia das leis, com a prevalência da legislação federal sobre lei ou ato de governo local.


É muito questionado o cabimento do recurso especial pela alínea “b” do permissivo constitucional, quando o tribunal a quo considera válida a legislação federal em prejuízo da legislação local. A melhor resposta é negativa, por força da Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal que expressa tal vedação: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”. O recorrente pode suscitar a errada interpretação dada pelo tribunal local à legislação federal, como também pode questionar que a interpretação dada pelo tribunal local diverge da orientação dada por outro tribunal. O recurso especial seria interposto com base nas alíneas “a” e “c”, mas não por ofensa a lei local.


1.3. Recurso especial pela letra “c” do permissivo constitucional – dissídio jurisprudencial.


A terceira hipótese contempla a admissibilidade do recurso especial contra acórdão que “der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal” (art. 105, III, c, da Constituição Federal/88).


A finalidade do mencionado preceito é segundo Luiz Orione Neto, “possibilitar a uniformização da jurisprudência dos tribunais do País acerca da interpretação da lei federal, servindo a orientação firmada não somente para o caso concreto, mas, também, para os acasos futuros”.[11]


Para viabilizar o recurso com base nessa alínea, a divergência jurisprudencial deverá verificar-se com julgado de tribunal diverso do que prolatou o acórdão que se pretende impugnar. É o que estabelece a Súmula 13 do Superior Tribunal de Justiça.


Além disso, a divergência deve conter não só o mesmo texto, como também deve ser de origem federal e não local de tribunais diferentes do a quo; devendo ter uma demonstração analítica do dissídio jurisprudencial, mediante o confronto de teses entre o acórdão paradigma e o recorrido; impugnação de todos os fundamentos autônomos; bem como deve ser a divergência atual, não podendo os paradigmas manifestarem entendimento já superado.


1.4. Efeito devolutivo.


Consiste o efeito devolutivo na devolução do conhecimento da matéria impugnada ao órgão do Poder Judiciário. É manifestação do princípio dispositivo, porquanto, em regra, somente a matéria impugnada é devolvida ao órgão competente para apreciação do recurso (tantum devolutum quantum appellatum). É lícito ao recorrente delimitar a extensão de cognição a ser feita pelo órgão do Poder Judiciário, de forma que o julgamento deve ser adstrito ao pleiteado no recurso, sendo nula a decisão ultra, extra ou citra petita, nos moldes do art. 128 do Código de Processo Civil.


Todavia, em alguns recursos, o respectivo efeito devolutivo é limitado pela própria legislação. Nos recursos de fundamentação vinculada, impõe a lei limites à fundamentação, fazendo com que o recorrente invoque a tipicidade do erro para efeito de conhecimento do recurso e, no mérito, demonstre a sua efetiva ocorrência para o respectivo provimento.


O artigo 542, § 2º, do Códex Instrumental estabelece que o recurso especial possui apenas efeito devolutivo. Ou seja, devolve ao Superior Tribunal de Justiça o conhecimento da matéria de direito federal infraconstitucional. No entanto, este efeito devolutivo não é amplo. A matéria que será devolvida para a análise da Corte Superior será, em princípio, aquela que supostamente tenha sido violada pelas instâncias ordinárias.


1.5. Efeito suspensivo.


Por efeito suspensivo deve ser entendido o que tem aptidão de impedir que da decisão impugnada resulte eficácia. No tocante ao raro apelo, o Código de Processo Civil, em seu art. 542, § 2º, conferiu apenas o devolutivo. Sendo o aludido recurso precipuamente vocacionado à tutela do direito objetivo – lei federal – é razoável que o legislador não lhe confira o efeito suspensivo.


Apesar da aparente peremptoriedade da norma, é possível se conferir efeito suspensivo ao recurso especial nas situações que reclamam por uma tutela jurisdicional de urgência, em face da cláusula constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário que assegura e garante a tutela de urgência. Tendo presente o escopo do processo cautelar – assegurar a eficácia e utilidade do processo principal –, maciça é a doutrina que defende o cabimento da ação cautelar como meio adequado, a fim de se conferir ao recurso especial efeito suspensivo. Para isto, incumbe ao recorrente demonstrar o fumus boni iuris e o periculum in mora.


Importante ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça diverge quanto ao momento de que o recorrente poderá pedir a tutela cautelar. Uma parte entende que esta pode ser requerida antes mesmo de ser efetuado o juízo de admissibilidade do recurso especial. Outros entendem que a parte só poderá requere-la após o juízo de admissibilidade. Por fim, há os mais liberais que defendem que mesmo sem a interposição do recurso especial e existindo os pressupostos autorizadores, a parte poderá requerer a medida cautelar. 


2. Reexame e revaloração de prova em recurso especial.


O Superior Tribunal de Justiça há tempo vem afirmando que em recurso especial não é cabível o reexame de matéria fática probatória. No entanto, o mesmo órgão julgador afirma que, apesar de não admitir o reexame de prova, é possível, se descumpridos os preceitos processuais relativos à produção da prova, a revaloração da prova, por meio do recurso especial. Este entendimento, inclusive, já está sumulado pelo referido Tribunal no enunciado n. 7: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.


O que poderia, de certa forma, estar pacificado pela própria definição da egrégia Corte, contudo, quando analisado de forma mais aprofundada, apresenta uma zona nebulosa para os jurisdicionados. Ao se analisar essas decisões sobre reexame e valoração de provas, verifica-se que, em muitas vezes, sob o pretexto de revalorar prova, o Superior Tribunal de Justiça acaba por reexaminar prova. Em outros casos, declara-se inadmissível o recurso interposto.


Em questão probatória, a diferença entre questão de fato e questão de direito dá origem à distinção entre reexame e revaloração da prova, para admitir esta e não aquele em sede de recurso especial, conforme entendimento já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça.


Realmente não há como confundir as duas figuras. Enquanto que no reexame o órgão julgador considera os elementos de prova existentes nos autos para afirmar se um fato aconteceu ou não, em determinado lugar, tempo e em determinada circunstância, para concordar ou divergir com o órgão a quo. Na revaloração, o órgão de instância superior avalia se o órgão de instância inferior poderia ter formado o seu convencimento a respeito dos fatos de determinado modo, ou seja, se o meio de prova era admitido pelo Direito e se alguma norma jurídica predeterminava o valor que a prova poderia ter.


É bastante sutil esta diferença. O reexame é traduzido na análise mais minuciosa, atenta e vagarosa das provas constantes dos autos, que poderia levar ao mesmo resultado auferido pelas instâncias ordinárias, qual seja, a solução de que a subsunção se teria dado de modo equivocado. Já a revaloração tem sido permitida geralmente quando é desobedecida norma que determina o valor que a prova pode ter, em razão do caso concreto. Nestes casos, haveria uma dupla ilegalidade: valorar mal a prova e, consequentemente, qualificar equivocadamente os fatos. Configurando a ilegalidade.


Questionar, por exemplo, se o juiz poderia ter decidido a causa com base em seus conhecimentos pessoais (obtidos fora dos autos), com base em prova produzida de forma ilícita, o que é vedado por lei e pela Constituição Federal ou com base em prova não submetida ao contraditório, quando a ocorrência de tais circunstâncias tenha sido reconhecida pela instância inferior, é revalorar a prova e não reexaminá-la.


A revaloração da prova consiste em confrontar o valor que foi atribuído à prova pela instância inferior com o valor a ela atribuído pela lei ou, em outras palavras, discutir o valor da prova para admiti-la ou não em face da lei que a disciplina.


Na seara probatória, a comprovação do fato, além de ser importante para o desfecho da lide, deve ser admissível à luz do direito positivo. Embora o Código de Processo Civil tenha adotado o princípio da persuasão racional como regra, há hipóteses de valoração, em abstrato, dos meios de prova. Trata-se de uma valoração prévia do legislador, destinada a evitar o ingresso de determinados meios de prova tidos como inidôneos para comprovar o fato.


Resta claro assim, que a diferença entre reexame e revaloração da prova decorre da ausência ou não de liberdade do juiz para decidir. Por muitas vezes as questões de prova e de direito se confundem. Nestes casos é permitido o recurso especial. A respeito do assunto ensina Miguel Reale:


“Em casos excepcionais, quando as questões de fato e de direito se achem estreita e essencialmente vinculadas, a tal ponto de uma exigir a outra, é sinal que existe algo a ser esclarecido em tese, sendo aconselhado o julgamento prévio no Tribunal, ou a admissão do Recurso Extraordinário”.[12]


Adverte, ainda, o mestre citado que “A finalidade da prova é reconstituir o fato, assim entendido, mas, muito embora sobre ‘os elementos fatuais’ ou subjacentes não haja divergência, podem haver enfoques jurídicos diversos”.[13]


Embora não se admita o recurso quando é pleiteado o reexame de provas, ou seja, saber se determinado fato ocorreu, ou não, admite-se tal recurso, no entanto, “quando o que está em jogo é a revaloração do fato provado (ou seja, não há dúvida acerca da ocorrência de determinado fato, mas discute-se como deve ser qualificado juridicamente o mesmo)”[14]. A revaloração da prova, repita-se, tem sido permitida predominantemente quando é desobedecida norma que determina o valor que a prova pode ter em função do caso concreto. Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica em admitir recurso especial em que se postula a revaloração da prova. O Ministro Vicente Cernicchiaro, com propriedade, explica:


“A valoração da prova é relativa ao ato jurídico perfeito. A adequação da prova à Constituição e à lei ordinária. Compreende admissibilidade de formação consoante o ordenamento jurídico. A primeira é consentimento, constatável em plano meramente normativo. A segunda porque relacionada com os princípios de realização, própria também da experiência jurídica, não se confunde com a interpretação da prova, ou seja, a avaliação dos dados fáticos elaborados pelo Magistrado. (…) A valoração da prova distingue-se da análise da prova. essa distinção amolda-se perfeitamente ao campo teorético. O instituto, porém, na experiência, para caracterização fenomênica pode exigir análise, realização de provas. Sem dúvida, confissão é narração, reconhecimento de autoria de fato. Por sua natureza, reclama espontaneidade, deliberação sem qualquer constrangimento. Com efeito, confissão e tortura são termos contraditórios. Todavia, a livre opção ou a coação dependem de prova. em sendo assim, a confissão ou a extorsão de palavras no campo fático, não pode ser dirimida na ação de habeas corpus.”[15] 


Essa afirmação é corroborada pelo seguinte julgado:


“Consoante jurisprudência da Corte, ‘a revaloração da prova delineada no próprio decisório recorrido, suficiente para a solução do caso, é, ao contrário do reexame, permitida no recurso especial’(REsp 723147/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 24.10.2005; AgRg no REsp 757012/RJ, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de 24.10.2005; REsp 683702/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 02.05.2005”.[16]


De acordo com o artigo 105, inciso III, da Constituição Federal e o artigo 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conhecido o recurso especial, a causa é julgada com a aplicação do direito à espécie. Os textos constitucional e regimental revelam que o Superior Tribunal de Justiça é uma corte de revisão, e não mera corte de cassação – própria dos sistemas italiano e francês. Sendo corte de revisão, tudo indica que a Corte Superior pode apreciar questão de fato, desde que, ainda não solucionada, e cujo exame é essencial para o julgamento do caso concreto.


É importante ter em mente que a vedação inserta no enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça diz respeito apenas à inadmissibilidade de recurso com fito de simples reexame de matéria fática. Não há dúvida de que é impertinente recurso especial com mero intuito de reapreciação de provas. Nem é possível o exame de prova não considerada pelo tribunal de origem ao decidir a questão de fato a ela ligada. Porém, ultrapassado o juízo de admissibilidade, e tendo a Corte Superior que decidir a causa, ela pode examinar, o que difere de reexaminar, questão de fato ainda não solucionada, e cuja apreciação é indispensável à solução da espécie. Tanto quanto sutil, a diferença é relevante.


A valoração da prova será permitida na esfera do recurso especial quando o julgador ao apreciar o caso concreto, deixa de aplicar determinada prova prevista em lei federal. Ou, ao contrário, aprecia apenas um tipo de prova, quando a lei determina o meio de prova que deverá ser apreciado.


A avaliação da prova realizada pelo tribunal local, à luz da persuação racional, não pode ser reavaliada pelo Tribunal Superior, sob pena de transformá-lo em órgão de terceira instância. Porém, revela-se possível, na via do especial, a análise a respeito da valoração legal da prova apreciada pela decisão impugnada, tendo como base, em abstrato, o valor jurídico da prova em contraste com preceito de lei federal.


O recurso especial que se refira a fato não examinado pela decisão invectivada, apesar de juntado aos autos, é inadmissível, porquanto seria necessário  a avaliação da prova não retratada no acórdão recorrido, a fim de configurar a violação à legislação federal, o que é vedado pelo texto constitucional; motivo pelo qual mostra-se correto o entendimento segundo o qual, a apreciação dos fatos e provas é, reservado exclusivamente à instância ordinária. De igual razão, é inadmissível recurso especial que, para configurar a violação a lei federal, seja  necessário realizar o reexame da prova.


Já a qualificação jurídica dos fatos referidos no acórdão impugnado é passível de análise pela Corte Superior, desde que seja posta em confronto com a legislação federal. Ou seja, a subsunção dos fatos ao direito é uma operação lógica em que predominam a escolha e a interpretação da norma jurídica a ser aplicada aos fatos, sendo considerada questão de direito.


3. Estudo de casos práticos.


O Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgados, quando se trata de violação à lei federal na qual contenha conceito vago, tem inadmitido o recurso especial sob a justificativa de ser defeso o reexame de fatos. Em recurso especial em que se apontou violação ao art. 17 do Código de Processo Civil (no sentido de a conduta do litigante configurar litigância de má-fé), tendo em vista que o tribunal local entendeu não estar configurada esse tipo de conduta, decidiu a Corte Superior que era inadmissível o recurso interposto, uma vez que para a reforma do aresto seria indispensável o reexame de fato. Neste sentido:


“PROCESSUAL CIVIL. MULTA DO PROCON MUNICIPAL. QUANTUM ARBITRADO. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 282/STF. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ. COMPETÊNCIA DO PROCON. ATUAÇÃO DA ANATEL. COMPATIBILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SÚMULA 07/STJ. […] 3. A análise referente aos pressupostos caracterizadores da litigância de má-fé, com o fim de reformar conclusão obtida pelo acórdão recorrido, implica o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é vedado nesta seara recursal, ante o óbice da Súmula 7/STJ”.[17]


Segundo Oliveira[18], esse posicionamento não é correto pois se o recorrente sustentar que dos fatos relatados no acórdão objurgado – por exemplo deduzir pretensão contra fato incontroverso – decorre a litigância de má-fé –, deve o Superior Tribunal de Justiça admitir o recurso e apreciar se a conduta do litigante retratada na decisão recorrida configura ou não litigância de má-fé, de forma a concluir se houve, ou não, violação ao art. 17 do códex instrumental, não ocorrendo, no caso, mero reexame dos fatos, mas sim qualificação jurídica dos fatos.


É pacífico o entendimento de que o julgador ao arbitrar o valor da reparação por dano moral deve considerar, antes de mais nada, a repercussão do dano, a situação social do ofendido e a capacidade financeira do ofensor. Quanto ao valor fixado, discute-se se é passível o controle pela via do especial, ou seja, se o arbitramento do valor, elevado ou irrisório, pode configurar violação à lei federal. Há entendimento segundo o qual, a fixação do valor da reparação, como o juiz tem que analisar a matéria fática, é inadmissível recurso especial, nos termos da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. A exemplo, citamos o seguinte julgado:


“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUE. DANO MORAL CARACTERIZADO. […] 2. O arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado pelas instâncias ordinárias com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do recorrido e, ainda, ao porte econômico do recorrente, orientando-se pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade. A revisão desse valor demandaria o reexame de fatos e provas. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.”[19]


Por outro lado, há entendimento de que, quando a quantia fixada não for proporcional ou condizente com o dano suportado e a capacidade financeira do ofensor, a Corte Superior, em sede de recurso especial, pode retificá-lo, sob a justificativa de ocorrência de violação a lei federal. Nesse sentido:


“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. REVISÃO DO VALOR. 1. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 2. Agravo regimental a que se nega provimento”.[20]


Assim, desde que não seja necessário efetuar o reexame dos fatos, e tendo presente o quadro fático estampado no acórdão recorrido, o recurso especial no qual se aponte contrariedade ao artigo 186 do Código Civil, por ter a decisão atacada fixado um valor exorbitante ou insignificante, a título de reparação por dano moral, é inadmissível. No caso, não há o mero reexame de fato, e sim, o confronto deste com a lei federal, de maneira a configurar o vício de ilegalidade em decorrência da má interpretação da lei. Portanto, o arbitramento do valor da reparação do dano moral, quando efetuado em desalinho com os fatos soberanamente avaliados na instância ordinária, revela a má interpretação do texto legal, que é questão de direito para fins de manejo do raro apelo.


Como outro exemplo, citamos o art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, o qual estabelece que, para a obtenção de benefício previdenciário decorrente de atividade rurícola, é indispensável que haja início de prova material, não bastando a prova exclusivamente testemunhal. Ora, a discussão sobre a valoração da prova prevista na aludida legislação é preponderantemente de direito, haja vista que a atividade cognitiva do tribunal superior restringe-se, tão somente, à análise da violação do preceito legal relativo à valoração da prova, não procedendo ao reexame dos fatos analisados pelo tribunal a quo. Esta matéria, que é exclusivamente de direito, foi objeto de enunciado sumular n. 149 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”. Neste diapasão:


“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO STJ. APOSENTADORIA RURAL. COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO EM QUE CONSTA A CONDIÇÃO DE RURÍCULA DO MARIDO DA AUTORA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. […] 2. Não se deve aplicar rigor excessivo na comprovação da atividade Não se deve aplicar rigor excessivo na comprovação da atividade rurícula, para fins de aposentadoria, sob pena de tornar-se infactível, em face das peculiaridades que envolvem o Trabalhador do campo. 3. O rol de documentos hábeis a comprovar o labor rural, elencados pelo art. 106, parágr. único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo. Precedentes do STJ. 4. Não sendo a prova material suficiente para comprovar o labor rural (no caso, a Certidão de Casamento em que consta a condição de trabalhador rural do marido da autora), deverá ser complementado por firme e idônea prova testemunhal, para que o trabalhador faça jus à aposentadoria, formalidade cumprida pelo recorrente, conforme analisado pelo Magistrado de 1ª instância. 5.   Recurso Especial provido.”[21]


Vale questionar ainda, se o recurso especial interposto contra acórdão que  defere ou indefere pedido de tutela antecipada, é ou não admissível. Existe entendimento jurisprudencial que, como para demonstrar a violação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, deveria a Corte Superior analisar matéria de fato, seria inadmissível o especial, pois é defeso o reexame de prova, conforme o julgado:


“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. INDEFERIMENTO DA LIMINAR. REQUISITOS VERIFICADOS NA ORIGEM. SÚMULA 7/STJ. […] 4. A iterativa jurisprudência desta Corte tem firme entendimento no sentido de que, para avaliar os critérios adotados pela instância ordinária que ensejaram a concessão ou não de medida liminar, assim como da antecipação dos efeitos da tutela, requer reexame dos elementos probatórios a fim de aferir a “prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação”, nos termos do art. 273 do CPC. O que não é possível em recurso especial, dado o óbice do enunciado 7 da Súmula do STJ. Agravo regimental improvido.”[22]


Por outro viés, há entendimento que admite o recurso especial nas situações em que se estão presentes ou não os requisitos da tutela de urgência. Por exemplo:


“LOCAÇÃO. DESPEJO. CONCESSÃO DE LIMINAR. POSSIBILIDADE. ART. 59, § 1º, DA LEI N.º 8.245/94. ROL NÃO-EXAURIENTE. SUPERVENIÊNCIA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. NORMA PROCESSUAL. INCIDÊNCIA IMEDIATA. DETERMINAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. 1. O rol previsto no art. 59, § 1º, da Lei n.º 8.245/94, não é taxativo, podendo o magistrado acionar o disposto no art. 273 do CPC para a concessão da antecipação de tutela em ação de despejo, desde que preenchidos os requisitos para a medida. 2. Ainda que se verifique a evidência do direito do autor, para a concessão da tutela antecipada com base no inciso I do art. 273 do CPC não se dispensa a comprovação da urgência da medida, tudo devidamente fundamentado pela decisão concessiva, nos termos do § 1º do mencionado dispositivo. A ausência de fundamentação acerca de todas as exigências legais conduz à nulidade da decisão. 3. Embora o acórdão recorrido careça de fundamentação adequada para a aplicação do art. 273, inciso I, do CPC, a Lei n.º 12.112/09 acrescentou ao art. 59, § 1º, da Lei do Inquilinato, a possibilidade de concessão de liminar em despejo por de “falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação”, desde que prestada caução no valor equivalente a três meses de aluguel. Assim, cuidando-se de norma processual, sua incidência é imediata, sendo de rigor a aplicação do direito à espécie, para determinar ao autor a prestação de caução – sob pena de a liminar perder operância. 4. recurso especial improvido.”[23]


No caso de recurso especial manejado contra a decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela, sob a alegação de violação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, o recorrente sustenta que os fatos examinados na decisão recorrida configuram a verossimilhança do direito e o periculum in mora, não ocorre o óbice do mero reexame de prova, uma vez que a cognição da Corte Superior, neste caso, limita-se ao exame da subsunção da lei federal aos fatos narrados, ou seja, examina a qualificação jurídica dos fatos.


Já a interpretação de um contrato, ou de suas cláusulas, cujo objetivo seja a obtenção do sentido e alcance da manifestação de vontade, envolve matéria de fato, uma vez que analisa a vontade dos contraentes, sendo inadmissível o respectivo reexame pela via do recurso especial. Nesse sentido, é o enunciado da Súmula 5 do Superior Tribunal de Justiça: “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Da Corte Superior destaca-se o precedente a seguir:


“CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE IMÓVEL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ANÁLISE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E DE ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. PEDIDO IMPLÍCITO. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DA PEÇA INICIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282/STF. 1. Aplicam-se as Súmulas n. 5 e 7 do STJ na hipótese em que a apreciação da tese versada no recurso especial reclama a análise de cláusulas contratuais e dos elementos fático-probatórios produzidos ao longo da demanda. […] 4. Agravo regimental provido para se negar provimento ao agravo de instrumento.”[24]


Salienta-se que a súmula supracitada refere-se à simples interpretação e não abarca a qualificação jurídica ou interpretação jurídica de cláusula contratual que é questão predominantemente de direito, passível de análise em recurso especial. Estabelecidos o sentido e o alcance da cláusula contratual, é questão de direito, para fins de recurso especial, a discussão a respeito da correta aplicação da lei federal à manifestação de vontade. Portanto, é viável a discussão a respeito da qualificação jurídica da manifestação de vontade, em sede de recurso especial, inclusive se a cláusula contratual ofende, ou não, a lei federal. Em abono à assertiva, traz-se à lume o seguinte julgado:


“Direito Civil e Comercial. Representante Comercial. Vinculação a contrato celebrado entre a importadora, representante e exportadora. Impossibilidade de obrigá-la aos termos do contrato. Adiantamento de despesas com capatazia e taxa portuária. Negócio realizado na condição FOB ESTIVADO. Dever da vendedora. I – A representante comercial age em nome e no interesse de quem representa, praticando atos de mediação para realização do negócio estabelecido entre as partes. A manifestação de vontade não é a sua, mas a do seu representado. Impossibilidade, pois, de vinculá-la às cláusulas contratuais. II – Adiantando a representante importância para pagamento de despesas com capatazia e taxas portuárias, da responsabilidade exclusiva da importadora, cujo negócio foi realizado na condição FOB ESTIVADO, tem ela direito ao reembolso dos valores adiantados, corrigidos monetariamente. III – Recurso especial conhecido e provido.”[25]


Considerações finais


Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a missão de zelar pelas normas de direito federal foi transferida para o Superior Tribunal de Justiça  a fim de desafogar o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pelo julgamento dos recursos extraordinários.


Criado o Superior Tribunal de Justiça, institui-se também o recurso especial que possui requisitos comuns do recurso extraordinário e também pressupostos específicos, os quais estão previstos nas alíneas “a”, “b” e “c” do inciso III do artigo 105 da referida Carta Política.


A vedação ao reexame de prova é matéria pacificada no Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula 7. Tal característica reflete a impossibilidade de apreciação da justiça ou injustiça cometida pela decisão recorrida por aqueles órgãos e mostra-se relevante, pois caso contrário, a Corte Superior seria uma mera terceira instância.


Para que seja possível o estudo do reexame probatório, importante a diferenciação entre questões de fato e de direito. Embora difícil, vez que para a existência de um direito é necessária a ocorrência de um fato, entende a doutrina que, no estudo do reexame, o julgador deve se orientar pelo critério da predominância, de forma que o aspecto problemático passe a girar em torno dos fatos ou em torno do direito.


As questões de fatos, em resumo, são aquelas que envolvem a análise da existência de fatos; e as questões direito, aquelas decorrentes da aplicação e interpretação de uma norma legal.


O método mais utilizado para interpretação das normas e que colabora para uma fácil visualização das questões de fato e de direito é o silogismo que consiste na adoção de uma premissa maior – lei – que após sua subsunção sobre uma premissa menor – fatos –, produzindo um determinado resultado.


Não obstante a utilização do método silogístico, nem sempre é possível vislumbrar a exata separação entre questões de direito e de fato. Por este motivo, a doutrina leciona dois métodos empregados na conceituação dos mencionados institutos. São eles, o critério substancial, onde é analisado o “ser” das questões; e o critério técnico-processual adotado pela Súmula 7 Superior Tribunal de Justiça.


Na valoração é admitida a análise de matéria fática, desde que não se discuta se ocorreu ou não determinado fenômeno, devendo ser alegada nos dissídios em que a norma jurídica relativa à matéria probatória é aplicada ou interpretada de maneira equivocada.


Desta forma, a necessidade de exame de matéria fática em sede dos recursos especiais, nem sempre faz incidir sobre eles a vedação do reexame probatório. Há casos em que não há reexame, embora, após utilizar-se o método silogístico para a constatação das questões de fato e de direito, o fenômeno, a ser apreciado em via recursal, seja predominantemente questão de fato.


Por esta razão, é imprescindível verificar se a apreciação de matéria fática resulta, necessariamente, novo julgamento acerca da demonstração da ocorrência ou não de determinado acontecimento, antes que se aplique a súmula que veda o reexame de prova na via do recurso especial.


 


Referências

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Notas:

[1] Artigo científico elaborado como trabalho final de conclusão do Curso de Especialização em Jurisdição Federal – Turma Especial 2011, sob a orientação do Dr. Rodrigo Koehler Ribeiro, Juiz Federal da 4ª Região, Seção Judiciária de Santa Catarina.

[2] A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

[3] MONTEIRO, Vítor José de Mello. “As novas reformas do CPC e de outras normas processuais”, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 399.

[4] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. “O recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça”, RT, 653/8.

[5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Comentários ao Código de Processo Civil”, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003. v. V, p. 580.

[6] CARNEIRO, Athos Gusmão. “Recurso especial, agravos e agravo interno”, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 47.

[7] SILVA, Ovídio Baptista da. “Recurso Especial por violação de princípio jurídico”, Revista dos Tribunais, ed. RT, São Paulo, 1997, p. 110.

[8] STF – Recurso extraordinário n. 234979/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJU de 2.5.2000, p. 0125.

[9] DIDIER JR., Fredie. “Recurso de terceiro” col. Recursos no Processo Civil – RPC-10, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 63.

[10] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. “Recurso extraordinário e recurso especial”, 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 91.

[11] NETO. Luiz Orione. “Recursos cíveis” 3ª ed. São Paulo, Saraiva, 2009, p. 505.

[12] REALE, Miguel. “Lições preliminares de direito”, 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 1986, p. 20.

[13] REALE, Miguel. “Lições preliminares de direito”, p. 20.

[14] MEDINA, José Miguel Garcia. “Recursos e ações autônomas de impugnação”, 2. ed. rev. e atual. de acordo com a Lei 12.322/2010, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 237.

[15] STJ – Habeas Corpus n. 1293, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, Quinta Turma, DJU de 02.09.91, p. 0821.

[16] STJ – Recurso Especial n. 734.451/SP, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02.02.2006, DJ 20.02.2006, p. 227.

[17] STJ – Recurso Especial n. 1178786/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 16-12-2010, DJe 8-2-2011.

[18] OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. “Recurso especial”, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 295.

[19] STJ – Agravo Regimental no Recurso Especial 1085084/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 9-8-2011, DJe 16-8-2011.

[20] STJ – Agravo Regimental no Agravo n. 1266078/RS, rel. Mina. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 2-8-2011, DJe 9-8-2011.

[21] STJ – Recurso Especial n. 980762/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 8-11-2007, DJe 17-12-2007.

[22] STJ – Agravo Regimental no Agravo 1399499/DF, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 21-6-2011, DJe 29-6-2011.

[23] STJ – Recurso Especial n. 1207161/AL, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 8-2-2011, DJe 18-2-2011.

[24] STJ – Agravo Regimental no Agravo n. 1332176/PR, rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 2-8-2011, DJe 9-8-2011.

[25] STJ – Recurso Especial n. 194177/SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, j. 5-4-2005, DJe 15-8-2005.


Informações Sobre o Autor

Jivago Viana

Discente do Curso de Especialização em Jurisdição Federal da Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina – ESMAFESC


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