Sumário: I – Intróito; II – Princípios da Igualdade e da Não Discriminação; III – Medidas de Proibição à Discriminação no Âmbito da Relação de Emprego; IV – Acesso à Justiça mediante a Invalidação da Dispensa Discriminatória: os caminhos da Lei 9.029 de 1995
I – Intróito
Até recentemente, inexistia na legislação trabalhista brasileira qualquer dispositivo destinado a disciplinar de forma minuciosa a dispensa discriminatória.
Em meados da década de 90 do século passado, contudo, o legislador pátrio editou uma lei cuja finalidade, dentro do âmbito laboral, foi vedar a prática discriminatória na admissão e na dispensa de empregados.
A Lei 9.029 de 13 de abril de 1995[1], assim, introduziu modalidades novas de proteção à relação de emprego mediante dois instrumentos distintos. Um, destinado a promover a inibição da prática da dispensa discriminatória mediante a imposição de uma indenização pecuniária. Outro, com o objetivo de efetivamente vedar a despedida fundada em motivo discriminatório.
Ambos os institutos, assim, almejam atingir o ato resilitiório quando a respectiva despedida implica na violação ao dever de não discriminar, esculpido na Constituição de 1988 como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil no inciso IV do seu artigo 3º. (“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”) e como direito social dos trabalhadores no inciso XXX do seu artigo 7º (“proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”).
Enquanto o artigo 1º da Lei 9.029/95 estabelece que “fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal” o seu artigo 4º assegura ao empregado, em caso de “rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei”, a faculdade de optar entre o restabelecimento do vínculo empregatício ou “a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida de juros legais”.[2]
Caracterizada a dispensa por ato discriminatório (via de regra através de processo judicial ajuizado pelo obreiro mediante ação trabalhista), a Lei 9.029 de 1995 assegura ao empregado o direito de optar pela invalidação da despedida, com o conseqüente retorno do obreiro ao seu antigo posto empregatício.
Caso escolha a segunda opção, entretanto, além da indenização compensatória prevista na Lei 8.036/90, o empregado vítima da discriminação perceberá uma indenização especial, correspondente a duas vezes a remuneração devida durante o período compreendido entre a dispensa e a declaração judicial da prática discriminatória, devidamente atualizada[3].
Tal indenização especial, destarte, revela uma finalidade igualmente peculiar. Destina-se a coibir a dispensa abusiva, praticada com fundamento em motivo discriminatório.
Por ser a despedida discriminatória uma dispensa especialmente abusiva, contrária aos mais elementares princípios sociais, os prejuízos provocados por sua prática transcendem à relação de emprego, atingindo interesses de toda a coletividade. Com a sua prática, não apenas o empregado discriminado, mas igualmente o Estado e a própria sociedade se tornam vítimas de ato contrário aos bons costumes e aos postulados básicos da vida em comum.
Almejando inibir ao máximo a concretização de atos de tal natureza, o legislador pátrio criou uma medida inibitória específica, destinada a obstaculizar a sua efetivação, punir a violação ao dever de todo cidadão de não discriminar, e, ainda, reparar os danos decorrentes de uma conduta nociva ao ideal da vida em sociedade.
O novo instituto corresponde, portanto, a uma medida inibitória semelhante à denominada por Américo Pla Rodriguez de “danos e prejuízos por despedida abusiva”. E é exatamente por ter um fato gerador de tal natureza, cujo conteúdo difere da causa que enseja o direito à indenização compensatória típica da legislação atualmente em vigor (a multa fundiária prevista na Lei 8.036 de 1990), que a sua presença não exclui a percepção desta última.
Ambas as modalidades coexistem em perfeita harmonia, sem se confundirem, por revelarem causas e finalidades semelhantes, mas não idênticas.
Quase um ano antes da edição da Lei 9.029, o professor Arion Sayão Romita já abordava o instituto da indenização reparatória, lançando as diretrizes seguidas pelo legislador de 1995. Em artigo publicado em junho de 1994[4], o citado jurista afirmou que
“A resilição do contrato de trabalho pelo empregador, sem justa causa, dá ao empregado o direito a uma indenização compensatória da perda do emprego. Nesse caso estamos diante de uma despedida arbitrária comum. Em certos casos, porém, o ato de despedir é especialmente qualificado. O dano produzido pelo exercício abusivo do direito deve ser indenizado. Nessas hipóteses, surge para o empregado o direito a outra indenização, que não se confunde com a indenização compensatória da simples perda do emprego e que com ela se acumula”.
Tal espécie de indenização especial, entretanto, apenas inibe a prática da dispensa discriminatória mediante uma a imposição de uma reparação pecuniária.
A outra medida criada pela Lei 9.029 de 1995, por sua vez, corresponde a um instituto efetivamente apto a impedir a prática da despedida fundada em motivo discriminatório, ou, ao menos, permitir a invalidação de uma dispensa abusiva em tais moldes, ensejando a restituição do vínculo de emprego ilicitamente desfeito de forma abusiva.
A morfologia de tal medida de proibição de dispensa discriminatória, por sua vez, será o objeto nuclear do presente texto.
II – Princípios da Igualdade e da Não Discriminação
Corresponde ao instrumento que veda a despedida discriminatória, ou seja, proíbe a dispensa de empregado por motivo de discriminação, violadora dos princípios da igualdade e da não discriminação, ambos igualmente consagrados no texto constitucional brasileiro.
O legislador constituinte, entretanto, não “positivou” de forma nominal estes princípios, transformando-os em preceitos legais explícitos, como fez com os postulados orientadores da Administração Pública no artigo 37 da Constituição. Preferiu estipular tais cânones indiretamente, no espírito das suas letras, estabelecendo objetivos e fixando regras, que, na realidade, tornam obrigatória a obediência aos princípios da igualdade e da não discriminação.
Não há no texto constitucional, assim, dispositivo afirmando explicitamente que “todos devem necessariamente se submeter aos postulados da igualdade e da não discriminação”. Mas existe na Carta Política, por outro lado, preceitos estabelecendo normas nos quais se extrai a exigência de seguir as respectivas diretrizes.
Nesse sentido, estabelecem os artigos 3º e 5º da Constituição de 1988, respectivamente, que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: … IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”[5] e que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza …”.
Em que consistem, contudo, tais postulados da igualdade e de não discriminação?
O vocábulo igualdade, oriunda do latim aequalitate, etimologicamente significa paridade, uniformidade, identidade. Também representa “a relação entre os indivíduos em virtude da qual todos eles são portadores dos mesmos direitos fundamentais que provém da humanidade e definem a dignidade da pessoa humana”[6].
O princípio da igualdade (ou da isonomia) representa um dos cânones de mais difícil tratamento jurídico dentro da seara da moderna Jurisprudência[7]. Segundo Alice Monteiro de Barros[8], “atribui-se a inserção do princípio da igualdade entre os homens ora aos estóicos, ora ao cristianismo, cabendo a Rousseau admitir a igualdade jurídica na filosofia do séc. XVIII, que triunfou com a Revolução Francesa de 1789”. Nesta, o postulado representou a reação do povo francês à desigualdade traduzida pelos privilégios e regalias desfrutadas pela nobreza e o clero. À luz da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, assim, restou consagrada a idéia de que todos os seres humanos nascem e permanecem iguais em direito.
O conceito de igualdade, entretanto, envolve uma concepção relacional, uma vez que exige uma interpretação comparativa entre os agentes em relação aos quais se almeja aplicar a respectiva regra de isonomia, bem como uma conscientização histórica, já que não pode ser entendido em caráter absoluto, dado à sua estreita vinculação com o momento pelo quase passa a sociedade que o promove. O sentido da isonomia, pois, extrapola a visão simplista de tratamento igualitário, de um homem perante outro ou deste perante a lei.
Não se pode afirmar, com base nas lições de Aristóteles acerca do significado de justiça, que o princípio em tela se resume a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Em tal caso, qual o elemento capaz de distinguir um do outro? O cerne do problema, definir quem são os iguais e quem são os desiguais, continua sem solução em tal contexto. A concepção aristotélica não se revela errônea, merece ser esclarecido, revelando grande valor histórico, mas na prática se demonstra insuficiente para permitir uma visão completa do princípio. Dela não surge um critério definidor da distinção entre o igual e o desigual, tornando necessário procurar outras fórmulas para visualizar a correta manifestação do princípio.
O conteúdo do princípio da igualdade, de igual forma, não se resume à idéia de imposição de “igualdade perante a lei”, tão comum nos textos legislativos. Hans Kelson, na sua Teoria Pura do Direito[9], leciona que “com a garantia de igualdade perante a lei, no entanto, apenas se estabelece que os órgãos aplicadores do Direito somente podem tomar em conta aquelas diferenciações que sejam feitas nas próprias leis a aplicar. Com isso, porém, apenas se estabelece o princípio, imanente a todo o Direito, da juricidade da aplicação do Direito em geral e o princípio imanente a todas as leis da legalidade das aplicações das leis, ou seja, apenas estatui que as normas devem ser aplicadas de conformidade com as normas jurídicas. Com isto, porém, nada mais exprime senão o sentido imanente às normas jurídicas”.
Dentro do campo do constitucionalismo clássico, a professora Alice Monteiro de Barros aponta a existência de uma clara distinção entre a idéia de igualdade perante a lei e igualdade na lei[10]. “Entendia-se como igualdade perante a lei a exigência de igualdade na sua aplicação, que se deveria verificar em caráter geral, sem abstração das pessoas por ela atingidas; seria, portanto, uma exigência aos que aplicam a lei ao caso concreto. Como a aplicação da lei não era suficiente, tornou-se necessário que fosse ‘criado um direito igual para todos os cidadãos’. Vista sob esse ângulo, a igualdade na lei dirige-se não só aos aplicadores, mas também aos que criam as normas jurídicas”.[11]
Ao cumprir sua tarefa legislativa, assim, o órgão legiferante igualmente se submete às diretrizes da isonomia. O legislador, entretanto, tem como função exatamente discriminar situações mediante a criação de normas legais. Ao legislar, formula hipóteses abstratas visando atingir determinada finalidade, e, neste processo, alimenta a inclusão de umas e a exclusão de outras pessoas. Sob tal ótica, assim, Celso Ribeiro Bastos[12] afirma que “a indagação correta a propósito do problema da isonomia é: o que não pode ser discriminado sem ofensa ao princípio da igualdade? ou seja, quando não é possível desigualar situações?”.
Quando uma norma impõe, para o exercício de determinando profissão como a de um salva-vidas, por exemplo, que o empregado esteja em perfeitas condições físicas e seja capaz de nadar em determinado nível, naturalmente ocorre a exclusão de um grupos de pessoas, menos capacitadas fisicamente. Aqueles que não sabem nadar e os que, mesmo sabendo, não gozam de boa saúde, não estariam aptos a seguir a respectiva profissão. Inocorre na hipótese, entretanto, ofensa ao postulado da igualdade, pois a respectiva norma não se revela ofensiva ou, tampouco, ilegítima. Pelo contrário, se revela salutar e lícita, visando atingir uma finalidade social. O professor Celso Ribeiro Bastos, assim, conclui que o respectivo problema somente pode ser solucionado à luz do “binômio elemento discriminador – finalidade da norma”.
É o fim almejado pelo legislador e refletido no conteúdo de uma norma, pois, que a posiciona em consonância ou em dissonância com o princípio da igualdade.
Progressivamente, leciona Alice Monteiro de Barros[13], “o princípio da igualdade nos sistemas constitucionais de base liberal-democrática adquire dupla característica: de princípio formal de legalidade e de regra material de não discriminação, que vincula o legislador não só quanto à forma externa da lei, mas também quanto ao seu conteúdo”.[14]
O postulado da isonomia, assim, se manifesta no ordenamento jurídico de duas maneiras. Primeiro, de modo formal, com a submissão de todos os atos aos ditames da lei. Segundo, no plano material, pela vedação a qualquer conduta de natureza discriminatória, seja criadora , seja executora, exigência formal quanto ao respeito à legalidade não se limita às fronteiras do campo da isonomia. É inerente a todo o direito positivo, sendo um princípio universal da Ciência Jurídica.
A proibição à discriminação, entretanto, se revela peculiar, sendo a própria essência substancial do postulado da igualdade. É na imposição da regra de não discriminação que se especifica o princípio da igualdade. Tanto que a respectiva diretriz anti-discriminatória é tradicionalmente elevada à categoria de postulado geral, ou seja, de verdadeiro princípio norteador, ainda que como fruto do cânone da isonomia. Em virtude da sua relevância, assim, assume postura de verdadeiro princípio, o postulado da não discriminação, embora vinculado e englobado pelo mais abrangente princípio da igualdade.
O vocábulo discriminação, de origem anglo-americana (discrimination), segundo o Black’s Law Dictionary, apresenta o seguinte significado:
“the effect of a statute or established practice which confers particular privileges on a class arbitrarily selected from a large number of persons, all of whom stand in the same relation to the privileges granted and between whom and those favored no reasonable distinction can be found. Unfair treatment or denial of normal privileges to persons because or their race, age, sex, nationality or religion. A failure to treat all persons equally where no reasonable distinction can be found between those favored and those not favored. “[15]
Significa, assim, uma distinção ilegítima ou uma diferenciação injusta[16].
É dentro do âmbito das relações de trabalho, por sua vez, que se encontra uma das mais ricas fontes de discriminação. Em virtude da liberdade desfrutada pelo empregador no exercício do seu poder diretivo empresarial, o respectivo terreno se revela fértil para o surgimento de casos de práticas discriminatórias. Everaldo Gaspar Lopes de Andrade[17], ao tratar dos deveres da entidade patronal para com o seu empregado, acentua a importância do chamado “dever de não-discriminação”, mas admite a sua violação sistemática por parte do empregador brasileiro. Em idêntico sentido, Francisco Gérson Marques de Lima[18], ao lamentar que “na prática, apesar de ser o princípio mais invitado pela CF/88, não se o tem observado devidamente. A prova disso encontra-se nas admissões, onde a praxe adota critérios que repugnam, na diferenciação entre negros e brancos, entre homens e mulheres, entre ricos e pobres”.
Em que pese tal realidade empírica, os princípios da igualdade e da não discriminação, consagrados no texto constitucional, incidem sobre a relação entre empregado e empregador, assumindo um relevante papel no contexto do Direito do Trabalho[19]. As diretrizes dos dois postulados incidem sobre todas as faces da conduta do homem, e, como conseqüência, alcançam as relações de trabalho existentes no seio da sociedade. Exige-se dos sujeitos da relação de emprego, portanto, uma postura em consonância com tais princípios.[20]
A aplicação do princípio da igualdade, e, conseqüentemente, da regra da não discriminação, dentro do campo do Direito do Trabalho, merece ser ressaltado, não implica em afronta ao princípio da proteção, consagrado como postulado universal do juslaboralismo e estudado na primeira parte do presente trabalho. À primeira vista, pode parecer paradoxal que um ramo da Jurisprudência essencialmente tutelar, como é o caso do Direito do Trabalho, esteja em consonância com o princípio da igualdade. Um análise mais cuidadosa do juslaboralismo, entretanto, revela que o conhecido princípio protecionista, tão bem delineado por Américo Plá Rodriguez, Alfredo Ruprecht e outros doutrinadores, se encontra em perfeita harmonia com o princípio da igualdade.[21]
Igualdade de tratamento na seara da relação de emprego, assim, não significa tratar de forma idêntica o empregado e o empregador. Os dois agentes do contrato individual de trabalho são, manifestamente, desiguais. Formal e materialmente. Conforme foi anteriormente examinado, à luz do princípio da proteção, o empregado recebe um tratamento especial por parte do legislador, sendo beneficiado por mecanismos visando compensar a sua inferioridade econômica diante do empregador. Com uma maior proteção jurídica ao sujeito hipossuficiente, assim, se busca equilibrar uma relação entre desiguais.
Tal forma de tratamento diferenciado, por sua vez, se revela legítimo, em virtude da sua finalidade, acolhida pelo ordenamento jurídico. Através de tal forma de intervenção legislativa, se almeja criar uma situação de igualdade proporcional entre as partes da relação de emprego, protegendo o lado mais fraco e permitindo o desenvolvimento do liame em condições ao menos aceitáveis, especialmente quando comparadas àquelas existentes à época da chamada Questão Social.
Como bem lecionou Rui Barbosa[22], na sua “Oração aos Moços”, o postulado da igualdade “não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.” ( … ) “Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.
Para corrigir uma desigualdade, enfim, tornou-se necessário criar outra.[23]
A aplicação do princípio da igualdade na esfera do Direito do Trabalho, entretanto, se revela mais marcante quando analisado sob o prisma da atuação do empregador perante os membros da classe operária. Ou seja, sob a ótica da imposição do postulado da não discriminação sobre toda a conduta patronal.
O empregado, antes de tudo, é um ser humano. Um ser humano que trabalha, colocando o seu suor para servir o empregador, e, em última análise, a própria sociedade. Como tal, está assegurado o direito a um tratamento isonômico pelo Estado e pelos seus pares. O postulado da igualdade entre os homens, portanto, não se limita a um aspecto da vida do homem, mas circunscreve toda a vida social. Inclusive o âmbito laboral. E, por via de conseqüência, os efeitos da violação dos seus preceitos extrapolam a relação individual entre o empregado e o empregador, alcançando interesses maiores do Estado e da sociedade.
A conduta discriminatória do empregador, em tais termos, tem por finalidade prejudicar de modo ilícito um empregado em particular ou um grupo de empregados, no tocante à contratação, ao desenvolvimento da relação ou ao próprio exercício da função laborativa. Na discriminação patronal, uma distinção ilegítima é feita pela entidade empregadora em relação a empregados, de forma a gerar uma diferença de tratamento sem justificativa, em prejuízo ao princípio da isonomia. Havendo uma diferenciação fundamentada em motivo legítimo, como aquele oriundo da exigência de determinada qualificação efetivamente necessária para o regular exercício de certa profissão, a distinção é considerada lícita, inexistindo discriminação[24]. Ocorrendo uma distinção ilegítima, entretanto, a discriminação se manifesta nos atos praticados pelo empregador em prejuízo aos empregados atingidos pela conduta nociva.[25]
Os efeitos do comportamento discriminatório do empregador normalmente atingem empregados que já fazem parte do quadro funcional, mas podem inclusive alcançar candidatos a empregados. Ou seja, pessoas que ainda não haviam ingressado na empresa e tiveram a admissão prejudicada pela entidade patronal em virtude de distinção ilegítima. A discriminação do empregador pode atingir cláusulas isoladas do contrato individual de trabalho, como na discriminação no tocante a salários ou o exercício de funções, favorecendo uns e prejudicando outros por causas ilegítimas, ou, ainda, alcançar todo o contrato, como na terminação de um liame por motivo discriminatório.
A discriminação patronal, assim, não se restringe a apenas alguns aspectos da relação de emprego. É possível que venha a se alastrar para abranger todo o ser do contrato individual de trabalho, viciando por completo a base nuclear do Direito do Trabalho.
O comportamento discriminatório patronal, por sua vez, se manifesta através de duas formas distintas: direta e indiretamente.
Diretamente, se concretiza mediante imposições proibitivas, que tratam de modo menos favorável os membros de determinado grupo. Ocorre, por exemplo, quando o empregador simplesmente impede a contratação de mulheres, por puro e simples preconceito sexual. A adoção da postura discriminatória, portanto, ocorre de forma explícita, sem rodeios.
De forma indireta, por outro lado, a discriminação patronal se manifesta através de um tratamento formalmente neutro, mas que materialmente possue um efeito adverso sobre determinado grupo. Há, pois, uma conduta camuflada por parte da entidade patronal, que adota postura discriminatória, sem contudo revelar explicitamente tal posição. Para ser evidenciada, torna-se necessário averiguar as conseqüências adversas da conduta aparentemente neutra.
Um exemplo deste comportamento, apontado pela pesquisadora Carmen Saenz Lara[26], ocorre quando o empregador, com o objetivo de dificultar o ingresso de mulheres na empresa, estipular como pressuposto inafastável da contratação de qualquer pessoa, que esta tenha uma altura mínima de um metro e noventa centímetros, mesmo para assumir funções cujo exercício independe do seu tamanho físico. Se a função efetivamente exigisse empregados de grande estatura, inexistiria a discriminação, pois a distinção seria legítima, uma vez que decorreria de necessidade inerente ao exercício do ofício. Ao impor tal pré-requisito de contratação com o único intuito de dificultar o ingresso de mulheres na empresa, contudo, o empregador indiretamente manifestou uma postura essencialmente discriminatória. Na hipótese, assim, a respectiva exigência evidencia uma conduta viciada do empregador, indiretamente impondo uma prática preconceituosa, sem contudo violar de forma explícita o princípio da não discriminação.
Na maioria das vezes, é tal espécie de comportamento dissimulado que caracteriza a discriminação no âmbito das relações de trabalho no Brasil. Quando adota uma posição contrária ao princípio da não discriminação, ao invés de assumir diretamente a postura, via de regra o empregador pátrio utiliza a via indireta para alcançar o seu objetivo.
Seja de modo direto ou de forma indireta, a manifestação de conduta discriminatória pelo empregador se encontra vedada à luz das diretrizes dos postulados em análise, acolhidos pelo legislador pátrio. Em que pese a sistemática trangressão aos princípios da igualdade e da não discriminação, evidenciada no dia a dia das relações do trabalho no país, ambos os cânones servem de diretrizes disciplinadoras da conduta do empregador. E a aplicação dos mesmos, se não for observado imediata e espontaneamente pela entidade patronal[27], poderá, caso haja a devida provocação, ser aplicado coercitivamente pela Estado-Juiz. Inclusive no tocante ao exercício do direito de despedir.
III – Medidas de Proibição à Discriminação no Âmbito da Relação de Emprego
Ao lado dos princípios expostos de forma abstrata nos artigos 3º e 5º da Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte igualmente consagrou preceitos específicos nos quais se manifestam os postulados da isonomia e da não discriminação dentro do campo das relações de trabalho.
Nesse sentido, por exemplo, estabelece o artigo 7o. constitucional, a “proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (inciso XXX) e a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e a critério de admissão do trabalhador portador de deficiência” (inciso XXXI).[28]
De acordo com tais dispositivos, assim, o empregador não pode estabelecer medidas discriminatórias, em virtude de deficiência, sexo, idade, cor ou estado civil, quanto às contratações a serem realizadas e no tocante às contraprestações a serem percebidas pelos empregados admitidos. E, ainda, no tocante a distinções nas funções a serem desempenhadas, igualmente se veda a prática discriminatória em face de sexo, idade, cor ou estado civil do empregado.
Inicialmente, merece ser novamente ressaltado que o princípio da não discriminação, na sua aplicação no âmbito do Direito do Trabalho, não impõe uma identidade indiscriminada em relação aos empregados. Ou seja, não veda o tratamento diferenciado em situações diferenciadas. Segundo Celso Ribeiro Bastos[29], “a idéia fundamental, em matéria de direito do trabalho, é que o empregador tem por dever dispensar a todos os trabalhadores igualdade de tratamento, em situações idênticas”.
O empregador pode, por outro lado, distinguir quando inexistir tal identidade. Revela-se lícita a conduta de estabelecer medidas de diferenciação para empregados que se apresentem em condições distintas, desde que tais medidas sejam legítimas, isto é, desde que tenham como fato gerador uma peculiaridade que, ao mesmo tempo em que caracteriza a respectiva situação, justifica a distinção promovida pelo empregador. Para assegurar tal legitimidade, assim, torna-se necessário apenas que a diferenciação seja fundamentada em critérios objetivos e razoáveis. A regularidade da diferenciação, portanto, pode ocorrer na forma autorizada pelo legislador, quando a legislação laboral impõe certas qualificações para a prática de determinado ofício (como o de advogado, por exemplo, cujo exercício no país exige, além do título de bacharel em direito, também a habilitação profissional perante a Ordem dos Advogados do Brasil), ou, por outro lado, pode se materializar numa forma não proibida por lei (mesmo sem expressa previsão legal quanto à autorização), mas que passa a ser considerada como válida pela sociedade.[30]
De uma forma ou de outra, admite-se a diferenciação enquanto esta for considerada legítima, fundamentada em razões objetivas que a justificam. Veda-se, assim, apenas o tratamento desigual em situações fundamentalmente semelhantes, baseado em motivações condenáveis, como critérios patronais subjetivos vinculados à cor ou à raça do empregado.
Nesse sentido, é perfeitamente admissível que um empregado venha a perceber salário superior a um colega, quando aquele se encontra em posição empregatícia distinta e a sua contraprestação maior decorre de circunstâncias peculiares que justificam tal diferenciação. O artigo 461 da CLT, que disciplina a questão da isonomia salarial entre empregados no âmbito da legislação trabalhista pátria, por exemplo, exige uma série de pressupostos para autorizar a equiparação salarial entre dois empregados, dentre os quais se incluem o exercício de idêntica função, com igual produtividade e perfeição técnica, para o mesmo empregador no mesmo local de trabalho[31]. Sem o preenchimento concomitante de tais requisitos, assim, prejudicada estará a pretensão à equiparação salarial em relação ao paradigma que percebe salário superior, uma vez que a diferença entre as contraprestações será considerada como resultante de uma distinção legítima.
De igual forma, não representa uma forma de discriminação contra o portador de deficiência física, por exemplo, a exigência de perfeitas condições físicas para a contratação de empregados, quando se trata de um empregador que atua no ramo da atividade esportiva com atletas profissionais. Não se pode qualificar como discriminatória, assim, a conduta de um clube de futebol que somente admite no seu quadro jogadores sem problemas físicos capazes de afetar o seu desempenho atlético, por ser tal qualidade algo indispensável ao exercício da respectiva atividade profissional.[32]
Uma análise mais cuidadosa dos incisos XXX e XXXI em tela, após a compreensão do acima exposto, revela dois outros aspectos das normas proibitivas estabelecidas pelo legislador. Primeiro, uma aparente limitação aos motivos considerados como de cunho discriminatório. E, segundo, uma aparente restrição quanto aos atos que serão submetidos à disciplina anti-discriminatória.
As impressões oriundas de uma primeira leitura, contudo, podem ser superadas mediante uma reflexão mais profunda acerca do conteúdo dos respectivos institutos.
Quanto à primeira questão, os dispositivos constitucionais em exame tratam de forma explícita apenas a discriminação por motivo de sexo, idade, cor, estado civil ou deficiência. As letras do legislador, pois, apresentam um campo limitado. Não incluem outros fatores de discriminação como a raça, a preferência sexual, a origem familiar, a ideologia política, a fé religiosa, a naturalidade, etc.
No tocante ao segundo aspecto, as letras dos mesmos preceitos constitucionais tratam apenas da discriminação referente a salários, exercício de funções e admissões de empregados, deixando à margem outras questões do contrato individual de trabalho. Como a terminação do pacto laboral (quanto ao exercício do direito de despedir pelo empregador, inclusive).
Um intérprete menos cuidadoso, assim, poderia afirmar que, de acordo com o texto da Constituição Federal de 1988, um empregado somente sofre discriminação do seu empregador quando este pratica distinção ilegítima quanto à sua admissão (contratação para ingresso no quadro de pessoal da entidade), quanto ao seu salário (contraprestação percebida do empregador em virtude dos serviços prestados) ou quanto à função exercida (conjunto de atribuições executadas pelo empregado), e, ainda, somente quando a respectiva diferenciação se encontra baseada no seu sexo (masculino ou feminino), na sua idade (número de anos de vida ou faixa etária[33]), na sua cor (feição da pele humana), no seu estado civil (solteiro, casado, viúvo, separado ou divorciado) ou em alguma deficiência (física ou mental) que o caracteriza.
Evidente seria o equívoco de uma afirmação de tal natureza. A vedação à discriminação não se sujeita a tais limites. E, para se chegar a tal constatação, suficiente é uma análise de outros dispositivos da própria Carta Magna[34].
O artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, conforme analisado na seção anterior, estabelece como objetivo fundamental da Repúlica Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O respectivo dispositivo, assim, após acrescentar ao elenco acima citado mais uma modalidade expressa de discriminação (a racial), assume uma posição antagônica a qualquer outra forma de distinção ilegítima, sem delimitar a aplicação de tal regra a este ou aquele tipo de ato.
O artigo 5º da Carta Política, por sua vez, igualmente assegura a ampla incidência dos postulados da igualdade e da não discriminação. Primeiro, ao consagrar no seu caput que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, abrangendo tanto “aos brasileiros como aos estrangeiros residentes no país”. O dispositivo, assim, após expressamente vedar qualquer espécie de distinção ilegítima, implicitamente proíbe a discriminação em virtude de nacionalidade, ressalvado, logicamente, as exceções previstas na própria Constituição (como, por exemplo, a limitação de acesso a cargos, funções e empregos públicos aos brasileiros, nos termos do artigo 37, inciso I). Novamente, destaca-se, não são impostos limites quanto à espécie de atos incluídas na vedação à conduta discriminatória. Em seguida, no mesmo artigo 5º, o legislador constituinte estipulou uma nova vedação genérica no seu inciso XLI: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Tal proibição punitiva, portanto, além de alcançar qualquer forma de manifestação de discriminação prevista explícita ou implicitamente na legislação, abrange todos os direitos e liberdades fundamentais do indivíduo.
Tais dispositivos de conteúdo abstrato, entretanto, não esgotam as normas proibitivas de discriminação, encontradas na legislação pátria . O próprio artigo 5o. estabelece a expressa vedação a outras modalidades espécificas de discriminação, através do seu inciso VIII (“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”) e do seu inciso XLII (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível”). Enquanto este reforça a proibição à discriminação racial, assim, aquele veda a discriminação de ordem religiosa, política ou filosófica. Com tais dispositivos, portanto, se constata a presença de outras modalidades de discriminação expressamente hostilizadas pelo legislador.
E, por outro lado, não pode ser ignorado que o parágrafo 1º do artigo 5º deixa em clarividência a incidência direta e a auto-aplicabilidade dos dispositivos constitucionais citados, ao estabelecer que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
A presença de preceitos nos quais se veda genericamente qualquer forma de discriminação ao lado de diversos dispositivos nos quais são vedadas modalidades específicas de distinção ilegítima, assim, demonstra que o legislador pátrio não restringiu a proibição à discriminação a apenas algumas das suas formas de manifestação, expressamente relacionadas. A vedação à prática discriminatória atinge todas as formas de distinção ilegítima, fundamentadas em razões subjetivas condenáveis, previstas explícita ou implicitamente pelo legislador. Seja na Constituição, seja na legislação infraconstitucional.[35]
Ao consagrar os princípios da igualdade e da não discriminação, portanto, o legislador pátrio não limitou as suas causas a um elenco pré-determinado de motivos, e, tampouco, restringiu a sua esfera de incidência a apenas determinado rol de atos. Não há uma relação exaustiva ou um rol taxativo quanto aos fatos geradores da discriminação ou quanto às atividades nas quais tal conduta nociva seria proibida. Os postulados da isonomia e da não discriminação orientam toda a conduta dos integrantes da sociedade brasileira, independentemente da espécie de discriminação praticada, seja quanto à causa geradora, seja quanto ao ato praticado.
Dentro da seara da relação de emprego, de igual forma, inexistem restrições quanto à abrangência das suas diretrizes. Aplica-se ao empregador a mesma disciplina imposta ao cidadão comum: veda-se qualquer forma de manifestação de discriminação. Se encontram submetidos às diretrizes dos postulados em tela, assim, todos os motivos que possam ensejar uma distinção ilegítima entre empregados, bem como todos os atos do empregador. Sem exceção.
As letras dos incisos XXX e XXXI do artigo 7º da carta Política de 1988, destarte, devem ser interpretadas sob tal luz. As relações de fatos geradores da discriminação e os elencos de atos submetidos ao controle anti-discriminatório são meramente exemplificativos. De forma alguma esgotam a matéria ou limitam a aplicabilidade dos princípios da igualdade e da não discriminação. Como normas constitucionais, e, de igual forma, de cunho trabalhista, representam garantias mínimas asseguradas aos empregados, garantias individuais estas que devem ser interpretadas da forma mais ampla possível, como leciona o professor Ivo Dantas[36].
Nesse contexto, assim, empregador desfruta de uma ampla liberdade na direção da sua empresa, inclusive quanto à escolha dos seus empregados, mas necessariamente deve se portar em consonância com os respectivos cânones em toda a sua atuação como entidade empregadora. A obediência aos postulados impõe um conduta em consonância com as diretrizes da Constituição e da lei infraconstitucional, com a observação tanto das vedações específicas como das proibições extraídas implicitamente das letras do legislador, de acordo com o espírito da lei consagradora de tais princípios. Não importa a natureza da causa ou a espécie do ato viciado, qualquer forma de distinção ilegítima por parte do empregador que venha a violar as normas proibitivas, gera a repulsa dos respectivos postulados, e, assim, é igualmente hostilizada pelos institutos do juslaboralismo.
A discriminação patronal, assim, não se restringe às hipóteses de fatos geradores e tampouco às espécies de atos patronais definidos nominalmente nos incisos XXX e XXXI do artigo 7o. constitucional. A concessão de um aumento salarial exclusivamente para os empregados que adotam a crença religiosa do titular da empresa (exemplo de discriminação religiosa sobre o pagamento de salários) ou a definição do local de trabalho no estabelecimento empresarial de acordo com o sexo do empregado (exemplo de discriminação sexual sobre a fixação da localidade na qual o empregado prestará serviços), portanto, não se enquadram nos casos tipificados nos mencionados incisos, mas, logicamente, correspondem a condutas proibidas em face dos princípios da igualdade e da não discriminação aos quais se sujeita o empregador.
As normas proibitivas em pauta, assim, foram estipuladas de forma genérica e abstrata, com o intuito de vedar a distinção ilegítima nos mais diversos aspectos da relação de emprego. A proteção contra a discriminação patronal, destarte, corresponde a uma garantia individual da mais ampla abrangência.
Atinge, inclusive, o exercício do direito de despedir desfrutado pelo empregador.
Tradicionalmente, contudo, os juristas pátrios hesitam em estender a aplicabilidade dos princípios da igualdade e da não discriminação à seara da terminação do contrato individual de trabalho.
A leitura do texto da atual Constituição, bem como das Cartas anteriores, revela que o legislador constituinte pátrio jamais fez expressa menção à proibição de conduta discriminatória quando da dispensa de empregado. Os incisos XXX e XXXI, em análise, tratam da admissão de empregado, mas silenciam quanto à despedida do mesmo. A terminação do contrato individual de trabalho, pois, foi deixado à margem das regras contrárias à conduta discriminatória patronal, expressamente consagradas nas letras do texto constitucional, inexistindo na Carta Magna qualquer dispositivo explicitamente vedando a dispensa de empregado por motivo discriminatório.
Para muitos, tal silêncio foi intencional, revelando um propósito de excluir da proteção contra a discriminação patronal a resilição contratual pela via da despedida. O legislador constituinte teria considerado a dispensa por motivo discriminatório como uma simples espécie de despedida sem justa causa, sem gerar efeitos diversos desta última, e, assim, sem merecer um tratamento legal especial, estando sujeita às mesmas medidas inibitórias e, eventualmente, restritivas, aos quais se submete o gênero.
Mesmo em face da lacuna constitucional, entretanto, algumas vozes isoladas adotaram posição antagônica àquela. De uma forma ainda tímida, apontavam os motivos acima expostos, argumentando que independe de regulamentação infraconstitucional a ampla aplicação dos princípios da igualdade e da não discriminação no âmbito da relação de emprego, inclusive no tocante ao exercício do direito de despedir do empregador. Defendiam, assim, a possibilidade de se anular os atos resilitórios praticados em violação a tais postulados.
Os fundamentos que serviam de alicerce a esta última tese, por seu turno, são por demais óbvios. A dispensa discriminatória, indiscutivelmente, corresponde a uma forma de despedida peculiarmente abusiva. Não apenas por violar um direito trabalhista do empregado, mas igualmente por transgredir um direito individual fundamental do obreiro enquanto cidadão. E, também, por representar uma ofensa a um interesse do Estado e da própria sociedade brasileira. É o seu ato motivador, pois, que enquadra a respectiva despedida como verdadeiro abuso de direito.
Ao dispensar o empregado por motivo discriminatório, o empregador está exercendo o seu direito de despedir de forma não apenas arbitrária (ou seja, sem causa econômica, financeira, disciplinar, técnica ou outra prevista em lei como justificadora), mas também de forma verdadeiramente abusiva. Há um evidente abuso de direito por parte do empregador, que exerce de modo ilegítimo um direito (abstratamente) legítimo. A resilição contratual se efetiva de modo contrário à sua finalidade, pois não se visa apenas por fim a uma relação de emprego, mas sim prejudicar um empregado por motivo discriminatório, punir o mesmo com o desemprego em virtude de visão preconceituosa da entidade patronal. Mesmo sendo, abstratamente, legítimo o direito de despedir, exercido em tais moldes o direito se revela irregular e anormal, em completo desvio da sua função social.
Há na sua realização, pois, uma feição excessivamente anti-social, contrária não apenas aos princípios do Direito do Trabalho, mas igualmente antagônico aos mais basilares interesses do Estado e de toda a sociedade.
Se é objetivo fundamental da República promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer formas de discriminação (art. 3º, inciso IV, da Constituição); se é direito de todos ser tratado igualmente perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput); se a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (artigo 5o., inciso XLI), não há como entender admissível a dispensa de empregado por motivo discriminatório, sob pena de tornar letra morta os respectivos dispositivos constitucionais.
Nada mais odioso de que encerrar uma relação de emprego por causa de algo que se revela irrelevante para o bom desempenho da função laboral, como a raça, sexo, origem ou crença religiosa do empregado. Este jamais deve ter o seu contrato individual de trabalho ameaçado pela visão discriminatória do empregador, ser dispensado em virtude de características que em nada afetam a sua atuação profissional, como, por exemplo, a cor da sua pele ou o seu estado civil.
Um motivo resilitório de tal ordem não pode ser qualificado como fútil ou banal. Pelo contrário. É por demais relevante. Mas a sua importância decorre do fato de representar tal causa um atentado contra uma série de direitos individuais do empregado despedido e, especialmente, uma violação a interesses estatais e sociais.
A despedida fundamentada em causa discriminatória de tal natureza, assim, se apresenta como um ato que transcende à relação de emprego entre o empregado e o empregador, atingindo frontalmente um complexo de interesses maiores, pertinentes ao Estado e à sociedade. A resilição unilateral em tais moldes não se restringe às fronteiras do contrato individual de trabalho, não se limita a prejudicar o empregado. Ingressa no âmbito dos interesses imediatos do Estado e de toda a sociedade. Estes, ao lado do empregado, se revelam vítimas da conduta patronal discriminatória.
O Estado e a sociedade, destarte, são igualmente sujeitos passivos do ato discriminatório praticado pelo empregador. Tanto quanto o próprio empregado, foram atingidos pelo ato resilitório, fruto do poder de comando do qual é titular o empregador, concretizado em transgressão às diretrizes dos princípios da igualdade e da não discriminação. E, conseqüentemente, o exercício do direito de despedir, quando fundamentado em causa discriminatória, enquadra-se como ato de abuso de direito.
Somente tal situação, portanto, seria suficiente para justificar a anulação da dispensa praticada por motivo discriminatório, mesmo sem a expressa previsão legal.
A respectiva tese, lamentavelmente, não encontrou boa acolhida nas obras doutrinárias, e, menos ainda, nos tribunais do trabalho. Existiram alguns raros escritos na literatura especializada, e, ocasionalmente, alguma decisão judicial isolada, tratando da temática. Mas quase sempre de forma meramente superficial, sem uma abordagem mais profunda.
Conservadores ou tímidos, os doutrinadores e magistrados na sua grande maioria preferiram adotar o caminho menos vulnerável a críticas, e, assim, argumentavam que, para anular uma dispensa discriminatória, seria imprescindível a existência de lei infraconstitucional expressamente estipulando a anulabilidade da despedida praticada em tais moldes.
A idéia de que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis”, como leciona o professor José Alfredo de Oliveira Baracho[37], não foi admitida como regra no tocante à aplicação direta e imediata dos princípios da igualdade e da não discriminação dentro da seara da terminação contratual e, especificamente, no âmbito da disciplina do exercício do direito de despedir.
Com a edição da Lei 9.029 de 13 de abril de 1995, entretanto, tal realidade foi alterada. E o estudo desta norma legal será realizado a seguir..
IV – Acesso à Justiça mediante a Invalidação da Dispensa Discriminatória: os caminhos da Lei 9.029 de 1995
O Diário Oficial da União, de 17 de abril de 1995, introduziu ao ordenamento dogmático brasileiro uma lei infraconstitucional destinada a encerrar antigas polêmicas e fixar as diretrizes sobre a disciplina legal da dispensa abusiva, mas que, na realidade, após anos de vigência, se revela ainda sub-utilizada, ou, até, mesmo, desprezada pelos operadores do Direito do Trabalho no Brasil.
A Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, editada com o intuito de, conforme sua ementa, “proibir a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho”, representa uma medida proibitiva ainda não compreendida satisfatoriamente pelos juristas pátrios. Na literatura especializada, escassas são as publicações tratando da respectiva norma. Na jurisprudência dos tribunais do trabalho, menor ainda é o número de decisões alicerçadas na mencionada lei. Os próprios empregados e suas entidades representativas, na sua maioria, encontram-se em completa ignorância quanto ao conteúdo de tal lei.
Seja pela escassa divulgação quanto à sua existência ou falta de vontade política em tornar efetiva tal norma, seja pela dificuldade para por em prática o seu teor, a Lei 9.029 se apresenta como uma “Lei Esquecida[38]”. Mas representa, na realidade, um marco histórico para o juslaboralismo brasileiro.
Em que pese o marasmo operacional que circunscreve a sua eficácia empírica, a respectiva norma legal é merecedora de toda a atenção dos operadores do Direito do Trabalho no país, por ser o primeiro instrumento legal no qual se encontra expressamente previsto pelo legislador a anulabilidade de uma dispensa operada com fundamento discriminatório, seja o empregado estável ou não. Constitui, pois, a primeira medida proibitiva de dispensa abusiva explicitamente consagrado na letra da lei, e, destarte, representa um passo importante em direção a um novo modelo de controle sobre o exercício do direito de despedir do empregador.
Com a Lei 9.029, assim, surgiu no horizonte legislativo brasileiro uma norma infraconstitucional que, de acordo com a sua ementa, se destina a proibir práticas discriminatórias por parte do empregador, inclusive no tocante a efeitos de permanência da relação de emprego. Em seu bojo, destarte, tal lei ordinária introduziu ao direito dogmático pátrio, de forma expressa e inequívoca, uma nova medida restritiva do exercício do direito de despedir, direcionada precisamente à vedação à despedida abusiva por motivo discriminatório.
Ao contrário do constatado em relação ao mecanismo de proibição de dispensa abusiva peculiar ao empregador público, o legislador decidiu editar norma infraconstitucional específica para disciplinar de forma pormenorizada a anulação da despedida praticada em violação aos princípios da igualdade e da não discriminação. A Lei 9.029 de 1995, portanto, corresponde à norma legal na qual se encontram estabelecidas as diretrizes de tal espécie de restrição ao exercício do direito de despedir.
Inicialmente, o seu artigo 1o. estabelece que “Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7o. da Constituição Federal”.
Após o artigo introdutório, o legislador tipifica como crime certas práticas discriminatórias no seu artigo 2º, estipulando como sanção para as respectivas condutas a pena de detenção de um a dois anos e multa pecuniária[39]. Em seguida, sem prejuízo da cominação criminal, estabelece no artigo 3º que o empregador violador de tais diretrizes se torna suscetível a multa administrativa, e, ainda, a ter suspenso o direito de obter empréstimos ou financiamentos perante instituições financeiras oficiais[40].
É o artigo 4º da Lei 9.029, entretanto, que apresenta o novo instrumento de disciplina legal sobre o exercício do direito de despedir. Segundo tal dispositivo, “O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, faculta ao empregado optar entre: I – a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais; II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais”.
A análise do artigo 1º da Lei 9.029 revela que o legislador, com a sua instituição, almejou estabelecer normas destinadas a vedar práticas discriminatórias pela entidade patronal, tanto na admissão como na dispensa de empregados. Ao tratar das formas de discriminação, o legislador expressou a proibição em relação a sete motivos específicos, todos devidamente elencados.
A apresentação de um rol de motivos, por sua vez, novamente ressuscita a discussão acerca do âmbito material do preceito. Para alguns, a lei protege o empregado apenas em relação à discriminação por motivo de sexo (se homem ou mulher), origem (tendo em vista a nacionalidade, naturalidade, descendência familiar, etc.), raça (se negro, oriental, etc.), cor (se de pele escuro, clara, etc.), estado civil (se casado, solteiro, divorciado, etc.), situação familiar (tendo em vista o número de filhos, peculiaridades acerca dos membros da família, etc.) ou idade (quantidade de anos de vida ou faixa etária). As demais formas de discriminação, como aquelas resultantes de perseguição religiosa, não estariam abrangidos pela norma.
Novamente merece ser rejeitada, data venia, a respectiva tese.
A Lei 9.029 se destina a vedar toda e qualquer forma de discriminação patronal hostilizada na legislação pátria, não sendo exaustivo o elenco apresentado nas suas letras. Se prevalecesse a interpretação favorável à limitação da proibição aos motivos expostos de forma taxativa na respectiva Lei, seria admissível, por exemplo, a despedida por motivo de discriminação em virtude da crença religiosa do empregado, ferindo expressamente o comando do artigo 5o., inciso VIII, da Constituição Federal de 1988. Admitindo-se a legalidade da dispensa por tal motivo, à luz de tal entendimento restritivo, o empregador apenas teria que arcar com as reparações pecuniárias decorrentes das medidas inibitórias previstas na legislação trabalhista (salvo na hipótese do empregado desfrutar de alguma modalidade de estabilidade jurídica no emprego), revelando-se letra morta o teor do citado dispositivo constitucional e do parágrafo 1o. do mesmo artigo 5o. (este último o preceito assegurador da aplicabilidade imediata das normas constitucionais definidoras de direitos e garantias fundamentais).
Tal raciocínio, evidentemente, não pode prosperar. Uma despedida discriminatória em tais moldes (por motivo de crença religiosa, no exemplo apresentado) é inadmissível, exatamente por ser contrária ao ordenamento jurídico pátrio, implicando numa violação direta a preceito da Carta Magna. Sendo constitucionalmente vedada a discriminação por motivo de crença religiosa, não há como admitir como lícita uma despedida efetivada com fundamento em tais fatores. O que leva, conseqüentemente, ao reconhecimento da fragilidade da tese restritiva.
Exige-se, assim, a interpretação da norma infraconstitucional com base no texto constitucional. E não vice-versa. Como leciona Francisco Pedro Jucá, em obra dedicada à análise da hermenêutica das normas infraconstitucionais[41], “conclui-se, conforme a proposta inicial, que a interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais devem ser feitas em conformidade com a Constituição e concretizando aos princípios nela contidos, conseqüentemente, de forma e maneira específicas, a interpretação e aplicação das normas laborais devem ser feitas na conformidade do constitucionalismo social respectivo, sob pena de se ter, como defende a doutrina constitucional alemã contemporânea ‘interpretação inconstitucional’, a qual deve ser negada validade jurídica, mas sobretudo, ética e política, desimportando em que nível ou instância isto se dê, qual o operador que a faça, a eiva de ilegitimidade e consectária impertência ao ordenamento jurídico é patente e irrecusável”.
Deve prevalecer, destarte, como entendimento em harmonia com o ordenamento jurídico pátrio, o entendimento de que as regras protecionistas de Lei 9.029 de 1995 podem ser aplicadas, analogicamente[42], a outras situações nas quais se evidencia formas de discriminação, não tipificadas na letra da respectiva lei, mas vedada explícita ou implicitamente em outras normas legais nos planos constitucional e infra-constitucional.
Após a promulgação da Lei 9.029, por sua vez, muitos doutrinadores passaram a defender a idéia de que o elenco previsto no artigo 1º não era exaustivo. Em tal sentido, Edésio Passos[43], ao comentar em artigo publicado na Revista LTr o alcance da norma em pauta, leciona que “o ato discriminatório do empregador também deverá ser motivado, nos termos da lei, em relação ao sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, e, ainda, nos termos constitucionais, por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, ou em razão de deficiência física ou psíquica”. Em seguida, o professor Passos defende a tese de que “o despedimento em decorrência da constatação de que o empregado é portador do vírus HIV tem sido entendido como ato discriminatório”, acrescentando um motivo que, analogicamente, pode ser enquadrado como uma espécie de discriminação por deficiência[44].
Apesar de não expressar o entendimento segundo o qual a aplicação das regras protecionistas da Lei 9.029 de 1995 é capaz de absorver toda forma de discriminação vedada expressa ou implicitamente pelo ordenamento jurídico, Edésio Passos ao menos adota uma posição intermediária, admitindo a sua incidência quando ocorre a violação a outras regras de não discriminação previstas expressamente no texto constitucional.
Uma visão mais flexível, de tal sorte, se revela mais adequada ao espírito dos postulados da igualdade e da não discriminação consagrados pelo legislador constituinte. Sendo uma norma trabalhista, destinada a proteger o empregado hipossuficiente e, ainda, o Estado e a própria sociedade, a Lei 9.029 deve ser interpretada à luz dos princípios maiores estabelecidos na Constituição Federal. Como o texto constitucional veda qualquer espécie de distinção ilegítima (art. 3o., IV; Art. 5o., caput e inciso XLI), a abrangência da norma regulamentadora deve ser compreendida como sendo a mais ampla possível, englobando todas as espécies de motivos discriminatórios hostilizados explícita ou implicitamente pelo legislador constituinte, alcançando não apenas aquelas modalidades previstas expressamente nas letras do texto constitucional, mas igualmente as demais formas odiosas de discriminação, extraídas do seu espírito. Sendo a distinção ilegítima nos moldes da legislação pátria, proibida está a sua efetivação.
Da melhor interpretação do artigo 1º da Lei 9.029, destarte, se extrai tal visão de ampla incidência da norma proibitiva em tela.
No tocante ao objeto do presente estudo, por sua vez, o dispositivo de maior relevância da Lei 9.029, de 1995, é o seu artigo 4º.
Por meio das suas letras, o legislador consegui abrir um canal para a concretização do Acesso à Justiça no tocante à tutela jurisdicional que resguarda tanto o postulado da igualdade como a garantia constitucional de respeito à dignidade humana do trabalhador, estabelecendo em favor do empregado, quando despedido por motivo discriminatório, a escolha entre a sua reintegração no emprego e um ressarcimento especial, equivalente a duas vezes a remuneração do período de afastamento.
A segunda opção concedida pelo legislador ao empregado vítima de dispensa discriminatória, a chamada “indenização reparatória”, constitui mera medida inibitória, por não implicar na anulação da dispensa realizada. A respectiva temática, por sua vez, já foi objeto de análise em parte anterior da presente obra. É a primeira opção, esculpida no inciso I do artigo 4º, por seu turno, que monopoliza o atual estudo, enquanto novo mecanismo de restrição ao direito de despedir.
Ocorrendo a dispensa de empregado por motivo discriminatório, o legislador pátrio expressamente concedeu ao obreiro o direito de postular a anulação do ato resilitório e obter, conseqüentemente, o restabelecimento do vínculo empregatício irregularmente rompido. Foi introduzido ao direito dogmático brasileiro, assim, um mecanismo específico, visando a proibição à despedida abusiva.
Surgiu no horizonte normativo, destarte, um modelo de expressa vedação ao exercício abusivo do direito de despedir, quando a causa da resilição for fundamentada em uma distinção ilegítima.
Em muitos países, inexiste uma legislação específica na qual se encontra a disciplina da vedação à dispensa discriminatória.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o professor Mack A. Player, no prefácio da sua obra Employment Discriminatory Law, na qual critica a tradicional aversão dos juízes americanos à reintegração no emprego de empregado despedido por motivo discriminatório (preferindo a via indenizatória) e defende a necessidade de se reintegrar o empregado para assegurar a efetiva proibição a práticas discriminatórias, leciona o seguinte:
“unlike tax, anti-trust, or even labor relations law, the law of emplyment discrimination does not have the luxury of a single statutory scheme. Title VII of the Civil Rights Act of 1964 is the focus of this area of law, but it is far from the sole source of law. The Age Discrimination in Employment Act, the Equal Pay Act, and the Rehabilitation Act all pay important roles. None of the statutes are islands, however; they are bound together by common substantive and procedural problems. Employment discrimination cannot be severed from traditional labor relations law. Labor statutes provide not only a potential source of protection against invidious discrimination but provide also the very framework for analysis of employment discrimination issues”. [45]
O legislador pátrio, entretanto, preferiu editar uma norma especial com tal finalidade, seguindo o exemplo de instrumentos semelhantes encontrados em outras legislações estrangeiras, destacando-se as normas encontradas na Itália e na Espanha.
No Estatuto de los Trabajadores da Espanha (Real Decreto Legislativo 01 de 1995), o artigo 55, ao tratar do “despido nulo”, define no seu 5o. parágrafo que “Será nulo el despido que tenga por móvil alguna de las causas de discriminación prohibidas en la Constitución o en la Ley, o bien se produzca con violación de derechos fundamentales y libertades pública del trabajador”. Evidencia-se, assim, o notável âmbito de incidência da respectiva norma, no tocante aos motivos capazes de tornar a despedida em um “despido nulo”, englobando qualquer causa de discriminação prevista na Constituição.[46]
Na legislação italiana, por sua vez, originalmente existiu uma estipulação taxativa de causas discriminatórias, já que a Lei 604, de 17 de julho de 1966, denominada de “Norme sui Licenziamento Individuali”, estabelecia no seu artigo 4º que “il licenziamento determinato da ragioni de credo politico o fede religiosa, dalláppartenenza ad un sindacato e dalla partecipazione ad attività sindicali à nullo, indipendentemente dalla motivazione adottata”. Posteriormente, entretanto, a Lei 108, de 11 de maio de 1990, destinada à “Disciplina dei Licenziamento Individuali”, ampliou tal proibição através do seu artigo 3º, ao estipular que “Il licenziamento determinato da ragioni discriminatorie … à nullo indipendentemente dalla motivazione addottata”. O campo de incidência da norma, portanto, passou a ser o mais amplo possível, englobando todas as formas de discriminação, tipificadas ou não na legislação laboral.
Destaca-se tanto no Estatuto de los Trabajadores da Espanha como na Lei 108 da Itália, assim, o cuidado do legislador em dar ampla abrangência às causas que podem anular a despedida discriminatória. Inocorre a apresentação de um elenco taxativo de causas de discriminação. Na norma espanhola, exige-se apenas a previsão do motivo no texto constitucional ou em lei infraconstitucional; na italiana, suficiente é a natureza discriminatória da dispensa, mesmo que a espécie de discriminação não esteja tipificada em norma legal.
O fato do legislador pátrio não ter adotado a mesma sistemática, contudo, não impede a interpretação ampliativa quanto ao alcance da norma, como anteriormente exposto. Apenas demonstra a falta de cuidado do órgão legiferante, que ao invés de deixar claro a ampla extensão da proteção, preferiu apontar uma relação incompleta, exigindo do intérprete um raciocínio mais apurado para chegar à correta compreensão do real alcance dos princípios consagrados na Constituição Federal e “densificados” mediante a respectiva atividade legislativa.
Uma análise mais apurada do artigo 4º da Lei 9.029 de 1995, em comparação com as normas do direito italiano e espanhol, revelam uma outra relevante diferença. Enquanto nos textos estrangeiros, a dispensa discriminatória automaticamente gera a anulabilidade do ato resilitório, na norma brasileira se oferece uma escolha ao empregado: indenização reparatória ou reintegração no emprego.
Ao tratar da problemática envolvendo o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, assim, o legislador pátrio facultou ao empregado a opção entre uma indenização reparatória especial, ou, então, a sua reintegração no emprego[47], com o pagamento, devidamente corrigido, da remuneração do período do afastamento.
Ao conceder ao empregado, vítima de discriminação no momento da sua dispensa, a escolha entre as alternativas de percepção de uma quantia a título de sanção pecuniária e de restabelecimento do vínculo rompido, o legislador criou um novo mecanismo limitador do exercício do direito de despedir, almejando vedar a resilição contratual unilateral por motivo de discriminação do empregador. Não há uma vedação genérica à prática resilitória, mas apenas uma proibição dirigida aos atos praticados com base em motivo de discriminação do empregador.
O instrumento previsto na Lei 9.029 é, evidentemente, uma medida proibitiva de dispensa abusiva. A possibilidade de se obter a anulação da dispensa e a reintegração do empregado, as conseqüências típicas dos mecanismos oriundos do sistema protecionista da estabilidade própria, a enquadram na categoria de medidas restritivas do direito de despedir. Há, pois, uma verdadeira limitação jurídica à prática da dispensa, vedando-se a sua efetivação em determinadas circunstâncias, e não apenas uma simples inibição à sua concretização mediante freios econômicos. Tais características, contudo, não levam o novel mecanismo a ser enquadrado como uma forma de estabilidade jurídica no emprego.
Inocorre, no instrumento previsto na Lei 9.029 de 1995, a estipulação de uma proteção restrita aos empregados que preenchem determinadas condições (como o estado gravídico ou a qualidade de dirigente sindical) e a vedação à dispensa mediante a tipificação de um número reduzido de causas que autorizam a resilição contratual. Ocorre no modelo em tela, exatamente o contrário: a estipulação da proibição à dispensa apenas quando esta for praticada por um fundamento específico (no caso, motivo discriminatório), por representar a despedida em tais moldes um abuso de direito por parte do empregador. Ao invés de estipular que está vedada a dispensa, salvo quando presente uma justa causa ou uma falta grave (e, em alguns casos, quando observado um procedimento solene), como ocorre nas normas assecuratórias de estabilidade jurídica no emprego, a Lei 9.029 não impõe restrições à dispensa arbitrária ou sem justa causa, quando esta não tiver por causa um motivo discriminatório.
Em princípio, assim, admite-se a dispensa, desde que a mesma não seja fundada em causa abusiva nos termos delineados pelo legislador.
O protecionismo da Lei 9.029 de 1995, assim, alcança os empregados de uma forma geral[48], não sendo possível enquadrar o respectivo instrumento como uma nova modalidade de estabilidade jurídica no emprego. Enquanto é reduzido o número de empregados “estabilitários” no país, a Lei em tela alcança a generalidade dos trabalhadores sujeitos à legislação trabalhista consolidada. Nesse sentido, portanto, à luz da Lei 9.029 de 1995, é perfeitamente admissível a despedida sem justa causa. Apenas se impõe que tal causa, mesmo não sendo tipificada como “justa” pelo legislador, não tenha índole discriminatória, pois neste caso se tornará anulável. Exige-se para a incidência da citada norma legal, pois, apenas a existência de despedida fundamentada em motivo discriminatório. Ocorrendo o exercício do direito de despedir em tais moldes, o ato resilitório se torna passível de anulação, incumbindo ao empregado formular a opção entre a indenização ressarcitória e a sua reintegração no emprego.
Suficiente é a caracterização de uma dispensa discriminatória, por conseguinte, para surgir em favor do empregado, independentemente de qualquer qualidade pessoal deste, o direito de tornar ineficaz o ato resilitório. E o caminho até a anulação da dispensa será, naturalmente, através da via judicial.
A Lei 9.029 não impõe ao empregado o ajuizamento de ação perante a Justiça do Trabalho, mas tal é o procedimento lógico a seguir para a solução do litígio gerado pela despedida irregular. Dificilmente o empregado conseguirá o seu retorno à empresa através de outra forma de composição de conflitos, como a negociação individual (com ou sem mediação) ou a arbitragem. A própria natureza da lide (dispensa em virtude de discriminação), cria embaraços à uma solução extrajudicial. Via de regra, o empregado terá que ingressar em juízo e postular a tutela jurisdicional do Estado, para afinal obter, caso sua pretensão seja acolhida pela Justiça do Trabalho[49], a sua reintegração no emprego.
Mediante a aplicação da medida prevista no primeiro inciso do artigo 4º da Lei 9.029 de 1995, assim, a dispensa discriminatória não é meramente inibida, mas sim proibida, restringindo-se de fato o respectivo direito patronal de resilir o contrato. A possibilidade de se anular o ato resilitório e determinar o retorno do empregado ao seu posto empregatício, portanto, eleva o instituto ao plano de medida restritiva do exercício do direito de despedir.
Por meio o mecanismo em tela, destarte, o controle do exercício de tal direito é inicialmente realizado pelo legislador, de forma abstrata, mediante a fixação da disciplina consubstanciada nas regras da Lei 9.029 de 1995. Em seguida, caso ocorra a inobservância espontânea dos ditames da lei, mediante a aplicação direta pelo empregador, o controle é efetivado coercitivamente no plano empírico, normalmente pela via da atividade concretizadora dos órgãos jurisdicionais, quando o empregado ingressa em juízo com uma ação postulando a sua reintegração, e, em seguida, a Justiça do Trabalho, após invalidar a dispensa praticada por motivo discriminatório, expede mandado de reintegração forçada, restabelecendo a relação de emprego irregularmente rompida em violação aos princípios da igualdade e da não discriminação, consagrados no texto constitucional e na própria Lei em tela.[50]
E, consequentemente, promove o Estado-Juiz a concretização do ideal de Acesso à Justiça mediante a materialização de uma tutela jurisdicional assecuratória dos respectivos postulados.
A sua finalidade primordial, assim, é vedar tal espécie de prática discriminatória. Os beneficiados pela nova norma, constata-se, não são apenas os empregados do país. O Estado e a sociedade brasileira, em última análise, formam o alvo principal da ação do legislador.
A proteção concedida ao empregado em face da Lei 9.029, portanto, decorre de uma nova intervenção do Estado-legislador no âmbito das relações de trabalho, destinada especificamente a proibir a discriminação quando da efetivação da dispensa. O objetivo imediato da ação estatal, pois, é a proibição da conduta discriminatória. A conseqüência de tal vedação, por sua vez, é que gera a proteção ao empregado. O Estado e a sociedade, assim, são os principais sujeitos passíveis da dispensa discriminatória. Como afirma a juíza Adriana Goulart de Sena[51], “fica evidente que o que a lei está combatendo é a discriminação”.
A necessidade de fazer prevalecer os princípios da igualdade e da não discriminação, destarte, gerou um novo modo de disciplinar o exercício do direito de despedir, e, conseqüentemente, uma nova forma de proteção à relação de emprego.
Foi, principalmente, a preocupação em proteger tais interesses maiores, assim, que levou o legislador a introduzir a novel medida ao campo da legislação trabalhista pátria. Mas as suas repercussões imediatas, como é de fácil percepção, ecoam intensamente no campo do Direito do Trabalho. Especialmente como forma de estimular a continuidade da relação de emprego.
A luz de tais constatações, portanto, constitui a medida proibitiva do artigo 4º, caput c/c inciso I, da Lei 9.029 de 1995, um modelo normativo de expressa vedação à dispensa discriminatória, representando o primeiro mecanismo criado pelo legislador ordinário pátrio com a explícita finalidade de proibir o exercício abusivo do direito de despedir.[52]
A medida restritiva prevista na Lei 9.029 de 1995, por outro lado, igualmente revela o primeiro passo concreto do legislador brasileiro em direção a uma nova forma de disciplina do direito de despedir, chamada por alguns de “dispensa sob controle”, no caminho a um variante moderno do clássico sistema de estabilidade própria, denominado de “sistema da dispensa socialmente justificada” pelo professor Antônio Álvares da Silva[53]. Segundo o professor mineiro, a tendência atual do Direito do Trabalho é caminhar para uma “restrição concreta do livre direito de despedir”, admitindo-se a despedida apenas quando esta tiver por causa um motivo legítimo vinculado à pessoa ou à conduta do empregado, ou, ainda, à necessidade da empresa.
Na mesma linha, Edésio Passos[54], leciona que “se o legislador quer garantir às pessoas o acesso ao trabalho, sem preconceitos e discriminações, sob o manto da proteção constitucional, também no campo doutrinário fortalece a nova concepção da necessidade de controle da despedida do empregado, limitando o hoje poder quase ilimitado da empresa. A Lei 9.029/95 não apenas protege a pessoa no seu direito ao trabalho, como resguarda a sua manutenção e viabiliza a readmissão no caso de despedida ilegal. Situa-se dentro da nova concepção da limitação do direito potestativo do empregador, a caminho do controle da dispensa”.
Enquadrando-se como medida restritiva do direito de despedir, dentro do sistema protecionista da estabilidade própria, o instrumento previsto na Lei 9.029 de 1995 representa uma nova forma de manifestação do controle legislativo sobre a prática da dispensa, distinta das modalidades clássicas de estabilidade jurídica no emprego. Inocorre no novo modelo, assim, uma interferência minuciosa do legislador na seara da motivação do ato resilitório, através de uma tipificação prévia das causas autorizadoras da resilição contratual. Ao invés de proibir a dispensa como regra, admitindo-se a sua prática apenas como exceção (para tanto, exigindo um motivo legítimo tipificado em lei e, em algumas hipóteses, a observância de um prévio procedimento formal como um inquérito judicial), no novo mecanismo admite-se a dispensa mesmo sem justa causa, desde que o motivo não seja abusivo, ou seja, desde que o exercício do direito de despedir não venha a constituir abuso de direito.
Continua a existir, pois, um controle sobre a prática da dispensa, mas sem uma intervenção excessiva do Estado quanto à exigência de uma ou outra causa específica, minuciosamente descrita pelo legislador, para lhe servir de fundamento. Há apenas a estipulação de motivos especifícos que não poderão servir de causa para a dispensa, por representarem uma agressão direta a interesses maiores do Estado e da própria sociedade, e, assim, levarem a despedida a ser enquadrada como anti-social. Um verdadeiro abuso de direito.
O direito de despedir desfrutado pelo empregador, por conseguinte, encontra uma nova forma de limitação, sujeitando-se a uma disciplina legal destinada a evitar o abuso de tal direito, potestativo mas não absoluto.
Ao menos no plano abstrato da lei, destarte, o empregado encontra uma via de Acesso à Justiça mediante instrumentos capazes de proibir a despedida abusiva. A eficácia de tais mecanismos na prática, entretanto, somente poderá ser avaliado com o decorrer do tempo.
Mas, com a mais absoluta das certezas, o atual estágio revela que os operadores do Direito do Trabalho no país ainda não acordaram para tal realidade. Permanecem sonolentos. Nesta fase ainda inicial, a exploração de tão brilhantes instrumentos tem se demonstrado excessivamente tímida. Quase que inexistente. Lamentavelmente.
Enquanto isso, o uso abusivo do direito de despedir persiste, como uma praga no dia a dia das relações de trabalho, prejudicando empregados, e, de igual forma, o Estado e a sociedade brasileira.
Mas os operadores do direito, eventualmente, vão acordar para tal realidade.
Sem dúvida.
Ainda há esperanças para quem acredita no Direito do Trabalho.
É aguardar para ver.
Informações Sobre o Autor
Sergio Torres Teixeira
Juiz do Trabalho, mestre e doutor em Direito (UFPE) professor adjunto da UNICAP, da FDR/UFPE e da FBV, coordenador científico dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da ESMATRA/FBV, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Direito Processual