A intervenção estatal, em casos repressão penal só se justifica, quando houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente jurídico relevante, que represente um perigo concreto ao bem jurídico tutelado – principio da ofensividade. [1]
Por essa razão, são inconstitucionais todos os crimes de perigo abstrato, pois o agente é punido pela mera desobediência à letra da lei, sem que se comprove a existência de qualquer lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico protegido.
Nesse sentido, diz-se que há uma presunção “juris et de jure”. É relevante ressaltar que tal presunção, vai de encontro com diversos princípios constitucionais – legalidade, culpabilidade, intervenção mínima, entre outros; e ofende diversas garantias fundamentais do individuo, visto que não respeita a estrutura básica do tipo e por ser expressão de uma técnica legislativa reprovável. [2]
Para confirmar tal afirmativa apresento alguns argumentos, defendidos por Luiz Flávio Gomes[3], Cezar Bitencourt[4] e Delmanto[5] entre outros autores.
O primeiro ponto trata-se da promulgação da Constituição Federal de 1988, que rompe o cunho autoritário e reconhece a existência de um núcleo inviolável de direitos fundamentais, que não podem ser suprido nem mesmo a pretexto de atender à vontade da ampla maioria. Logo o direito penal moderno passou a pautar como características a objetividade e a proteção ao bem jurídico. [6] Visto isso, se conclui que se não tiver um bem jurídico definido na norma, não há infração penal, ou seja, os crimes de perigo abstratos são inconstitucionais, pois ferem a estrutura do Estado Democrático de Direito.
O segundo ponto a se analisar é a violação à idéia da ultima ratio do direito penal. Com a evolução da sociedade, surgem novos bens jurídicos, que são indispensáveis para a convivência harmônica. Para tanto o legislador tenta suprir os anseios sociais através da ampliação do direito penal – o que deveria ser feito com muito mais eficácia por outros ramos do direito – contudo, surge um problema, pois passa-se a tutelar bem jurídico não tradicional e limita-se a garantia fundamental pelo uso inadequado do direito penal. Assim os crimes de perigo abstrato contribuem com o atraso do direito penal, deixando para trás a idéia de ultima ratio e colaboram para um direito penal máximo.[7]
O terceiro ponto a se analisar é o próprio principio da ofensividade, que de acordo com os ilustres mestres (Luiz Flávio Gomes [8] e Cezar Bitencourt [9]) possuem dupla função: a) Função Política Criminal – manifesta-se nos momentos que antecedem o diploma legislativo- criminal, ou seja, o legislador deve adotar no tipo penal uma conduta que tenha verdadeiro conteúdo ofensivo ao bem jurídico relevante; b) Função Interpretativa ou Dogmática – é a interpretação legal a se encontrar em cada caso concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.
Com o exposto, conclui-se que não pode-se ter crime de perigo abstrato na esfera do direito penal, já que o juiz ao interpretar o caso concreto vai analisar a ofensividade ao bem jurídico protegido. Como é o caso do acórdão relatado pelo Ministro do STJ Vicente Cernicchiaro:
“A infração penal não é só conduta. Impõe-se, ainda, o resultado no sentido normativo do termo, ou seja, dano ou perigo ao bem jurídico tutelado. A doutrina vem, reiterada, insistentemente renegando os crimes de perigo abstrato. Com efeito não faz sentido punir pela simples conduta, se ela não trouxer, pelo menos, probabilidade de risco ao objeto jurídico … A relevância criminal nasce quando a conduta gerar perigo de dano. Até então, a conduta será atípica.” [10]
Contudo, ainda é predominante na jurisprudência o entendimento de que os crimes de perigo abstrato devem ser punidos através de presunção de perigo – “juris et de jure”.
Ao meu ver, não deveria existir crime de perigo abstrato, ou seja, todo o crime de perigo deveria ser de perigo concreto, pois assim, vai se analisar a comprovação de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico relevante – art.5º XXXV da CF. Para confirmar tal posicionamento, ilustre professor Celso Delmanto diz em sua obra:
“Verifica-se, que a mera subsunção do fato ao tipo penal não basta à caracterização do injusto penal, devendo sempre indagar acerca da antijuridicidade material, a qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem jurídico protegido, requisitos esses que constituem verdadeiro pressuposto para a caracterização do injusto penal.”[11]
Logo aqueles casos que não se provem a existência do perigo no mundo, deverão ser aplicados outras medidas sancionadoras.
Informações Sobre o Autor
Flávia Regina Oliveira da Silva
Bacharel em Direito pela UNIFLU – Faculdade Direito de Campos/RJ, Pós- Graduação em Curso, Cienciais Penais – LFG Anhanguera -UNIDERP.