A resolução do Senado Federal no âmbito do controle de constitucionalidade

Resumo: Chama-se controle de constitucionalidade o sistema em que o Poder Judiciário analisa a compatibilidade de determinado ato normativo face ao texto constitucional. O sistema brasileiro é complexo. Há o controle preventivo e o repressivo. O primeiro é feito, em regra pelo Poder Legislativo antes da entrada em vigor do ato normativo. O segundo é realizado pelo Poder Judiciário quando a norma já está produzindo efeitos. Essa forma de controle é realizada de duas formas: concentrada e difusa. Na forma concentrada discute-se a lei em tese e o órgão competente para o seu julgamento é o Supremo Tribunal Federal. Já na forma difusa, a análise da constitucionalidade é apenas meio para se chegar a um fim em determinado processo judicial. É competente para julgá-la qualquer juiz ou tribunal, inclusive o STF, que se em grau de recurso decidir pela inconstitucionalidade de um ato normativo deverá notificar o Senado Federal, que atuando político e discricionariamente, poderá suspender a execução do ato normativo emitindo uma resolução. Referida resolução possui efeitos erga omnes, suspensivo e ex nunc embora haja entendimento contrário.


­­­­Palavras-chave: Constitucionalidade. Controle. Senado. Resolução. Efeitos.


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Abstract: Control of constitutionality is the system that the judiciary considers the compatibility of a normative act with the Constitution. The Brazilian system is complex. There is a preventive and repressive control. By the rule, the preventive system is made by the legislative before the validity of the standard. The repressive system is made by the judiciary when the norm is valid. This system is made in concentrated form and diffuse. In concentrated form the law is discussed in theory the Brazilian Supreme Court. In the diffuse form, the analysis of constitutionality is a way to get a result in any judicial proceeding. Any judge or court may make the repressive control, including the Brazilian Supreme Court. On appeal if the brasilian supreme court to decide by the unconstitutionality of a norm must communicate the Federal Senate this decision. In this case the Federal Senate, acting politically, without limitation, may suspend the effects of that standard by issuing a resolution. Even with a contrary view, the resolution has effect for all and suspends the norm. It does not take effect retroactively.


Keywords: Constitutionality. Control. Senate. Resolution. Effects.


Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais do controle de constitucionalidade brasileiro. 1.1. Conceito. 1.2. Espécies de controle de constitucionalidade. 1.2.1. O controle preventivo. 1.2.2. O controle repressivo. 1.2.3. O controle de constitucionalidade concentrado. 1.2.4. O controle de constitucionalidade difuso. 2. A resolução do Senado Federal. 2.1. Considerações iniciais. 2.2. Dos efeitos da resolução do Senado Federal. Notas conclusivas. Referências.


Introdução


O objeto deste estudo é analisar a resolução do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade para determinar os seus efeitos e assim poder dar mais luz ao sistema de controle de normas, que é um dos temas mais instigantes e difíceis dos cursos de direito.


Portanto, o presente artigo é destinado aos acadêmicos de direito, motivo pelo qual procuramos usar linguagem e abordagem simples, mas sem ser simplista, caso contrário estaríamos prejudicando e não ajudando.


Para bem cumprir nosso intento, abordaremos a temática de forma clara, concisa e, acima de tudo objetiva. Escolhemos como métodos de pesquisa o fenomelógico, já que fizemos análise de doutrinas e, o dedutivo, pois, apresentaremos valores constitucionais que farão um leigo compreender o tema.


Bem sabemos que o conhecimento é ilimitado, mas também sabemos que para alcançar nosso propósito é preciso delimitá-lo. Por essa razão, promovemos um corte metodológico no qual evitamos delongas doutrinárias. Fizemos as citações e referências necessárias para cumprir com a finalidade deste artigo.


Desenvolvemos o estudo em dois capítulos. No primeiro tratamos dos aspectos gerais do controle de constitucionalidade brasileiro e assim procedemos porque ele é o antecedente lógico do segundo capítulo, em que abordamos a resolução do Senado Federal à luz do inciso X do artigo 52 da Constituição do Brasil.


1 Aspectos gerais do controle de constitucionalidade brasileiro


1.1 Conceito


Chama-se controle de constitucionalidade o mecanismo pelo qual determinado órgão estatal faz a análise de um ato normativo para indicar se ele possui ou não compatibilidade com o Texto Constitucional, visando “impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição”, conforme lição de Michel Temer (1982, p. 28). Para Marcelo Vicente de Alkimim Pimenta o controle de constitucionalidade é:“(…) o juízo de verificação da adequação vertical que deve existir entre as normas infraconstitucionais (leis, decretos, medidas provisórias, resoluções, etc) e a Constituição. Esse controle realiza-se sempre a partir de um exame comparativo entre o ato legislativo ou normativo impugnado e a Constituição.” (2007, p. 86).


Controlar a constitucionalidade, portanto, é apenas verificar se alguma norma é ou não constitucional, caso em que ela deixará de produzir efeitos.


O leitor mais atento já percebeu que esse mecanismo pressupõe a existência de uma lei suprema, hierarquicamente superior a todas as demais que compõem o ordenamento jurídico. Tal lei é Constituição, que é o preceito fundamental do sistema, de modo que todos os demais comandos normativos devem respeitar os seus ditames, porque “é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo” (TEMER, p. 28).


Desse modo, a doutrina diz que dois são tipos de parâmetros que a norma infraconstitucional deve respeita: o formal e o material. Para melhor entendimento, é conveniente indicar o escólio de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2007, p. 25): “O parâmetro formal diz respeito às regras constitucionais referentes ao processo legislativo, vale dizer, aos meios constitucionalmente aptos a introduzir a normas no sistema jurídico. (…) O parâmetro material refere-se ao conteúdo das normas constitucionais. Assim, o conteúdo de uma norma infra-ordenada não pode ser antagônico ao de sua matriz constitucional. Por exemplo, em nosso país, onde o cometimento de um crime (salvo a hipótese constitucionalmente prevista na alínea a do inciso XLVII do art. 5º) é, por evidente, inconstitucional.”


Ocorre que mais necessário do que haver uma norma superior é necessário que ela seja rígida, isto é, que seu processo de alteração seja difícil do que em relação às outras espécies normativas. A Constituição Federal do Brasil é rígida, conforme se detona de seu artigo 60.


Nesse sentido, esclarecedor é o entendimento de Pedro Lenza: “Como requisitos fundamentais e essenciais para o controle, lembramos a existência de uma constituição rígida. (…) Uma constituição rígida é aquela que possui um processo de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene do que o processo legislativo de alteração das normas não constitucionais.” (2009, p. 149).


É dessa rigidez que surge a superioridade da Texto Maior em relação às outras normas, estabelecendo uma relação piramidal (ARAÚJO, NUNES JÚNIOR, p. 25), que se chama princípio da supremacia da Constituição.


Por tudo isso, não se pode conceber ato normativo em descompasso com a Constituição, contexto em que o sistema de controle da constitucionalidade de normas é um garantia de todos, pois evita que normas espúrias produzam efeitos.


1.2 Espécies de controle de constitucionalidade


De modo geral existem duas espécies de controle de constitucionalidade. Um chamado de controle preventivo e outro de repressivo.


1.2.1 O controle preventivo


Como se infere do próprio nome, preventivo é o controle que visa evitar a entrada, no sistema jurídico, de norma incompatível com o texto constitucional. Ele ocorre, em regra, durante o processo legislativo e é realizado pelos detentores do poder de legislar e pelo chefe do poder executivo (ARAUJO, NUNES FILHO, p.26). É por essa razão que a doutrina diz que o controle preventivo é o realizado por órgão político (TEMER, p. 29).


Assim, qualquer membro do Congresso Nacional, bem como qualquer comissão das casas legislativas, em especial as Comissões de Constituição de Justiça do Senado e da Câmara Federal, devem verificar todos os projetos de atos normativos a fim de constatar a sua compatibilidade com o texto constitucional. Em caso negativo, devem abortar o projeto ou sanar o vício.


O Poder Legislativo, portanto, faz o controle repressivo na fase de deliberação do projeto de qualquer espécie normativa. O Poder Executivo por sua vez, exercido pelo seu chefe, faz o controle repressivo pelo veto jurídico, pois sabemos que o Presidente da República, Governadores e Prefeitos podem vetar projetos alegando sua inconstitucionalidade.


É preciso dizer que o Poder Judiciário pode, excepcionalmente, participar do controle preventivo. Consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há somente uma hipótese de controle de normas preventivo exercido de forma jurisdicional e ocorre por mandado de segurança impetrado por parlamentar com vistas a barrar o processo legislativo de projeto cujo trâmite é vedado pela Constituição Federal.  


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A esse respeito encontramos, na doutrina, o seguinte exemplo: “Assim, o § 4º do art. 60 da Constituição Federal veda a deliberação de emendas tendentes a abolir seus incisos. Portanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que os parlamentares têm direito a não ver deliberada uma emenda que seja tendente a abolir os bens assegurados por cláusula pétrea. No caso, o que é vedada é a deliberação, momento do processo legislativo. A Mesa, portanto, estaria praticando uma ilegalidade se colocasse a em pauta tal tema.” (ARAUJO, NUNES JÚNIOR. p.27).


Isso se dá porque o parlamentar tem o direito público subjetivo de participar de processo legislativo regular, razão pela qual, esse direito só é dado a ele, não se estendendo a terceiros. (LENZA, p. 168)


1.2.2 O controle repressivo


É essa a espécie de controle que tem mais relevância para o operador do direito, porquanto ela é exercida pelo Poder Judiciário e ocorre após a publicação da norma impugnada, razão pela qual a sua finalidade é expurga-la do sistema jurídico, pois não se admite a produção de efeitos por norma inconstitucional.


Essa espécie de controle se subdivide em outros dois tipos, conforme o tipo de análise se fará da norma impugnada. Assim, temos o controle de constitucionalidade concentrado, cujo órgão competente para sua análise é o Supremo Tribunal e o difuso, que é realizado por qualquer órgão jurisdicional. Diante disso, dizemos que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é do tipo misto ou híbrido.


1.2.3 O controle de constitucionalidade concentrado


Esta espécie de controle, também chamada de controle abstrato de normas, processa-se por quatro ações: ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI por omissão), ação declaratória de constitucionalidade (ADECON) e argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que foi introduzida no sistema jurídico pela Emenda Constitucional 3 de 1993. As ADI`s e a ADECON são regulamentadas pela lei 9.868/99. A ADPF está regulamentada pela lei 9.882 de 1999.


O pressuposto básico para o uso desses instrumentos processuais é a existência de uma norma dotada dos atributos da generalidade e da abstração, porque o controle “há que ter como objeto atos de conteúdo normativo, quer sejam eles veiculados por lei ou por outro instrumento, fato que, de logo, afasta do âmbito de incidência do controle concentrado as chamadas leis de efeitos concretos.” (ARAUJO, NUNES FILHO. p. 34).


Nessa forma de controle o que se analisa é o ato normativo em si, isto é abstratamente e não inserido em alguma situação concreta qualquer. Explicando isso Marcelo Vicente de Alkimim Pimenta assevera que: “(…) o controle abstrato de constitucionalidade é processo de natureza objetiva, em que é questionada a própria constitucionalidade de uma lei, não se admitindo a discussão de situações de interesses meramente individuais.” (Teoria da Constituição, Del Rey, 2007, p. 207).


Referido autor prossegue trazendo quatro características fundamentais do processo concentrado do controle de normas, que são: 1) é o Supremo Tribunal Federal o único órgão competente para julgar as suas ações, daí advindo a sua denominação, pois as ações se concentram num único tribunal; 2) as decisões do STF produzem efeitos erga omnes, isto é, aplicável a todos. Acrescentamos que também possui efeito vinculante; 3) por ser processo objetivo, não há pólo passivo nas ações, vedando-se intervenção de terceiros; 4) só podem propor as ações as pessoas e órgãos expressamente indicados no artigo 103 da Constituição Federal; (PIMENTA, 2007, p. 207-208).


Tais considerações se fazem importantes porque é nesse ponto em que reside a diferença entre o controle difuso e concentrado, conforme abordaremos em seguida.


Não abordaremos as ações que compõem esta forma de controle, já que, conforme visto em notas introdutórias, este arrazoado se ocupará da análise da resolução do Senado Federal em sede de controle difuso. Todavia, as noções apresentadas são importantes para que marquemos as diferenças entre uma e outra forma de controle.


1.2.4 O controle de constitucionalidade difuso


Diferentemente do concentrado, no controle difuso não se discute a lei em tese, mas sim um caso concreto qualquer, no qual a parte interessada instaura o incidente de constitucionalidade para afastar a aplicação de determinado ato normativo por reputá-lo inconstitucional.


Nesse caso, portanto, a declaração de inconstitucionalidade não é objetivo principal, mas apenas um meio para se chegar a um fim, daí chama-lo também de controle por via de exceção ou incidental (incedenter tantum)- é apenas um incidente em um processo qualquer que serve de condição para a análise do mérito da lide, razão pela qual qualquer juízo pode analisar o pedido. Nesse sistema, portanto, o controle de normas incumbe a todos os órgãos do Poder Judiciário.


Os efeitos da declaração incidental é, em princípio, diferente da declaração no controle concentrado. Aqui, a decisão fica limitada ao caso discutido em juízo e os efeitos são inter partes (faz coisa julgada entre as partes) e não vinculante, afinal a declaração de inconstitucionalidade é havida de um incidente em que se discute um caso qualquer.


Além disso, no controle difuso o ato normativo não é anulado, ou seja, ele não é expelido do ordenamento jurídico, apenas não é levado em conta no caso concreto. Assim, o ato normativo continua eficaz genérica e abstratamente, obrigando todo juízo a aplicá-lo normalmente.


Ocorre que todas as pessoas que não fizerem parte da lide, em que incidentalmente foi declarada a inconstitucionalidade do ato normativo, devem se sujeitar a ele, porém muitos delas podem estar na mesma situação daquela parte que se aproveitou da declaração de inconstitucionalidade. Logo, tais pessoas também fazem jus à declaração e a rigor devem se socorrer da justiça, mas se assim fizerem ocorrerá uma avalanche de ações iguais, que só faria atrapalhar o Poder Judiciário, que ficaria incumbido de julgar demandas repetidas.


Visando evitar isso, a Constituição Federal de 1988 prevê, no inciso X de seu artigo 52, a possibilidade de o Senado Federal suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em decisão definitiva.  


Para melhor entendimento, pensemos na seguinte hipótese: determinada empresa quer se livrar a aplicação de um tributo por entendê-lo inconstitucional. Dita empresa, então, jurisdiciona a ação competente e instaura o incidente. O processo corre sua trajetória normal até, em sede de recurso extraordinário, chegar ao STF, que por maioria absoluta (art. 97 da CF/88) decide pela inconstitucionalidade do tributo, que é comunicada ao Senado Federal que, por resolução, poderá suspender a execução do tributo.


Resolvendo o Senado suspender a execução da lei instituidora do tributo reputado inconstitucional, evitar-se-á a desnecessária repetição de demandas, além de privilegiar a supremacia da Constituição, porque se a norma é inconstitucional para um há de ser para todos.


Em linhas gerais é dessa forma que se processa o controle difuso de constitucionalidade e quanto a isso não há divergência alguma. A doutrina, porém, não é uníssona no que se refere aos efeitos da resolução do Senado Federal que suspende a execução da norma inconstitucional.


Conforme vimos em notas introdutórias, o presente arrazoado se ocupará da análise dessa resolução, buscando esclarecer os seus efeitos e a sua natureza.


2 A resolução do Senado Federal


2.1 Considerações iniciais


Em boa síntese a resolução é “a deliberação que uma das Câmaras do Poder Legislativo, ou o próprio Congresso Nacional toma, fora do processo de elaboração das leis e sem ser lei” (FERREIRA FILHO, 2002, p. 199), que tem por fim regulamentar as matérias de competência privativa do Senado Federal dispostas no artigo 52 da Carta da República.


Desse conceito depreende-se o fundamento constitucional da resolução suspensiva. A Constituição Federal de 1988 deferiu ao Senado brasileiro, conforme vimos no inciso X de seu artigo 52, a competência privativa de suspender lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF em sede de controle difuso e tal competência é exercida por resolução, nos termos do Regimento Interno no Senado Federal, pois o Magno Texto apenas contemplou uma única hipótese de resolução que em nada tem a ver com o presente estudo.


É importante dizer que o Senado Federal não tem prazo para exercer a sua competência suspensiva e isso se dá por duas razões. Primeira: a Constituição não estabeleceu prazo. Segunda: a resolução é ato discricionário de modo que o Senado atuará consoante conveniência e oportunidade.


Em se tratando de ato discricionário não há, portanto, sanção em caso de omissão do Senado Federal no que se refere à edição da resolução suspensiva. Tanto é assim que a Constituição em nenhum momento a previu.


Nesse sentido temos o entendimento de Clèmerson Merlin Clève: “A competência do Senado consiste em atividade discricionária de natureza política. Cuida a resolução suspensiva de ato político que empresa eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em caso concreto. Ao Senado cabe examinar da conveniência e oportunidade de considerar, em tese, suspensos os seus efeitos, de retirar dispositivo legal ou regulamentar do ordenamento jurídico.” (2000, p. 121).


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Corroborando com esse entendimento temos a doutrina de Pedro Lenza: “Deve-se, pois, entender que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado Federal total liberdade para cumprir o art. 52, X, da CF/88. Caso contrário, estaríamos diante de afronta ao princípio da separação de Poderes” (2009, p. 185).


É preciso registrar, também, que uma vez emitida a resolução, o Senado nunca mais poderá revê-la (CLÈVE, 2000, p.120). Assim, uma vez realizada, ela se torna irrevogável, afinal a Constituição deferiu, nesse particular, o direito de suspensão, mas não o direito de revisão e assim o fez em homenagem ao princípio da segurança jurídica.


Outra questão importante está em saber se o Senado pode emitir resolução suspensiva parcial. Em sentido negativo, temos a lição de Pedro Lenza, que entende que a expressão “no todo ou em parte” contida no inciso X do artigo 52 da Constituição Federal deve ser interpretada como sendo impossível ao Senado ampliar, interpretar ou restringir a extensão da decisão do STF (2009, p. 184).


Pedimos vênia ao ilustre constitucionalista, mas entendemos que tal interpretação não está em consonância com o Texto Constitucional, que é claro ao permitir que o Senado suspenda a execução de lei declarada inconstitucional, total ou parcialmente. Nessa linha, novamente trazemos a lume a doutrina de Clèmerson Merlin Clève: “[…] não está o Senado impedido de suspender a execução de parte apenas de uma lei declarada, por inteiro, inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal.” (2000, p. 121).


Esse entendimento é o mais lógico, pois se a suspensão pode ser no todo não há motivo para não ser em parte. O fato de o STF haver declarada a inconstitucionalidade total de uma lei ou ato normativo não impede que o Senado, por sua conveniência política, entenda necessária a suspensão apenas de parte da lei alvo. Isso se dá porque o julgamento por parte do STF em nada interfere na prerrogativa do Senado, pois é distinta a atuação desses órgãos. A Suprema Corte, em sede de controle difuso, pratica ato jurisdicional que não tem a finalidade de excluir do ordenamento jurídico determinado ato normativo. Já o Senado pratica ato político por expressa previsão constitucional originária. Daí, não há razão para não outorgar a possibilidade da suspensão parcial.


Assentadas essas notas preliminares, passemos agora à análise dos efeitos da resolução suspensiva.


2.2 Dos efeitos da resolução do Senado Federal


A título ilustrativo, a resolução suspensiva senatorial em sede de controle difuso de constitucionalidade surgiu no direito brasileiro com a Constituição de 1934 e passou, desde então, a ser contemplada em todas as cartas políticas que o Brasil teve (MENDES, 2004, p. 149-168).


Desde o início, o instituto em análise suscitou algumas discussões acerca de seus efeitos. Notadamente, a discussão girou em torno de ser a resolução forma de revogação ou mera suspensão da execução da lei e se ela produziria efeitos ex tunc ou ex nunc. É disso que iremos tratar nessa parte deste pequeno arrazoado.


Nesse sentido, o primeiro efeito que se pode destacar da resolução do Senado Federal em controle incidental de constitucionalidade é o efeito erga omnes, ou seja, uma vez editada a resolução o efeito da decisão do Supremo Tribunal Federal passa a valer para todos, de forma vinculante. A doutrina, acerca desse efeito, também o chama de ampliativo, conforme entendimento de Gilmar Mendes: “Parecia evidente aos constituintes que a suspensão da execução da lei, tal como adotado em 1934, importava na extensão dos efeitos do aresto declaratório da inconstitucionalidade, configurando, inclusive, instrumento de economia processual. Atribuía-se, pois, ao ato do Senado caráter ampliativo e não apenas paralisante ou derrogatório do diploma viciado;” (2004, p. 158).


Dessa lição, também fica claro que outro efeito que a resolução tem é o suspensivo ou paralisante. O Senado Federal suspende a eficácia da lei viciada, não a revoga e não a declara inconstitucional, porquanto isso é da competência exclusiva do Supremo Tribunal.


Muito embora muito se assemelhe a ela, não se pode, jamais, confundir o ato de suspender a execução de lei (suspender a eficácia) com o ato de revogação, que é ato praticado por quem tenha competência normativa, isto é, quem criou o ato normativo o revoga. Em sentido contrário, entendendo que se trata de revogação temos Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1980, p. 211).


Isso tudo é de facílimo entendimento e não há, na doutrina, grande dissonância. O problema torna-se denso quando se discute acerca da retroatividade ou irretroatividade da resolução.


Nesse ponto, conforme destaca Clèmerson Merlin Clève, a posição majoritária é a de que a resolução produz efeitos ex nunc, isto é, não retroage (2000, p.122).


Defendendo essa posição podemos destacar Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, para quem o efeito ex tunc só se aplica quando há declaração de inconstitucionalidade e como o Senado, somente, suspende a eficácia da norma não há motivo para conferir-lhe efeitos retroativos (2005, p. 66).


Oswaldo Antônio Bandeira de Mello também entende que o efeito é ex nunc, porém nos dá outra fundamentação: “a suspensão da lei corresponde à revogação da lei” e por isso devem “ser respeitadas as situações anteriores definitivamente constituídas, porquanto a revogação tem efeito ex nunc” (1980, p. 211).


Em sentido contrário, defendendo o efeito ex tunc, temos Clèmerson Merlin Clève e o ministro Gilmar Mendes (2004, p. 162-165). De forma geral, tais juristas defendem que não há razão para haver o controle de constitucionalidade misto, tal qual vigora, hoje no Brasil. Para eles, o controle de constitucionalidade deve ser feito, exclusivamente, pelo Supremo Tribunal Federal nos moldes do controle concentrado. Daí, portanto, poder-se falar em efeitos erga omnes e ex tunc.


Eis o que diz Clève: “Todavia, é questionável a permanência da fórmula da Constituição de 1988. Parece constituir um anacronismo a permanência do mecanismo quando o país adota, na atualidade, não apenas a fiscalização incidental, mas também a concentração-principal, decorrente de ação direta e, inclusive, para suprimento de omissão. Tem-se que chegou a hora, afinal, de transformar o Supremo Tribunal Federal em verdadeira corte especializada em questões constitucionais, retirando-se do Senado a atribuição discutida no presente item.” (2000, p. 124).


Na mesma linha, eis Gilmar Mendes (2004, p. 155): “A única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica.”


Referido autor, conforme se vê em seus votos no RE 197.917/SP (rel. Min. Maurício Corrêa, data de julgamento 06/06/2002) e HC 82959/SP (rel. Min. Marco Aurélio, data de julgamento 23/02/2006) defende a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso, que contribui para o fenômeno da abstrativização do controle difuso.


Por tal teoria, a sentença do controle difuso passaria a ter eficácia erga omnes sem necessidade da participação do Senado Federal e, quanto aos demais efeitos, seguirá as regras do controle concentrado, isto é, poderá ter, conforme o caso, eficácia ex tunc.


Conforme assevera Pedro Lenza, o que embasa essa teoria são as ideias de força normativa da Constituição, o princípio da supremacia da Constituição e o fato de o STF ser o guardião da Constituição (2009, p. 187). Por tudo isso, a decisão da Suprema Corte tem que ser uniforme para todos.


Essa teoria não trata especificamente dos efeitos da resolução senatorial, porquanto em sua óptica afasta-se a participação do Senado Federal, por isso tudo quanto foi dito acerca dela é suficiente para entender a sua atuação.


De nossa parte, adotamos uma postura bem mais conservadora, pois entendemos que a resolução ora estudada não tem efeito retroativo, porque em caso contrário teríamos um verdadeiro atentado à segurança jurídica, que é um princípio informador de todo o ordenamento.


Não se pode conceber que uma decisão política e discricionária afete relações jurídicas já constituídas. Tanto é assim que se observarmos as decisões da Suprema Corte em sede de controle abstrato de normas, veremos que o tribunal modula os efeitos da decisão, dando-lhe efeito ex nunc, justamente para não afetar os ditames de segurança jurídica.


Com relação ao fenômeno da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, bem defendido por Gilmar Mendes, somos contra a sua aplicação, simplesmente porque não há autorizativo constitucional para tanto.  A teoria que o embasa não pode ser aplicada incontinente. Ela demanda uma bem vinda reforma constitucional para tornar uno o controle de normas, que é o mais lógico, porque se garante a aplicação uniforme do Texto Maior.


Notas conclusivas


Com o presente estudo assentamos que a resolução do Senado Federal, na forma do inciso X do artigo 52 da Constituição da República tem os seguintes efeitos: erga omnes e ex nunc. Tais efeitos cumprem, no atual sistema, os ditames do princípio da segurança jurídica.


Já com relação à teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso temos duas conclusões: 1- ela afasta do controle difuso a atuação do Senado Federal, portanto não há, em sua sede, que se falar em resolução suspensiva. Ela cuida do efeito ex tunc da própria decisão do STF, tal qual pode ocorrer no controle abstrato; 2- somos favoráveis à sua implantação no sistema pátrio, porque conferiria segurança jurídica e conformidade com o Texto Maior. Porém, enquanto sobreviver a regra do artigo 52, X da CF somos pela manutenção do controle difuso.


 


Referências

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2 ed. São Paulo: Editora Método, 2005.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado.13 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. A teoria das constituições rígidas. 2 ed. São Paulo: Editora J. Bushasky, 1980.

MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 41, n. 162, p.149-168, abr./jun. 2004.

PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimim. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982.


Informações Sobre o Autor

Emílio Gutierrez Sobrinho

Bacharel em Direito; Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura; Curso de Extensão em Direito Constitucional Inglês pela Universidade de Londres


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