Resumo: Desde o século passado, em especial após o período pós-guerra, desencadeou-se no mundo um movimento constitucional denominado de neoconstitucionalismo, cuja finalidade é a de reestruturar as constituições anteriormente consagradas apenas como documentos políticos. Portanto, esse diploma normativo passaria a consagrar em seu texto legal preceitos jurídicos capazes de efetivar os anseios sociais. Filiando-se a esse movimento, o Supremo Tribunal Federal vem posicionando-se no sentido de objetivar o recurso extraordinário e assim diminuir a multiplicidade de processos que chegam a sua apreciação. Esse grande número de processos no âmbito do STF deve-se, em grande parte, a omissão do poder legislativo e executivo em efetivar os direitos e garantias individuais expressamente consagradas no texto constitucional. Justamente em virtude dessa realidade foi que o STF adotou uma postura ativista, de legislador positivo, regulamentando as normas carecedoras de tal disciplinamento. Para isso, buscou-se respaldo no próprio texto constitucional, no sentido de fundamentar sua decisão de modo a blindá-la contra qualquer questionamento em sentido contrário. Destarte, pretende-se, na elaboração deste trabalho monográfico, analisar o fenômeno jurídico da objetivação das decisões proferidas em sede de Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal. Para conformar o objetivo desse trabalho ao tema em análise, serão utilizadas as fundamentações do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, principal precursor da tese, empregadas para motivar as razões de seus votos defendendo a objetivação. Assim, serão coletadas informações nos livros jurídicos, textos da internet, artigos científicos e, em especial, as principais decisões do Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Por fim, o processo de objetivação do recurso extraordinário almeja conferir a decisão prolatada em sede de controle difuso de constitucionalidade os efeitos típicos do controle abstrato das normas. Para chegar a esse resultado, será necessário utilizar-se do processo de mutação constitucional, alterando informalmente o art. 52, inciso X, da CRFB/88, retirando a competência ao Senado Federal de suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (CRFB/88, art. 52, X). Será atribuindo apenas ao Senado Federal a função de publicizar a decisão do STF. Além da mutação constitucional, o STF extraiu o cerne do princípio do stare decisis, e o aplicou ao controle difuso para conferir eficácia vinculante a suas decisões. Portanto, ante a fundamentação exposta, entende-se que ser for para objetivar o recurso extraordinário é preciso oportunizar participação do Advogado-Geral da União na qualidade de defensor da norma questionada e, além disso, propiciar a presença do amicus curiae no sentido de democratizar o processo objetivo, significando, com isso, adotar o mesmo procedimento das ações objetivas de controle de constitucionalidade.
Palavras-chave: Controle Difuso. Objetivação. Mutação Constitucional.
Abstract: Since the last century, especially after the post-war broke out in a world called constitutional movement neoconstitutionalism, whose purpose is to restructure the constitutions formerly used only as political documents. Therefore, this regulatory text would enshrine in their legal text legal precepts capable of effecting social expectations. Are joining this movement, the Supreme Court has been positioning itself in order to objectify the extraordinary appeal, and thus reduce the multiplicity of processes that arrive at its assessment. This large number of cases within the Supreme Court is due, in large part, the omission of the legislative and executive power to effect the individual rights and guarantees enshrined in the Constitution explicitly. Precisely because of this reality was that the Supreme Court has adopted an activist approach of positive legislator, the rules regulating such discipline. For this, we sought support in the constitutional text itself, to justify its decision in order to blind it against any challenge to the contrary. Thus, it is intended, in preparing this monograph, analyzing the phenomenon of objectification of legal decisions in place of extraordinary appeal by the Supreme Court. Conform to the objective of this work to the topic under review, will use the foundations of the Minister Gilmar Ferreira Mendes, the main precursor of the argument, used to motivate the reasons for their votes defending objectification. Thus, information will be collected in law books, texts from the Internet, scientific papers and, in particular the major decisions of the Supreme Court on the subject. Finally, the process of objectification of the extraordinary appeal aims to give a ruling in place of diffuse control of constitutionality of the typical effects of abstract control of norms. In reaching this result, it will be necessary to utilize the process of constitutional mutation, changing the art informally. 52, Item X, CRFB/88, removing the Senate the power to suspend, in whole or in part, of a law declared unconstitutional by final decision of the Supreme Court (CRFB/88, art. 52, X). Does the Senate just assigning the task of publicizing the Supreme Court decision. Besides the constitutional mutation, the Supreme Court drew the core of the principle of stare decisis, and applied it to fuzzy control to give binding effect to its decisions. Therefore, compared to the reasons given, it is understood to be to aim for the extraordinary appeal is necessary oportunizar participation of the Advocate-General of the Union as a defender of the law in question and also provide for the presence of amicus curiae in to democratize the process order, meaning thereby adopt the same procedure as objective actions of judicial review.
Keywords: Fuzzy Control. Objectification. Constitutional mutation.
Sumário: Introdução; 1. O Supremo Tribunal Federal; 2. Controle de constitucionalidade; 2.1. Contextualização histórica do controle de constitucionalidade; 2.2. Sistemas e momento de controle de constitucionalidade; 2.3. Modelos de controle de constitucionalidade; 3. Do recurso; 3.1. Recurso extraordinário; 3.1.1. Contextualização histórica do recurso extraordinário; 3.1.2. Cabimento do recurso extraordinário; 3.1.3 requisitos do recurso extraordinário; 3.2. Procedimento. 4. A objetivação do recurso extraordinário; 4.1. O processo de mutação constitucional e a interpretação constitucional. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A atual conjuntura jurídica brasileira proveio de um lento e árduo processo de evolução das diversas ordens constitucionais vigentes desde a época do Brasil império. Os vários direitos e garantias individuais atualmente consagrados no texto constitucional foram alcançados sob o empenho de importantes movimentos sociais que erigiram esses direitos ao status constitucional, de núcleo imodificável, essencial ao respeito à dignidade da pessoa humana.
Frise-se que a doutrina jusnaturalista posiciona-se em sentido contrário, defendendo que esses direitos são inatos ao homem, não necessitando de nenhum diploma normativo para afirmar a sua existência, vez que já se encontram permeando a esfera subjetiva do indivíduo desde o seu nascimento.
Em meio a esse contexto, surge a Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), que teve como mola propulsora as revoluções políticas e sociais que marcaram a época da ditadura militar. Esses movimentos buscavam a redemocratização do sistema político-social vigente. O Brasil saia de um período ditatorial, em que a população foi obrigada a tolerar as arbitrariedades impostas pelo governo militar, para vivenciar um período republicano, em que se possibilitou ao povo brasileiro escolher os seus representantes políticos, elegendo-se, em 1985, Tancredo Neves para Presidente da República.
Valendo-se aqui das lições de Rousseau (2002, p.25-26), pode-se afirmar que o povo brasileiro firmou um pacto social em que “cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo”.
Para consolidar e fortalecer essa conquista, editou-se, em 27 de novembro de 1985, a Emenda Constitucional n° 26, cuja finalidade foi a de instituir uma Assembléia Nacional Constituinte encarregada de elaborar um novo texto constitucional, que originou a Constituição Federal de 1988.
Desde a sua promulgação, em 05 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil implementou diversas mudanças políticas, jurídicas e sociais no país. Dentre as alterações ocorridas no cenário jurídico contemporâneo, salienta-se o papel inovador desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no escopo de resguardar a supremacia da Constituição.
O STF foi imbuído pelo próprio texto constitucional da guarda e interpretação dos preceitos dispostos em seu corpo, cabendo, dentre outras competências enumeradas pelo art.102 CRFB/88, a de apreciar e julgar o recurso extraordinário interposto contra decisão judicial proferida em única ou última instância que tenha reconhecido, em sede de controle incidental, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Para realizar esse mister, o STF utiliza-se do recurso extraordinário (RE), considerado o meio processual adequado para levar ao seu conhecimento as matérias constitucionais. Contudo, impede ressaltar que o RE nos últimos anos perdeu sua essência, passando a ser utilizado, basicamente, como mecanismo de defesa dos interesses privados.
Foi justamente em virtude desse fato que o legislador ordinário, em conjunto com a Suprema Corte, implementaram medidas, tais como o prequestionamento, a repercussão geral e a súmula impeditiva de recurso, no sentido de obstar a admissibilidade desse recurso.
Essa atitude teve por finalidade restabelecer o caráter objetivo do recurso extraordinário, em especial, conferir as decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade incidental os mesmo efeitos erga omnes, vinculantes e retroativos, peculiares das ações de controle concentrado de constitucionalidade.
Almeja-se, a partir de um processo de mutação constitucional, rever algumas disposições constitucionais, sem, contudo, alterar-lhe seu corpo (texto). Visa assim assegurar que atual constituição não venha a tornar-se apenas uma folha de papel sem nenhuma força normativa capaz de efetivar os anseios sociais da população, conforme preleciona Ferdinand Lassalle, em sua concepção sociológica de constituição.
O fenômeno da mutação constitucional, propagado no Brasil, principalmente, pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau, possui base doutrinária no ordenamento jurídico alemão, que utiliza a expressão Verfassungswandlung para referendá-lo.
O processo de abstrativização do recurso extraordinário, nas ações constitucionais de controle incidental, busca conferir caráter nitidamente objetivo a esse recurso. Pretende-se, com isso, reinterpretar o art. 52, inciso X, da CRFB/88, para conferir um entendimento diverso ao que anteriormente vigorava em nosso ordenamento, conferindo ao Senado Federal apenas a atribuição de dar publicidade a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Diante desse entendimento, não há mais que se falar na necessidade de comunicar a decisão ao Senado Federal para que este, através de ato discricionário, suspenda no todo ou em parte a lei declarada inconstitucional em sede de controle difuso, de modo a conferir a decisão da Corte Suprema eficácia erga omnes, vinculante.
Saliente-se que o argumento utilizado pelos que defendem esse fenômeno no Brasil é a de proteger a força normativa da Constituição Federal de 1988, fortalecendo a segurança jurídica da atual ordem constitucional e mantendo consolidado o entendimento consagrado pelo intérprete e guardião da nossa constituição, o Supremo Tribunal Federal.
Essa nova visão jurídica decorre da necessidade de se compreender que o direito, a norma posta, deve se adequar a realidade social vivenciada, não devendo permanecer estagnada no tempo. Contudo, cumpre salientar que a maior parte da doutrina brasileira manifesta sua inquietude quanto ao fato de o STF conferir interpretação diversa ao texto constitucional, sob o atraente envoltório da mutação constitucional.
Esses opositores defendem que o STF estaria usurpando a competência do Senado Federal, afrontando flagrantemente o princípio constitucional da separação de poderes. Desse modo, para alcançar o objetivo proposto neste trabalho tornou-se imperioso realizar uma vasta pesquisa bibliográfica, buscando no direito comparado, as raízes desse instituto. Para isso, foram coletados dados através dos livros jurídicos, dos textos da internet, dos artigos científicos e periódicos, bem como o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Por essas razões, o presente trabalho monográfico justifica-se pelo crescente movimento jurisprudencial e doutrinário acerca da objetivação do recurso extraordinário. Apesar de incipiente no Brasil, essa tendência adotada pelo STF, vêm acarretando inúmeras discussões sobre a temática no sentido de prever quais as conseqüências jurídicas advindas desse fenômeno.
1 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Supremo Tribunal Federal é o órgão encarregado da defesa da ordem constitucional, da guarda e interpretação da Constituição Federal. O professor Tavares (2003) define o Supremo Tribunal Federal como sendo o órgão de cúpula do Poder Judiciário incumbido da função precípua de decidir em última instância os litígios intersubjetivos levados a sua apreciação, sendo considerado, assim, o defensor da Constituição.
Nesse contexto, o professor Silva (2009, p.557) salienta que o processo de jurisdição constitucional “emergiu historicamente como um instrumento de defesa da Constituição, não da Constituição considerada como puro nome, mas da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos”.
A criação desse órgão remonta ao período Brasil Colônia, mais precisamente com a vinda da família imperial portuguesa para o Brasil. O príncipe Dom João, mediante alvará régio, datado de 10 de maio de 1808, instituiu a Casa da Suplicação do Brasil, com a finalidade de proferir a última palavra nas causas levadas ao seu conhecimento. É considerado o primeiro órgão de cúpula do nosso ordenamento jurídico. Segundo Paranhos (2008, p. 1) a Casa da Suplicação do Brasil foi:
“[…] considerada como o tribunal de maior instância no reino. Tendo a mesma alçada de sua congênere portuguesa, a Casa da Suplicação do Brasil destinava-se a pôr termo a todos os pleitos em última instância, por maior que fosse o seu valor, admitindo-se apenas, nos termos restritos dispostos nas Ordenações e leis, o recurso de revista. Representava, assim, o embrião de uma Justiça inteiramente nacional, visto que, a partir daí, todos os feitos em grau de recurso passaram a ser remetidos à Casa da Suplicação do Brasil.”
Posteriormente, com a edição do Decreto n° 510, de 22 de junho de 1890, ainda sob manto da Constituição Imperial, foi organizado o Supremo Tribunal Federal como órgão máximo do Poder Judiciário. Essa nomenclatura, conforme informação veiculada no site do STF, também foi adotada pelo Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890, responsável por organizar a Justiça Federal. Todavia, só com a promulgação da Constituição República dos Estados Unidos do Brasil foi que o STF teve por concretizada sua instituição.
Com o advento das demais Constituições e Cartas Políticas que modificaram e aprimoraram a ordem constitucional vigente, merece destacar as alterações advindas da Constituição de 1934; as supressões e restrições impostas pela Constituição de 1937 e pelo golpe militar de 1964, sob a égide da Constituição de 1946, e, finalmente, as inovações introduzidas pela Constituição Cidadã de 1988.
Na vigência da Constituição Republicana de 1934 o Supremo Tribunal Federal passou a ser nominado de “Corte Suprema”. Além disso, foi outorgado ao Senado Federal a possibilidade de conferir eficácia erga omnes as decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pelo Corte Suprema.
Nesse sentido, o art. 91 da Constituição de 1934 dispunha que competia ao “Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário” (Constituição 1934, art. 91).
Por sua vez, a carta política de 1937, instituída sob o governo Vargas, representou um retrocesso em relação aos avanços já arraigados na estrutura do Poder Judiciário. Nessa época, foi vedado ao Poder Judiciário, incluindo o STF, a possibilidade de conhecer e julgar as causas exclusivamente políticas (Constituição 1937, art. 94). Essa medida foi criada com a finalidade de resguardar as decisões políticas arbitrárias do governo Vargas e de seus interventores. Os juristas Mendes, Branco e Coelho (2009, p. 192) ao analisarem esse diploma normativo, censuram sua forma autoritária, asseverando que:
“Se alguma explicação houver para a opção por esse estranho modelo, de resto sem correspondência nos ordenamentos jurídicos mais avançados de se tem conhecimento, talvez possamos encontrá-la no fato de que, mesmo sendo autoritária, a Carta de 1937, uma vez promulgada, desvincular-se-ia daqueles que a editaram, tornar-se-ia direito objetivo, instituiria sua própria legalidade e, nessa condição, poderia vir a ser invocada, como efetivamente o foi, para questionar os atos presidenciais que atentassem contra o seu texto, uma ousadia que, além de inibir as ações dos governantes de plantão, ainda os submeteria ao desgaste de ter de alterar, freqüentemente, a Constituição para afeiçoá-la aos seus desígnios autoritários.”
Já no que se refere às restrições impostas ao STF pelo golpe militar de 1964, enfatiza-se, especialmente, a mudança de competência estabelecida pelo ato institucional n° 5, de 1969, que atribuiu a Justiça Militar a competência para processar e julgar os crimes cometidos contra a Segurança Nacional. Trata-se, mais uma vez, de uma decisão política, que tinha por finalidade obstar a liberdade dos presos políticos e acobertar os inquéritos existentes contra os atos arbitrários dos próprios militares.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a competência do STF para apreciar as causas constitucionais ganhou maior destaque em virtude da criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, com a incorporação do STJ ao Poder Judiciário, a competência anteriormente estabelecida ao STF para analisar as questões que envolvesse a interpretação das leis federais foram deslocadas para o Superior Tribunal de Justiça.
Com isso, por força do art. 102 da CRFB/88 foi atribuída ao STF a competência originária (art. 102, I), recursal (art. 102, III), ordinária (art. 102, II) e extraordinária (art. 102, III). O professor Silva (2009, p. 560) desmembra essa competência em três modalidades distintas, levando em consideração o objeto da lide, classificando-as em “jurisdição constitucional com controle de constitucionalidade, jurisdição constitucional da liberdade e jurisdição constitucional sem controle de constitucionalidade”.
O Supremo Tribunal Federal é composto por 11 (onze) Ministros, indicados pelo Presidente da República e sabatinados pelos membros do Senado Federal, entre os cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, dotados de notável saber jurídico e reputação ilibada (CRFB/88, art. 101). Nesse sentido, dispõe o art. 101, da CRFB/88:
“Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.”
Desse modo, para compor o quadro funcional do STF é necessário que o cidadão satisfaça alguns requisitos: ser brasileiro nato, estar em pleno gozo dos seus direitos políticos, ter mais de 35 (trinta e cinco) e menos de 65 (sessenta e cinco) anos de idade e, por fim, ser detentor de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Nomeado o Ministro, este passa a gozar das garantias constitucionais inerentes aos membros do Poder Judiciário, nos termos do que dispõe o art. 95 da Constituição Federal de 1988:
“Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;
III – irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Explica o professor Lenza (2008, p. 460) que as garantias constitucionais conferidas aos membros do Poder Judiciário “assumem importantíssimo papel no cenário da tripartição de Poderes, assegurando a independência do Judiciário, que poderá decidir livremente, sem se abalar com qualquer tipo de pressão que venha dos outros poderes”.
Essas garantias, conforme a lição do professor Silva (2007, p. 502 apud LENZA, 2008, p. 460), pode ser sintetizada em “garantias institucionais, que se subdivide em garantias de autonomia orgânico-administrativa e garantias de autonomia financeira, e garantias funcionais ou de órgãos”.
As garantias institucionais têm por finalidade atribuir uma maior autonomia financeira e administrativa aos órgãos que compõem o Poder Judiciário. Já as garantias funcionais objetivam blindar a imparcialidade e independência dos membros do Poder Judiciário, assegurando-os a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos subsídios.
A vitaliciedade exprime a impossibilidade dos membros do judiciário perder seu cargo, exceto em virtude de sentença judicial transitada em julgado – desde que seja assegurado o exercício do contraditório – ou por aposentadoria compulsória ou disponibilidade. Essa estabilidade, para os juízes de primeiro grau só é alcançada depois de vencido o período de dois anos de efetivo exercício de atividade jurídica; já para os membros dos tribunais, a vitaliciedade é adquirida a partir da sua posse, não se exigindo a comprovação do período de estágio probatório.
O professor Silva (2009, p. 590-591) afirma que essa garantia “não se trata de um privilégio, mas de uma condição para o exercício da função judicante que exige garantias especiais de permanência e definitividade no cargo. É assim prerrogativa da instituição judiciária, não da pessoa do juiz”. Já a garantia da inamovibilidade assegura aos membros do judiciário a impossibilidade de remoção ex officio, sendo possível a remoção por interesse próprio ou por interesse público.
É através da inamovibilidade, conforme leciona Lenza (2008, p. 463), que “garante-se ao juiz a impossibilidade de remoção, sem seu consentimento, de um local para outro, de uma comarca para outra, ou mesmo sede, cargo, tribunal, câmara, grau de jurisdição”.
Entretanto, essa garantia não tem caráter absoluto, podendo o magistrado ser removido por interesse público, compulsoriamente. A remoção compulsória deve ser efetivada pelo voto da maioria absoluta dos membros que compõe o Tribunal ao qual se encontra vinculado ou do Conselho Nacional de Justiça, desde que seja assegurando o direito ao contraditório (CRFB/88, art. 93, VIII).
O professor Tavares (2008, p. 1091) manifesta seu posicionamento afirmando que essa garantia visa impedir que as decisões do poder judiciário possam ser manipuladas de acordo com os interesses políticos desse ou daquele governante, ou, ainda, que possa ser manuseada de acordo com as peculiaridades que norteiam a causa:
“A inamovibilidade garante a imparcialidade da própria Justiça, na medida em que impede que determinado juiz seja removido de um cargo para outro, impossibilitando-se que haja a mudança de julgador de acordo com interesses políticos ou governamentais, ou mesmo para evitar o ‘julgamento popular’, designando-se determinado juiz por ser reputado mais ‘severo.”
Também foi assegurada aos membros do Poder Judiciário a irredutibilidade de subsídios. Esse privilégio, segundo Cunha Júnior (2009, p. 995) “almeja garantir aos magistrados a necessária tranqüilidade para o exercício do cargo, protegendo-os de perseguições governamentais de natureza econômica”.
Salienta-se que o teto remuneratório máximo no âmbito da estrutura do Poder Judiciário é o subsidio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, no computo da parcela de subsidio mensal serão abrangidas todas os benefícios advindos do exercício da função pública, incluídas as vantagens pessoais, mas não serão computadas as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei (CRFB/88, art. 37, XI).
Sabiamente, o professor Tavares (2008, 1092), explica que essa garantia tem por finalidade colocar os magistrados em um envoltório capaz de protegê-los das retaliações políticas:
“[…] reforça a imparcialidade dos juízes, na medida em que estes não devem temer eventual represália financeiro-salarial pelas decisões que tenham assumido nas causas que lhe são apresentadas a julgamento e sobre as quais têm de se pronunciar, especialmente quando se encontra em um dos pólos processuais o próprio Poder Público.”
Representa, igualmente, expressão da imparcialidade a ser observada e respeitada pelos membros que compõem o Poder Judiciário a vedação imposta pelo parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal de 1988, que se encontra redigida nos seguintes termos:
“Art. 95 […]
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III – dedicar-se à atividade político-partidária.
IV – receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V – exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Esse artigo apresenta um rol exaustivo das vedações impostas aos magistrados, representando, conforme Cintra; Grinover e Dinamarco (1996, p. 165 apud LENZA, 2008, p. 464), “vedações que visam a dar-lhes melhores condições de imparcialidade, representando, assim, uma garantia para os litigantes”.
Por fim, salienta-se que o ordenamento jurídico pátrio, nas últimas décadas, passou por profundas modificações implementadas pelo Poder Judiciário e Legislativo no intuito de preservar a força normativa da Constituição Federal. Desse modo, buscou-se no direito alienígena, direito comparado, mecanismos jurídicos condizentes com a ordem constitucional vigente no escopo de fortalecer o papel criativo e inovador atribuído ao Supremo Tribunal Federal.
Porquanto, a Corte Suprema utiliza-se do prequestionamento, da repercussão geral e da súmula impeditiva de recurso para obstar o conhecimento do recurso extraordinário que não atenda a todos esses requisitos.
Assim, a Constituição Federal ao atribuir ao STF a função precípua de resguardar os preceitos normativos constantes em seu bojo e conferir a última palavra acerca da compatibilização das normas infraconstitucionais com o seu texto, enalteceu o seu importante papel na ordem jurídica vigente.
2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos tem por finalidade assegurar a higidez do Estado Constitucional de Direito, nomenclatura esta adotada para designar o cenário jurídico contemporâneo (neoconstitucionalismo), em substituição a vetusta terminologia de Estado Democrático de Direito.
Portanto, se o Estado Democrático de Direito tem como principal característica o governo e respeito às leis instituídas indiretamente pela vontade popular, sendo a constituição o símbolo maior dessa representatividade, é necessário que se institua meios capazes de assegurar essa hegemonia constitucional.
A constituição de um país representa, segundo conceituação formulada pelo professor Bitar (1965, p. 1 e 4 apud BRANCO; COELHO; MENDES, 2009, p. 10-11) “um sistema de normas, que regulam a organização, o funcionamento e a proteção de um determinado Estado e os seus direitos e deveres fundamentais de seus jurisdicionados”. Por tal motivo, a Lei Maior de um país goza de certa hierarquia em relação aos demais instrumentos normativos vigentes.
Partindo dessa premissa, Pinto Ferreira (1983, p. 90 apud SILVA, 2009, p. 45), assevera que o princípio da Supremacia da Constituição, em sua acepção formal, “é reputado como uma pedra angular, em que assenta edifício do moderno direito político”.
Assim, levando-se em consideração o fato de a Constituição assumir papel hierarquicamente superior aos demais atos normativos que compõe o corpo político do Estado Constitucional de Direito, exige-se, desses instrumentos, incondicional obediência aos ditames constitucionais. Nesse contexto, Hans Kelsen (1999, p.136) dizia que:
“Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.”
Por isso, o legislador constituinte originário tentando garantir a supremacia da ordem constitucional designou, na própria Carta Política, mecanismos capazes de resguardar os institutos jurídicos codificados pela ordem constitucional. Constitui exemplo desses mecanismos o controle de constitucionalidade das normas, que permite ao judiciário aferir a compatibilidade das leis e atos normativos infraconstitucionais frente à constituição vigente.
Para isso, é imprescindível a existência de uma constituição escrita do tipo rígida e da previsão constitucional de meios para concretização desse controle. Essa aferição consubstancia-se na análise da compatibilidade vertical das normas, em que a Constituição, designada como norma fundamental (Grundnorm)[1], assume papel hierarquicamente superior as demais leis.
A constituição, como bem lembra Lenza (2008, p. 117), encontra-se centrada no “vértice do sistema jurídico do país, a que confere a validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos”.
Logo, é através do controle de constitucionalidade que se pretende fiscalizar a conformidade das leis e dos normativos infraconstitucionais em face das regras e princípios constitucionais. No Brasil, a verificação da adequação dessas leis frente à Constituição Federal de 1988 pode ser realizada por qualquer dos três poderes que compõe a organização político-administrativa do país.
A tripartição de poderes em uma visão reformulada e adaptada da concepção decantada por Aristóteles, em sua obra Política, difundida por Montesquieu, em seu livro o espírito das leis, objetiva equilibrar a relação de “poder” atribuída atualmente ao executivo, legislativo e judiciário.
Portanto, o legislador constituinte brasileiro tentando manter harmônica e independente a relação entre esses três poderes e, além disso, preocupado com a possibilidade de abuso de poder, determinou, no texto constitucional, as funções a ser desempenhada por cada um desses entes, erigido essa decisão ao status de cláusula pétrea (CRFB/88, art. 60, § 4°, III).
O Supremo Tribunal Federal, na qualidade de guardião da constituição, acolheu a teoria dos freios e contrapesos para limitar os atos praticados em excesso pelos organismos que compõem a Unidade Federativa do Brasil, como demonstra a decisão proferida na ADI 293-7/600:
“STF: ADI 293-7/600: – O poder absoluto exercido pelo Estado, sem quaisquer restrições e controles, inviabiliza, numa comunidade estatal concreta, a prática efetiva das liberdades e o exercício dos direitos e garantias individuais ou coletivos. É preciso respeitar, de modo incondicional, os parâmetros de atuação delineados no texto constitucional.
– Uma constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos Povos e das Nações. Todos os atos estatais que repugnem à Constituição expõem-se à censura jurídica – dos Tribunais, especialmente – porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade.
– A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não seja desfigurada.”
No presente trabalho monográfico, interessa analisar o sistema jurisdicional de controle de constitucionalidade das normas. Assim, conveniente mencionar que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema jurisdicional misto de controle de validade das normas, que se subdivide no sistema concentrado e no sistema difuso.
Há de se advertir que as leis e atos normativos instituídos pelo legislador ordinário gozam da presunção relativa de constitucionalidade, só podendo ser afastada pela autoridade competente para declará-la conflitante com a ordem constitucional vigente. O princípio da presunção de constitucionalidade das normas assevera que as leis em vigor nasceram formalmente e materialmente em harmonia com as regras e princípios que orientam a ordem posta de um país.
Por fim, cumpre advertir que as normas constitucionais originárias não são passíveis de controle de constitucionalidade pelo STF, por uma razão bem simples e lógica: o legislador constituinte originário (criador) foi quem delegou a competência para STF (criatura) analisar a compatibilidade das normas frente aos preceitos estabelecidos em sua obra primária, desde que não subverta a sua criação.
2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Os sistemas de controle de constitucionalidade adotados pelo Brasil têm suas raízes históricas fincadas no direito alienígena. O modelo de controle difuso de constitucionalidade possui sua base histórica consagrada pelo direito Norte-Americano; já o sistema concentrado de controle possui sua ascendência genética no direito Europeu.
O Brasil incorporou esses dois modelos de controle ao ordenamento jurídico pátrio. Contudo, ao introduzi-lo a doutrina brasileira preocupou-se em retirar de cada instituto sua essência para depois moldá-los aos ditames constitucionais vigentes. O primeiro modelo de controle de constitucionalidade conhecido pelo ordenamento brasileiro foi o controle difuso, em 1926, sob a égide da Constituição de 1891.
Antes disso, encontrava-se vigente a Constituição Imperial, que nada disciplinou a esse respeito. O professor Tavares (2008, p. 273) citando um dispositivo dessa Carta, afirma que “seria atribuição do Poder Legislativo, representado pela Assembléia Geral, ‘fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las’ e, ainda, ‘Velar na guarda da Constituição’”.
O fato de a Constituição real não dispor em seu corpo normativo a respeito do controle de constitucionalidade, ocorreu, especialmente, em virtude de esta incumbência ter sido atribuída ao Poder Legislativo sob a vigilância do Poder Moderador, prevalecendo a soberania do Parlamento. Além do mais, Bonavides (2004, p. 329) afirma que essa constituição “foi a única Constituição do mundo, salvo notícia em contrário, que explicitamente perfilhou a repartição tridimensional de poderes, ou seja, trocou o modelo de Montesquieu pelo de Benjamim Constant”.
Registre-se que apesar de já existir o precedente histórico de controle difuso de constitucionalidade, a mencionada constituição atribuía ao Poder Moderador, exercido pelo Imperador sob a influência do Parlamento, o papel de solucionar as questões envolvendo os poderes que compunham o Império. Na visão de Clève (1993, p. 63-64 apud LENZA, 2008, p.124-125):
“[…] o dogma da ‘soberania do Parlamento’, a previsão de um Poder Moderador e mais a influência do direito público europeu, notadamente inglês e Frances, sobre os homens públicos brasileiros, inclusive os operadores jurídicos, explicam a inexistência de um modelo de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis no Brasil ao tempo do Império.”
Com a instituição do Decreto n° 510, de 1890, que projetou a elaboração da constituição, do Decreto n° 1, de 1889, denominado de Constituição Provisória, e do Decreto 848, incumbido de organizar a Justiça Federal, o Brasil reconheceu a possibilidade de fiscalização da validade das leis através de um modelo de controle de constitucionalidade difuso.
Nessa época, incumbia ao Supremo Tribunal Federal rever os processos quando a decisão tenha questionado a validade ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado fora contrária a Constituição (Constituição Republicana, art. 59, § 1°, alínea a). O renomado Ruy Barbosa, precursor da doutrina norte-americana no Brasil, (1933, p. 133 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 291) ao analisar a redação desse artigo, afirmou que:
“[…] se reconhece, não só a competência das justiças da União, como a das justiças dos Estados, para conhecer da legitimidade das leis perante a Constituição. Somente se estabelece, a falar das leis federais, a garantia de que, sendo contrária à subsistência delas a decisão do tribunal do Estado, o efeito pode passar, por via de recurso, para o Supremo Tribunal Federal. Este ou revogará a sentença, por não procederem as razões da nulidade, ou a confirmará pelo motivo oposto. Mas, numa ou noutra hipótese, o princípio fundamental é a autoridade, reconhecida expressamente no texto constitucional, a todos os tribunais, federais ou locais, de discutir a constitucionalidade das leis da União, e aplicá-las ou desaplicá-las, segundo esse critério.”
Com a promulgação da Emenda Constitucional de 1926 a competência do STF foi ampliada, atribuindo-se a este tribunal competência para rever as decisões proferidas em última instância quando questionada a validade da constituição. Além disso, possibilitou-se aos juízes e tribunais decidirem sobre a compatibilidade das leis contestadas em face das disposições constitucionais, na apreciação do caso concreto. Salienta Veloso (2003, p. 30 apud BRANDÃO, 2006, p.1) que:
“A famosa Emenda Constitucional de 1926 conferiu, expressamente, a todos os tribunais, federais ou estaduais, competência para decidir sobre a constitucionalidade das leis federais, aplicando-as, ou não, no caso concreto, aprimorando a redação das normas constitucionais sobre o assunto.”
Assim, sob a influência do direito americano institui-se, expressamente no Brasil, o controle de constitucionalidade incidental. Esse modelo afiança que uma vez reconhecida a inconstitucionalidade da lei seus efeitos ficarão adstritos as partes demandantes no processo.
Após a Revolução de 1930, foi a vez da promulgação da Constituição de 1934. Essa constituição pouco inovou quanto ao controle de constitucionalidade das leis, apenas, criou a cláusula de reserva de plenário que exigia um quórum especial para a declaração de inconstitucionalidade, e instituiu a representação interventiva. Dizia o art. 179 do referido diploma político que “só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público” (Constituição de 1934, art. 179).
Foi sob o manto protetor dessa constituição que o Sendo Federal recebeu a incumbência de suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo, declarado inconstitucional pelo órgão de cúpula do Poder judiciário (Constituição de 1934, art. 91). Pontes de Miranda (1938, p. 770 apud BRANCO; COELHO; MENDES, 2009, p. 1088), ao analisar esse dispositivo, em sua obra Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, afirmou que “tal atribuição outorgava ao Senado Federal um pouco da função de Alta Corte Constitucional”.
Parte da doutrina constitucionalista esboça entendimento no sentido de afirmar que essa atribuição conferida ao Senado Federal foi a maneira encontrada pelo legislador ordinário de corrigir a falha anteriormente existente quanto aos efeitos da decisão proferida em sede de controle incidental. Isso, deve-se ao fato de que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade da norma só vincula as partes do processo, não sendo possível atribuí-la eficácia geral, erga omnes. O professor Tavares (2008, p. 274) argumenta que:
“Esta foi solução engenhosa, encontrada para conferir efeitos erga omnes à decisão proferida pelo Supremo em um caso concreto, sem se instaurar qualquer atrito entre os poderes, e sem se permitir a continuidade da existência de leis inconstitucionais dentro do sistema pátrio.”
A Carta Constitucional outorgada em 1937 preservou intactas todas as disposições quanto ao controle difuso de constitucionalidade. Entretanto, inovou o ordenamento jurídico constitucional com a possibilidade tornar sem efeito a decisão do Poder Judiciário que reconhecesse a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Essa previsão encontrava-se disciplinada pelo art. 96, parágrafo único, da mencionada Carta:
“Art 96. […]
Parágrafo único – No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.”
Consubstanciado nesse dispositivo, o Presidente da República poderia, se conseguisse obter o voto de dois terço do Parlamento, “reconstitucionalizar”[2] a norma declarada inconstitucional pelo Poder judiciário.
Passados quase uma década da usurpação do poder pela Carta de 1937, a democracia brasileira foi restabelecida pela Constituição de 1946. Com a reestruturação da democracia, o modelo de controle incidental teve, por conseguinte, sua essência restabelecida, sendo suprimido o dispositivo constitucional que previa a possibilidade de reconstitucionalização da norma declarada inconstitucional pelo judiciário.
Não obstante, a forte e notória agressão ao princípio da separação dos poderes, que não se encontrava expressamente disciplinado pelo texto constitucional, mas estava consagrado como valor supremo pelo ordenamento jurídico, essa medida foi enaltecida como válida e coerente por alguns doutrinadores, a exemplo de Cândido Motta Filho, Alfredo Buzaid, Francisco Campos e Genésio de Almeida Moura.
Ao analisar a questão, Cândido Motta Filho (1941, p. 277, apud MENDES, 2006, p. 11) sinalizou no sentido de que:
“A subordinação do julgado sobre a inconstitucionalidade da lei à deliberação do Parlamento coloca o problema da elaboração democrática da vida legislativa em seus verdadeiros termos, impedindo, em nosso meio, a continuação de um preceito artificioso, sem realidade histórica para nós e que, hoje, os próprios americanos, por muitos de seus representantes doutíssimos, reconhecem despido de caráter de universalidade e só explicável em países que não possuem o sentido orgânico do direito administrativo. Leone, em sua Teoría de La política, mostra com surpreendente clareza, como a tendência para controlar a constitucionalidade das leis é um campo aberto para a política, porque a Constituição, em si mesma, é uma lei sui generis, de feição nitidamente política, que distribui poderes e competências fundamentais.”
Depois de fincadas as bases do controle incidental de constitucionalidade, o Brasil implantou, com a Emenda Constitucional de 1965, sob a égide da Constituição de 1946, o modelo Kelseniano de controle abstrato das normas. Essa nova ordem constitucional estabeleceu a competência originária do Supremo tribunal Federal para conhecer e julgar a representação genérica de inconstitucionalidade interposta mediante representação exclusiva do Procurador-Geral da República (PGR). O modelo concentrado possibilitava o controle abstrato das normas federais e estaduais.
A referida emenda também autorizou aos Tribunais de Justiças dos Estados-membros realizarem o controle reservado das normas municipais frente às Constituições estaduais.
A época a doutrina constitucionalista indagava-se quanto à discricionariedade do Procurador-Geral da República – único legitimado a propor a representação de inconstitucionalidade-, para ajuizar a representação. Parte da doutrina, a exemplo de Caio Mário da Silva Pereira, posicionava-se no sentido da obrigatoriedade do PGR propor a representação nos casos em que a dúvida quanto a constitucionalidade da lei imperasse.
Entretanto, doutrinadores como José Carlos Barbosa Moreira, Sérgio Ferraz e Raimundo Faoro defendiam a tese de que a propositura da representação de inconstitucionalidade dependia da análise discricionária do Procurador-Geral da República. O professor Tavares (2008, p.275) analisando a legitimidade atribuída a este representante enfatiza que “o Procurador-Geral da República, único legitimado para intentar a ação, era considerado substituto processual de toda a coletividade”.
A intitulada “Constituição” de 1967 e a Emenda Constitucional n° 1 de 1969 mantiveram intactas as disposições sobre o controle difuso. Entretanto, criou-se uma nova representação endereçada ao Supremo Tribunal Federal com a finalidade de que este tribunal interpretasse as leis e atos normativos federais e estaduais. Além disso, institui-se a possibilidade de concessão de medida cautelar em sede de representação genérica de inconstitucionalidade.
Após o longo período ditatorial vivenciado pelo Brasil, entra em vigor, em 05 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que trouxe consigo significativas mudanças nos sistemas de controle de constitucionalidade, especialmente, no controle concentrado.
No que tange ao modelo incidental de constitucionalidade, a CRFB/88 conservou inalterada as disposições acerca desse instituto. As modificações ocorridas com a promulgação dessa nova ordem constitucional foram a revogação da representação instituída com o objetivo de o STF interpretar os dispositivos constitucionais e a criação da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, da ação declaratória de constitucionalidade e da argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Contudo, a principal alteração apontada pela doutrina no controle de constitucionalidade foi à ampliação do rol de legitimados para a propositura das ações objetivas. Essa legitimidade anteriormente era deferida única e exclusivamente ao Procurador-Geral da República, mas após a promulgação desse diploma a lista de legitimados foi elastecida. Em regra, segundo dispõe o art. 103, da Constituição Federal, podem propor a ação declaratória de inconstitucionalidade e demais ações objetivas:
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
Por fim, destaca-se o posicionamento de Branco, Coelho e Mendes (2009, p. 1104) ao analisarem as mudanças implementadas pela Constituição Federal de 1988 quanto ao controle de constitucionalidade:
“A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.”
Essas alterações introduzidas pela Constituição Federal de 1988 refletem a preocupação do legislador ordinário no sentido de garantir aos cidadãos uma maior segurança jurídica quanto às normas que lhe são impostas. Através do controle de constitucionalidade é possível retirar do campo de incidência da população as normas desnaturadas de sua finalidade e, assim assegurar o bem estar da população, seguindo os preceitos estatuídos pelo Estado Social e Constitucional de Direito.
2.2 SISTEMAS E MOMENTO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Como anteriormente afirmado, o Brasil adotou, preponderantemente, o sistema jurisdicional misto de controle de constitucionalidade, outorgando ao STF a competência para analisar a norma em abstrato. Além disso, concedeu a missão de qualquer juiz ou tribunal realizar a verificação de compatibilidade da norma mediante caso concreto. Fala-se em predomínio do sistema jurisdicional, uma vez que se admite no ordenamento pátrio a realização preventiva e repressiva de controle das normas por órgãos distintos dos que compõe a estrutura do Poder Judiciário.
Trata-se de um resquício do modelo político ou francês de controle, normalmente realizado de forma preventiva pelo Poder Legislativo e Executivo. Destaca-se que a realização do controle por qualquer dos supracitados poderes não afasta a competência do judiciário para analisar, por via de ação ou de defesa, de forma repressiva ou preventiva, a constitucionalidade das normas.
Frise-se que ao legislativo foi atribuída a incumbência típica de elaborar as leis, entretanto, além dessa função foi delegada a competência de fiscalizar de forma preventiva as leis que irão ingressar no ordenamento. Para concretizar esse mister, o legislativo utiliza-se principalmente da Comissão de Constituição e Justiça para obstar os projetos de leis que contenham algum vício de ilegalidade.
Já o Poder Executivo vale-se do veto político ou jurídico para realizar o controle dos atos normativos. Esse controle acontece de forma preventiva, cujo exame consiste em averiguar se o projeto de lei está em desacordo com os ditames constitucionais estabelecidos (veto jurídico) ou contrário ao interesse público (veto político).
Ferreira Filho (2001, p. 36 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 301), dissertando sobre o controle político, afirmou que esse modelo pauta-se na ideia de que o órgão realizador do controle deve possuir uma sensibilidade política e social capaz de enxergar as mudanças ocorridas com a finalidade de resguardar a força concretizadora da constituição:
“O fundamento principal da afetação do controle de constitucionalidade das leis a um órgão não pertencente ao Poder Judiciário prende-se ao argumento de que a Constituição deve ser interpretada por órgãos com sensibilidade política, porquanto, mais do que uma simples lei, a Constituição é um projeto dinâmico de vida, que não pode ser reduzida a uma mera apreciação hierárquica. Ademais, considera-se que o controle judicial daria aos juízes o poder de recusar as deliberações majoritárias do Legislativo e do Executivo, contrariando o dogma da separação de poderes”.
Quanto ao momento de realização do controle das normas, este pode ocorrer de forma preventiva ou repressiva. Realizar o controle preventivamente significa fazê-lo antes de a norma começar a irradiar os seus efeitos jurídicos. A análise, nesse caso, é feita durante a fase de elaboração da norma, no período de tramitação do projeto de lei perante as Casas Legislativas, confrontando suas disposições com todo ordenamento jurídico vigente.
Por sua vez, o controle repressivo consubstancia-se no exame posterior da lei, a norma já se encontra propagando efeitos jurídicos, pelo órgão competente para a aferição de sua validade com os ditames constitucionais vigentes.
2.3 MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O Brasil adotado um sistema jurisdicional híbrido que permite a aferição de constitucionalidade das leis por uma Corte Superior especialmente encarregada desse mister (modelo europeu), bem como consentiu aos demais órgãos da estrutura do Poder Judiciário o poder-dever de realizar a verificação concreta das leis (modelo norte-americano).
Nesse momento, oportuno advertir que para não fugir do objetivo principal do presente trabalho, analisar as especificidades do controle difuso de constitucionalidade, serão abordadas apenas algumas peculiaridades do controle abstrato, especialmente, no que tange a ação direta de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade.
A doutrina brasileira ao incorporar o melhor de cada instituto jurídico preocupou-se em moldá-los a realidade política, social e jurídica do país. O Ministro Mendes, acompanhado por Branco e Coelho (2009, p. 1056), assevera que:
“Essas concepções aparentemente excludentes acabaram por ensejar o surgimento dos modelos mistos, com combinações de elementos dos dois sistemas básicos. […] É certo, por outro lado, que o desenvolvimento desses dois modelos básicos aponta em direção a uma aproximação ou convergência a partir de referenciais procedimentais e pragmáticos.”
O modelo europeu, também denominado de concentrado, abstrato, principal, reservado ou por via principal, tem por finalidade preservar a higidez da constituição, fulminando do sistema constitucional vigente as leis incompatíveis com os princípios e regras disciplinadas no corpo normativo da Lei Maior.
Esse sistema de controle surgiu no começo do século XX, na Europa. Nessa época, os países europeus ainda não tinham adotada a ideia norte-americana de controle difuso, apesar de já difundida em muitos continentes.
Salienta o professor Silva (1985, p. 497 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 281), ao analisar as peculiaridades dos dois sistemas de controle, que a diferença existente entre o modelo difuso e concentrado deve-se ao fator histórico, pois:
“[…] Enquanto o constitucionalismo europeu se desencadeou em sociedades divididas, com características ideológicas opostas, o constitucionalismo norte-americano desenvolveu-se em ambiente social e ideológico homogêneo.”
A doutrina costuma intitular como idealizador do controle abstrato o jurista Hans Kelsen, que retirou do sistema norte-americano o seu cerne e aplicou a sua concepção de escalonamento das normas (pirâmide normativa). Afirma-se que foi por meio da elaboração do projeto lei que originou a Constituição Austríaca, denominada de Oktoberverfassung, publicada em 01 de outubro de 1920, que surgiu o modelo concentrado de controle das normas.
Entretanto, deve-se registrar que a Constituição da Tchecoslováquia, de 29 de fevereiro de 1920, antecipou-se em prevê a possibilidade de controle abstrato das normas. Contudo, segundo Cunha Júnior (2008, p.293 apud XAVIER, 2009, p.32):
“A Tchecoslováquia não serviu de referencia para outros países da Europa, em razão da pouca experiência que teve no exercício de jurisdição constitucional, sobretudo por causa da breve e tumultuosa vida política. Consoante esclarece Cappelletti […], a Corte Constitucional tchecoslovaca sequer teve a oportunidade de exercitar o poder de controle de constitucionalidade das leis”.
Por fim, salienta-se que a essa tese desenvolvida por Hans Kelsen de que as normas inseridas no corpo da constituição goza de superioridade formal em relação as demais leis vigentes no ordenamento, confronta-se com a teoria idealizada por Carl Schmitt, intitulada de Teoria da Constituição (verfassungslebre).
Para Carl Schmitt a constituição de um país representa a unidade política que exprime à vontade do povo, expressando assim a decisão política fundamental de uma Nação. Partindo dessa premissa, o citado autor faz uma distinção entre constituição e leis constitucionais.
Schmitt afirma que a constituição representa à decisão política fundamental do Estado, correspondendo as matérias concernentes aos direitos e garantias fundamentais, a estruturação e organização do Estado. Esse conceito assemelha-se ao sentido material de constituição, que segundo Silva (2009, p. 40-41) “designa as normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais”.
Já a concepção de leis constitucionais, que se confunde com a definição de constituição em sentido formal, consiste, conforme Silva (2009, p. 41) em um “documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabelecidos”.
Para a concepção de Kelsen, a compatibilidade da lei frente aos ditames constitucionais não seria uma verdadeira atividade jurisdicional que necessitasse de um pronunciamento quanto ao caso concretamente deduzido, bastando uma simples análise formal dos dispositivos da lei frente a constituição. Nesse caso, o Tribunal desempenharia uma função legislativa, criativa, de expurgar do ordenamento a lei inválida, atuando, dessa forma, como “legislador negativo”. Nesse contexto, Cunha Júnior (2009, p. 283) parafraseando as palavras de Hans Kelsen afirma que:
“O Tribunal Constitucional não julga nenhuma pretensão concreta, mas examina tão-só o problema puramente abstrato de compatibilidade lógica entre uma lei e a Constituição. Daí haver Kelsen assegurado que não há nesse juízo puramente lógico uma aplicação ou não aplicação da lei a um caso concreto, de modo que não se estria, em conseqüência, diante de uma verdadeira atividade judicial, que supõe sempre uma decisão singular a respeito de um caso controvertido.”
A partir das premissas fixadas pelo modelo de controle concentrado, o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma pela Corte Suprema ocasionaria a sua anulabilidade. Dessa forma, essa decisão ganharia força ex nunc, significando que só a partir da publicação do acórdão do tribunal é que essa lei deixaria de irradiar efeitos jurídicos. Diferentemente ocorre no controle difuso de constitucionalidade, nesse modelo, sendo reconhecida a inconstitucionalidade da lei o tribunal estaria à afirmar a sua nulidade, cujos efeitos retroagem ao momento da entrada em vigor da lei no ordenamento.
No Brasil a atribuição de verificar a compatibilidade das normas em face da Constituição Federal de 1988 ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal. Esse controle concretiza-se por meio das ações objetivas instituídas pela Constituição, que atualmente resume-se a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
Frise-se que a Constituição Federal de 1988 eliminou a legitimidade exclusiva (o monopólio) atribuída ao Procurador-Geral da República para propor as ações de controle abstrato, passando a admitir um amplo rol de legitimados previsto no art. 103 da CRFB/88.
Cumpre advertir ainda que esses legitimados, segundo Cunha Júnior (2009, p. 340), “não são considerados partes, pelo menos do ponto de vista material, uma vez que, nessa ação de nítido caráter objetivo, inexistem partes e quaisquer litígios referentes a situações subjetivas ou individuais”. Essas pessoas são consideradas apenas partes formais incumbida de suscitar o incidente abstrato de controle das normas através das ações objetivas de controle de constitucionalidade.
O constituinte ao ampliar o rol de legitimados estabeleceu para alguns desses legitimados, como condição para suscitar a análise abstrata da norma, o requisito da pertinência temática. Significa que algumas das figuras elencadas pelo art. 103 da CRFB/88, denominados de legitimados especiais, precisam demonstrar o seu interesse pela matéria impugnada, evidenciando a correlação existente entre essa matéria e a sua função.
Os legitimados que compõe a classe especial cinge-se ao Governador de Estado ou do Distrito Federal, a Mesa de Assembléia Legislativa e da Câmara Legislativa do DF e, por fim, a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Os demais legitimados elencados pelo art. 103 da CRFB/88 são considerados legitimados universais, vez que podem levar ao conhecimento do STF qualquer matéria sem precisar demonstrar a relação existente entre a matéria impugnada e a sua função.
Além disso, grande parte do rol de legitimados proposto pela Constituição Federal 1988 possui capacidade postulatória para propor essas ações. Excetua-se dessa regra apenas o partido político com representação no Congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidade de classe de âmbito nacional, que necessitam estar acompanhados de advogado para ajuizar essas ações.
O parâmetro para aferição da validade das normas no controle abstrato é a Constituição, Federal ou Estadual, a depender do objeto da ação. Ressalta-se que a verificação de compatibilidade da norma editada sob a égide de constituições pretéritas devem ser aferidas frente a constituição vigente a época de sua edição, por meio da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental e do Recurso Extraordinário.
Nesse sentido, o ex-Ministro Moreira Alves, no julgamento da argüição de inconstitucionalidade 1.102, do Estado de São Paulo, observou que:
“[…] a lei ordinária anterior, ainda que em choque com a Constituição vigorante quando de sua promulgação, ou está em conformidade com a Constituição atual, e, portanto, não está em desarmonia com a ordem jurídica vigente, ou se encontra revogada pela Constituição em vigor, se com ela incompatível”.
Desse modo, estar-se a afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece a possibilidade da chamada inconstitucionalidade superveniente, a norma objeto de controle foi editada em momento anterior ao parâmetro constitucional. Nesse caso, segundo o STF a verificação baseia-se no juízo de recepção ou não-recepção da norma, conforme evidencia o julgado abaixo colacionado:
“STF, RE 387271. RE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SEPARAÇÃO JUDICIAL – DIVÓRCIO – CONVERSÃO – PRESTAÇÕES ALIMENTÍCIAS – INADIMPLEMENTO – NEUTRALIDADADE. O inadimplemento de obrigação alimentícia assumida quando da separação judicial não impede a transformação em divórcio. NORMA – CONFLITO COM TEXTO CONSTITUCIONAL SUPERVENIENTE – RESOLUÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, vencido o relator, o conflito de norma com preceito constitucional superveniente resolve-se no campo da não-recepção, não cabendo a comunicação ao Senado prevista no inciso X do artigo 52 da Constituição Federal.”
Como ocorre com as demais ações ordinárias, o controle abstrato de constitucionalidade também pauta-se no princípio do pedido. Por meio de uma petição inicial quebra-se a inércia do Poder Judiciário (princípio da inércia), delimitando-se os dispositivos da lei impugnada (o pedido) e fixando, assim, o limite de atuação do STF.
Apesar de adstrito ao pedido formulado na inicial, a Corte Suprema não se encontra vinculado aos fundamentos jurídicos argüidos pelo autor para legitimar o seu pedido de análise abstrata da norma. Diz-se que nessa situação a causa de pedir é aberta, autorizando o tribunal a verificar a compatibilidade dos artigos mencionados na petição inicial frente a todos os dispositivos constitucionais, mesmo aqueles não referendados nessa peça.
Normalmente, em sendo conhecida a ação pelo STF e, por conseguinte, designado o relator, este deverá pedir informações sobre o ato impugnado a autoridade que instituiu a norma. Contudo, essas informações podem ser dispensadas no caso em que a autoridade cujo ato emanou é a mesma que está propondo a ação de controle, pois sua justificativa já se encontra fundamentada na inicial.
Findo o prazo de informação, serão intimados concomitantemente para se pronunciar acerca da ação o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de 15 (quinze) dias. Nessas ações, o AGU atua como defensor da constitucionalidade da norma impugnada, não podendo, mesmo que entenda ser a norma inválida, pugnar por sua inconstitucionalidade.
Já o PGR possui a função constitucional de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, atuando em todos os processos de ações concentradas perante o STF.
Diferentemente do Advogado da União, o PGR possui independência para se manifestar pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma, mas seu pronunciamento é meramente opinativo, não vinculando a decisão da Corte Suprema. No caso do AGU, o STF possui entendimento firmado no sentido de dispensar a sua atuação nas situações em que o tribunal já tenha reconhecido, em outras ações de controle difuso, a inconstitucionalidade da norma:
“STF, ADI: 1.616/PE: DIREITO CONSTITUCIONAL. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.522, DE 11.10.96. ALTERAÇÃO DO ARTIGO 38 DA LEI Nº 8.112/90. SUSBSTITUIÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E CHEFIA OU DE NATUREZA ESPECIAL. REEDIÇÕES DE MEDIDA PROVISÓRIA FORA DO PRAZO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL PARA DISPOR SOBRE OS EFEITOS JURÍDICOS DAÍ DECORRENTES. RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 62, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. DEFESA DO ATO IMPUGNADO DE QUE EXISTEM PRECEDENTES DO STF. POSSIBILIDADE. 1. […]
4. O munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado- Geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucional a Resolução Administrativa do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, tomada na Sessão Administrativa de 30 de abril de 1997.”
Nas ações objetivas de controle apenas admite-se a intervenção do amicus curiae (amigo da corte), que são os órgãos ou entidades encarregados de levar a Corte uma análise mais minuciosa da matéria questionada. Sendo vedadas quaisquer das modalidades de intervenção de terceiro previsto pelo Código de Processo Civil.
O ingresso de um terceiro estranho a relação jurídica processual primitivamente instaurada está condicionado à análise discricionária do relator do processo, sendo considerada como irrecorrível a decisão que nega o ingresso do Amigo da Corte no processo.
Para instalar a sessão deliberativa necessária à declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo é imperioso a presença de oito Ministros do STF (quorum especial). Além disso, só é possível a declaração de inconstitucionalidade da norma se feita pelo voto de seis Ministros, em respeito à cláusula de reserva de plenário.
Proferida a decisão no sentido de reconhecer a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma, esta decisão irradiará efeitos erga omnes (eficácia contra todos), ex tunc (retroage) e vinculante em relação ao Poder Judiciário, a Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios e o Legislativo em sua função atípica.
Cumpre ainda lembrar que o efeito vinculante proveniente da decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato não vincula o Poder Legislativo na atribuição típica de inovar o ordenamento e, tampouco, o pleno do STF. Esse entendimento foi desenvolvido no intuito de evitar o processo de fossilização, petrificação da Constituição, levando, por conseqüência, ao enfraquecimento da força normativa da constituição.
Ademais, além desses efeitos comuns as duas ações (ADI e ADC), a ADI possui ainda uma característica peculiar, a capacidade de repristinar o ato anteriormente revogado em virtude da edição da lei declarada inconstitucional pelo STF. Frise-se que tanto a ação direta de constitucionalidade, quanto a de inconstitucionalidade são consideradas ações de natureza ambivalente (bivalente), significando que a decisão da Corte produzirá efeito em um ou em outro sentido, a depender da ação julgada.
Outra característica típica da ADI, diz respeito à possibilidade de, excepcionalmente, o Supremo Tribunal Federal poder modular os efeitos da decisão de inconstitucionalidade para melhor atender o interesse social ou em favor da segurança jurídica. Nesse sentido, dispõe o art. 27 da Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999, que disciplina a ação direta de constitucionalidade e inconstitucionalidade:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
Assim, para seja possível a realização da modulação temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade é imperioso que haja o pronunciamento de dois terços (oito) dos Ministros, combinado ao fato de existir relevante interesse social envolvendo a questão ou ainda tenha por finalidade preservar a segurança jurídica da ordem constitucional vigente.
O pronunciamento do tribunal que analisa o mérito dessas ações é irrecorrível, só podendo ser objeto de embargos de declaração nas hipóteses de obscuridade, contradição ou omissão do acórdão (CPC, art. 535). Ademais, também não é possível o ajuizamento de ação rescisória com a finalidade de desconstituir a decisão da Corte Suprema.
Interessante mencionar a discussão existente no âmbito do Supremo Tribunal Federal no sentido de admitir, em alguns de seus julgados, a possibilidade de os fundamentos determinantes (ratio decidendi) utilizados para motivar a sua declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade da norma, no controle abstrato, projetar-se para a parte dispositiva da decisão.
É a chamada transcendência dos motivos determinantes da decisão, que segundo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, na Reclamação de n° 2.126, possui efeito vinculante em relação a parte dispositiva da decisão:
“STF, Rcl 2.126: […] Em verdade, o efeito vinculante decorre do particular papel político-institucional desempenhado pela Corte ou pelo Tribunal Constitucional, que deve zelar pela observância estrita da Constituição nos processos especiais concebidos para solver determinadas e específicas controvérsias constitucionais. Esse foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal na ADC 4, ao reconhecer efeito vinculante à decisão proferida em sede de cautelar, a despeito do silêncio do texto constitucional. Não foi outro o entendimento do legislador infraconstitucional ao conferir efeito vinculante às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade. No caso, muito embora os atos impugnados não guardem identidade absoluta com o tema central da decisão desta Corte na ADI 1.662, Relator o Min. Maurício Corrêa, vale ressaltar que o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados “fundamentos determinantes”.” [Rcl n. 2.126, DJ de 19.8.02]
Ultimando a questão, ressalta-se que inexiste prazo prescricional para o ajuizamento das ações objetivas, principalmente, para a ação direta de inconstitucionalidade. Isso se deve ao fato, neste último caso, de que atos eivados por vício de inconstitucionalidade não se convalidam com o tempo.
A teoria de inconstitucionalidade encontra guarida na idéia de hierarquia das normas, de modo que o ápice do ordenamento jurídico deve ser ocupado pela constituição, tendo as demais espécies normativas que guardar compatibilidade formal e material com esse instrumento.
Por tal razão, diz-se que a norma está contaminada pela inconstitucionalidade quando confronta direta e frontalmente a Constituição Federal de 1988. O renomado jurista Canotilho (1997, p.826 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 328) perfilha entendimento no sentido de afirmar que:
“[…] os atos do poder público só estarão conformes à Constituição e, conseqüentemente, só serão constitucionais, quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção desses atos, e quando não contrariem, positivamente ou negativamente, os parâmetros materiais plasmados nas regras ou princípios constitucionais.”
A partir dessa conceituação é possível extrair a classificação doutrinária dos tipos de inconstitucionalidade. Interessante mencionar, resumidamente, apenas as espécies de inconstitucionalidade mais referendadas pela doutrina, como a inconstitucionalidade formal, material, total, parcial, originária e superveniente, por ação ou omissão do Poder Público.
A inconstitucionalidade formal decorrer da inobservância do procedimento legislativo a ser cumprido para elaboração da norma (inconstitucionalidade formal propriamente dita) ou através de vício na fase de iniciativa da norma (inconstitucionalidade formal orgânica ou subjetiva). Já a inconstitucionalidade material ocorre nos casos em o conteúdo da norma impugnada conflita com os ditames constitucionais estabelecidos.
Por sua vez, a inconstitucionalidade total dar-se no caso em que a lei objeto de controle está totalmente contaminada pelo vício de inconstitucionalidade. Diferentemente acontece com a inconstitucionalidade parcial cuja mácula envolve apenas parte da norma, como artigo, parágrafo, inciso, alínea etc.
A inconstitucionalidade originária compromete a norma desde o seu nascimento, a lei já surge incompatível com a ordem constitucional. Por sua vez, a inconstitucionalidade superveniente ocorre nos casos em que a norma surge compatível, mas em virtude da alteração de parâmetro constitucional essa norma passa a contrariar a Lei Maior.
Segundo o professor Silva (2009, p. 47) a inconstitucionalidade por ação “ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios da constituição”, a contrario sensu, a inconstitucionalidade por omissão, conforme salienta o acima citado autor (2009, p. 47), “verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais”
Com essas considerações finda-se a apreciação do controle abstrato das normas. Passa-se agora a análise do controle incidental de constitucionalidade, objeto de estudo do presente trabalho monográfico.
O modelo de controle difuso de constitucionalidade, também denominado de controle aberto, concreto, por via incidental, por via de defesa ou de exceção, surgiu em 1803 com o julgamento pela Suprema Corte Americana do célebre caso Marbury v. Madison, presidido sob a orientação do Justice John Marshall.
Esse julgamento a despeito de ser considerado o marco histórico do controle difuso de constitucionalidade teve como principal plano de fundo a questão política que norteava o momento de transição vivenciado pelos Estados Unidos da América, que saia de um modelo federalista para ingressar em uma forma de governo republicana, como bem lembra Cunha Júnior (2009, p. 272):
“[…] lançando os olhos para os aspectos fáticos que engendraram a famosa decisão, vamos perceber que tudo não passou de um indecente caso de politicagem. Isso porque, Marshall, além de Chief Justice, era Secretário de Estado do então Presidente Federalista John Adams, e nessa condição auxiliou o Presidente dos EUA, em fim de mandato, a realizar inúmeras nomeações em favor de correligionários.”
A discussão levada a apreciação da Corte Americana tinha como objetivo analisar a criação de vários cargos para a judicatura realizada pelo Presidente Federalista John Adams no final do seu mandato. Por conseqüência da instituição desses cargos foi nomeado como juiz de paz William Marbury. Nessa época, John Marshall, por ocupar o cargo de Secretário de Estado, ficou com a responsabilidade de fazer chegar ao conhecimento de todos os nomeados o ato de nomeação.
Por razões escusas, o Secretário de Estado não conseguiu realizar essa incumbência. Assim, com a assunção do governo republicano, cujo presidente era Thomas Jefferson, o cargo de Secretário de Estado foi ocupado por Madison, que sustou todas essas nomeações, sob a determinação do então presidente, por entender que tais nomeações estavam imperfeitas. Nesse contexto, Silva (2008, p.145) afiança que:
“Jefferson, por sua vez, ao assumir o governo, nomeou James Madison como seu Secretário de Estado e, ao mesmo tempo, por entender que a nomeação de Marbury era incompleta até o ato da ‘comissão, já que esta ainda não lhe havia sido entregue, determinou que Madison não mais efetivasse a nomeação de Marbury.”
Após deixar o cargo de Secretário, John Marshall passou a compor o quadro da Suprema Corte como juiz-presidente. Cientificado da sustação de sua nomeação para juiz de paz no Condado de Washington, Marbury ingressou com uma “ação de mandamus” (writ of mandamus), perante a Suprema Corte com a finalidade de obrigar o atual Secretário de Estado a nomeá-lo juiz de paz.
Como era Marshall quem ocupava a presidência da Corte e possuía interesse pessoal na causa, vez que foi por sua negligência que as nomeações não ocorreram, este comandou a Corte para se manifestar no sentido de acolher a tese argüida pelo impetrante. Segundo Cunha Júnior (2009, p. 273) foi necessária uma manobra habilidosa de Marshall que:
“Embora reconhecendo o direito de Marbury, denegou a ordem requestada em razão de uma preliminar de incompetência da Corte. Para o reconhecimento dessa preliminar, Marshall desenvolveu sua doutrina da judicial review of legislation, reconhecendo a inconstitucionalidade de dispositivos de lei que atribuía competência à Suprema Corte para julgar originalmente ações daquela espécie […]. Considerou-se que a competência da Supreme Court encontrava-se taxativamente enumerada na Constituição, sem qualquer possibilidade de ampliação legal.”
Assim, diante de tão talentosa manobra jurídica, Marshall conseguiu pacificar a questão levada a Suprema Corte e firmar a base do controle incidental de constitucionalidade. A doutrina do judicial review assegura a possibilidade de qualquer juiz ou tribunal declarar inconstitucional norma incompatível com a constituição mediante um caso concreto submetido a sua apreciação.
Partindo das premissas já fixadas, observa-se que o controle de constitucionalidade pela via incidental possui a finalidade de resguardar os interesses intersubjetivos discutidos nessa relação processual. Nesse modelo, a inconstitucionalidade é tratada como questão prejudicial ao mérito, de modo que a sua apreciação deve ocorrer preliminarmente, para só depois ser possível analisar o cerne da ação.
No ordenamento jurídico Norte-Americano vigora o princípio do stare decisis, que autoriza a Corte Suprema conferir eficácia erga omnes às decisões proferidas em sede de controle difuso. Importa registrar que só as decisões prolatadas pela Suprema Corte possuem essa carga vinculante, sendo reservado aos juízes apenas a possibilidade de afastar a incidência da norma para decidir o litígio intersubjetivo posto a sua apreciação.
Para esse modelo de controle, o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei implica declará-la nula. Esse é o entendimento esboçado pelo Justice John Marshall, no lead case Marbury v. Madison, referendado por Ruy Barbosa (1993, p. 129-130 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 270):
“Se o ato legislativo, inconciliável com a Constituição, é nulo, ligará ele, não obstante a sua invalidade, os tribunais, obrigando-os a executarem-no? Ou, por outras palavras, dado que não seja lei, substituirá como preceito operativo, tal qual se o fosse? Seria subverter de fato o que em teoria se estabeleceu; e o absurdo é tal, logo à primeira vista, que poderíamos abster-nos de insistir.
Examinemo-lo, todavia, mais a fito. Consiste especificamente a alçada e a missão do Poder Judiciário em declarar a lei. Mas os que lhe adaptam as prescrições aos casos particulares, hão de, forçosamente, explaná-la e interpretá-la. Se duas leis se contrariam, aos tribunais incumbe definir-lhes o alcance respectivo. Estando uma lei em antagonismo com a Constituição e aplicando-se à espécie a Constituição, rejeitando a lei, inevitável será eleger, dentre os dois preceitos opostos, o que dominará o assunto. Isto é da essência do dever judicial.”
Com essa decisão, Marshall utilizando-se da tese anteriormente difundida por Alexander Hamiton, em sua obra o Federalista, plantou a semente de que é atribuição do Judiciário preservar a supremacia da Constituição. Um das formas de se concretizar esse objetivo é através do controle de constitucionalidade, que possibilita ao judiciário retirar do ordenamento a norma incompatível com a Constituição.
Oportuno registrar o pensamento do professor Bonavides (2003, p. 315 apud Almeida Neto, 2004, p. 1), que ao analisar o modelo norte-americano de controle, asseverou que “vivemos debaixo de uma Constituição, sendo a Constituição porém aquilo que os juízes dizem que é”.
Nesse modelo, o que se busca é a declaração incidental de inconstitucionalidade da norma, para só depois ser dada a solução ao caso concreto submetida a apreciação do judiciário. O processualista Buzaid (1962, p. 69 apud BRANCO; COELHO; MENDES, 2009, p. 1115), sopesando o controle incidental de constitucionalidade afirmou que a matéria constitucional que envolve a causa é “antecedente lógico e necessário à declaração judicial que há de versar sobre a existência ou inexistência de relação jurídica”.
Assim, o controle incidental de constitucionalidade no ordenamento pátrio possibilita a qualquer órgão que compõem a estrutura do Poder Judiciário analisar a inconstitucionalidade da norma em abstrato, desde que a controvérsia tenha sido suscitada em preliminar de mérito do caso concreto submetido à apreciação judiciária.
O professor Cunha Júnior (2009, p. 307) posiciona-se no sentido de afirmar que “a ação, portanto, não pode visar diretamente ao ato inconstitucional, limitando-se a se referir à inconstitucionalidade do ato apenas como fundamento ou causa de pedir, e não como o próprio pedido”. Portanto, conforme explicado pelo autor acima citado, o pedido de declaração de inconstitucionalidade não pode ser o objeto principal discutido na ação constitucional, sob pena de usurpação de atribuição exclusiva do STF para verificar em abstrato a compatibilidade das normas frente aos ditames constitucionais postos.
Cumpre lembrar que o incidente de inconstitucionalidade pode ser suscitado em qualquer ação (civil, trabalhista, tributária, penal, eleitoral etc) ou em resposta, bem como nas ações incidentais. Entretanto, além dessas ações ordinárias é possível debater a questão constitucional em qualquer remédio constitucional (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção etc).
O parâmetro utilizado para aferição de validade da norma no controle difuso é a constituição sob a qual a lei ou ato normativo objeto de discussão foi editado. Nesse sentido, destaca-se a decisão proferida no Recurso Extraordinário n° 148.754, cujo relator fora o ex-Ministro Francisco Rezek, em que declarou-se a inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n° 2.445 e 2.449, frente a constituição sob o qual foram editados: “ Constitucional. Art. 55 – II da Carta Anterior. Contribuição para o PIS. Decretos-Leis 2.445 e 2.449, de 1988. Inconstitucionalidade”.
A questão da inconstitucionalidade pode ser suscitada por qualquer das partes (autor, réu e terceiros intervenientes) que integram a relação jurídica processual, pelo próprio juiz ou tribunal, de ofício, ou ainda pelo Ministério Público, nas causas em que atue como fiscal da lei. O mestre Canotilho (1997, p. 837 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 308) aduz que:
“Embora os órgãos de controle não possam iniciar, de ofício, um processo de controle de constitucionalidade, ‘isso não significa necessariamente que o órgão de controlo, num processo perante si já levantado, não possa ex officio tomar conhecimento e suscitar o incidente de inconstitucionalidade, mesmo quando as partes o não tenham feito.”
O Ministério Público, bem como as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição da lei ou ato impugnado serão ouvidas nos processos concreto de declaração de inconstitucionalidade (CPC, art. 482, § 1°). Quando a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade é analisada originalmente pelo juiz de primeiro grau competente para julgar a causa, exige-se, apenas, que sua decisão esteja em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo ordenamento vigente, especialmente, a motivação (CRFB/88, art. 93, IX).
Já no que tange ao controle difuso realizado pelos tribunais, faz imperioso o voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (CRFB/88, art. 97). Essa regra só é válida para a declaração de inconstitucionalidade da norma, sendo desnecessária sua observância para o caso de declaração de constitucionalidade e para os casos em que o plenário do tribunal já tenha se manifestado acerca da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo (CPC, art. 481). Nesse sentido, posiciona-se o STF:
“STF, Ag. 168.149 (Ag. Rg.): INCONSTITUCIONALIDADE – INCIDENTE – DESLOCAMENTO DO PROCESSO PARA O ÓRGÃO ESPECIAL OU PARA O PLENO – DESNECESSIDADE. Versando a controversia sobre ato normativo ja declarado inconstitucional pelo guardiao maior da Carta Politica da Republica – o Supremo Tribunal Federal – descabe o deslocamento previsto no artigo 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleologica do artigo 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito esta na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade arguida em relação a um certo ato normativo.”
Nesse contexto, arremata-se que a Corte Suprema possui entendimento consagrado no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça só pode reconhecer incidentalmente a inconstitucionalidade de norma contrária aos ditames constitucionais se o acórdão recorrido não se pronunciou a respeito da questão.
Todavia, caso o tribunal do acórdão recorrido tenha decido a questão sobre a (in)constitucionalidade da norma em face da Constituição Federal, o STJ não poderá sobre essa matéria se debruçar, sob pena de usurpar a competência constitucionalmente atribuída ao STF. Esse entendimento está consagrado pela Corte no AgRg no AI 145.589 –RJ:
“STF, AgRg no AI 145.589 –RJ: Recurso extraordinário: interposição de decisão do STJ em recurso especial: inadmissibilidade, se a questão constitucional de que se ocupou o acórdão recorrido já fora suscitada e resolvida na decisão de segundo grau e, ademais, constitui fundamento da decisão da causa.
Do sistema constitucional vigente, que prevê o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e de recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau, decorre que da decisão do STJ, no recurso especial, só se admitirá recurso extraordinário se a questão constitucional objeto do último for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária.
Não se contesta que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício; o que não é dado àquela Corte, em recurso especial, é rever a decisão da mesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz de duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário ou, caso contrário, ressuscita matéria preclusa.
Ademais, na hipótese, que é a do caso – em que a solução da questão constitucional, na instância, constitui fundamento bastante da decisão da causa e não foi impugnada mediante recurso extraordinário, antes que a preclusão da matéria, é a coisa julgada que inibe o conhecimento do recurso especial.”
Além de ser necessário submeter a questão ao plenário ou seção do tribunal julgador exige-se, para instalação da sessão de julgamento, a presença da maioria absoluta dos membros que compõem o pleno do tribunal.
Quando a matéria constitucional é direcionada ao conhecimento dos tribunais, por meio de sua competência originária ou recursal, sendo distribuída para uma de suas turmas, câmaras ou seção, a depender da estrutura do órgão, o processo, por uma questão de ordem, será remetido para o pleno ou órgão especial do tribunal, desde que, a matéria ainda não tenha sido julgada pelo próprio Tribunal.
Tendo o tribunal deliberado pela inconstitucionalidade da lei, chegando a conclusão de sua nulidade, está decisão terá efeitos, em regra, inter partes e retroativos, atingindo o ato desde o seu nascimento. Nesse sentido, já afirmava Buzaid (1958, p. 128-130 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 313) que
“Sempre se entendeu entre nós, de conformidade com a lição dos constitucionalistas norte-americanos, que toda lei, adversa à Constituição, é absolutamente nula; não simplesmente anulável. A eiva de inconstitucionalidade a atinge no berço, fere-a ab initio. Ela não chegou a viver. Nasceu morta. Não teve, pois, nenhum único momento de validade.”
Portanto, diante de tal afirmação pode-se perceber que apesar de essa decisão só vincular as partes do processo, esta terá o condão de desconstituir as relações jurídicas concretizadas sob os seus ditames.
Em decorrência da inaplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro do princípio do stare decisis, de origem inglesa, mas com uma maior ênfase no direito norte-americano, cuja finalidade é a de conferir efeito vinculante as decisões proferidas pela Corte Suprema, a decisão proferida pelo STF só terá efeitos inter partes. Entretanto, o STF, excepcionalmente, admite a possibilidade de utilização da técnica de modulação temporal dos efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade. Nesse sentido, tem-se o seguinte julgado:
“STF, AI-AgR 589281 AI-AgR: RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ – PLEITO RECURSAL QUE BUSCA A APLICAÇÃO, NO CASO, DA TÉCNICA DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – IMPOSSIBILIDADE, PELO FATO DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NÃO HAVER PROFERIDO DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PERTINENTE AO ATO ESTATAL QUESTIONADO – JULGAMENTO DA SUPREMA CORTE QUE SE LIMITOU A FORMULAR, NA ESPÉCIE, MERO JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO – NÃO-RECEPÇÃO E INCONSTITUCIONALIDADE: NOÇÕES CONCEITUAIS QUE NÃO SE CONFUNDEM – RECURSO IMPROVIDO. 1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR DO ATO INCONSTITUCIONAL – OS DIVERSOS GRAUS DE INVALIDADE DO ATO EM CONFLITO COM A CONSTITUIÇÃO: ATO INEXISTENTE? ATO NULO? ATO ANULÁVEL (COM EFICÁCIA “EX TUNC” OU COM EFICÁCIA “EX NUNC”)? – FORMULAÇÕES TEÓRICAS – O “STATUS QUAESTIONIS” NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE: TÉCNICA INAPLICÁVEL QUANDO SE TRATAR DE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO DE ATOS PRÉ-CONSTITUCIONAIS. – A declaração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia “ex tunc” (RTJ 146/461-462 – RTJ 164/506-509), retroagindo ao momento em que editado o ato estatal reconhecido inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. – O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno). […].”
Para chegar a esse efeito, aplicou-se a essa decisão os preceitos normativos das Leis n° 9.868/99 e a de n° 9.882/99, lei regulamentadora da ADI, ADC e ADPF, respectivamente. Seguindo o mesmo raciocínio adotado pelo STF para admitir a modulação temporal no controle difuso, a doutrina, a exemplo do Ministro Gilmar Mendes, afirma que é perfeitamente possível a intervenção do amicus curiae no processo de controle difuso.
Esses aspectos controvertidos a respeito do controle difuso de constitucionalidade serão melhor abordados no capítulo destinado a explanar o processo de objetivação desse controle.
Portanto, reconhecida a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal, estadual ou até mesmo municipal pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso, por meio de recurso extraordinário, essa decisão será informada ao Senado Federal. O Senado Federal tem a incumbência de conferir a essa decisão eficácia erga omnes, no intuito de atribuí-la os mesmos efeitos cominados as decisões proferidas pelos ordenamentos que adotam o princípio do stare decisis.
Foi tentando impedir decisões conflitantes e no intuito de manter preservar a higidez do Estado Constitucional de Direito que a Constituição Federal estabeleceu em seu art. 52, inciso X, a competência privativa para o Senado Federal para “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”(CRFB/88, art. 52, X).
Esse ato do Senado Federal se materializa através de uma resolução, que segundo Brossard (1976, p. 50-61 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 316) “ faz valer para todos o que era circunscrito às partes litigantes, confere efeito geral ao que era particular, em uma palavra, generaliza os efeitos de uma decisão singular”.
A resolução do Senado Federal deve guardar total compatibilidade com a decisão do STF, assim, se a Corte deliberou no sentido de declarar parcialmente a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, o Senado ficará adstrito aos limites objetivos determinados por essa decisão. Salienta-se, outrossim, que não existe prazo estipulado para o pronunciamento desse órgão, ficando ao seu critério editar a resolução de suspensão da norma.
Portanto, observa que a decisão do STF não tem o condão de obrigar o Senado Federal a editar a resolução suspendendo a eficácia da lei declarada inconstitucional, entretanto, uma vez editada à resolução, esta não poderá mais ser revogada. Nas palavras de Bittencourt (1949, p. 145-146 apud BRANCO; COELHO; MENDES, 2009, p. 1136), “se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares que, de fato, independem de qualquer dos poderes”.
A maioria esmagadora da doutrina, corroborando o pensamento do STF, afirma que essa decisão tem natureza política e discricionária, ficando a critério do Senado Federal decidir o momento oportuno para exercitar sua competência constitucional de conferir efeito vinculante a decisão da Corte.
Pela magnitude dos autores que se posicionam em sentido contrário, a exemplo de Lúcio Bittencourt, Celso Ribeiro Bastos, Zeno Veloso etc, destaca-se, como ilustração desse pensamento, a inteligência das palavras proferidas pelo professor Buzaid (1958, p. 89 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 320) ao afirmar que:
“[…] concorrendo todos os requisitos legais, não pode o Senado, à vista da decisão do Supremo Tribunal Federal, tem de efetuar a suspensão da execução do ato inconstitucional. Do contrário, o Senado teria o poder de convalidar ato institucional, mantendo-o eficaz, o que repugna ao nosso sistema jurídico.”
Portanto, prevalece a tese de que cabe a este órgão ponderar cada decisão, através de seu critério de oportunidade e conveniência, e decidir pela suspensão ou não da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Contudo, deve-se anotar que a não suspensão da norma declarada inconstitucional pelo Senado pode ocasionar certo estado de insegurança jurídica ao ordenamento, vez que a norma é perfeita, eficaz e válida para uns e para aqueles que pleitearam no judiciário sua invalidade essa mesma norma é ineficaz, nula.
3 DO RECURSO
Recurso é o meio processual hábil de que dispõe a parte inconformada com a decisão para submeter, em regra, a instância superior, dentro da mesma relação jurídica processual, a sua pretensão, no intuito de que seja reexaminada e proferido um novo juízo de valor acerca da questão, anulando ou reformando a anterior.
Segundo Theodoro Júnior (2007, p. 628), “a palavra recurso é usualmente empregada num sentido lato para denominar todo meio empregado pela parte litigante a fim de defender o seu direito”.
No entanto, o termo jurídico recurso deve ser utilizado seguindo sua correta acepção processual. Nesse sentido, Amaral Santos (1981, p.103 apud THEODORO JÚNIOR, 2007, p. 628) aduz que o termo recurso, em seu sentido strictu sensu, deve compreendido como sendo:
“[…] o meio ou remédio impugnativo apto para provocar, dentro da relação processual ainda em curso, o reexame de decisão judicial, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando obter-lhe a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração”.
Já o ilustre doutrinador Marinoni (2008, p. 507) considera recurso como sendo “meio de impugnação de decisões judiciais, voluntário, internos à relação jurídica processual em que se forma o ato judicial atacado, aptos a obter desde a anulação, a reforma ou o aprimoramento”.
O ordenamento jurídico pátrio acolhe o recurso como sendo um direito subjetivo da parte, emanado do próprio texto constitucional, seja por estar expresso na garantia constitucional do direito de ação ou implícito no princípio do duplo grau de jurisdição, que tem como corolário o contraditório e a ampla defesa (CF, art. 5°, incisos XXXV e LV). Partindo dessa premissa, Araken de Assis (2008, p.38) expõe seu pensamento afirmando que recurso:
“É um direito de ordem subjetiva, extraído dos desdobramentos do direito de ação, caso em que o recurso é suscitado pelo autor da demanda, ou, então, do próprio direito de defesa, caso a provocação para o reexame resulte da parte contrária.”
O princípio do duplo grau de jurisdição pode se manifestar através da análise da matéria pelo tribunal ad quem (duplo grau vertical) ou por meio da apreciação da causa pelo próprio juiz a quo, órgão de mesma hierarquia (duplo grau horizontal).
Mesmo se tratando de uma garantia constitucional de eficácia imediata, o recurso, para ser admitido como meio de impugnação as decisões judiciais deve, necessariamente, está previsto em lei, mais especificamente, em lei federal (CF, art. 22, I).
Assim, para que as partes possam manifestar sua inquietude com a decisão terá que existir previsão legal tipificando o recurso como meio de impugnação àquela decisão, conforme preceitua o princípio da taxatividade. Nessa esteira, destaca-se:
“STJ: AgRg no Ag 744929/PR. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2006/0028536-0. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE NÃO DENEGA RECURSO ESPECIAL. NÃO-CABIMENTO. ART. 544 DO CPC. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE. […]
3. “Taxatividade. A norma indica ter o sistema processual civil brasileiro adotado o princípio da taxatividade dos recursos, segundo o qual os recursos são enumerados taxativamente, em numerus clausus, na lei processual. Além dos relacionados no CPC 496, há outros recursos existentes no sistema do Código (“outros agravos” ou “agravos interno”; CPC 120 par. ún., 532, 545 e 557 § 1º) e no de leis extravagantes…”. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código de Processo Civil Comentado e legislação processual em vigor, às fls. 824)
4. Agravo regimental não-provido.”
Atualmente, os recursos previstos em nosso ordenamento jurídico encontram-se quase que exaustivamente elencados pelo Código de Processo Civil (CPC), sobretudo no seu artigo 496. Este artigo enumera a apelação, o agravo, os embargos infringentes, os embargos de declaração, o recurso ordinário, o recurso especial, o recurso extraordinário e os embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário, como forma de contestar as decisões judiciais.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se a análise do Recurso Extraordinário, que importa detalhar neste trabalho monográfico.
3.1 RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O Recurso Extraordinário é o instrumento apropriado para levar ao conhecimento da Corte Suprema as matérias constitucionais expressamente atribuídas pela Constituição Federal como de sua competência. Essas matérias foram enumeradas pelo artigo 102, inciso III, do referido diploma normativo.
O professor Didier Júnior (2008, p. 249) situa o recurso extraordinário (ou recurso excepcional, ou recurso de superposição) como “gênero do qual são espécies o recurso extraordinário para o STF (art. 102, III, CF/88) e o recurso especial para o STJ (art. 105, III, CF/88)”. O citado autor considera a acepção recurso extraordinário como uma designação ampla, devido às marcantes características comuns que existem em ambos os recursos, do qual são espécies o recurso extraordinário propriamente dito e o recurso especial.
Parafraseando as palavras articuladas por Xavier (2009) pode-se deduzir que a característica diferenciadora do recurso extraordinário para os demais recursos, intitulados de recursos ordinários, reside no fato de que o RE não objetiva rever a decisão impugnada, pelo contrário, o seu principal escopo é resguardar os preceitos constitucionais e federais, independentemente do interesse subjetivo das partes.
3.1.1 Contextualização histórica do Recurso Extraordinário
A criação do recurso extraordinário em nosso sistema jurídico teve como principal inspiração o modelo inglês denominado de writ of error. Esse modelo foi adaptado pelos norte-americanos, que em síntese, extraíram sua essência e o aplicaram na defesa de sua Constituição. Oportuno destacar as palavras do professor Silva (1963, P. 29 apud ASSIS, 2008, p. 684) ao afirmar que:
“[…] o writ of error dos ingleses, que tinha como função primordial corrigir erros de direito em favor da parte prejudicada, obteve, nos Estados Unidos, nova missão – a de sustentar a supremacia da Constituição e a autoridade das leis federais, em face das Justiças dos Estados-membros.”
Esse mecanismo de impugnação foi instituído no sistema norte-americano pelo judiciary Act em 1789, que concedeu a Suprema Corte Americana a competência para analisar as decisões definitivas prolatadas pelos Tribunais dos Estados. Portanto, observa-se que a finalidade do writ of error era resguardar a supremacia da constituição e das leis federais. Atualmente, o recurso utilizado pelos norte-americanos para levar sua pretensão à instância Maior é o writ of certiorari.
Foi através da primeira constituição do Brasil, intitulada de Constituição Imperial, outorgada por D. Pedro I, em 25 de março de 1824, que o nosso sistema normativo conheceu de um recurso semelhante ao recurso extraordinário, denominado de recurso de revista.
A referida Carta estabelecia apenas a possibilidade de o Tribunal, situado na Capital do Império, denominado de Supremo Tribunal de Justiça, conhecer e decidir, mediante recurso de revista, os conflitos de jurisdição e competência das relações províncias (Inciso III do art. 164). O recurso de revista, conforme preceitua Guimarães (1942, p. 8 apud ASSIS, 2008, p. 685) “ destinava-se a manter a integridade formal da lei ferida por julgados contaminados por nulidade manifesta ou injustiça notória”.
Ainda sob a égide da Constituição Imperial foi editado o Decreto 848, datado de 24 de outubro de 1890, tendo como uma de suas finalidades organizar a Justiça Federal e instituir o Supremo Tribunal Federal. Este instrumento normativo, em seu artigo 9º, parágrafo único, extraído da legislação alienígena norte-americana judiciary Act (Lei Orgânica da Magistratura Federal) criou um recurso especificamente direcionado para o STF. Contudo, seu manejo estava adstrito aos casos expressamente enumerados pelo supracitado artigo, quais sejam:
“Art. 9º Compete ao Tribunal: […]
Paragrapho único. Haverá tambem recurso para o Supremo Tribunal Federal das sentenças definitivas proferidas pelos tribunaes e juizes dos Estados:
a) quando a decisão houver sido contraria á validade de um tratado ou convenção, á applicabilidade de uma lei do Congresso Federal, finalmente, á legitimidade do exercicio de qualquer autoridade que haja obrado em nome da União – qualquer que seja a alçada;
b) quando a validade de uma lei ou acto de qualquer Estado seja posta em questão como contrario á Constituição, aos tratados e ás leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto;
c) quando a interpretação de um preceito constitucional ou de lei federal, ou da clausula de um tratado ou convenção, seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contraria, á validade do titulo, direito e privilegio ou isenção, derivado do preceito ou clausula.”
Em 1891 foi inovada a ordem jurídica constitucional com a promulgação da Constituição República dos Estados Unidos do Brasil, tendo por conseqüência a ampliação da competência do STF. Este órgão passou a receber desde simples recurso versando sobre demandas de interesse privado até as causas atinentes a sua função precípua, preservar a supremacia da constituição.
Segundo Silva (1963, p. 37 apud ASSIS, 2008, p. 687) foi em virtude dessa ampliação de competência que o STF tornou-se apto a conhecer e julgar “todas as questões processuais, independentemente da sua relevância e generalidade”, aumentando, assim, o número de causas submetidas ao seu crivo e o distanciando de sua função maior, manter a estabilidade da ordem jurídica constitucional.
Já no pensar do ilustre Ruy Barbosa (1933, p. 100apud ASSIS, 2008, p. 687) a mencionada constituição, ao delegar ao STF a competência originária e recursal, pretendia consagrar:
“[…] a supremacia da Constituição, visando ‘manter a legalidade nacional, na sua lei suprema, nas suas leis ordinárias, ou nas suas convenções internacionais contra erros ou abuso dos Estados, na sua legislatura, na sua administração e na sua justiça’.”
Desse modo, foi com o surgimento do verbo “questionar” no texto do art. 59, § 1°, alínea “a” da Constituição de 1891, que despontou a necessidade de prequestionar a matéria nas instâncias ordinárias para que fosse admitido aquele recurso junto ao STF. Prequestionar significa argüir a discussão nas instâncias inferiores para que seja apreciada pelo órgão.
Por tal motivo, a jurisprudência e a doutrina atual entendem que o prequestionamento é requisito de admissibilidade do atual recurso extraordinário. Esse entendimento encontra-se consolidado pelo STF nos seguintes julgados:
“STF: AI-AgR 745426. AI-AgR – AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ANÁLISE DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, II, LV E 93, IX, DA CF/88. OFENSA REFLEXA. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF. INCIDÊNCIA. RECURSO PROTELATÓRIO. MULTA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Ausência de prequestionamento das questões constitucionais suscitadas. Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF. II – A apreciação dos temas constitucionais, no caso, depende do prévio exame de normas infraconstitucionais. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Incabível, portanto, o recurso extraordinário. Precedentes. (…). VI – Recurso protelatório. Aplicação de multa. VII – Agravo regimental improvido.”
“STF: AI-ED 595297. AI-ED – EMB.DECL.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. A matéria constitucional contida no recurso extraordinário não foi objeto de debate e exame prévios no Tribunal a quo. Tampouco foi objeto dos embargos de declaração opostos, o que não viabiliza o extraordinário, por ausência do necessário prequestionamento.”
Desse modo, o legislador ordinário no intuito de restringir a amplitude atribuída pela Constituição de 1891 ao STF, editou a Lei nº 221, de 20 de novembro de 1894 – complementando o Decreto 848/1890, que em seu artigo 24, asseverou que esse recurso ficaria limitado à hipótese disciplinada no artigo 9º, parágrafo único, alínea “c” do Decreto 848/1890. No entanto, deve-se advertir que sobre este diploma legal paira sério vício de inconstitucionalidade.
Insta ressaltar que o primeiro regimento interno do STF, datado de 08 de fevereiro de 1891, intitulou o recurso, até então inominado, de extraordinário.
Com o advento da Constituição de 1934, o recurso endereçado a Corte Suprema passou a ser expressamente designado, por uma constituição, de extraordinário. Foi por meio do artigo 76, inciso III, que se instituiu o RE como meio hábil a levar ao conhecimento daquele órgão as matérias expressamente atribuídas como de sua competência, são elas:
“Art. 76 […]
III – em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância:
a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado;
b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válido o ato ou a lei impugnada;
d) quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um deste Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal;”
A Constituição do Estado Novo, outorgada pelo golpe político de 1937, realizado por Getulio Vargas, não trouxe nenhuma alteração substancial quanto ao recurso extraordinário. Por sua vez, a Constituição de 1946 aboliu a expressão questionar da alínea “a” do artigo 101, inciso III do seu atual texto, que era basicamente uma repetição do art. 76, inciso III, alínea “a” da constituição de 1937.
Diante da nova redação atribuída ao artigo acima mencionado, uma das turmas do STF, mais especificamente a segunda turma, passou a admitir o recurso extraordinário sem a observância do prequestionamento da matéria nas instâncias inferiores.
No entanto, em sessão plenária realizada em 13 de dezembro de 1963, aquele órgão editou a súmula 282, no escopo de uniformizar o entendimento dominante no tribunal de que “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada” (STF, súmula 282).
Nessa mesma data, o STF, consagrando a tese já pacificada pela Corte, decidiu sumular o entendimento de que “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento” (STF, súmula 356).
Contudo, é de bom alvitre salientar a opinião declinada pelo ex-Ministro Pessoa (1907, p. 469-470 apud ASSIS, 2008, p. 690) quanto à necessidade de discutir a matéria nas instâncias ordinárias. Segundo o Ministro:
“[…] o cabimento do extraordinário, independentemente de prévia discussão, das partes, se ‘o juiz local, com surpresa para as partes litigantes, declara inválida a lei federal em que se funda o direito de uma delas’, porque, ‘no sistema da Constituição, não se pode conceber uma sentença, que não seja do Supremo Tribunal Federal, decidindo irrecorrivelmente da constitucionalidade de uma lei da República’”.
A Constituição de 1967 pouco inovou quanto ao recurso extraordinário, suprimindo, apenas, algumas expressões do antigo texto da Constituição de 1946. No entanto, com a publicação do ato institucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, e demais atos institucionais, restringiu-se a possibilidade de interposição do RE das decisões proferidas por juiz singular.
O STF, ao analisar a questão, editou a súmula 527, afirmando que “após a vigência do Ato Institucional 6, que deu nova redação ao Art. 114, III, da Constituição Federal de 1967, não cabe recurso extraordinário das decisões do juiz singular” (STF, súmula 527).
Todavia, após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (co-denominada de Constituição Cidadã), promulgada 05 de outubro de 1988, o constituinte originário instituiu algumas modificações quanto ao recurso em análise. A primeira delas diz respeito às matérias que podem ser veiculadas através de RE, restringindo a este recurso as demandas constitucionais, conforme disposto no inciso III do art. 102 da CRFB/88:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: […]
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.”
A CRFB/88 também inovou quanto à delegação a outro órgão das causas relacionadas às controvérsias acerca das matérias federais. Assim, para abarcar esta última competência criou-se um tribunal encarregado de guardar o ordenamento jurídico federal, nominando-o de Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ficou a cargo do STF apenas a função precípua de preservar a defesa da ordem jurídica do país.
Restaurou-se, ainda, a possibilidade de submeter à análise da Suprema Corte as decisões proferidas pelos juízes monocráticos em sede de controle de constitucionalidade difuso (incidental).
3.1.2 Cabimento do Recurso Extraordinário
O recurso extraordinário é recurso de fundamentação vinculada às hipóteses previstas no art. 102, inciso III da CRFB/88. Este recurso tem por finalidade assegurar a correta interpretação dos preceitos constitucionais. Nesse contexto, o professor Alvin (1997, p.46b apud DIDIER JÚNIOR e CUNHA, 2010, p. 323) assevera que “o recurso extraordinário, portanto, sempre teve como finalidade, entre outras, a de assegurar a inteireza do sistema jurídico, que deve ser submisso à Constituição Federal”.
Nos termos do que dispõe o art. 102, III da CRFB/88, compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) Contrariar dispositivo desta Constituição:
Assim, para que o RE seja conhecido pelo STF sob esse fundamento, é necessário que a decisão recorrida tenha confrontado direta e frontalmente algum dispositivo constitucional. Considera-se contrariedade direta, segundo Paulo e Alexandrino (2008, p. 702) “quando a desconformidade verificada dá-se entre leis e atos normativos primários e a Constituição”.
Por sua vez, tem-se o cotejo indireto ou reflexo, na concepção de Paulo e Alexandrino (2008, p. 703) “naquelas situações em que o vício verificado não decorre de violação direta da Constituição”. Portanto, a contrariedade ocorre frente a uma lei federal (infraconstitucional), não tendo diretamente atacado as normas constitucionais.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 636 dispondo que “não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida” (STF, súmula 636).
O jurista Barbosa Moreira (1984, p. 591apud ASSIS, 2008, p.720) tece ríspidas críticas ao referido dispositivo, aduzindo que:
“O verbo ‘contrariar’ em si mesmo agasalharia um juízo de valor: decisão contrária ao texto constitucional é incorreta e digna de reforma, motivo por que a demonstração do tipo ultrapassaria a etapa do juízo de admissibilidade e, verificada, exigiria o provimento inexorável do extraordinário.”
Acatando esse entendimento, o STF, atualmente, vem admitindo o RE quando o recorrente demonstre em preliminar formal a contrariedade do acórdão recorrido com os preceitos constitucionais vigentes, mas para isso é imperioso que a matéria tenha sido devidamente prequestionada nas instâncias inferiores. Desse modo, sendo conhecido o RE, o Tribunal passa a analisar o mérito da questão, verificando a compatibilidade do acórdão contrariado com todos os preceitos constitucionais, mesmo aqueles não enfrentados pelos órgãos anteriores.
b) Declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal:
Essa alínea traz a hipótese de cabimento do RE no caso de impugnação a decisão que tenha decretado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. Interessante observar a desnecessidade de prequestionamento da matéria impugnada nos órgãos inferiores, bastando o pronunciamento tribunal quanto à inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
Seguindo esse entendimento, a Corte Suprema tem se posicionado no sentido de não conhecer o recurso extraordinário quando o acórdão do Tribunal recorrido não tenha se pronunciado acerca da inconstitucionalidade da lei federal ou tratado. É o que demonstram os julgados abaixo colacionados:
“STF: AI-AgR 728672. AI-AgR – AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA ALÍNEA “E” DO ARTIGO 439 DO CPPM. PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. SÚMULAS NS. 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE NÃO DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DE TRATADO OU DE LEI FEDERAL. INVIABILIDADE. 1. O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência dos óbices das Súmulas ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Acórdão recorrido que não declarou a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal. Inviabilidade da admissão do recurso extraordinário interposto com fundamento na alínea “b” do artigo 102, III, da Constituição. Agravo regimental a que se nega provimento.”
“STF: RE-AgR 371871. RE-AgR – AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Interposição com base na alínea “b”. Acórdão impugnado que não declarou a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, na forma do art. 97 da Constituição Federal. Não cabimento. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.”
Conveniente ressaltar o entendimento manifestado pela 1ª turma do STF, no julgamento do RE 411.481, no sentido de conhecer do recurso mesmo que o acórdão impugnado apenas tenha afastado a incidência da norma sobre aquele caso, sem manifestar o motivo justo, decidindo a causa sobre critérios diversos.
c) Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição:
Nessa hipótese, o juiz ou tribunal declarou válida a lei local ou ato administrativo do governo local contestado em face da Constituição Federal, privilegiando, desse modo, o ato normativo local em detrimento das disposições constitucionais. Consubstanciado nas palavras de Didier Júnior e Cunha (2010, p. 327) pode-se dizer que “se o tribunal local julgou válida lei ou ato local contestado em face da Constituição Federal, restou por privilegiar a lei ou ato local”.
Portanto, essa decisão ofende diretamente os princípios e normas estabelecidos pela Constituição Federal, sendo oportuno, nesse caso, a interposição de RE para combater a decisão que, desde sua origem, já se encontra eivada por vício de inconstitucionalidade, bastando apenas que o tribunal declare sua nulidade.
d) Julgar válida lei local contestada em face de lei federal:
A Constituição Federal ao instituir essa alínea evidenciou a inexistência de hierarquia entre norma federal e lei estadual ou municipal. A contrario sensu, esse dispositivo, ressaltou, a distribuição de competência estatuída em seu texto normativo, quando possibilitou a interposição de recurso extraordinário nos casos em que o acórdão recorrido julgar válida lei local em detrimento da disposição contida em lei federal.
Oportuno ressaltar a análise interpretativa feita por Castro Nunes (1943, 328 apud TAVARES, 2008, p. 332) quanto ao termo causa constante no inciso III do art. 102 da CRFB/88, o referido autor assevera que:
“[…] O texto constitucional emprega a causa (‘causas decididas pelas justiças locais’) no seu sentido mais amplo e compreensivo. É todo procedimento em que se decida do direito da parte. Não é preciso que seja, formalmente, uma ação. Qualquer processo, seja de que natureza for, se nele for proferida decisão de que resulte comprometida uma lei federal, é uma causa para os efeitos do recurso extraordinário. Aliás, é essa acepção que corresponde à palavra causas na terminologia forense – ‘processos judiciários’, seja qual for ‘sua natureza, ou fim’.”
3.1.3 Requisitos do Recurso Extraordinário
O recurso extraordinário interposto em uma das situações acima mencionadas, deve, necessariamente, preencher os requisitos específicos de admissibilidade, como a necessidade de esgotamento das vias ordinárias, o prequestionamento da matéria nas instâncias inferiores e a repercussão geral. Além desses requisitos próprios, o RE tem que atender aos pressupostos recursais necessários à interposição de qualquer recurso, denominados pela doutrina de pressupostos recursais extrínsecos e intrínsecos.
Consideram-se pressupostos recursais extrínsecos, conforme a lição do professor Marinoni (2008), os que estão diretamente relacionados ao direito de recorrer, podendo ser divididos em: tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer ou do seguimento do recurso.
Por sua vez, compreendem-se por pressupostos recursais intrínsecos, adotando o entendimento do mesmo autor (2008, p. 515), os que são “atinentes à existência do direito de recorrer”, sendo divididos em: cabimento, interesse recursal, legitimação recursal e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer.
No entanto, neste momento, para desenvolvimento da presente monografia, apenas interessa mencionar os requisitos específicos do recurso extraordinário, tendo em vista que os pressupostos atinentes a todos os recursos serão singelamente abordados no decorrer do presente trabalho. Assim, além de recurso de fundamentação vinculada aos casos enumerados no art. 102, inciso III da CF/88, o RE possui algumas peculiaridades que serão logo abaixo dissecadas.
Imperioso salientar que para a parte interessada levar ao conhecimento da Corte Suprema sua demanda é imprescindível que a matéria tenha sido prequestionada nas instâncias ordinárias. Segundo Didier Júnior e Cunha (2008, p. 255) o próprio “nome parece indicar uma atividade da parte, anterior, no sentido de ensejar a manifestação do órgão jurisdicional inferior”.
Nelson Nery (2000, p. 855 apud DIDIER JÚNIOR e CUNHA, 2010, p. 261) ao analisar o prequestionamento como requisito indispensável à propositura do RE, proferiu a seguinte juízo de valor:
“[…] talvez a conceituação do prequestionamento como requisito imposto pela jurisprudência tenha nascido porque a expressão vem mencionada em dois verbetes da Súmula do STF (STF 282 e 356). Evidentemente a jurisprudência, ainda que do Pretório Excelso, não poderia criar requisitos de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial, tarefa conferida exclusivamente à Constituição Federal.”
Na mesma esteira, tem-se Didier Júnior e Cunha (2008, p. 260) aduzindo que “o prequestionamento é a uma das válvulas de escape dos tribunais superiores, que se valem dele para deixar de julgar o mérito dos recursos, em diversas oportunidades”.
Inicialmente cumpre destacar a natureza jurídica do prequestionameto, aceito pela maioria da doutrina, como sendo um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Nesse sentido, já se posicionava o ilustre processualista Alfredo Buzaid, que ao apreciar o ERE nº 96.802 considerou o prequestionamento como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.
No entanto, alguns autores, a exemplo do professor José Miguel Garcia Medina e Melissa Barbosa Tabosa do Egito, discordam em aceitar a natureza jurídica do prequestionamento como sendo um requisito do juízo de admissibilidade do RE. Esses autores afirmam que a natureza jurídica do prequestionamento é uma conseqüência natural do efeito devolutivo. Assim, afirma Egito (2002, p.8) que:
“[…] o prequestionamento não é imprescindível à interposição do RE ou do REsp, mas tem o desiderato de fixar o âmbito de devolutividade dos recursos excepcionais, na medida em que o tribunal somente poderá se manifestar sobre o que as partes tiverem aduzido, à exceção das matérias de ordem pública.”
Com a finalidade de aclarar a questão, conveniente fazer um breve comentário acerca da celeuma. Para isso, é necessário fazer um cotejo entre a necessidade do prequestionamento como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário e da sua aferição quando na análise da causa.
Nesse contexto, assevera Didier Júnior e Cunha (2010, p. 281) que para a admissão do RE “é indispensável o prequestionamento, mas, uma vez admitido, no juízo de regulamento não há qualquer limitação cognitiva, a não ser a limitação horizontal estabelecida pelo recorrente (extensão do efeito devolutivo)”.
Portanto, admitido o recurso extraordinário, o STF poderá se manifestar sobre todas as questões suscitadas e discutidas no âmbito da relação jurídica processual, bem como acerca das matérias que possam ser conhecidas de ofício pelo tribunal. Pertinente destacar a observação feita por Barbosa Moreira (2003, p. 596 apud DIDIER JÚNIOR E CUNHA, 2010, p. 281) quanto ao efeito devolutivo do RE:
“Note-se que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, em conhecendo do recurso, não se limita a censurar a decisão recorrida à luz da solução que dê à quaestio iuris, eventualmente cassando tal decisão e restituindo os autos ao órgão a quo, para novo julgamento.”
Transposta essa discussão, passa-se a análise mais detalhada da acepção jurídica prequestionamento. Assim, prequestionar significa ventilar matéria constitucional ou federal junto ao tribunal que deverá sobre a matéria se debruçar. Segundo Nery Júnior (1996, apud MOREIRA, 2009) considera-se prequestionada a matéria quando o órgão julgador manifeste seu posicionamento explicito a respeito da questão controvertida.
Outra controvérsia que envolve o prequestionamento reside em saber se esse requisito de admissibilidade do RE decorre expressamente da nossa legislação ou se é fruto de criação jurisprudencial.
Para o advogado e escritor Nelson Nery esse requisito nasceu do pronunciamento da Suprema Corte, quando da edição de algumas súmulas, que trouxeram em seu texto a acepção prequestionamento como condição de admissibilidade do RE. Assim, sustenta Nelson Nery (2000, p.855 apud JÚNIOR e CUNHA, 2010, p. 259-260) que:
“[…] a conceituação do prequestionamento como requisito imposto pela jurisprudência tenha nascido porque a expressão vem mencionada em dois verbetes da Súmula do STF (STF 282 e 356). Evidentemente a jurisprudência, ainda que do Pretório Excelso, não poderia criar requisitos de admissibilidade para os recursos extraordinários e especial, tarefa conferida exclusivamente à Constituição Federal.”
Por sua vez, o mestre Medina (1999, p. 213 apud EGITO, 2002, p. 8) discorrendo sobre a matéria afirmou que:
“Os que defendem a natureza de condição de admissibilidade do prequestionamento, ora se fundamentam no fato de ser esse uma tradição das constituições brasileiras, ora porque estaria implicitamente na instituição – é o que se denomina ‘requisito jurisprudencial’.”
Consubstanciado nesse último entendimento, a obrigatoriedade de suscitar a discussão nas instâncias inferiores advém do próprio texto constitucional, quando afirma que a interposição deste recurso só será possível nas causas decididas em única ou última instância. Manifesta-se favorável a esse entendimento o processualista Marinoni (2008, p. 573) ao sugerir que:
“[…] essa exigência, pacifica na jurisprudência dos tribunais superiores nacionais, decorre da imposição, estabelecida nos arts. 102, III, e 105, III, da CF, de que as causas tenham sido “decididas” na instância inferior, tendo essa decisão gerado o exame da lei federal ou da Constituição Federal.”
Salienta-se, outrossim, que na atual conjuntura das Cortes Superiores –STF e STJ -, vigoram dois posicionamentos distintos acerca de quando considerar prequestionada a matéria.
A primeira corrente, defendida em especial pelo STJ, considera prequestionada a matéria quando analisada pelo órgão de origem. Desse modo, para o STJ a matéria só está prequestionada se a parte tiver suscitado a discussão e, conseqüentemente, essa questão tenha sido amplamente debatida nas instâncias que o antecederam.
Todavia, esse pensamento vai de encontro ao posicionamento do professor Assis (2008, p. 702) ao afirmar que o “prequestionamento não se subordina, absolutamente, à iniciativa das partes”. Nesse sentido, destacam-se os seguintes julgados:
“STJ: RESP 200500802171. RESP – RECURSO ESPECIAL – 750777. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 126. DISPOSITIVOS DA LEI FEDERAL NÃO ENFRENTADOS NO ACÓRDÃO. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211. Tendo o acórdão recorrido fundamento constitucional independente, cabia à parte interpor o regular recurso extraordinário para o STF (Enunciado 126 da Súmula desta Corte), sob pena de não conhecimento do apelo. Dentre os requisitos de admissibilidade do recurso especial está a exigência do prequestionamento dos dispositivos da lei federal em face dos quais se alega a existência de violação, porquanto a via especial é vinculada exclusivamente à matéria decidida no acórdão recorrido. (Aplicação da Súmula 211). Recurso não conhecido.”
Com isso, percebe-se que conforme o entendimento vigorante no Superior Tribunal de Justiça o prequestionamento da matéria é ato que depende da iniciativa da parte, ônus imputado à parte. Caso seja levantada a matéria pela parte, mas não apreciada pelo tribunal, a causa, para essa corrente, não está prequestionada.
Frise-se que sendo opostos embargos de declaração no intuito de esclarecer a omissão do julgado (a falta de pronunciamento do tribunal acerca da matéria ventilada), mas não sendo este apreciado pelo órgão julgador, não está prequestionada a matéria e, desse modo, o tribunal não conhecerá do recurso.
Já o STF considera prequestionada a matéria quando essa for discutida e a apreciada na instância inferior. Ratificando esse entendimento o STF sumulou a temática no seguinte sentido: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada” (STF, súmula 282).
Contudo, apesar de o STF possuir quase o mesmo entendimento firmado pelo STJ, aquele flexibilizou um pouco a regra supracitada, asseverando que existindo omissão na decisão, mas sendo opostos embargos declaratórios, mesmo que não apreciado pelo tribunal recorrido, a parte poderá interpor RE, no sentido de obrigar o tribunal de origem da decisão guerreada a se manifestar acerca da matéria.
Com isso, evidencia-se que o STF possui um entendimento mais adequado aos ditames constitucionais, uma vez que diante da omissão (e o seu não suprimento pelo tribunal quando da oposição dos embargos), a não admissibilidade do RE retirara da parte a possibilidade de recorrer às estâncias extraordinárias para deduzir sua pretensão. Essa atitude desrespeita de uma só vez as garantias constitucionais asseguradas à todos os litigantes (CRFB/88, art. 5º, incisos XXXV e LV). Perfilhando esse entendimento temos Didier Júnior e Cunha (2008, p. 258) asseverando que:
“Essa postura do STF é a mais correta, pois não submete o cidadão ao talante do tribunal recorrido, que, com a sua recalcitrância no suprimento da omissão, simplesmente retiraria do recorrente o direito a se valer das vias extraordinárias.”
O STF, reafirmando a tese acima explanada, editou a seguinte súmula: “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento” (STF, súmula 356). Nesse contexto, o STF, em lapidar ensinamento, proferiu o seguinte julgado:
“STF: RE 210638/SP – SÃO PAULO: PREQUESTIONAMENTO: SÚMULA 356. O QUE, A TEOR DA SÚMULA 356, SE REPUTA CARENTE DE PREQUESTIONAMENTO É O PONTO QUE, INDEVIDAMENTE OMITIDO PELO ACÓRDÃO, NÃO FOI OBJETO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO; MAS, OPOSTOS ESSES, SE, NÃO OBSTANTE, SE RECUSA O TRIBUNAL A SUPRIR A OMISSÃO, POR ENTENDÊ-LA INEXISTENTE, NADA MAIS SE PODE EXIGIR DA PARTE, PERMITINDO-SE-LHE, DE LOGO, INTERPOR RECURSO EXTRAORDINÁRIO SOBRE A MATÉRIA DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E NÃO SOBRE A RECUSA, NO JULGAMENTO DELES, DE MANIFESTAÇÃO SOBRE ELA. II. ICMS: MOMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR E RECOLHIMENTO DO IMPOSTO MEDIANTE GUIA ESPECIAL, NA ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. FIRMOU-SE A JURISPRUDÊNCIA DO STF NO SENTIDO DA VALIDADE DA COBRANÇA DO ICMS NA ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR, NO MOMENTO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO (RE 192.711, DJ 18/04/97) E DO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO MEDIANTE GUIA ESPECIAL” (RE 195.663, PLENO, 13/08/97)
Ultimando a discussão sobre o prequestionamento, insta mencionar que a doutrina e a jurisprudência entendem que o posicionamento do tribunal recorrido quanto à matéria prequestionada pode ser expresso, indicando o real dispositivo violado da Constituição, ou implícito (ficto). Quanto ao prequestionamento explícito não há maiores dificuldades na sua compreensão, pois, para que este ocorra basta o órgão julgador indicar expressamente o dispositivo constitucional violado.
Todavia, a celeuma paira sobre o prequestionamento implícito, divergindo a doutrina acerca de quando considerar prequestionada a matéria. Assim, a primeira corrente limita-se a afirmar que o prequestionamento implícito ocorre quando o tribunal não faz na sua decisão referência expressa acerca do dispositivo ofendido, mas manifesta-se expressamente acerca da matéria constitucional discutida.
Segundo Freire (2001, p. 980-981 apud DIDIER JÚNIOR e CUNHA, 2010, p. 260) ocorre prequestionamento ficto (implícito) “quando o tribunal de origem, apesar de se pronunciar explicitamente sobre a questão federal controvertida, não menciona explicitamente o texto ou o número do dispositivo legal tido como afrontado”.
Assim, tem-se por prequestionada a matéria quando o tribunal recorrido analisa a causa levada ao seu conhecimento, mas, no entanto, não faz expressa menção, na sua decisão, ao dispositivo constitucional, princípio ou regra, violado. O STF possui seu posicionamento firmando nesse sentido:
“STF: RE 141788 / CE – CEARÁ: Recurso extraordinário: prequestionamento: irrelevância da ausência de menção dos dispositivos constitucionais atinentes aos temas versados. 1. O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão, mas, sim, que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha. 2. E de receber-se com cautela a assertiva de que a fundamentação do voto vencido e irrelevante para a satisfação do requisito do prequestionamento: quando e patente a identidade das questões constitucionais resolvidas, de modo diametralmente oposto, pelo acórdão recorrido, de um lado, e pelo voto vencido, de outro, a invocação expressa pelo voto dissidente dos dispositivos constitucionais pertinentes as indagações que também o acórdão enfrentou e resolveu e a melhor prova de que a maioria do Tribunal não fez abstração de ditas normas, mas, sim, que lhes deu inteligencia diversa. II.(…).”
Frisa Aragão (1994, p. 43 apud JÚNIOR e CUNHA, 2008, p. 256) que “se alguma questão fora julgada, mesmo que não seja mencionada a regra de lei a que está sujeita, é óbvio que se trata de matéria ‘questionada’ e isso é o que basta”. Portanto, mesmo que o tribunal da decisão impugnada não tenha indicando expressamente a fundamentação jurídico-legal utilizada para motivar a sua decisão, considera-se por prequestionada a matéria, podendo, desse modo, ser objeto de recurso extraordinário.
Posiciona-se, nesse mesmo sentido o professor Carneiro (1999, p. 187) aduzindo que:
“[…] não é suficiente para que a questão federal tenha sido prequestionada, que tenha sido ela suscitada pela parte, no curso do contraditório, mas é essencial que a matéria tenha sido explicitamente decidida no aresto recorrido, embora não se faça necessária a expressa menção a texto de lei.”
Para os adeptos da segunda corrente, presume-se ocorrido o prequestionamento, mesmo nos casos em que o órgão julgador não deixa claramente transparecer o seu posicionamento quanto à pretensão levada ao seu conhecimento, mas na parte dispositiva fica implícita a sua discordância quanto a matéria deduzida. Ao analisar a questão, Egito (2002, p. 9) expressou assim o seu posicionamento: “há prequestionamento implícito quando a decisão recorrida não se manifesta expressamente acerca da questão posta, mas, implicitamente, dá a entender pela sua recusa”.
Diante dessa tormentosa celeuma, o professor Nery Júnior (2001, p. 856 apud ASSIS, 2008, p. 704) diz que o “ ‘prequestionamento’ representa um falso problema, ‘pois é irrelevante pesquisar-se se o prequestionamento é implícito ou explicito” para afirmar-se se admissibilidade dos recursos excepcionais”.
Seguindo esse mesmo raciocínio, Oliveira (apud ASSIS, 2008) assevera que para considerar prequestionada a matéria importa apenas analisar se a decisão recorrida contém o pronunciamento do tribunal quando a matéria constitucional.
Além da necessidade de prequestionamento da matéria, o recurso extraordinário norteia-se pelo princípio do esgotamento das vias recusais, que impõe como condição para sua interposição junto a Corte Suprema a necessidade de esgotar a discussão da matéria nas instâncias ordinárias. Segundo Marinoni (2008, p. 572) isto significa dizer “que o recurso especial e extraordinário somente são cabíveis uma vez não existindo mais recurso ordinário cabível (apelação, agravo, embargos infringentes etc.) para atacar a decisão”.
Atualmente, não resta qualquer dúvida no que tange a obrigatoriedade de esgotar todos os meios recursais disponíveis para só assim admitir o recurso extraordinário. Todavia, a matéria já fora objeto de algumas controvérsias, tendo em vista que, tanto a Constituição vigente quanto a pretérita afirmava que só seria cabível o RE nas causas decididas em única ou última instância
Por tal motivo, o STF, no escopo de pacificar a questão, editou a súmula 281, cujo teor é o seguinte: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada” (Súmula 281 STF). Ratificando o acima explanado, colaciona-se o seguinte julgado:
“STF: AI-AgR 473062. AI-AgR – AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS – DESCABIMENTO DO APELO EXTREMO – SÚMULA 281/STF – DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. – O prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias constitui pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário.”
Portanto, o Supremo Tribunal Federal não conhece do recurso extraordinário sem que a matéria tenha sido ventilada em todas as instâncias que o antecederam. Diante de tal afirmação, verifica-se a impossibilidade de interposição deste recurso de forma per saltum, deduzindo-o diretamente junto a Corte sem que tenha sido apresentada a matéria em alguma instância inferior.
Corroborando essa tese, o professor Didier Júnior e Cunha (2008, p. 260) assevera que esses recursos, extraordinário e especial, “não podem ser exercitados per saltum, deixando in albis alguma possibilidade de impugnação”. Consultando a jurisprudência da Corte Suprema, pode-se constatar que o seu posicionamento corrobora a questão aqui exaltada:
“STF: RE-AgR 258714. RE-AgR – AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO – AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS – DESCABIMENTO DO APELO EXTREMO – SÚMULA 281/STF – DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. – O prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias constitui pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. – Tratando-se de acórdão majoritário, proferido em sede de apelação civil, cabe à parte recorrente – ressalvada a hipótese de decisão em processo de mandado de segurança (Súmula 597/STF) – opor-lhe os pertinentes embargos infringentes (CPC, art. 530), não lhe sendo lícito, sem a prévia exaustão dessa via recursal ordinária, agir per saltum, deduzindo, desde logo, o apelo extremo.”
Desse modo, não basta que a parte interessada leve ao conhecimento do STF a matéria constitucional, terá que, necessariamente, conjugar o esgotamento de todos os meios recursais postos a sua disposição ao fato não ser possível “pular” qualquer dessas instâncias e deduzir, desde logo, a sua lide junto aquela Corte.
Afora esses dois requisitos já mencionados, ainda exige-se que seja demonstrada a repercussão geral da matéria impugnada. Deve-se ressaltar que a repercussão geral é requisito de admissibilidade deste recurso que deverá ser demonstrada em preliminar de mérito, sob pena de o tribunal não conhecer o RE:
“STF: RE-AgR 583988 .RE-AgR – AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. EMPRESA URBANA. REPERCUSSÃO GERAL. INEXISTÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal ao examinar a preliminar de repercussão geral da questão relativa à contribuição social destinada ao INCRA (RE 578.635, Relator o Ministro Menezes Direito), manifestou-se pela ausência de repercussão geral e em conseqüência recusou o mencionado recurso. Agravo regimental a que se nega provimento.”
Esse requisito foi introduzido em nosso ordenamento jurídico através da Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou o parágrafo terceiro ao art. 102 da CRFB/88, cuja redação menciona o seguinte:
“Art. 102 […]
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”
Diante da redação deste dispositivo, constata-se tratar de norma constitucional de eficácia limitada, conforme a tradicional classificação do professor José Afonso da Silva. Segundo Lenza (2008, p.107) essas disposições “são aquelas normas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional”. Continua Lenza (2008, p.108) aduzindo o seguinte:
“[…] devemos salientar que, ao contrário da doutrina norte-americana, José Afonso da Silva, no mesmo sentido de Vezio Crisafulli, observa que as normas constitucional de eficácia limitada produzem um mínimo efeito, ou, ao menos, o efeito de vincular o legislador infraconstitucional aos seus vetores.”
Ainda sobre a eficácia das normas constitucionais limitadas, é imperioso trazer à tona as palavras de Silva (2008, p. 80 apud MELLO, 2009, p.13) ao afirmar que
“[…] não há norma constitucional de valor meramente moral ou de conselho, avisos ou lições, já dissera Ruy […]. Todo princípio inserto numa Constituição rígida adquire dimensão jurídica, mesmo aqueles de caráter mais acentuadamente ideológico-programático.”
A matéria teve por concretizada sua real eficácia com a regulamentação desse dispositivo pela Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, que alterou dois dispositivos do Código de Processo Civil (acrescentando os artigos 543-A e 543-B) com a finalidade de ajustá-lo aos ditames constitucionais.
Para efeito do recurso extraordinário, considera-se que a matéria possui repercussão geral se a causa versar sobre questões relacionadas a economia, política, ao social ou jurídico, e que essa matéria transcenda o interesse individual das partes.
A repercussão geral guarda algumas características semelhantes ao recurso – writ of certiorari – utilizado pelos norte-americanos para levar a sua Suprema Corte as causas que possuem grande relevância para a nação, que transcendam o interesse individual.
Igualmente, inspirado no recurso americano, o direito alemão criou o zulassagunsrevision que seria um recurso de revisão, tendo por igual finalidade, levar as causas de maior relevância, ou segundo Assis (2008, p. 711), de “importância fundamental ou grundsatzliche bedeutung der rechtssache”, ao Bundesgerichtshof – Corte alemã (equipara-se ao nosso STJ).
A legislação argentina também possui um instrumento processual semelhante aos supracitados recursos, denominado de certiorari, criado com a mesma finalidade, filtrar as demandas que serão levadas à análise da Corte Suprema Argentina.
Apesar de a repercussão geral possuir características similares aos institutos processuais alienígenas acima referendados, este teve como principal inspiração a argüição de relevância, suprimida pela Constituição Federal de 1988.
Conforme o Regimento interno do STF, citado por Marinoni (2008, p. 575), sopesa-se “relevante a questão federal que, pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo tribunal”. Nessa esteira, Dinamarco (2005, p. 6-7 apud LAMBERTUCCI, 2009, p. 10) afirma que a repercussão geral é:
“[…] muito semelhante a uma que já houve no passado (a argüição de relevância), tem o nítido objetivo de reduzir a quantidade dos recursos extraordinários a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal e busca apoio em uma razão de ordem política: mirando o exemplo da Corte Suprema norte-americana, quer agora a Constituição que também a nossa Corte só se ocupe de casos de interesse geral, cuja decisão não se confine à esfera de direitos exclusivamente dos litigantes e possa ser útil a grupos inteiros ou a uma grande quantidade de pessoas. Daí falar em repercussão geral – e não porque toda decisão que vier a ser tomada em recurso extraordinário vincule todos, com eficácia ou autoridade erga omnes, mas porque certamente exercerá influência em julgamentos futuros e poderá até abrir caminho para a edição de uma súmula vinculante.”
No que tange ao conceito de repercussão geral, a própria lei regulamentadora, em seu parágrafo primeiro, traz uma conceituação aberta acerca do tema em análise, afirmando que “para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (Lei n° 11. 418/06, art. 2°, §1°).
Portanto, consubstanciado no disposto supra e na singela lição do professor Alvim (2005, p. 63 apud TUCCI, 2008, p. 3) o STF “deverá interpretar a questão, argüida pelo recorrente, não apenas no sentido estritamente jurídico, mas também sob a ótica da repercussão econômica e social, ainda que sempre conectada com o direito constitucional”.
Com isso, percebe-se que a verificação da presença do requisito da repercussão geral, no recurso extraordinário, ficou a critério da análise subjetiva dos Ministros do STF, decidir, em cada caso, se há relevância econômica, política, social ou jurídica que ultrapasse o interesse individual, devendo os motivos da causa transcenderem o interesse das partes.
Assis (2008, p. 715), no intuito de esclarecer os conceitos aberto que servem de parâmetro para admissibilidade do RE, proferiu o seguinte juízo de valor acerca da repercussão geral:
“[…] relevância econômica nas causas que envolverem o sistema financeiro; política, nos litígios em que figura organismo estrangeiro; jurídica, nas causas versando institutos básicos, como a proteção ao direito adquirido; social, nas causas envolvendo direitos dessa natureza (por exemplo, a moradia) e nas ações coletivas (por exemplo, a legitimidade do Ministério Público).”
A lei também trouxe uma possibilidade de a Corte Suprema conhecer o RE, sem, contudo, analisar a repercussão geral. São os casos em que o recurso extraordinário impugna decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal, considerando o tribunal como presumida a repercussão geral. Nesse sentido:
“STF: AI-AgR 707121 AI-AgR – AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. Inobservância ao que disposto no artigo 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil, que exige a apresentação de preliminar formal e fundamentada sobre a repercussão geral, significando a demonstração da existência de questões constitucionais relevantes sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos das partes, em tópico destacado na petição de recurso extraordinário. 2. É imprescindível a observância desse requisito formal mesmo nas hipóteses de presunção de existência da repercussão geral prevista no art. 323, § 1º, do RISTF. Precedente. 3. A ausência dessa preliminar permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal negue, liminarmente, o processamento do recurso extraordinário, bem como do agravo de instrumento interposto contra a decisão que o inadmitiu na origem (13, V, c, e 327, caput e § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). 4. Agravo regimental desprovido.”
Interessante mencionar o posicionamento crítico proferido ilustre jurista Passos (1977, p. 54 apud ASSIS, 2008, p.708) quanto a repercussão geral, asseverando “que toda questão constitucional controvertida é relevante e exibe transcendência; do contrário, tal controvérsia não fincaria raízes no texto constitucional”.
Contrariando o pensamento acima citado, destaca-se a afirmação de Braghittoni (2007, p. 77 apud ASSIS, 2008, p.708), ao tecer alguns comentários a respeito da necessidade de, nas causas que versem sobre matéria constitucional, demonstrar a repercussão geral envolvida, pois, “se é verdade que todo dispositivo constitucional é ‘relevante’ e tem ‘repercussão geral’, não significa que toda causa em que se discuta algum dispositivo constitucional também o seja”.
No entanto, tal declaração deve ser melhor sopesada em virtude de a atual constituição, Constituição Federal de 1988, ser considerada prolixa, com poucas disposições materialmente constitucionais em comparação ao grande número de matérias apenas formalmente constitucionais.
Assim, a CRFB/88 é considerada, seguindo a clássica definição de Schmitt (apud BRANCO, COELHO; MENDES, 2009) uma constituição em sentido político, trazendo, dentro de um mesmo corpo normativo, normas constitucionais de grande valor jurídico para a sociedade, representando as decisões políticas fundamentais – e leis constitucionais , que simboliza demais normas que compõem o texto da Constituição.
Constituição material ou normas materialmente constitucionais são, conforme a definição exposta por Bonavides (2003, p. 80), “o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”.
Já a Constituição tida por formal é aquela que está relacionada, segundo Paulo e Alexandrino (2009, p. 10):
“[…] à existência, em um determinado Estado, de um documento único, escrito por um órgão soberano instituído com essa específica finalidade, que contém, entre outras, as normas de organização política da comunidade e, sobretudo, que só pode ser alterado mediante um procedimento legislativo mais árduo, e com muito maiores restrições, do que o necessário à aprovação das normas não constitucionais pelos órgãos legislativo constituídos.”
Entretanto, deve-se compreender que o legislador ordinário ao instituir a repercussão geral preocupou-se em filtrar as demandas que serão deduzidas frente ao Superior Tribunal Federal. Fez isso, simplesmente, porque grande parte da matéria prevista na Constituição Federal não possui relevância jurídico-social capaz de repercutir junto aquele tribunal.
Assim, nos termos do que dispõe o art. 543-A do Código de Processo Civil, o STF não conhecerá do recurso extraordinário nos casos em que se verificar a inexistência de repercussão geral sobre a causa levada ao conhecimento da Corte. Negada a repercussão geral, por decisão irrecorrível, essa decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica (efeito vinculante), que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese (CPC, art. 543-A, §5°).
A repercussão geral deverá ser demonstrada em preliminar formal, cabendo, exclusivamente, ao STF analisar a presença deste requisito, sob pena do tribunal não conhecer do recurso em não comprovado o preenchimento desse requisito:
“STF: AI-AgR 744686 AI-AgR – AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO (…)2. Apresentação expressa de preliminar formal e fundamentada sobre repercussão geral no recurso extraordinário. Necessidade. Art. 543-A, § 2º, do CPC. 3. Preliminar formal. Hipótese de presunção de existência da repercussão geral prevista no art. 323, § 1º, do RISTF. Necessidade. Precedente. 4. Ausência da preliminar formal. Negativa liminar pela Presidência no recurso extraordinário e no agravo de instrumento. Possibilidade. Art. 13, V, c, e 327, caput e § 1º, do RISTF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.”
Cumpre ainda registrar a lição de Assis (2008, p. 714) afirmando que “a repercussão geral situa-se, no terreno da admissibilidade do extraordinário, não como primeiro, mas como último dos requisitos passiveis de controle antes de o STF passar ao julgamento do mérito do recurso”.
Caso não seja demonstrada a repercussão geral em preliminar formal, mesmo naqueles casos em que se presume a existência desse requisito, o plenário do Superior Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso, desde que esta decisão seja firmada por dois terços de seus membros (quorum qualificado), nos termos do art. 543-A do CPC.
Contudo, verificada a existência da repercussão geral no RE, os órgãos fracionários poderão sobre ele deliberar, desde que obtenha o voto de quatro dos Ministros que compõem a turma, nesse caso, não será necessário remeter a questão para o plenário.
3.2 PROCEDIMENTO
O procedimento para interposição de recurso extraordinário é bipartido, uma vez que o recurso é interposto primeiramente perante o tribunal prolator da decisão guerreada, para realização de uma análise provisória acerca dos requisitos, para só após ser examinado pelo STF em definitivo.
O órgão prolator da decisão impugnada é encarregado de averiguar, precariamente, se o RE preenche os pressupostos de admissibilidade atinentes a todo e qualquer recurso, tais como os pressupostos extrínsecos (tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer ou do seguimento do recurso) e os pressupostos intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimação recursal e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer).
Além daqueles requisitos de admissibilidade, o órgão ainda irá verificar a presença das condições específicas de admissibilidade do recurso extraordinário, como o esgotamento dos meios recursais nas instâncias inferiores e o prequestionamento. Cumpre ressaltar que o tribunal de origem da decisão atacada não poderá proferir nenhum juízo de valor acerca da repercussão geral, pois, nesse caso, caberá exclusivamente ao STF analisar a sua presença.
O recurso extraordinário deverá ser endereçado ao Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem da decisão, ou, em sendo a decisão proferida por juiz monocrático, deve ser interposta perante este, seguindo os ditames estabelecidos pelo art. 541 do CPC e pelo regimento interno do STF.
Protocolada a petição do RE, com o comprovante do recolhimento das custas e do porte de remessa e retorno dos autos (CPC, art. 511), a secretaria do tribunal realizará a intimação da parte contrária para oferecer as contrarrazões. O prazo apregoado para interposição desse recurso é de 15 (quinze) dias (CPC, art. 542, § 1°), excetuado o caso em que RE é interposto retido nos autos, aguardando manifestação posterior da parte no sentido de reavivá-lo.
Vencida a admissibilidade provisória, o recurso sobe para o STF, com a finalidade de este tribunal analisar, em definitivo, o preenchimento de todos os requisitos próprios desse recurso. Entretanto, em sendo inadmitido o recurso extraordinário pelo tribunal ou juiz de origem da decisão impugnada, caberá agravo de instrumento, no prazo de 10 (dez) dias, com a finalidade destrancar o recurso e, assim, ocasionar a subida do recurso para o STF (CPC, art. 544).
O agravo deve ser instruído com as peças consideradas obrigatórias a sua propositura, elencadas no art. 544 e no art. 522, ambos do CPC. Distribuído o agravo, através de petição endereçada ao presidente do tribunal de origem da decisão, será intimado o agravado para oferecer resposta no mesmo prazo oportunizado à parte recorrente.
Após isso, o relator efetuará o julgamento do agravo, podendo, inclusive, conhecer de imediato do recurso extraordinário, nos casos em que o recurso esteja impugnando súmula ou jurisprudência dominante do tribunal. O Relator poderá ainda converter de pronto o agravo em recurso extraordinário, sem que exista necessidade de subir o recurso obstado na instância inferior. Para isso, é indispensável que o agravo esteja instruído com todos os elementos indispensáveis a propositura e análise do mérito do RE.
Da decisão do relator que nega ou recebe o agravo de instrumento cabe agravo interno, denominado de agravo regimental, no prazo de 05 (cinco) dias, possibilitando ao relator efetuar um juízo de retratação (CPC, art. 557, §1°). O processualista Marinoni (2008, p.608) aduz que o agravo interno “constitui apenas maneira de devolver ao colegiado competência que originalmente já era sua e, por isso mesmo, não pode constituir recurso novo, assemelhando-se, nesse ponto, substancialmente ao agravo de que trata o art. 544”.
Vencida essa primeira etapa, análise da admissibilidade do recurso extraordinário, o colegiado passará a verificação do mérito da questão. O recurso extraordinário deverá ser recebido apenas no seu efeito devolutivo (CPC, art. 542, § 2°). É por meio do efeito devolutivo que a parte inconformada devolve a matéria, total ou parcialmente, ao órgão superior, tribunal ad quem, para que seja reexaminada.
Entretanto, deve-se compreender que o tribunal só poderá analisar a matéria impugnada na decisão (CPC, art. 515). Portanto, o STF não poderá examinar questão não debatida no acórdão atacado. Nesse sentido, o STF editou a súmula 292, cujo enunciado dispõe que “interposto o recurso extraordinário por mais de um dos fundamentos indicados no art. 101, III, da constituição, a admissão apenas por um deles não prejudica o seu conhecimento por qualquer dos outros”[3].
Assim, constata-se que é através do objeto da impugnação que se determina a extensão do efeito devolutivo em sua dimensão horizontal, expresso na seguinte máxima: tantum devolutum quantum appellatum. Segundo Didier Júnior e Cunha (2010, p. 84):
“A extensão do efeito devolutivo determina o objeto litigioso, a questão principal do procedimento recursal. Trata-se de sua dimensão horizontal. A profundidade do efeito devolutivo determina as questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem para decidir o objeto litigioso do recurso.”
Não obstante, seguindo o que determina a dimensão vertical do efeito devolutivo, o tribunal poderá apreciar e julgar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que o acórdão ou a sentença não as tenha julgado por inteiro (CPC, art. 515, § 1°).
Por fim, alguns autores, a exemplo do professor Nelson Nery Jr., costumam dizer que a dimensão vertical do efeito devolutivo nada mais é que o efeito translativo do recurso. Contrapondo-se a esse entendimento, temos Barbosa Moreira (2003, p. 596 apud DIDIER JÚNIOR e CUNHA, 2010, p. 281), asseverando que “sempre que o tribunal puder apreciar uma questão fora dos limites impostos pelo recurso, estar-se-á diante de uma manifestação deste efeito” (efeito devolutivo).
Dessa forma, constata-se que o efeito devolutivo em sua dimensão horizontal encontra-se atrelado ao objeto da causa e limita o efeito devolutivo em sua dimensão vertical (efeito translativo), delimitanto a profundidade da matéria a ser apreciada, as questões que devem ser analisada pelo tribunal. Assim, é a parte quem delimita a extensão do recurso, mas não pode delimitar a profundidade.
4 A OBJETIVAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O processo de objetivação ou abstrativização do recurso extraordinário brota em meio a um movimento jurídico denominado pela doutrina de neoconstitucionalismo ou pós-positivismo. Esse movimento foi desencadeado, notadamente, após as principais guerras que aniquilam o mundo no século XX. Sua finalidade é romper com o positivismo exacerbado de modo a reestruturar os valores contidos no texto constitucional.
O neoconstitucionalismo tenta aproximar as normas e princípios constitucionais com os dogmas éticos e morais da sociedade contemporânea, e, com isso, promover a eficácia político-social da constituição. O professor Barroso (2005, p. 1), precursor da designação neoconstitucionalismo, afirma que:
“Atualmente, passou a ser premissa do estudo da Constituição o reconhecimento de sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições. Vale dizer: as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado. A propósito, cabe registrar que o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial na matéria não eliminou as tensões inevitáveis que se formam entre as pretensões do constituinte, de um lado, e, de outro lado, as circunstancias da realidade fática e as eventuais resistências do status quo.”
A doutrina costuma mencionar a Constituição Federal de 1988 como marco prenunciador da transição do positivismo para o pós-positivismo, pois, com a sua promulgação, a ordem jurídica do país rompeu com a vetusta ideia de que este documento representava apenas um mero aconselhamento ao legislador, uma simples carta política sem qualquer força coercitiva.
A Constituição passou a ser contemplada como um texto, essencialmente, jurídico, capaz de vincular, por meio de seus mandamentos, todos que compõem a nação. O professor Bonavides (1996, p. 52 apud LOMEU, 2007 p. 8) aduz que a Constituição Federal de 1988 representa “dispositivo do mais subido préstimo com que afiançar a passagem de um constitucionalismo meramente programático para um constitucionalismo social de incontrastável eficácia e juridicidade”.
Esse movimento almeja implementar significativas e inovadoras mudanças a serem realizadas no atual cenário jurídico. Propõe-se uma maior ênfase na utilização dos princípios, ponderando-se, em cada caso, a sua aplicação em substituição à subsunção da regra cogente. Para isso, é necessário partir do caso concreto (individual) para chegar à análise do caso geral, abstrato previsto na norma, perfazendo, desse modo, o caminho inverso costumeiramente utilizado pelo legislador.
Por fim, em razão dessa última mudança acima citada, transferiu-se ao poder judiciário a incumbência de efetivar os preceitos normativos insertos no texto constitucional, intensificando-se, sobremaneira, a atividade judiciária em detrimento da atuação do legislativo e executivo. Segundo SANCHÍS (2003, p. 123 apud MENEZES, 2008, p. 1) o neoconstitucionalismo é um fenômeno relativamente novo, mas que está se propagando por toda a doutrina:
“Neoconstitucionalismo, constitucionalismo contemporáneo o, a veces tambíen, constitucionalismo a secas son expresiones o rubricas de uso cada dia más difudido y que se aplican de un modo tanto confuso para aludir a distintos aspectos de un modo tanto confuso para aludir a distintos aspectos de una presuntamente nueva cultura jurídica.”
Assim, constata-se que ponto basilar dessa doutrina cinge-se em tentar aproximar os mandamentos jurídicos dos conceitos morais que disciplinam a sociedade contemporânea, sem, contudo, desvirtuar os valores consagrados no texto constitucional. Almeja-se convergir o sentido deontológico e axiológico da norma, no intuito de extrair do texto legal uma interpretação consonante com os preceitos morais materializados na constituição pela sociedade. Nesse contexto, Comanducci (2003, p. 83 apud MENEZES, 2008, p. 1) assevera que este modelo:
“[…] emerge de la reconstrucción del neoconstituciolismo está caracterizado, además de por una Constitución <<invasora>>, por la positivación de un catálogo de derechos fundamentales, por la omnipresencia en la Constitución de princípios y reglas y por algunas peculiaridades de la interpretación y de la aplicación de las normas.”
Foi em meio a esse cenário jurídico que surgiu a tese de objetivação do controle difuso de constitucionalidade na apreciação do recurso extraordinário. Ambiciona-se conferir a esse modelo de controle de constitucionalidade os mesmos efeitos proferidos em sede de controle abstrato das normas.
Para isso, buscou-se no direito alienígena institutos compatíveis com a ordem jurídica vigente e o aplicaram ao recurso extraordinário e ao controle incidental de constitucionalidade. O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, principal precursor dessa teoria, utiliza-se como base para fundamentar a aplicação da objetivação alguns institutos oriundos do direito norte-americano, como o princípio do stare decisis e a prática da prospectivity[4].
O citado Ministro ainda ressalta a necessidade de adotar mecanismos interpretativos capazes de ajustar, amoldar a norma no tempo e espaço, como nos casos dos sistemas jurídicos formado por preceitos normativos abertos a serem preenchidos levando em consideração as peculiaridades do caso posto em apreciação. Frise-se ainda que outros institutos, como da repercussão geral que contém pontos semelhantes a verfassungsbeschwerde[5], de origem alemã, a súmula impeditiva de recurso, o prequestionamento, a súmula vinculante, dentre outros, refletem pouco do pensamento daqueles que defendem a necessidade de objetivação do RE.
O princípio do stare decisis possui suas raízes fincadas em um brocardo latino, cuja correta redação encontra-se assim esculpida: stare decisis et non quieta movere. Traduzindo-se essa expressão chega-se a seguinte orientação: estar com as coisas decididas e não mover as quietas.
No direito americano, esse mandamento representa o que a doutrina denomina de ‘precedente judicial’, que traduz a idéia de que havendo pronunciamento pela Corte Superior acerca de determinada matéria, este entendimento vinculará os demais tribunais hierarquicamente inferiores.
Significa dizer que os juízes e tribunais inferiores terão que adequar o teor das suas decisões, quando da análise de casos similares, ao precedente firmado pela Corte Constitucional ao declarar inválida a lei e conferir eficácia erga omnes a sua decisão. Segundo Bittencourt (1997, p. 143 apud MIRANDA, 2006, p. 26):
“O stare decisis na América do Norte não visa uma obediência cega ao precedente, baseado numa hierarquização das cortes e cerceamento da capacidade de decisão do juiz de instância inferior, mas sim na extrema importância de se voltar o olhar para toda uma linha de princípios desenvolvidos pelas cortes para a solução de casos similares.”
Contudo, a admissão de um postulado como precedente pela Corte Maior não significa dizer que o mesmo consagra caráter absoluto, pois, estando o precedente ultrapassado ou não se amoldando ao caso, pode o tribunal valer-se de um overruling ou distinguishing para afastá-lo Assim, quando o tribunal muda o seu entendimento quanto àquela matéria diz-se que sobreveio um overruling, que o precedente foi superado; já a distinguishing ocorre quando o precedente, de forma fundamentada, deixa de ser aplicado aquele caso pelo tribunal.
Verifica-se assim que a aplicação dos postulados do princípio do stare decisis ao controle de constitucionalidade incidental tem por finalidade evitar decisões contrárias e arbitrárias. Pois, com bem leciona Miranda (2006, p. 28), este visa garantir “a manutenção da equal protection clause, o tratamento igualitário perante a lei, a economia judicial e o respeito ao sistema jurídico, projetando-o perante a sociedade como entidade harmônica e confiável”. Diante dessa explanação, constata-se que essa concepção representa nítida expressão do conceito de isonomia em sua acepção formal.
Como já mencionado, representa nítida expressão dessa tendência o instituto da súmula vinculante, introduzida pela Emenda Constitucional n° 45, de 30 de dezembro de 2004. Essa emenda incorporou ao texto constitucional o art. 103-A, cuja redação atualmente encontra-se assim redigida:
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
Com a inserção desse instrumento, possibilitou-se ao Supremo Tribunal Federal, depois de reiteradas decisões sobre a matéria, editar súmula que após submetida ao quorum especial de aprovação vinculará todos os órgãos da administração pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal. A súmula vinculante assemelha-se ao denominado precedente judicial instituído no direito norte-americano.
A finalidade desse instituto é evitar a repetição de julgamento sobre a mesma matéria, dando vazão aos princípios da celeridade, economia processual, devido processo legal, dentre outros. Além desses mecanismos, a Corte Constitucional ainda dispõe da repercussão geral, do prequestionamento e da súmula impeditiva de recurso para obstar a subida do recurso cuja matéria já tenha sido examinada ou esteja sendo analisada pelo tribunal.
Agrega-se a esses institutos o julgamento por amostrem realizado pelo Supremo Tribunal quando reconhecida a repercussão geral da matéria. Salienta-se que alguns desses institutos jurídicos já foram estudados em capítulo próprio e os demais serão abordados sucintamente, na medida em que for necessário abordá-los para o desenvolvimento do presente trabalho monográfico.
Quanto ao instituto da prospectivity, anteriormente referido, este encontra-se incorporado ao nosso ordenamento sob a denominação de modulação dos efeitos temporais, efeito pro-futuro da decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade. O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no julgamento da ação cautelar 2.859/SP, afirma que a prática da prospectivity, “em qualquer de suas versões, no sistema de controle americano, demonstra, pelo menos, que o controle incidental não é incompatível com a idéia da limitação de efeitos na decisão de inconstitucionalidade”.
Todas essas medidas tiveram por finalidade garantir a preservação da ordem jurídica do país, mantendo assegurados os ditames constitucionais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. No intento de referendar a tese aqui exposta, foi coletado junto ao site do Supremo Tribunal Federal algumas decisões que servirão de base para fundamentar esse fenômeno.
Foi tentando dar vazão a linha de pensamento acima exposta que o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do processo administrativo n° 318.715, asseverou que o recurso extraordinário:
“[…] deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao constitucional (Verfassungsbeschwerd). […] A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos.”
Perfilhando o mesmo entendimento acima esboçado, a Ministra Ellen Gracie, no julgamento do Agravo Regimental em sede de Agravo de instrumento de n° 375.011-0, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento, nos moldes do art. 544 do CPC, para conhecer do Recurso Extraordinário não admitido na origem por ausência de prequestionamento da matéria impugnada. Portanto, decidiu a Ministra que a:
“[…] 1. Decisão agravada que apontou a ausência de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no recurso extraordinário, porquanto a Corte a quo tão-somente aplicou a orientação firmada pelo seu Órgão Especial na ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnava o art. 7° da Lei 7.428/95 do Município de Porto Alegra – cujo acórdão não consta do traslado do presente agravo de instrumento -, sem fazer referência aos fundamentos utilizados para chegar à declaração de constitucionalidade da referida norma municipal. 2.Tal circunstância não constitui óbice ao conhecimento e provimento do recurso extraordinário, pois, para tanto, basta a simples declaração de constitucionalidade pelo Tribunal a quo da norma municipal em discussão, mesmo que desacompanhada do aresto que julgou o leading case. 3. […]. 4.Agravo regimental provido.”
Ainda analisando esse voto, observa-se uma inquietude nas palavras da Ministra em relação ao apego excessivo a determinados mandamentos legais, positivismos exacerbado, que tende a dificultar ou até impedir que o STF conheça do recurso extraordinário em que se discuta matéria que transcenda o interesse das partes envolvidas.
São questões em que se discute a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinado preceito legal, mas em virtude do sistema jurídico fechado que impõe o exame de requisitos implícitos e explícitos, impostos pela lei e jurisprudência, para a averiguação do caso, deixam de ser apreciado pela corte.
Nesse contexto, a Ministra Ellen Gracie, no julgamento do caso acima citado, ratifica seu posicionamento no sentido flexibilizar os requisitos necessários a admissibilidade do conhecimento do recurso extraordinário, uma vez que este tem por escopo dar efetividade as decisões da Corte Maior:
“Estou, entretanto, mais inclinada a valorizar, preponderantemente, as manifestações do Tribunal, especialmente as resultantes de sua competência mais nobre – a de intérprete último da Constituição Federal.
Já manifestei, em ocasiões anteriores, minha preocupação com requisitos processuais que acabem por obstaculizar, no âmbito da própria Corte, a aplicação aos casos concretos dos precedentes que declararam a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de normas. […] com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões.”
Outra importante decisão que serve como paradigma ao processo de objetivação do controle incidental de constitucionalidade, foi proferida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, na apreciação do Habeas Corpus de n° 82.959-7/SP. Nesse julgado, o tribunal optou por declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2°, § 1° da Lei 8.072/90 – lei dos crimes hediondos-, atribuindo a essa decisão efeitos ex nunc, aplicando ao caso o art. 27 da Lei n° 9.868/99 (Lei regulamentadora da ADC e ADI).
Portanto, nesse leading case[6], que envolvia a discussão de interesses subjetivos em sede de controle concreto de constitucionalidade, o STF optou por declarar a inconstitucionalidade do dispositivo questionado e aplicou a sua decisão os dispositivos regulamentadores da ADI e ADC. Essa medida teve por finalidade modular os efeitos de sua decisão de modo a conferir eficácia não retroativa e estender os seus efeitos além das partes demandantes no processo (efeito erga omnes).
Segundo o Ministro Gilmar Mendes, esta decisão cuida de um típico caso de ‘“revisão de jurisprudência, de um autêntico ‘overruling’, e entendo que o tribunal deverá fazê-lo com eficácia restrita. E, certamente, elas não eram –nem deveriam ser consideradas – inconstitucionais, quando proferidas”. Assim, desnaturando todo o sistema de controle incidental de inconstitucionalidade cujos efeitos da decisão ficam adstritos as partes integrantes da lide, e seus efeitos são, em regra, ex tunc (retroativos).
Para alcançar tal objetivo, o tribunal afastou a aplicação da teoria da nulidade da lei declarada inconstitucional. A mencionada teoria propaga que o ato normativo declarado inconstitucional é nulo, inexistente, atingindo a lei desde a sua origem, o seu nascimento. Afirma Lenza (2008, p.118) que o fato “de a lei ter ‘nascido morta’ (natimorta), já que inexistente enquanto ato estatal em desconformidade (seja em razão de vício formal ou material) em relação à noção de ‘bloco de constitucionalidade’ […], consagra a teoria da nulidade”.
Para se chegar a tal conclusão, foi necessário fazer um cotejo, por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, entre o princípio da nulidade e o princípio da segurança jurídica, prevalecendo, no caso, o interesse maior que é a segurança jurídica do Estado Democrático de Direito.
Além disso, o Ministro Mendes considerou o art. 27 da Lei. 9.868/99 como uma norma aberta, uma cláusula geral de conceitos jurídicos indeterminado a ser preenchido pelo judiciário mediante a análise do caso concreto. Desse modo, afirma Gilmar Mendes, em seu voto no HC 82.959-7, que:
“Nesses termos, resta evidente que a norma contida no art. 27 da Lei 9.868, de 1999, tem caráter fundamentalmente interpretativo, desde que se entenda que os conceitos jurídicos indeterminados utilizados – segurança jurídica e excepcional interesse social – se revestem de base constitucional. No que diz respeito à segurança jurídica, parece não haver dúvida de que encontra expressão no próprio princípio do Estado de Direito consoante, amplamente aceito pela doutrina pátria e alienígena.
Excepcionalmente interesse social pode encontrar fundamento em diversas normas constitucionais. O que importa assinalar é que, consoante a interpretação aqui preconizada, o princípio da nulidade somente há de ser afastado se se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucionalmente materializável sob a forma de interesse social.”
Acolhendo a tese da objetivação, o Ministro Eros Grau, no julgamento do agravo regimental no recurso extraordinário n° 475.812-1, decidiu dar provimento parcial ao recurso extraordinário em questão para reconhecer a inconstitucionalidade do § 1° do art. 3° da lei n° 9.718/98 que havia ampliado a base de cálculos da PIS e da COFINS. O mencionado Ministro ao proferir seu voto utilizou-se das palavras proferidas pelo também Ministro Sepúlveda Pertence, afirmando que:
“[…] a experiência demonstra, a cada dia, que a tendência dominante – especialmente na prática deste Tribunal – é no sentido da crescente contaminação da pureza dos dogmas do controle difuso pelos princípios reitores do método concentrado. Detentor do monopólio do controle direto e, também, como órgão de cúpula do Judiciário, titular da palavra definitiva sobre a validade das normas no controle incidente, em ambos os papéis, o Supremo Tribunal há de ter em vista o melhor cumprimento da missão precípua de ‘guarda da Constituição’, que a Lei fundamental explicitamente lhe confiou”.
Nesse julgado, o Ministro Sepúlveda Pertence afiançou que o Supremo Tribunal Federal, no desempenho de sua função de guardião da constituição, tem por dever retirar do ordenamento jurídico pátrio as normas que direta ou indiretamente confrontam com as regras e princípios estatuídos no instituído no corpo da Carta Maior.
Essa imposição encontra-se presente mesmo que a questão seja levada como plano de fundo do recurso, por via de controle incidental, em que as partes requerem a solução da causa no intuito de preservar unicamente os seus interesses. Nesse sentido, assevera o Ministro acima citado que:
“Ainda que a controvérsia lhe chegue pelas vias recursais do controle difuso, expurgar da ordem jurídica a lei inconstitucional ou consagrar-lhe definitivamente a constitucionalidade contestada são tarefas essenciais da Corte, no interesse maior da efetividade da Constituição, cuja realização não se deve subordinar à estrita necessidade, para o julgamento de uma determinada causa, de solver a questão constitucional nela adequadamente contida.”
Passa-se a análise do julgamento dos mandados de injunção de n° 670, 708 e 712, cuja matéria debatida versava acerca do direito de greve dos servidores públicos. Essas decisões refletem a mudança de paradigma adotado pelo Supremo Tribunal Federal em relação a alguns institutos jurídicos, especialmente, os que afetam direta ou indiretamente o controle de constitucionalidade no Brasil.
Primeiramente, cumpre ressaltar que a ação constitucional denominada de mandado de injunção tem por finalidade assegurar o exercício de um direito fundamental em virtude da inércia legislativa em disciplinar tal mandamento.
Para chegar ao entendimento atual entendimento do STF, acerca do mandado de injunção, é imprescindível uma contextualização geral do tema. Anteriormente vigorava nessa Corte o entendimento de que este mandamento constitucional era desprovido de força coercitiva capaz de obrigar o poder legislativo a editar a norma faltosa. Também não era possível a utilização dessa ação no intuito de fixar prazo para que o poder omisso regularizasse a situação.
Nessa esteira, o Ministro, no julgamento do mandado de injunção n° 708-0, consagrando a tese anteriormente defendida por esse tribunal, afirmou que:
“A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o julgamento do mandado de injunção tem como finalidade verificar se há mora, ou não, da autoridade ou do Poder de que depende a elaboração de lei regulamentadora do Texto Constitucional, cuja lacuna torne inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas asseguradas pela Carta Federal.
Ocorre que não pode o Poder judiciário, nos limites da especificidade do mandado de injunção, garantir ao impetrante o direito de greve. Caso assim procedesse, substituir-se-ia ao legislador ordinário, o que extrapolaria o âmbito da competência prevista na Constituição. Também não lhe é facultado fixar prazo para que o Congresso Nacional aprove a respectiva proposição legislativa, nem anular sentença judicial, convolando o mandado de injunção em tipo de recurso não previsto na legislação processual.”
Contudo, esse entendimento de que não era possível estipular prazo ou de haver uma ‘complementação’ da norma pelo judiciário foi paulatinamente sendo desconstruída, passando a Corte a admitir a estipulação de prazo para que fosse preenchida a lacuna existente em virtude da inércia dos mecanismos legislativos.
Assim, conforme se verifica por meio do trecho do mandado de injunção n° 283/DF colacionado abaixo, a Corte adotou posicionamento contrario ao que anteriormente vigorava, afirmando que o STF pela primeira vez “estipulou prazo para que fosse colmatada a lacuna relativa à mora legislativa, sob pena de assegurar ao prejudicado a satisfação dos direitos negligenciados”.
Posteriormente, o tribunal construiu uma tese no sentido de equiparar os efeitos das decisões prolatadas em sede de mandado de injunção aos efeitos conferidos as ações objetivas de controle abstrato das normas. Entendeu o tribunal que a simples constatação da mora legislativa não tinha o condão de, por si só, garantir a efetivação do direito individual agredido. Além disso, o tribunal adotou entendimento no sentido de conferir a norma uma regulamentação provisória, enquanto não sobrevenha a norma faltosa, no sentido de conferir real eficácia aos preceitos fundamentais insertos na Constituição Federal
Assim, adotando a linha de pensamento acima esboçada, o Ministro Gilmar Mendes na fundamentação utilizada para justificar seu voto, no MI 708-0, afiança que “a não-regulamentação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de selvageria com sérias conseqüência para o Estado de Direito. Estou a relembrar que Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos”.
O Ministro continua sua fundamentação afirmando que “comungo das preocupações quanto à não-assunção pelo Tribunal de um protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não-atuação no presente momento já se configuraria quase como uma espécie de ‘omissão judicial’”.
Para chegar a tal dedução o STF parte da premissa de que o legislador ordinário quis atribuir ao MI os mesmos efeitos conferidos a ação abstrata utilizada nos mesmo casos. Assim, o tribunal buscar verificar qual foi a finalidade pretendida pelo legislador ao estatuir essa norma, para isso utiliza-se dos vários métodos interpretativos.
O Ministro Gilmar Mendes salienta em sua decisão (MI 708-0), tentando justificar a atuação de legislador positivo do STF, que essa regulamentação provisória equiparava-se a “uma sentença aditiva”, utilizando-se da denominação italiana. Entretanto, este pensamento colide com a tese formulada pelo jurista Hans Kelsen de que o poder judiciário deveria atuar apenas como legislador negativo. Nesse sentido, Camazano, citado pelo Ministro Gilmar Mendes no MI 708-0, afirma que:
“‘La raiz essencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias de La constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable, com uma u outra deniminación y com unas u outra particularidades, por cualquier órgano de La constitucionalidad consolidado que goce de uma amplia jurisdicción, en especial si no seguimos condicionados inercialmente por La majestuosa, pero hoy ampliamente superada, concepción de kelsen Del TC como uma suerte de ‘legislador negativo’. Si alguna vez los tribunales constitucionales fueron legisladores negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya no lo son; y justamente el rico ‘arsenal’ sentenciador de que disponen para fiscalizar La constitucionalidade de la Ley, más allá del planteamiento demasiado simple ‘constitucionalidad/inconstitucionalidade’, es um elemento más, y de importancia, que viene a poner de relieve hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, ‘la práxis de los tribunales constitucionales no há hecho sino avanzar em esta direccvión’ de la superación de la Idea de los mismos como legisladores negativos, ‘certificando [asi] la quiebra del modelo Kelsiano del legislador negativo’. [CAMAZANO, Joaquín Brage. Interpretación Constitucional, declaraciones de inconstitucionalidad y arsenal sentenciador (um sucinto inventario de algunas sentencias ‘atípica’)].”
Ultimando a análise das decisões do STF que refletem direta ou indiretamente o fenômeno da objetivação, destaca-se o julgamento do RE 197.917/SP, em que se discutia o número de vereadores para cada município. Nessa decisão o tribunal aplicar o instituto da prospectivity,conferindo efeitos pró-futuro a sua decisão, proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade.
Nessa decisão, o tribunal empregou a mesma motivação utilizada no julgamento do HC 82.959-7, afirmando que era preciso ponderar o princípio da nulidade, efeito regular da declaração de constitucionalidade proferida em sede de controle concentrado, com o princípio da segurança jurídica e o interesse público. Prevaleceu, no caso, o interesse público, estando a decisão assim fundamentada:
“STF, RE 197.917/SP […]
Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade.”
Portanto, ante a coletânea de decisões acima mencionadas, constata-se que a atual composição do STF inclina-se no sentido de acolher definitivamente a tese da objetivação do recurso extraordinário, seja sob o argumento de manter a segurança jurídica, o interesse público ou no sentido de preservar a força normativa da constituição mantendo-se incólume os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.
Entretanto, para que este objetivo seja alcançado com êxito pelo STF faz imperioso que a Corte Suprema delibere no sentido de admitir a participação do Advogado Geral da União (AGU), bem como possibilitar a manifestação da figura do a do amicus curiae, nos casos em que a questão debatida envolver maior repercussão política e social. Essa medida visa conferir ao processo de objetivação do recurso extraordinário um caráter democrático, adotando como parâmetro a ser seguido o mesmo procedimento das ações objetivas.
A necessidade de ampliar a participação do Advogado Geral da União ao processo de objetivação do controle concentrado de constitucionalidade tem por finalidade conferir a defesa da norma impugnada, em respeito ao princípio do contraditório e da presunção de constitucionalidade das normas.
Essa incumbência foi determinada pela própria Constituição Federal, nos casos dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, em seu art. 103, § 3°, cuja redação encontra-se assim redigida: “quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado” (CRFB, art. 103, § 3°). Assim, conforme evidencia o julgado abaixo colacionado, o STF entende que o princípio do contraditório é respeitado na medida em que se assegura a participação do AGU:
“STF, ADI-AgR 1254. ADI-AgR – AG.REG.NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. […] FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO – A função processual do Advogado-Geral da União, nos processos de controle de constitucionalidade por via de ação, é eminentemente defensiva. Ocupa, dentro da estrutura formal desse processo objetivo, a posição de órgão agente, posto que lhe não compete opinar e nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao Procurador-Geral da República. Atuando como verdadeiro curador (defensor legis) das normas infraconstitucionais, inclusive daquelas de origem estadual, e velando pela preservação de sua presunção de constitucionalidade e de sua integridade e validez jurídicas no âmbito do sistema de direito, positivo, não cabe ao Advogado-Geral da União, em sede de controle normativo abstrato, ostentar posição processual contrária ao ato estatal impugnado, sob pena de frontal descumprimento do “munus” indisponível que lhe foi imposto pela própria Constituição da República.”
Assim, seguindo essa orientação e levando-se em consideração que o AGU desempenha papel fundamental na defesa da norma, deve-se oportunizar a sua participação nos processos em que o STF utilize-se da tese da objetivação para conferir eficácia erga omnes e efeito vinculante a essa decisão. Já quanto à participação do amicus curiae nos processos de controle concentrado visa democratizar a o processo que em face das nuances acima exposta adquire feições objetivas. O professor Coelho (2009, p. 1224), dissertando sobre esta modalidade especial de intervenção de terceiro na ação de descumprimento fundamental, asseverou que:
“Em face do caráter objetivo do processo, é fundamental que possa exercer direito de manifestação não só os representantes de potenciais interessados nos processos que deram origem à ação […] assuma, igualmente, uma feição pluralista, com a participação do amicus curiae.”
Assim, em face do que objetiva o processo de abstrativização do recurso extraordinário, que pretende por meio de um processo de mutação constitucional reinterpretar o art. 52, inciso X da CRFB/88, de modo a atribuir ao Senado Federal apenas a função de dar publicidade a decisão da Corte, é imprescindível democratizar esse processo oportunizando ao AGU e o amigo da corte participar de forma efetiva da decisão da corte.
Salienta-se, outrossim, o posicionamento de Bittencourt (1949, p. 145-146 apud BRANCO; COELHO; MENDES, 2008, p. 1086-1087) ao analisar a eficácia da intervenção do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade, asseverando que mesmo “se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares que, de fato, independem de qualquer dos poderes”.
Desse modo, abraçando a linha de pensamento acima citado, pode-se argumentar que se não for utilizado o processo de mutação constitucional para conformar o art. 52, inciso X da CRFB/88 a realidade jurídica atual, ao cenário jurídico contemporâneo, este dispositivo será considerado letra morta dentro do texto constitucional.
Pois, independentemente da atuação do Senado Federal, a decisão da Corte produzirá perfeitamente os seus efeitos, abrangendo todos que se encontrem sob o raio de atuação deste tribunal, uma vez que mesmo sendo conferida em sede de controle difuso de constitucionalidade, foi conferida a esta decisão eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Finda essas considerações, passa-se a análise dos meios interpretativos e modificativos dos preceitos constitucionais utilizados pelo STF para chegar ao resultado pretendido de objetivar o recurso extraordinário.
4.1 O PROCESSO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Transcorridos mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, o contexto social, político e jurídico sofreu densas transformações que ocasionaram a elaboração de um número considerável de emendas ao texto constitucional. Assim, o legislador ordinário, através de seu poder de revisão, no intuito (sentido) de manter assegurada a força normativa da constituição, incorporou, reinterpretou e ampliou os direitos e garantias consagrados pelo acima mencionado diploma normativo.
Essas alterações fizeram-se necessárias já que, nas últimas décadas, os valores e dogmas consagrados pela sociedade brasileira já não são os mesmo que impulsionaram a elaboração do texto constitucional vigente. O Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Habeas Corpus n° 82.959/SP, citando Hãberle (1976, p. 295-296), afirmar que o Direito Constitucional:
‘[…] vive, prima facie, uma problemática temporal. De um lado, a dificuldade de alteração e a conseqüente duração e continuidade, confiabilidade e segurança; de outro, o tempo envolve agora mesmo, especialmente o Direito Constitucional. É que o processo de reforma constitucional deverá ser feito de forma flexível e a partir de uma interpretação constitucional aberta. A continuidade da constituição somente será possível se passado e futuro estiverem nela associados’
Fatores como a política, a economia, a educação, a tecnologia e a ciência influenciam no contexto político-social do país, fazendo surgir relações jurídicas novas que ao tempo da elaboração da constituição não era possível prevê-las. Nesse sentido, Smend (1985, p. 61 apud VECCHI, 2005, p. 66) salienta que:
“O Estado não é um fenômeno natural que deva ser simplesmente contrastado, mas sim uma realização cultural que como tal realidade da vida do espírito é fluida, necessitada continuamente de renovação e mudança, posta continuamente em dúvida.”
Assim, é imperioso compreender que o direito, a norma posta, decorre dos diversos fatos sociais que norteiam as relações em sociedade. Por tal motivo, é necessário conformar a norma extraída do texto constitucional a realidade social e política do país, para que as regras e princípios constitucionais não se tornem apenas um mandamento escrito sem eficácia normativa. Conforme ressalta Bezerra (2009, p. 3) a ineficácia da norma decorre:
[…] principalmente, porque o direito é uma realidade paralisada, estancada no tempo, quando muito move-se lentamente, e a realidade social é mutante, célere, alucinantemente célere, nesses novos tempos.
Para alcançar tal desiderato o legislador constitucional se utiliza do processo laboroso de alteração do texto constitucional, através das emendas a constituição. Desse modo, o legislador vê-se diante de uma difícil e tormentosa tarefa, a de conseguir adequar o direito posto aos fatos arraigados pela sociedade. Essa preocupação, de retirar da norma uma interpretação adequada a concretizar o problema posto em apreciação, também alcança os demais tribunais que integram a estrutura judiciária do país. Exemplo disso, pode-se verificar no voto da Ministra Nancy Andrighi, no REsp. n° 1.092.134/SP, que apreciava um caso de fraude contra credores:
“STJ, REsp.n° 1.092.134/SP. […] a interpretação literal do referido dispositivo de lei não se mostra suficiente à frustração da fraude à execução. Não há como negar que a dinâmica da sociedade hodierna, em constante transformação, repercute diretamente no Direito e, por consequência, na vida de todos nós. O intelecto ardiloso, buscando adequar-se a uma sociedade em ebulição, também intenta – criativo como é – inovar nas práticas ilegais e manobras utilizados com o intuito de escusar-se do pagamento ao credor. Um desses expedientes é o desfazimento antecipado de bens, já antevendo, num futuro próximo, o surgimento de dívidas, com vistas a afastar o requisito da anterioridade do crédito, como condição da ação pauliana.
3. Nesse contexto, deve-se aplicar com temperamento a regra do art. 106, parágrafo único, do CC/16. Embora a anterioridade do crédito seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, ela pode ser excepcionada quando for verificada a fraude predeterminada em detrimento de credores futuros.”
Em virtude disso, nos últimos anos, driblando a regra imposta pela Carta Maior para alteração de seu conteúdo, o Supremo Tribunal Federal, munido da tese de mutação constitucional, vem atribuindo nova interpretação a alguns dispositivos constitucionais, sem, contudo, alterar formalmente seu texto. Trata-se de um processo de mutação constitucional, que na acepção de Bulos (1997, p. 54 apud XAVIER, 2009, p. 62) consubstancia-se em um:
“[…] processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum, quer através de interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais.”
O processo de mutação constitucional foi desenvolvido e catalogado na Alemanha, no final do século XIX e início do século XX, pelo professor Paul Laband, considerado o idealizador da expressão Verfassungswandlung, utilizada para referendar tal fenômeno. Segundo Dau-Lin (1998, p. 51 apud VECCHI, 2005, p. 51), essa doutrina foi criticada pelo jurista Jellinek, utilizando-se das lições já disseminadas por Laband, ao afirmar que a mutação constitucional deveria ser “percebida como um contraste entre as normas jurídicas escritas e a situação jurídica real, caracterizada principalmente como desvalorização das normas jurídicas das instituições afetadas”.
O entendimento difundido por Jellinek cingia-se em afirmar que só era possível admitir alteração substancial do texto constitucional através de um procedimento formal, pouco importando o conteúdo da norma inserida na constituição. O que verdadeiramente importava era observar se processo de modificação foi formalmente respeitado. Nesse contexto, o professor Bonavides (2004, p.173) ao tecer algumas considerações acerca de o entendimento acima citado, afirma que:
“Jellinek […] sufocava ou reprimia o sentido criador e modificador contido no chamado ‘espírito da Constituição’, de natureza dinâmica e flexível, para unicamente realçar o aspecto estático e rígido e só admitir a introdução de preceitos constitucionais materiais por via formal. Como não importa a espécie de conteúdo que vai ser posto na Constituição, tudo é admissível, desde que se não viole a forma elaborativa estabelecida, essência de toda a juridicidade”.
Apesar de origem alemã, a mutação constitucional é bastante difundida no direito norte-americano, justamente pelo fato de ser a constituição norte-americana considerada sintética, estável e com um processo de alteração extremamente dificultoso. Vigora, no direito norte-americano, o princípio stare decisis, que possibilita a Suprema Corte conferir aos seus posicionamentos efeitos vinculante, de modo, a submeter a sua jurisdição todas aquelas situações que se amoldam ao precedente criado.
Insta mencionar que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ao proferir seu voto no julgamento do Habeas Corpus 82.959-7/SP, asseverou que reside no direito norte-americano o marco histórico dessa tese, que foi o julgamento do caso Brown vs Board of Education. Essa demanda versava sobre direitos raciais, separação dos brancos e negros em locais diferenciados.
Com a incorporação do processo de mutação constitucional ao ordenamento jurídico brasileiro, a maior parte da doutrina, a exemplo dos Ministros Joaquim Babosa e Sepúlveda Pertence, Pedro Lenza e Marcelo Novelino, tecem rígidas críticas a esse fenômeno. Afirmam esses estudiosos que o papel desempenhado pelo STF nos últimos tempos, de legislador positivo, afronta o pacto federativo, e, por consequência, a separação de poderes (cláusulas pétreas), acarretando a desestabilização da ordem jurídica do país.
Nesse momento, oportuno registrar as palavras do professor Silva (2000, p. 259 apud Pereira, 2009, p. 1) ao analisar a eficácia normativa da Constituição Federal frente à concretização dos anseios sociais:
“A Constituição de 1988 foi feita com características de instrumento de transformação da realidade nacional. Será assim na medida em que se cumpra e se realize na vida prática. Uma Constituição que não se efetive não passa de uma folha de papel, tal como dissera Lassalle, porque nada terá a ver com a vida subjacente. As leis que ela postula serão as garras e as esponjas que a fazem grudar na realidade que ela visa a reger, ao mesmo tempo que se impregna dos valores enriquecedores que sobem do viver social às suas normas.
Que se cumpra para durar e perdurar, enriquecendo-se da seiva humana que nutre e imortaliza, se antes disso o processo de reformas neoliberais, de interesse dos detentores do poder, não a liquidar, pela desfiguração sistemática.”
Essa postura desenvolvida pelo STF, especialmente nos casos das omissões legislativas, que atua como legislador positivo, ratifica o pensamento de Charles de Montesquieu (1987, p. 136 apud Guedes, 2008, p. 6) no sentido de afirmar que todo aquele que detém o poder, tende a usurpá-lo, pois “[…] todo homem que tem poder é levado a abusar dele. Vai até onde encontrar limites. Quem diria! A própria virtude precisa de limites. Para que não possam abusar do poder, pela disposição das coisas, o poder freie o poder”.
Na linha de pensamento acima mencionado, pode-se afiançar que para existir harmonia entre os diversos poderes que compõem a nação é imperioso que todos estejam no mesmo patamar de hierarquia, pois existindo sobreposição de um desses poderes, a democracia enfraquece, ocasionando excessos, desequilíbrios.
Pensando nisso, foi que o legislador constituinte originário instituiu um sistema fiscalização e controle mútuo, em que cada um dos três poderes que compõem a federação, mitiga, tolhe os excessos por ventura cometidos pelos demais, é o que a doutrina denomina de sistema de freios e contrapesos (checks and balances).
Hodiernamente, presencia-se certo desequilíbrio, desarmonia entre os poderes legitimados pela constituição para reger a ordem jurídica, política e social do país. Tem-se, como exemplo, a omissão (negligência) do poder executivo em atender as questões essenciais do país, valendo-se apenas de políticas assistencialista no sentido de ‘ludibriar’ a grande massa da população brasileira, os intitulados pobres, miseráveis.
Alguns gestores públicos parecem, por vezes, estar mais preocupados em assegurar a manutenção do seus mandatos e de seus sucessores do que satisfazer as necessidades públicas da população. Em razão disso, falta de atuação do poder legislativo e o descompromisso do poder executivo, o judiciário assumiu o papel de legislador positivo e de conformador dos atos administrativos, acumulando, assim, as funções típicas atribuídas aos poderes legislativo e executivo.
Segundo Nicolau Maquiavel, em sua obra o Príncipe (1513, p. 56), para chegar ao poder o príncipe tem quer ser forte, para que as forças contrárias não enfraqueçam o seu domínio, pois “a primeira causa que te faz perder o governo é negligenciar dessa arte, enquanto que a razão que te permite conquistá-lo é o ser professo da mesma”.
O Poder Legislativo, seguindo a mesma postura negligenciadora mantida pelo executivo, vem adotado uma postura silente quanto a sua função típica de legislar, deixando ao critério do judiciário preencher e limitar as normas carecedoras de complementação e restrição, as chamadas pelo professor José Afonso da Silva de normas de eficácia limitada e contida, respectivamente.
Em várias ocasiões, esses poderes utilizaram-se dessa prerrogativa constitucional para dar vazão aos seus próprios interesses, omitindo-se ou legislando apenas quando conveniente aos interesses da classe econômica dominante, os grandes empresários, que representa direta ou indiretamente os próprios representantes do povo.
A população, diante dessa realidade, transferiu a solução de seus problemas ao poder judiciário, no escopo de que este órgão possa efetivar suas garantias, de modo, a pacificar a questão controvertida posta em apreciação. O constitucionalista Barroso (2009, p. 10) assevera que “[…] não há democracia sólida sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem Congresso atuante e investido de credibilidade”.
Porquanto, o Supremo Tribunal Federal, diante da inércia dos demais poderes em efetivar os direitos e garantias individuais consagrados pelo texto constitucional, assumiu um papel de legislador positivo, no sentido de concretizar a vontade maior do poder constituinte. Esse movimento está sendo intitulado pela doutrina de ativismo judicial. Na concepção do professor Barroso (2009, p. 6 apud PEREIRA, 2009, p.31) o ativismo judicial:
“[…] está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”.
Corroborando o pensamento supracitado, foi veiculado no site do STF um encarte cuja intenção era enaltecer o papel desempenhado por este tribunal, mas que a contrario sensu demonstrou a ineficiência do poder legislativo em atender os anseios da população brasileira. Trata-se de uma declaração firmada pela Senadora Fátima Cleide (PT/RO), em que debatia a ADPF n° 132, que versa sobre os direitos dos homossexuais. Segundo Pereira (2009, p. 3) a Senadora afirmou que:
“[…] o Supremo, mais uma vez, vai assumir o lugar do Congresso, que não consegue votar leis específicas sobre questões homossexuais: ‘temos muitas dificuldades de avançar; são mais de 40 projetos de lei (sobre esse tema) no Congresso Nacional e infelizmente naquela Casa nós não conseguimos avançar, de forma que a jurisprudência tem nos mostrado que a Justiça sempre garante os direitos’”.
Frise-se que o papel ativista desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal, segundo aqueles que defendem essa tese, encontra respaldo no próprio corpo constitucional, sob a justificativa de efetivar, assegurar os direitos e garantias individuais constantes no corpo da Carta Maior. Salienta ainda Gesta Leal (2007, p.12 apud ZENI, 2007, p.6) que as “eventuais interpretações extensivas que o Poder Judiciário imprime no sistema jurídico não implicam a negação – mas talvez a mitigação – do modelo da democracia representativa brasileiro”.
Portanto, o Supremo tribunal Federal utilizando do processo de mutação constitucional e das inúmeras técnicas de interpretação almeja reinterpretar algumas dispositivos (regras e princípios) constitucionais de modo a expandir o seu alcance para abranger um maior numero de situações abstratas anteriormente não previstas pelo legislador ordinário. Ainda utilizando-se das lições do professor Barroso (2009, p. 7) “o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem,contudo, invadir o campo da criação livre do Direito”.
Entretanto, essa atuação contramajoritária do STF encontra limites estatuídos no próprio diploma constitucional, como por exemplo, as intituladas cláusulas pétreas. Fale-se em papel contramajoritário, uma vez que a incumbência de inovar o ordenamento jurídico pátrio, através da elaboração de normas gerais e abstratas, foi conferida ao poder judiciário, que representa a expressão da vontade popular.
A Corte Suprema encontrou no processo de mutação constitucional uma maneira de transpor, contornar o processo laboroso de modificação das normas constitucionais, para resguardar os direitos e garantias constitucionais do cidadão, diante da omissão dos órgãos imbuídos desse mister. Diz Barroso (2009, p. 19) que o ativismo judicial:
“[…] é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.”
Além, da mutação constitucional, o STF vale-se da hermenêutica constitucional, que não deixa de ser considerada hermenêutica jurídica, para extrair dos diversos princípios e regras vigentes no ordenamento jurídico o melhor significado da norma. Conceitua-se hermenêutica jurídica, segundo Cunha Júnior (2009, p. 193) como sendo “o domínio da ciência jurídica que se ocupa em formular e sistematizar os princípios que subsidiarão a interpretação”.
É por meio da hermenêutica que o operador do direito consegue os subsídios necessários revelar do texto a norma a ser aplicada ao caso posto em debate. Cunha Júnior (2009, p. 194) assevera que “a hermenêutica ilumina o caminho a ser percorrido pelo intérprete e isso demonstra a sua importância para o Direito, pois cumpre a ela teorizar os princípios de interpretação jurídica”.
Contudo, essa incumbência, de revelar e determinar o significado e alcance dos diversos diplomas normativo ficou a cargo da interpretação jurídica. Assim, pode-se afirmar que é por meio dos diversos métodos de interpretação que se concretiza o direito. Para Robert Alexy (1989, p. 221 apud CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 194) “é a partir daquele ir-e-vir ou balançar dos olhos entre o preceito normativo e o fato que o intérprete-aplicador estende uma ponte sobre o abismo que há entre o texto da norma e o fato”.
Atualmente, o ordenamento jurídico dispõe de vários meios de interpretação constitucional, seja valendo-se dos diversos métodos interpretativos, seja por meio dos princípios instrumentais. Dentre os métodos interpretativos existentes, como o tópico-problemático, o hermenêutico-concretizador, o científico-espiritual e o normativo-estruturante, e os vários princípios norteadores da interpretação constitucional, interessa apenas mencionar nesse trabalho os atinentes ao tema proposto.
Assim, será abordado apenas o método interpretativo hermenêutico-concretizador e o princípio do efeito integrador, da justeza ou conformidade funcional e, por fim, o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Antes de adentrar as nuances de cada um desses institutos, faz imperioso demonstrar o pensamento do professor Cunha Júnior (2009, p. 196) ao asseverar que:
“Cumpre à interpretação construir a norma, pois não há norma senão norma interpretada. Vale dizer, a norma não é pressuposto, mas o resultado da interpretação. Não se interpreta a norma, mas sim o texto normativo, pois é dele, através da interpretação, que se extrai a norma. Contudo, não se interpreta apenas o texto normativo senão confrontando-o com sua realidade histórico-social do momento em que ocorre a interpretação. […]. a norma, portanto, é o significado da conjugação que o intérprete faz entre o texto normativo e a realidade.”
Assim, inicia-se demonstrando o conceito e as principais características do método hermenêutico-concretizador. Esse método parte da lógica de que os dispositivos insertos na constituição devem ser interpretados buscando sempre a sua finalidade, tentando extrair da norma qual a vontade do legislador ordinário quando da sua inserção no texto constitucional. O professor Cunha Júnior (2009, p. 219) afirma que:
“Na pré-compreensão do enunciado ou texto normativo, o intérprete, apesar de gozar de certo espaço de conformação ou decisão, não age arbitrariamente, pois o seu trabalho de determinar o próprio conteúdo da norma deve estar vinculado à realidade histórico-concreta do momento e condicionado pela consciência jurídica geral, formada a partir de um conjunto de dados objetivos, como, por exemplo, os valores éticos consagrados pela comunidade e os princípios fundamentais desenvolvidos pela doutrina e jurisprudência”.
Assim, atribui-se ao intérprete a função criativa de interpretar e concretizar o sentido material da norma, valendo-se, para isso, dos princípios e valores sociais e éticos consagrados pela sociedade. Passando a análise dos princípios, inicia-se dissertando acerca do princípio do efeito integrador. Este princípio orienta o intérprete no sentido de dar prioridade aos critérios que favoreçam a integração política e social, de modo, a preservar a unidade do sistema.
Nesse sentido, o Ministro Moreira Alves, no julgamento do Habeas Corpus n° 82.424/RS, considerou como crime de racismo a publicação de livro que fazia “apologia a idéias preconceituosas e discriminatórias”, tentando preservar a desagregação da sociedade. Já o princípio da justeza ou conformidade funcional impõe que os órgãos incumbidos de interpretar a constituição não devem subverter ou deturpar o sistema de repartição e divisão das funções constitucionais. Desse modo, resta evidenciado que destinatário desse mandamento é o STF, por ser o órgão imbuído pela guarda e interpretação dos dispositivos constitucionais.
Por último, mas não menos importante, resta fazer referência ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Segundo Larenz (1989, p. 585-586 apud Cunha Júnior, 2009, p. 227) o princípio da proporcionalidade é:
“Utilizado habitualmente para aferir a legitimidade das restrições de direitos, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.”
Esse princípio impõe aos poderes público a observância na atuação das atividades pública a adoção de meios eficazes a realização do fim almejado. Diante dessa estipulação, pode-se afirmar que o princípio da proporcionalidade encontra-se assentado no seguinte tripé: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação exige que os poderes públicos na realização de suas atividades adotem medidas aptas a concretizar a finalidade pretendida. Por sua vez, a o requisito ou subprincípio da necessidade exige dos poderes públicos a adoção de mecanismos capazes de assegurar a pretensão almejada pelo Estado, mas essa escolha não pode representar limitação ou aniquilação de direitos fundamentais.
Por fim, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito aduz a que o motivo ensejador do ato deve guardar proporção com as medidas utilizadas para obtenção de sua vontade. Caso verifique-se a inexistência de quaisquer dos requisitos acima mencionados a adoção desse princípio será considerada irrazoável, desproporcional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Supremo Tribunal Federal, considerado órgão máximo de cúpula encarregado da guarda e interpretação dos preceitos constitucional, nos últimos anos, enfrentou questões tormentosas que o fizeram afastar (distinguishing) e até superar (overruling) definitivamente alguns de seus precedentes que não mais se coadunava com a atual conjuntura política, social e jurídica do país.
Assim, o STF munido de teses retiradas do direito alienígena e tentando guiar-se pela linha de entendimento das Cortes Constitucionais consideradas os expoentes do pensamento constitucional contemporâneo, como os Estados Unidos, a Alemanha, a Espanha, fez brotar no ordenamento jurídico brasileiro institutos como a mutação constitucional, o efeito pró-futuro (prospectivity), o princípio do stare decisis, considerado a base do fenômeno da objetivação, dentre outros.
Essa postura foi adotada levando-se em consideração a multiplicidade de processos concentrados em poder do STF nos últimos anos, em virtude do descaso enfrentado pela população brasileira quanto a omissão do poder legislativo e a adoção pelo executivo de políticas públicas assistencialistas. Diante desse fato, a população brasileira transferiu ao Poder Judiciário, em especial, ao STF a incumbência de efetivar os seus direitos constitucionais de maneira a pacificar o problema posto em apreciação.
Foi em virtude dessa desastrosa realidade que a Corte Constitucional passou a não só atuar como legislador negativo, expurgando do ordenamento as normas inconstitucionais, mas, sobretudo, como legislador positivo. O STF no desempenho de seu papel ativista utilizou-se das próprias regras e princípios constitucionais para justificar a sua atuação, de maneira a blindar contra qualquer argumento contrário os fundamentos de sua decisão.
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no julgamento do MI 708-0, afirmou que se o STF permanecesse inerte, sem proferir nenhuma resposta as pretensões levadas à sua apreciação questionando a omissão legislativa em efetivar os direitos individuais, “configuraria quase como uma espécie de ‘omissão judicial’”.
Os diversos direitos individuais consagrados no texto constitucional decorreram da reestruturação constitucional por qual passou as constituições após o pós-guerra. Este movimento foi denominado pelo professor Barroso de neoconstitucionalismo, cujo principal desígnio é aproximar ou cingir o sentido deontológico e axiológico da norma, retirando do texto legal uma interpretação consonante com os preceitos morais materializados na constituição pela sociedade.
O neoconstitucionalismo propõe seja dado maior ênfase a utilização dos princípios, em substituição a subsunção da regra cogente. Além disso, seria necessário partir do caso individual para só depois chegar à análise do caso geral, abstrato previsto na norma, pugnando assim, por uma maior participação do judiciário na efetivação dos preceitos constitucionais.
O processo de abstrativização ou objetivação do recurso extraordinário pretende conferir ao modelo difuso de controle de constitucionalidade os mesmo efeitos proferidos em sede de controle abstrato das normas. Assim, é por meio do recurso extraordinário, considerado o instrumento adequado a levar ao conhecimento do STF as matérias constitucionais atribuídas pelo art. 102, da CRFB/88, como de sua competência, que se pretende verificar a compatibilidade da norma declarada incidentalmente inconstitucional com a ordem jurídica vigente (a constituição).
Entretanto, cumpre ressaltar que a admissibilidade desse recurso ficará condicionada à demonstração da repercussão geral, do prequestionamento e do esgotamento das vias recursais. Portanto, mediante a apreciação do recurso extraordinário o STF irá analisar, em abstrato, a norma declarada constitucional ou inconstitucional pelos tribunais inferiores ou pelo próprio juiz monocrático.
Trata-se do modelo difuso, incidental ou concreto de constitucionalidade, cuja base teoria foi importada do direito norte-americano. Este modelo de controle autoriza a qualquer juiz ou tribunal declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da norma. Diz-se que o controle é incidental uma vez que o cerne da questão debatida não é a compatibilidade da norma, mas sim questões de interesse subjetivos das partes.
A controvérsia acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma surge incidentalmente no processo. Por isso, decidindo o tribunal pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da norma, esta decisão abrangerá apenas para as partes integrantes do processo, e, em regra, seus efeitos terão eficácia retroativa.Partindo da premissa de que é necessário manter assegurada a força normativa dos preceitos constitucionais, adequando-os ao momento político, social e jurídico vivenciado. Espera-se assim que o diploma constitucional não se torne apenas um documento escrito sem nenhuma força efetivadora.
Frise-se que a decisão proferida em sede de controle incidental de constitucionalidade, sem que seja editada a resolução do Senado Federal atribuindo-a eficácia erga omnes, causa certa insegurança jurídica ao ordenamento pátrio. Pois, essa decisão excluirá do campo de incidência da norma as partes que pleitearam a sua inconstitucionalidade, entretanto, esta mesma norma continuará perfeitamente válida e eficaz regendo todos os que se encontram sob o sue raio de incidência.
Assim, o STF, utilizando-se do instituto da mutação, concedeu interpretação diversa ao art. 52, inciso X, da CRFB/88, que atribuía a competência ao Senado Federal de suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (CRFB/88, art. 52, X). Entretanto, adotando-se o recente entendimento do STF, esse dispositivo deve ser interpretado no sentido de atribuir ao Senado Federal apenas a incumbência de dar publicidade a sua decisão.
Com isso, resta patente que o STF, valendo-se do mandamento normativo disposto no princípio norte-americano do stare decisis, para conferir eficácia vinculante a decisões proferidas em controle difuso, e da mutação constitucional, cuja finalidade é a alteração informal do texto constitucional, pretende conferir novos significados as regras e princípios constitucionais.
O fenômeno da objetivação do recurso extraordinário apesar de ainda muito incipiente na Corte Superior, mas que rapidamente conseguiu a simpatia de alguns Ministros que compõem aquele tribunal, desperta nos bancos acadêmicos palpitantes discussões acerca do tema. Em razão disso, ainda não existe subsídios jurídicos necessários para se fazer um prévio julgamento no sentido de acolher ou refutar a tese.
Contudo, entende-se que caso seja objetivado o recurso extraordinário é preciso adotar o mesmo procedimento das ações objetivas de controle de constitucionalidade para esse instituto. Almeja-se com a adoção desse procedimento possibilitar a participação do Advogado-Geral da União na defesa da norma impugnada. Além disso, faz imperiosa a presença do amicus curiae no sentido de democratizar o processo objetivo e ofertar melhor subsídios jurídicos para a decisão da Corte.
Informações Sobre os Autores
Daniel Ferreira de Lira
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante
Jackeline Queldma de Oliveira Macedo
Advogada