Resumo: Este trabalho abordará de forma objetiva os dois principais princípios fundamentos da criação da Lei Complementar 135/2010, os princípios da Moralidade e Probidade Administrativa, consagrados pelo então Estado Democrático de Direito. Será analisada também, a importância do respeito a esses princípios no cenário nacional, bem como as conseqüências quando da sua não observância, dentre elas os malefícios da corrupção eleitoral.
Palavras chaves: Lei da Ficha Limpa, Princípios, Moralidade, Probidade, Corrupção.
Abstract: This work aims to address in the two main principles of creation fundamentals of Complementary Law 135/2010, the principles of Morality and Administrative Probity, consecrated by the Right Democratic State. Consideration will be also the importance of respecting these principles in the national scene as well as the consequences when they do not comply, among them the evils of electoral corruption.
Keywords: Clean Record Act, Principles, Morality, Probity, Corruption.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou ao constituinte originário a necessidade de buscar e reprimir os contínuos e inúmeros danos praticados ao patrimônio público e disponibilizou um conjunto de princípios e regras capazes de coibir os ataques ao erário.
A Magna Carta dedicou uma peculiar atenção à Administração Pública, na tentativa de reparar, repelir ou até mesmo de punir o agente público, em caso de ocorrência de atos de improbidade ou imoralidade administrativa.
A convicção de que a concretização do regime democrático pressupõe, dentre outras condições, o fortalecimento dos padrões éticos e morais da sociedade, congregada ao sentimento de que o grande número de denúncias e casos comprovados de corrupção no Brasil, fez com que milhares de brasileiros se reunissem em busca da propositura de iniciativa popular, conhecida como “ficha limpa”, consubstanciada na Lei Complementar nº 135 de 2010, publicada em 7 de junho de 2010.
A lei institui importantes conquistas para o saneamento dos costumes políticos do país, protegendo a Moralidade e a Probidade Administrativa no exercício de mandatos públicos, conforme exige o §9º do art. 14 da Constituição Federal, produto de relevante instrumento de democracia direta.
Muitos têm sido os escândalos envolvendo políticos com as consequentes ações judiciais. Estas, infelizmente, quase sempre percorrem caminhos injustos, cheio de atalhos, até serem julgadas (em muitos casos, engavetadas ou lançadas ao esquecimento da população), disseminando a sensação de impunidade e abrindo novos caminhos aos políticos criminosos para continuarem com suas práticas ilegítimas e imorais, provocando na maioria dos brasileiros uma sensação de revolta e impunidade.
A falta da Moralidade da Probidade Administrativa atinge limites devastadores, já que contribui para a deteriorização das estruturas sociais, econômicas e morais, e de certa forma retardam a evolução da nação em vários aspectos, produzindo um maior número de problemas sociais como fome, miséria, violência, e gerando um déficit nos setores da educação, saúde, segurança entre outros.
O mandato eletivo não é propriedade privada do representante nem existe para fins de beneficiamento pessoal e, por isso, não pode ser utilizado quando não se estão presentes princípios basilares da Administração Pública. Diante disso, o parlamento brasileiro foi sensível ao clamor da sociedade que exigiu um mínimo ético de convivência política ao aderir o movimento “Ficha Limpa”.
A proteção do patrimônio público pressupõe o respeito aos princípios da Administração Pública, como a Moralidade, Legalidade e Impessoalidade, valores constitucionais com força normativa e norte de interpretação de todo o sistema jurídico pátrio.
Segundo Cavalcante Junior (2010, p.13):
“A corrupção administrativa está umbilicalmente ligada à corrupção eleitoral. Um é causa e efeito do outro. Constituem em uma grave doença a ser extirpada de nosso país, pois é certo, como já se disse que OU O BRASIL ACABA A CORRUPÇÃO OU A CORRUPÇÃO ACABA O PAÍS. A Lei Complementar 135/2010 é um importante passo nesse sentido, sendo um clarão de esperança por dias melhores a todos.”
Pois bem, o direito de alguém disputar eleições no Brasil (elegibilidade) sofre restrições com a edição da Lei Complementar nº 135, pois se busca moralizar a política nacional.
O mandato eletivo representa um munus público, um ônus, uma missão para a qual, durante determinado tempo, determinados brasileiros se submetem, representando outros tantos nacionais. Aqueles que não possuírem vida pregressa e comportamento compatíveis com os princípios da Moralidade e da Probidade Administrativa tornam-se desonerados e incapacitados dessa árdua e relevante tarefa de definir os rumos da coletividade.
A Constituição referiu-se expressamente ao princípio da Moralidade no art. 37 caput. Embora o conteúdo da moralidade seja diverso do da legalidade, o fato é que aquele está normalmente associado a este.
Antes de se traçar as primeiras linhas acerca da Moralidade e da Probidade Administrativa, deve-se definir o âmbito de atuação da Administração Pública. Conforme Carvalho (2008, p. 909) a Administração Pública consiste:
“Pode-se entender Administração Pública em sentido subjetivo (e aqui a palavra é grafada com maiúscula), como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado, e em sentido objetivo, ou seja, conjunto de atividades preponderantemente executórias de pessoas jurídicas de Direito Público ou delas delegatárias, gerindo interesses coletivos, na prosecução dos fins desejados pelo Estado”.
Assim, o princípio da Moralidade Administrativa, segundo os ensinamentos de Carvalho Filho (2009, p. 20), impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. O Administrador deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.
A Moralidade deve guiar toda a conduta dos administradores. A estes incube agir com lealdade e boa-fé, procedendo com sinceridade e descartando condutas astuciosas ou eivadas de malícia.
O princípio da Probidade Administrativa tem o sentido de honestidade, boa-fé por parte dos administradores, se o agente administrativo não conduzir sua ação para o bem comum ele, inevitavelmente, descumprirá a conduta para o qual a sua ação deve estar voltada, cometendo, assim, a improbidade administrativa, regulada pela Lei n.º 8.429/92, a chamada Lei de Improbidade Administrativa.
O termo improbidade administrativa foi constatado pela primeira vez no texto constitucional brasileiro em 1988, em seus artigos 15, inciso V, e 37, § 4°. Como se verá a seguir:
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
V- improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4°.
Art. 37…
§ 4° Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
Para se caracterizar a improbidade, deve-se provar a vontade do agente em querer dilapidar o patrimônio público, pois o que conta no final não são os meios, mas a conduta de desonestidade. Por isso, se o ato de improbidade administrativa estiver caracterizado e dele averiguar que o agente não teve a intenção de fazê-lo, ou seja, o dolo, este não comete improbidade e, sim, uma imoralidade administrativa, ambos repelidos pela lei em questão.
O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções.
Vale ressaltar que como pressuposto de validade para qualquer ato administrativo a Moralidade firma-se se o administrador encontra em sua essência todo o fervor de materializar, juntamente com a população, os ideais e interesses coletivos, a fim de colaborar na melhoria constante da democracia.
Os princípios da Moralidade e da Probidade administrativa são institutos que se confundem na sua conceituação, devido aos mesmos objetivos e finalidades, ou seja, impedir as arbitrariedades e desonestidades estatais em busca do interesse coletivo.
Ainda conforme Giacomuzzi (2002, p. 182) o mais usual, é encontrar na doutrina o liame entre corrupção e imoralidade mencionando-se a figura da improbidade administrativa, que seria decorrente da Moralidade Administrativa.
Comparando Moralidade e Probidade, pode-se afirmar que, como princípios, significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam referência as duas separadamente.
Nesse sentido, é o entendimento de Carvalho (2008, p. 938):
“O princípio da Improbidade é uma decorrência do princípio da moralidade que venha a ser violado pela conduta ilícita do servidor público, ou seja, pela corrupção administrativa entendida como desvio ético a ser combatido no plano da responsabilidade administrativa, civil e penal.”
Quando se exige Probidade ou Moralidade Administrativa, isso significa que não é suficiente a legalidade formal, restrita da atuação administrativa, é necessária também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa administração.
Ao contrário de sociedades politicamente organizadas, estruturadas pela racionalização da ação política administrativa, com mecanismos de controle eficientes capazes de impor punição exemplar aos transgressores, no Brasil os mecanismos legais de fiscalização e de controle não se prestam efetivamente aos objetivos a que se destinam, servindo como mera formalidade para justificar práticas corruptas institucionalizadas.
Diante disso, Administração Pública, hoje, está sob o foco dos seus tutelados, ou seja, a população, que com a maior divulgação e ampliação dos seus direitos, exige uma conduta ilibada revestida na moralidade dos seus administradores, visando sempre o interesse comum e, tornando a administração pública, desta maneira, um trabalho conjunto, em que ambos os pólos são beneficiados.
Evidente que a transformação definitiva dos costumes políticos somente será possível com uma profunda reforma política, construindo um sistema no qual sejam privilegiados projetos e idéias, a participação popular, a educação nacional, a contenção da influência indevida do poder econômico e da máquina administrativa.
Contudo, um grande passo já foi dado, a lei ficha limpa é uma vitória da sociedade brasileira, principalmente no que tange a tentativa de resgatar a Moralidade e a Probidade Administrativa no quadro eleitoral e estimular a organização e mobilização da cidadania em direção a relevantes e essenciais conquistas para melhorar o Brasil, incluindo o povo verdadeiramente como autor e destinatário das definições da Nação e proibindo o acesso ao mandato eletivo para os cidadãos que possuem vida pregressa reprovável socialmente.
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Informações Sobre o Autor
Camila Yasmin Leite Penha da Fonseca Belico
Advogada – Graduação em Direito no Centro Universitário Newton Paiva de Belo Horizonte