A contagem recíproca do tempo de contribuição

Resumo: O presente trabalho possui o intuito de analisar a contagem recíproca do tempo de contribuição, instituto este que permite que o tempo de contribuição de um trabalhador em um determinado regime previdenciário seja contabilizado em outro regime previdenciário, a fim de que ao trabalhador seja concedida a aposentadoria. Para tanto, tal artigo, primeiramente, procederá à uma análise de todos os regimes previdenciários existentes em nosso Ordenamento Jurídico para, após, analisar o instituto da contagem recíproca propriamente dito, tratando ainda a respeito da compensação financeira entre os diversos regimes da previdência social, o que deve ocorrer sempre que houver a contagem recíproca. Por fim, imperativo tratar sobre a necessidade de recolhimento das contribuições previdenciárias para que possa haver a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade rural.

Palavras-chave: Contagem Recíproca. Tempo de Contribuição.

Abstract: The present work has the aim of analyze the reciprocal counting of the time of contribution, institute that allows that a worker’s time of contribution in a certain pension scheme can be computed in a different pension scheme, so that to the employee can be granted their retirement. To this end, this article, first, proceed to an analysis of all existing pension schemes in our legal system, an after that, analysis the institute of reciprocal counting itself, also studying the financial compensation among the various social security schemes, that should occur whenever there is a reciprocal counting. Finally, this paper deals with the need for collection of contributions so that it can exist a reciprocal counting of the time of contribution in rural activity, once it has been exercised just prior to the enactment of Law n. 8.213/91.

Keywords: Reciprocal Counting. Time of Contribution.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui o intuito de discorrer a respeito do instituto da contagem recíproca do tempo de contribuição, delineando o seu conceito, bem como analisando legislação e doutrina relevantes sobre o tema.

Ademais, tal artigo tratará também da compensação financeira entre os regimes previdenciários quando da ocorrência da contagem recíproca, tema este que necessariamente acompanha o tópico principal do trabalho ora em tela, tendo em vista a necessidade de se manter um equilíbrio financeiro entre os diversos sistemas de Previdência Social.

Por fim, mas não menos importante, tratar-se-á da necessidade de contribuição do trabalhador rural para que este possa usufruir da contagem recíproca, trazendo à tona um dos princípios regentes da Seguridade Social, mormente da Previdência Social, qual seja, o princípio da uniformidade e equivalência de tratamento dos trabalhadores urbanos e rurais.

2 Regimes Previdenciários no Brasil

2.1 Regime Geral de Previdência Social

A lei n. 8.213/91, a qual dispõe sobre o Regime Geral de Previdência Social (ou RGPS), foi editada com o intuito de regulamentar o disposto no art. 201 de nossa Constituição Federal, in verbis:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.”

Assim, entende-se que o dispositivo acima transcrito determina, com relação à Previdência Social, o seu caráter contributivo, bem como a filiação obrigatória, devendo ser observados ainda o equilíbrio financeiro e atuarial, dispondo, por fim, a respeito dos benefícios que dela decorrem.

O Regime Geral de Previdência Social é o principal regime previdenciário em nosso Ordenamento Jurídico, abarcando, de forma obrigatória, todos os trabalhadores da iniciativa privada, ou seja, os que possuem relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, bem assim os empregados rurais, domésticos, trabalhadores autônomos, empresários, trabalhadores avulsos.

Além dos trabalhadores acima mencionados, o Regime Geral de Previdência Social contempla também alguns servidores públicos efetivos, desde que os mesmos não se encontrem amparados por Regime Próprio, e que haja o exercício de atividade remunerada. Preenchidos tais requisitos, há para o mencionado trabalhador a garantia de todos os benefícios elencados pelo artigo 201 da Constituição Federal, com exceção do benefício do desemprego involuntário.

É o Ministério da Previdência e Assistência Social o órgão responsável pela administração do Regime Geral de Previdência Social, administração esta exercida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Com relação à Lei n. 8.213/91, seu primeiro título dispõe, dentre outras coisas, sobre a contribuição, base da organização do Regime Geral de Previdência Social. É por meio da referida contribuição que se garante aos beneficiários condições de manutenção de seus direitos fundamentais.

Ademais, ainda no primeiro título da referida lei, encontramos os princípios e os objetivos que regem a Previdência Social, os quais serão explicitados abaixo.

A universalidade de participação nos planos previdenciários significa a possibilidade de todos os contribuintes poderem participar do sistema da Previdência Social, não comportando exceções.

A uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços garante que às populações urbanas e rurais seja dispensado o mesmo tipo de tratamento.

A seletividade e distributividade na prestação dos benefícios podem ser encarados como desdobramentos do princípio da equidade.

Ademais, a lei também dispõe que, para fins de cálculo dos benefícios, considerar-se-á, de forma monetariamente corrigida, os salários de contribuição; além de ficar vedada a redução do valor dos benefícios, de maneira a manter o poder de compra do beneficiário.

Mister salientar também a impossibilidade de o valor do benefício ser inferior ao valor do salário mínimo, o que pode ser entendido como um desdobramento do disposto no art. 7º, IV, CF.

Importante destacar ainda, o fato de que a gestão administrativa da Previdência Social possui caráter descentralizado e democrático, havendo, entretanto, a participação do governo e da comunidade na referida gestão, o que ocorrerá nas esferas federal, estadual e municipal.

O referido título da referida lei ainda prevê, após os princípios e objetivos, regras a respeito do Conselho Nacional de Previdência Social, dispondo que o mesmo possuirá quinze representantes, sendo seis do Governo Federal e nove da sociedade civil. Ademais, dentre os nove representantes da sociedade civil, três representarão os trabalhadores, três representarão os empregadores e os últimos três representarão os aposentados. Importante ressaltar ainda que a nomeação dos referidos representantes é feita pelo Presidente da República.

Cumpre dizer que é dever dos órgãos do governo fornecer informações, estudos técnicos, etc. ao Regime Geral de Previdência Social, ou seja, aqueles devem auxiliar este. Por fim, o primeiro título da referida lei ainda trata sobre a criação de uma ouvidoria da Previdência Social, não estabelecendo, entretanto, as suas funções, delegando tal tarefa a regulamento próprio.

Passando-se ao segundo título da Lei n. 8.213/91, pode-se observar que o regime da Previdência Social é dividido em duas modalidades, quais sejam, o regime geral e o regime facultativo complementar, este último regulamentado pela Lei Complementar 109/01.

Por fim, o terceiro e penúltimo título da Lei n. 8.213/91, trata sobre os beneficiários, sejam eles segurados ou dependentes e suas inscrições. Ademais, é nesta parte da lei que se encontram disposições a respeito das prestações em geral; suas espécies; cálculo e valor de benefícios, bem assim o reajuste de tais valores; os benefícios propriamente ditos; os serviços e, principalmente, sobre o que mais interessa para o presente trabalho, a contagem recíproca do tempo de contribuição.

2.2 Regimes Próprios de Previdência Social dos Servidores Públicos

O regime previdenciário dos servidores públicos, principalmente no que tange às aposentadorias por tempo de serviço, foi profundamente alterado em decorrência de três Emendas Constitucionais, quais sejam, a Emenda Constitucional n. 20, de 1998; a Emenda Constitucional n. 41, de 2003; e a Emenda Constitucional n. 47, de 2005.

Neste sentido, em momento anterior à entrada em vigor das Emendas Constitucionais supra mencionadas, a aposentadoria do servidor público ocorria, no caso dos servidores homens, quando estes completassem 35 anos de serviço, e no caso das servidoras mulheres, quando estas completassem 30 anos de serviço. Tal era a redação do art. 40, III, “a”, da CF/88 em sua redação original. Desta forma, de acordo com a mencionada regra, a aposentadoria do servidor público independia de sua idade.

Assim, após as reformas constitucionais, passou-se a exigir uma idade mínima de 60 anos para os servidores homens e de 55 anos para as servidoras mulheres para que este pudessem ter direito à aposentadoria voluntária. Ademais, o tempo de contribuição mínimo deveria corresponder a 35 anos no caso dos homens e a 30 anos no caso das mulheres, extinguindo-se, desta forma, a aposentadoria por tempo de serviço.

Importante salientar que o Regime Próprio da Previdência Social dos Servidores Públicos engloba tão somente aqueles servidores detentores de cargos efetivos, o que pode ser ratificado, inclusive, através da leitura do disposto no art. 40, §13 de nossa Constituição Federal, o qual estabelece que aos servidores públicos temporários, aos detentores de cargo em comissão, e ainda àqueles que possuam emprego público, deve-se aplicar o Regime Geral de Previdência Social.

2.3 Regime de Previdência Complementar

A Lei que instituiu a Previdência Complementar Privada foi a Lei n. 6.435, datada de 15 de julho de 1977. Tal lei foi regulada por meio do Decreto n. 81.240, datado de 20 de janeiro de 1978.

De acordo com tais dispositivos legais, a previdência privada pode ser classificada em dois diferentes grupos, a saber, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), e as Entidades Abertas de Previdência Privada.

Assim, cumpre entender o que vem a ser cada uma dessas modalidades mencionadas.

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar consistem em entidades não detentoras de finalidades lucrativas e possuem como objetivo a administração e a execução de planos de benefícios previdenciários. Ademais, as EFPC’s são constituídas sob a forma de fundação ou de sociedade civil, por seu patrocinador ou por seu instituidor.

Importante salientar que as EFPC’s são também chamadas de Fundos de Pensão e são vinculadas, para fins de normatização, orientação e fiscalização, ao Ministério da Previdência Social através da Secretaria de Previdência Complementar (SPC).

Diferentemente, as Entidades Abertas de Previdência Privada encontram-se, através da Superintendência Nacional de Seguros Privados (SUSEP), vinculadas ao Ministério da Fazenda.

Cumpre salientar ainda que a principal diferença entre as Entidades Fechadas de Previdência Complementar e as Entidades Abertas de Previdência Privada consiste no fato de que, no caso das primeiras, é obrigatória a existência de vínculo empregatício ou associativo entre o participante ou e a empresa que patrocina o fundo.

Por fim, importante ressaltar que as entidades de previdência complementar oferecem benefícios muito semelhantes ou complementares àqueles oferecidos pela previdência oficial.

3 A Contagem Recíproca do Tempo de Contribuição

Conforme vislumbrado no tópico anterior, são vários os Regimes de Previdência existentes em nosso Ordenamento Jurídico.

Desta forma, o trabalhador, ao longo de toda a sua vivência laboral, pode vir a passar por regimes previdenciários distintos. Em virtude de tal possibilidade é que foi criado o instituto da contagem recíproca, o qual possui o condão de possibilitar que a contagem do tempo de contribuição em um determinado regime seja computada em outro regime, a fim de que o trabalhador possa obter o benefício da aposentadoria no regime em que se encontrar vinculado no momento da cessação de sua atividade laboral.

Pode-se inferir o exposto acima a partir da leitura do disposto no art. 201, § 9º, da Constituição Federal de 1988, o qual prevê, para fins de aposentadoria, a possibilidade de haver a contagem recíproca do tempo de contribuição, seja na administração pública ou na atividade privada, seja na área urbana ou na área rural, dispondo, ainda, sobre a compensação financeira entre os diversos regimes de previdência social quando houver a mencionada contagem recíproca, na forma da lei.

Assim, pode-se concluir que a contagem recíproca do tempo de contribuição pode ser entendida como a soma dos tempos de serviços, nas entidades privadas e públicas.

Neste sentido encontra-se a redação do art. 126 do Decreto n. 3.048/99, o qual garante ao segurado o direito de computar o tempo de contribuição na administração pública federal direta, autárquica e fundacional para a finalidade de lhe serem concedidos os benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

No entanto, cumpre ressaltar que o parágrafo único do artigo acima citado dispõe ainda que a possibilidade do cômputo supra referido depende de que a administração pública assegure aos seus servidores a contagem de tempo de contribuição em atividade vinculada ao Regime Geral de Previdência Social, por meio de legislação própria.

Outro importante dispositivo a respeito da contagem recíproca do tempo de contribuição que merece menção é o art. 127 do Regulamento da Previdência Social, que trata sobre algumas regras a respeito do referido instituto, a saber:

I – não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;

II – é vedada a contagem de tempo de contribuição no serviço público com o de contribuição na atividade privada, quando concomitantes;

III – não será contado por um regime o tempo de contribuição utilizado para concessão de aposentadoria por outro regime;

IV – o tempo de contribuição anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à previdência social somente será contado mediante observância, quanto ao período respectivo, do disposto nos arts. 122 e 124; e

V – o tempo de contribuição do segurado trabalhador rural anterior à competência novembro de 1991 será computado, desde que observado o disposto no parágrafo único do art. 123, no § 13 do art. 216 e no § 8º do art. 239.”

Desta forma, conclui-se que, para que o trabalhador tenha direito a gozar do benefício da contagem recíproca, este deve cumprir alguns requisitos, além de obedecer a determinadas regras, quais sejam, as mencionadas acima.

3.1 A Compensação Financeira entre os diversos Regimes da Previdência Social

A compensação financeira entre os regimes previdenciários está prevista na Lei n.º 9.796/99, consistindo em uma espécie de indenização ou reembolso do regime previdenciário diverso do qual o segurado estava vinculado. Tal fenômeno ocorre para que o regime ao qual pertence a nova aposentadoria não sofra prejuízos, uma vez que arcará com despesas superiores às contribuições financeiras arrecadas pelo segurado.

No sentido do acima exposto, Cunha Filho (2008, p. 11) brilhantemente discorre da seguinte maneira:

“A compensação entre regimes decorre e tem como escopo a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial nos regimes de previdência social envolvidos na operação de contagem recíproca, pelo que a compensação entre regimes previdenciários compõe e viabiliza o procedimento de contagem recíproca.”

Ainda sobre o mesmo assunto, o ilustre doutrinador Cardoso (2008, não paginado) explica que:

“É essa compensação que permite cada trabalhador computar, de maneira recíproca, com o fim de concessão de aposentadoria, o tempo de serviço/contribuição ao qual esteve vinculado ao regime de origem, de maneira que o regime previdenciário responsável pelo pagamento do benefício poderá exigir do outro a compensação financeira correspondente ao período em que o servidor esteve vinculado àquele regime”.

Desta forma, fica clara a necessidade de que se proceda à compensação financeira entre regimes previdenciários quando diversos, o que deve ocorrer para que não haja quaisquer prejuízos, tanto com relação à Previdência Social, quanto com relação aos segurados, que são quem realmente arcam com o custeio do sistema atuarial.

Importante salientar que independente de a atividade ser pública ou privada, rural ou urbana, havendo a contagem recíproca deve, necessariamente, haver a compensação financeira entre os regimes previdenciários, justamente por se tratarem de regimes diversos.

Neste mesmo sentido, a Lei n.º 8213/91, Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social, em seu artigo 94 "caput", trata também sobre a necessidade de se proceder à compensação financeira entre os diferentes sistemas previdenciários quando houver a contagem recíproca do tempo de contribuição ou serviço, para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral da Previdência Social, independente de se tratar de atividade rural ou urbana, pública ou privada.

Ademais, o parágrafo único do mesmo dispositivo dispõe sobre como será realizada a mencionada compensação financeira, estabelecendo que esta será feita ao sistema em que o segurado se encontrar vinculado na época do requerimento do benefício pelos demais sistemas, no que tange aos respectivos tempos de serviço ou contribuição, de acordo com o que estiver disposto no Regulamento.

Ainda no mesmo sentido, importante a transcrição do teor do art. 125 do Decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social), o qual determina que:

Art. 125. Para efeito de contagem recíproca, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social compensar-se-ão financeiramente, é assegurado:

I – o cômputo do tempo de contribuição na administração pública, para fins de concessão de benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social, inclusive de aposentadoria em decorrência de tratado, convenção ou acordo internacional; e

II – para fins de emissão de certidão de tempo de contribuição, pelo INSS, para utilização no serviço público, o cômputo do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, observado o disposto no § 4o deste artigo e no parágrafo único do art. 123, § 13 do art. 216 e § 8o do art. 239.

§ 1º  Para os fins deste artigo, é vedada a conversão de tempo de serviço exercido em atividade sujeita a condições especiais, nos termos dos arts. 66 e 70, em tempo de contribuição comum, bem como a contagem de qualquer tempo de serviço fictício.

§ 2o  Admite-se a aplicação da contagem recíproca de tempo de contribuição no âmbito dos tratados, convenções ou acordos internacionais de previdência social.

§ 3º  É permitida a emissão de certidão de tempo de contribuição para períodos de contribuição posteriores à data da aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social.

§ 4o  Para efeito de contagem recíproca, o período em que o segurado contribuinte individual e o facultativo tiverem contribuído na forma do art. 199-A só será computado se forem complementadas as contribuições na forma do § 1o do citado artigo.”

Em resumo, entende-se que a contagem recíproca do tempo de contribuição vem acompanhada, necessariamente, da compensação financeira entre os regimes previdenciários envolvidos, com a finalidade de promover um equilíbrio financeiro, a fim de que nenhum sistema previdenciário e nenhum contribuinte seja prejudicado.

3.2 A necessidade de recolhimento das contribuições previdenciárias para a contagem recíproca do tempo de contribuição da atividade rural

De acordo com o disposto pelo parágrafo único, II, do art. 194 de nossa Constituição Federal, a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços prestados às populações urbanas e rurais consistem em princípios da seguridade social.

Desta forma, entende-se que nossa Constituição, no que tange à Seguridade Social, procurou tratar de forma equivalente as populações urbana e rural. Assim, tendo em vista ser a Previdência Social parte da Seguridade Social, conclui-se que aquela deve observar o princípio acima citado, ainda mais levando-se em consideração o fato de que a Previdência Social possui o condão de proteger os trabalhadores e seus dependentes em face da incapacidade para o trabalho.

Importante destacar, ainda, que o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços prestados às populações urbanas e rurais não deve ser interpretado de maneira isolada, mas sim juntamente com as demais normas constitucionais que tratam sobre os trabalhadores rurais, mormente o § 8º do art. 195; a parte final do inciso II do §7º do art. 201, bem como, o §9º, também do art. 201.

Entretanto, ao se falar em um tratamento uniforme e equivalente no que se refere às populações urbanas e rurais, não se está falando de um tratamento necessariamente igual, mas sim de um tratamento equivalente, tendo em vista que contribuições diversas geram benefícios diversos, ou seja, se o trabalhador rural, que desenvolve suas atividades em regime de economia familiar, contribui de forma diversa do urbano, os benefícios deverão ter relação com sua forma de custeio.

Desta forma, com a finalidade de que o segurado especial tenha a possibilidade de usufruir de outros benefícios previdenciários previstos pela Lei n. 8.213/91 que não os arrolados pelo seu art. 39, lhe foi proporcionada a opção de contribuir, de maneira facultativa. Neste sentido dispõe o art. 25, §1º, da Lei n. 8.212/91 (Lei de Custeio), abaixo transcrito:

Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.

§ 1º O segurado especial de que trata este artigo, além da contribuição obrigatória referida no caput, poderá contribuir, facultativamente, na forma do art. 21 desta Lei.”

Assim, caso o segurado especial faça a opção de usufruir do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição ou dos outros benefícios com valores superiores ao salário-mínimo, deve, necessariamente, proceder ao recolhimento facultativo, tendo em vista que sua contribuição sobre o resultado da comercialização lhe dá tão somente o direito ao recebimento dos benefícios dispostos pelo art. 39 da Lei n. 8.213/91, com valor de um salário-mínimo.

À guisa de conclusão, entende-se que, a partir da entrada em vigor das Leis n. 8.212/91 e 8.213/91, para que o tempo de serviço como trabalhador rural seja contado para fins de se fazer jus à aposentadoria por tempo de contribuição/serviço, este deve realizar o recolhimento das contribuições facultativas, o que também deve ocorrer para fins de contagem recíproca.

Ademais, cumpre ressaltar que a Lei 8.213/91, em seu art. 55, regulamentando os benefícios previdenciários, dispôs, no que diz respeito ao segurado especial, que o tempo de serviço rural realizado em momento anterior à sua vigência, será computado, exceto para fins de carência, não dependendo, para tanto, do recolhimento das contribuições previdenciárias:  

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: (…)

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.” 

Desta forma, a lei é expressa no sentido de que será afastada a obrigatoriedade das contribuições para fins de averbação do período de trabalho rural, desde que este tenha sido exercido antes do advento das Leis 8.212/91 e 8213/91.

Assim, para a averbação do tempo de atividade rural, para fins de requerimento de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição no Regime Geral de Previdência Social, não há a necessidade do recolhimento das contribuições previdenciárias, referentes ao período laborado antes da vigência das Leis de Custeio e Benefício. Entretanto, referido tempo não poderá ser computado para efeitos de carência.

Ademais, importante salientar que a dispensa do recolhimento de contribuição, no período acima referido, não inclui apenas os segurados especiais, mas também os demais trabalhadores rurais.

Por fim, mister também destacar que o dispositivo acima citado não se refere à contagem recíproca do tempo de contribuição, tendo em vista que para que haja a aplicação do mencionado instituto é imprescindível o recolhimento das contribuições, conforme se depreende da leitura dos julgados infra transcritos:

“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL E URBANO. CONTAGEM RECIPROCA. AUSÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO. I – Inocorreu ofensa ao artigo 535 do CPC, pois o Tribunal a quo, ao rejeitar os embargos, demonstrou não existir omissão a ser suprida mediante embargos de declaração e, ainda assim, apreciou a matéria ali invocada. II – O tempo de serviço rural sem contribuições à Previdência Social, anterior a 05.04.91 (art. 145 da Lei 8.213/91), não serve para contagem recíproca ao fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço. III – O tempo de serviço rural, sem contribuições, serve, tão-somente, para aposentadoria por idade ou invalidez, pensão, auxílio-doença e auxílio-reclusão. IV – Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido.”

“PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO COMO TRABALHADOR RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA. CF, ART. 202, § 2°, ALTERADO PELA MP 1.523/96. 1. Para fins de aposentadoria, é assegurado a contagem recíproca do tempo de contribuição na Administração Pública e na atividade privada, rural ou urbana. Regra contida na CF, art. 202, § 2°. 2. O STF, apreciando a ADIN 1.664/UF, deferiu medida cautelar para suspender a eficácia da expressão 'exclusivamente para fins de concessão do benefício previsto no art. 143 desta Lei e dos benefícios de valor mínimo', contida na Lei 8.213/91, art. 55, § 20, com a redação dada pela MP 1.523/96, mantendo a parte final do dispositivo que veda a utilização do tempo de serviço rural anterior à data mencionada para efeito de contagem recíproca, sem a comprovação das respectivas contribuições. 3. Recurso provido.”

Por fim, para que não haja mais qualquer discussão no que tange ao assunto, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou, em 2003, a Súmula n. 10, a qual dispõe, em outros termos, que a contagem recíproca pode ser aplicada para a contagem do tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei n. 8.213/91, devendo, entretanto, haver necessariamente o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias.

5 CONCLUSÃO

A guisa de conclusão, entende-se que o trabalhador, durante a sua vida profissional, pode transitar por diversos regimes previdenciários.

Assim, foi estabelecido o instituto da contagem recíproca do tempo de contribuição, o qual possui a finalidade de possibilitar que a contagem do tempo que o trabalhador contribui em um determinado regime seja computada em outro regime, para que o mesmo possa vir a usufruir do benefício da aposentadoria no regime em que se encontrar vinculado no momento que não mais possuir capacidade para o trabalho.

Ademais, juntamente com a contagem recíproca do tempo de contribuição deve ocorrer, necessariamente, a compensação financeira entre os regimes previdenciários envolvidos, o que possui o fim de fazer com que haja um equilíbrio financeiro entre os sistemas previdenciários, para que nenhum destes, bem como nenhum contribuinte, fique prejudicado.

 

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Informações Sobre o Autor

Lincoln Nolasco

Procurador Federal na Procuradoria Secional Federal em Uberlândia/MG; Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG; Pós graduando em Direito Previdenciário pelo Instituto Renato Saraiva e em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia/MG


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