A preclusão entre o CPC/1973 e o projeto de novo CPC

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Resumo: O presente trabalho é fruto de conferência apresentada na Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul (ESA-RS), em 21 de junho de 2012, e trata de estabelecer algumas objetivas linhas de convergência/divergência entre o atual Código de Processo Civil (CPC/1973, também denominado Código Buzaid) e o Projeto para um novo Código de Processo Civil em pauta no Congresso Nacional. Dentre os temas mais relevantes inseridos nesse contexto encontram-se: o regime preclusivo no sistema do atual CPC, a extinção do agravo retido e a redução dos préstimos da preclusão constantes no Projeto 8640/2010, o direito fundamental à prova e a aplicação minorada da preclusão na instrução, a proposta de mudança no marco de alteração da causa de pedir e pedido, os limites restritivos sugeridos para o fenômeno da eficácia preclusiva da coisa julgada material, e, por fim, o atual movimento de análise do Projeto 8640/2010 pela Câmara Federal com a possibilidade de ser repensada a extinção do recurso de embargos infringentes.

Palavras-chave: Processo civil. Preclusão. CPC/1973. Código Buzaid. Reformas. Projeto de novo CPC. Projeto 166/2010.  Projeto 8640/2010.

Sumário: Resumo. 1. Apresentação. 2. A preclusão como instituto de direito processual e grande limitador para o agir das partes no processo. 3. Reformas no CPC/1973 e aumento das matérias não preclusivas para o juiz: a prescrição. 4. Vertentes de aplicação da preclusão no modelo processual atual e hipóteses de supressão pelo Projeto 8640/2010: o agravo retido. 5. Outros cenários de encaminhamento de redução da técnica preclusiva pelo Projeto 8640/2010: flexibilização procedimental e limites restritivos à eficácia preclusiva da coisa julgada material. 6. Movimentos ainda em aberto quanto à possibilidade de reformas no modelo atual: embargos infringentes e limites para alteração da causa de pedir e pedido.  7. Considerações finais. Pesquisa doutrinária.

1. Apresentação

I. O Novo CPC, já aprovado no Senado Federal, sob a denominação final de Projeto 8046/2010, e nesse momento em tramitação na Câmara Federal (análise em Comissão Especial), traz novidades de múltiplas ordens ao se lançar a diploma infraconstitucional substituidor do Código Buzaid (CPC/1973).

É, pois, objetivo do presente trabalho investigar o momento atual em que se projetam essas alterações, com foco especial no tema preclusivo, buscando pontos de convergência e também de divergência entre o CPC/73, com as reformas que já foram implementadas no seu texto, e o Projeto 8046/2010, em debate nesse momento na Câmera Federal.

Serão abordados avanços e também retrocessos que se sucederam nesse debate para a tentativa de formação de um novo CPC, inclusive a diferença de redação entre o Projeto final no Senado 8046/2010 e o seu antecessor, de número 166, também do ano de 2010; como também os pontos polêmicos que se debatem atualmente na Comissão Especial da Câmara Federal a respeito da preclusão, diante da publicação recente dos relatórios parciais de avaliação e sugestão de melhoria do Projeto vindo do Senado.

2. A preclusão como instituto de direito processual e grande limitador para o agir das partes no processo

II. A partir dos elementos centrais que configuram a razão de ser do processo estatal – seu procedimento em contraditório, onde se desenvolvem as relações múltiplas entre o Estado-juiz e as partes litigantes, pautados pela mecânica dos prazos (com seus termos preestabelecidos em lei) –, é que aparece a respeitável imagem da preclusão processual, em todas as etapas, como instituto limitador da atividade processual dos sujeitos envolvidos, trazendo ordem ao feito e celeridade no seu desfecho.

Mesmo já tendo o Estado subtraído aos cidadãos a possibilidade de se valer da justiça privada – impondo a utilização do processo judicial, é obrigado ainda a impor uma série de limitações à atividade dos litigantes no curso desse instrumento público de jurisdição, para que este ande com regularidade, ordem e rapidez, dentro dos prazos preestabelecidos; subtraindo, por sua vez, a marcha do processo ao completo arbítrio do seu diretor, o Estado-juiz, representando esta uma importante e indiscutível garantia aos litigantes (jurisdicionados).

Extrai-se daí que a preclusão deve ser compreendida como um instituto que envolve a impossibilidade, por regra, de, a partir de determinado momento, serem suscitadas matérias no processo, tanto pelas partes como pelo próprio juiz, visando-se precipuamente à aceleração e à simplificação do procedimento. Integra sempre o objeto da preclusão, portanto, um ônus processual das partes ou um poder do juiz; ou seja, a preclusão é um fenômeno que se relaciona com as decisões judiciais (tanto interlocutória como final) e as faculdades conferidas às partes com prazo definido de exercício, atuando nos limites do processo em que se verificou.

Na Itália, onde o instituto da preclusão foi devidamente sistematizado, principalmente a partir dos estudos de Chiovenda, chegou-se a criticar o fato de ter se dado destaque ao fenômeno quando vinculado às atividades das partes – a partir do conceito de que o fenômeno preclusivo representaria a perda, extinção ou consumação da faculdade processual pelo fato de se haverem alcançado os limites assinalados por lei ao seu exercício.

Embora, de fato, a preclusão de questões para o juiz não conste expressamente na definição do instituto desenvolvido por Chiovenda, não há dúvida, analisando as suas obras, de que a espécie é contemplada ao lado da preclusão de faculdades para as partes, tanto é que para diferenciar a coisa julgada material da preclusão (diferenciar, nas suas exatas palavras, “coisa julgada e questões julgadas”), discorre em miúdos sobre o que seja a preclusão de questões e sua ramificação interna, deixando transparecer que decisões interlocutórias ou finais inimpugnadas “transitam em julgado em sentido formal”, não podendo mais ser modificadas pelas partes e pelo julgador.

De qualquer modo, cabe o grifo, o instituto ganha, inegavelmente, brilho particular, ao se estabelecer como o grande limitador para a atividade processual das partes – sujeitas a firmes sistemáticas de prazos e formas, desde a fase postulatória, no rito de cognição, até a extinção definitiva da fase de execução do julgado; mesmo porque, por outro lado, há matérias de ordem pública não sujeitas ao regime preclusivo para o Estado-juiz.

Colocando-se como instituto que representa a maior limitação do agir das partes no processo, impondo ordem e celeridade ao procedimento, por certo se trata a preclusão de princípio processual, sem o qual não teríamos organização e desenvolvimento das etapas em prazo razoável. No entanto, admite-se uma aplicação maior ou menor dos seus préstimos, dependendo da espécie de procedimento a ser formatado.

A sua definição como técnica emerge, pois, justamente do fato de o instituto poder ser aplicado, com maior ou menor intensidade, tornando o processo mais ou menos rápido, impondo ao procedimento uma maior ou menor rigidez na ordem entre as sucessivas atividades que o compõem, tudo dependendo dos valores a serem perseguidos prioritariamente pelo ordenamento processual de regência de uma determinada sociedade, em um dado estágio cultural.

Exatamente nesse contexto que se insere o Projeto para um novo CPC, já que não se cogita da mera exclusão dos seus préstimos (já que a preclusão é princípio), mas da redução dos seus préstimos (como técnica), em nome principalmente da simplicidade e aceleração do procedimento.

3. Reformas no CPC/1973 e aumento das matérias não preclusivas para o juiz: a prescrição

III. O CPC/1973 na sua versão originária já tratava de diferenciar o regime preclusivo disposto para as partes e para o Estado-juiz, restringindo a aplicação do fenômeno ao diretor do processo, especialmente ao passo em que autorizava ao magistrado voltar atrás em decisão já tomada (relativização da preclusão consumativa), quando se tratasse de matéria de ordem pública: como as condições da ação e pressupostos processuais (art. 267, par. 3°), provas (art. 130, caput, ab initio), nulidades absolutas (art. 245, par. único), e erro material (art. 463, I).

Com as reformas implementadas no Código Buzaid, tratou-se de se alargar o rol das matérias não sujeitas à preclusão para o juiz, agregando-se a prescrição – hipótese mantida no Projeto do Senado 8046/2010.

No que toca à matéria prescricional, a novidade apresentada pelo sistema é tratar a possibilidade de aplicação oficiosa da medida ao disciplinar o julgamento da demanda com resolução do mérito.

A determinação para a decretação ex officio da prescrição, no regime do Codex processual, foi originariamente encaminhada pela Lei 11.280, de 2006, ao tratar da citação do processo, alterando o art. 219 do CPC vigente. Reza o aludido dispositivo, no seu parágrafo 5°: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

Agora, o Projeto do Senado incrementando a medida, alça o tema ao dispositivo que trata diretamente da resolução de mérito, confirmando que cabe ao juiz pronunciar, de ofício ou a requerimento da parte, não só a decadência (como historicamente se admitia), mas também agora a prescrição (histórica matéria de defesa – exceção oportunizada ao réu – tão somente reconhecida quando requerida expressamente pelo demandado em preliminar contestacional).

Cabe referir, no entanto, que o tema prescricional, nos estritos limites da esfera laboral, não parece ser tão simples. Ocorre que sob diversa perspectiva, boa parte da doutrina trabalhista observa que no âmbito do processo laboral, não caberia aplicação subsidiária do art. 219, par. 5° do CPC, já que a decretação da prescrição virá sempre em prol do empregador; será uma vantagem diretamente vinculada à parte mais forte do conflito de interesses submetido à apreciação do órgão jurisdicional – logo, parece claro que seu reconhecimento de ofício pelo magistrado irá colidir, de forma impostergável, com o princípio de proteção.

De qualquer forma, fechando o parênteses, no âmbito do processo civil, a questão está pacificada e vem tratada no art. 474, IV do Projeto do Senado para o novo CPC, e já vinha com próxima redação no anterior Anteprojeto 166-2010, art. 469, IV.

IV. É de se observar que as demais matérias não preclusivas para o juiz são mantidas pelo Projeto. Ademais, ressalta-se que é tratada nesse contexto o juízo de admissibilidade recursal – aproximando, a doutrina, a sua disciplina especificamente das condições e pressupostos processuais (com as peculiaridades de se tratar de tema afeito ao segundo grau). Por isso mesmo, o Projeto 8046/2010 propõe mudança na atual redação do art. 518 do Código Buzaid, a fim de que a admissibilidade recursal seja efetuada diretamente pelo Tribunal ad quem (art. 966 do Projeto do Senado, Anteprojeto 166-2010, art. 926).

4. Vertentes de aplicação da preclusão no modelo processual atual e hipóteses de supressão pelo Projeto 8640/2010: o agravo retido

V. No estudo das preclusões que atuam sobre o magistrado (“preclusão de questões”), faz-se presente a regra da preclusividade, que muito bem pode ser confirmada com a omissão da parte prejudicada, diante de decisão gravosa, em interpor o competente recurso no prazo e na forma prevista pelo ordenamento. Revelaram-se também, por outro lado, hipóteses em que a parte não possui mais a viabilidade de ingressar com medida recursal típica, mas pode ter a questão (não preclusiva) revista, em face de mudança de posicionamento incrementada de ofício pelo próprio diretor do processo.

Teríamos aqui uma preclusão de faculdade (da parte) referente ao ato de recorrer – que, na última situação comentada não seria absoluta, já que se o juiz pode reanalisar a decisão judicial incidental a qualquer tempo (não preclusiva), poderia a parte, em tese, apresentar mesmo fora do prazo recursal pedido de reconsideração.

Essa hipótese revela-se importante para que se trate de diferenciar, dentro do mesmo gênero “preclusão para as partes (de faculdades)”, duas espécies do fenômeno: uma seria justamente essa referente ao ato processual de recorrer, e a outra seria a preclusão de faculdades referentes aos atos processuais necessários no desenvolvimento das fases do procedimento estabelecido por lei.

A aludida primeira espécie decorre de uma decisão judicial gravosa, que impõe uma tomada de atitude específica da parte (interposição de recurso), sob pena de não mais poder agir (preclusão decorrente de um ato processual de recorrer). Já a segunda espécie decorre de previsão legal-processual que impõe uma tomada de atitude da parte em impulsionar o feito da melhor maneira possível, na fase postulatória e instrutória, sob pena de ser enclausurada uma etapa e dado início à fase subsequente, ao passo que expirado o prazo de duração da fase procedimental precedente (preclusão decorrente de um ato processual necessário no desenvolvimento das fases do rito).

A preclusão é, pois, instituto complexo que se manifesta em diversas vertentes, seja para as partes seja para o Estado-juiz. Pode-se tentar desenvolver as linhas acima reconhecendo que, pelo menos, em cinco momentos típicos é destacada a participação da técnica: a) preclusão para a parte referente ao ato de recorrer de sentença; b) preclusão para a parte referente ao ato de recorrer de decisão interlocutória de maior gravidade; c) preclusão para a parte referente ao ato de recorrer de decisão de menor gravidade; d) preclusão para a parte referente aos atos para o desenvolvimento do procedimento; e) preclusões para o Estado-juiz.

Tais vertentes estão bem presentes no sistema do Código Buzaid e simplesmente não desaparecem todas elas com o Projeto, o que confirma aquela acepção da preclusão como princípio processual. Está, em linhas gerais, mantida a preclusão envolvendo a interposição de apelação (vertente alínea “a” supra) e a interposição de agravo de instrumento (vertente alínea “b” supra), como também preservada a regra geral de que o magistrado, salvo em matérias de ordem pública já aludidas, não pode ex officio voltar atrás em decisão tomada no processo (vertente alínea “e” supra).

 O que propõe especialmente o Projeto do Senado – reduzindo o tamanho da preclusão como técnica – é a eliminação da vertente constante na alínea “c” supra, com a supressão do agravo retido do código. Vê-se, pois, que não se trata de movimento tão ousado, mesmo porque ao que se sabe a utilidade prática do agravo retido sempre foi baixa, podendo a parte, pela nova sistemática, encaminhar a sua irresignação como preliminar recursal sem a necessidade de apresentar o protesto (agravo) quando da publicação da decisão interlocutória de gravidade menor – como funciona hoje já no rito sumaríssimo do JEC.

5. Outros cenários de encaminhamento de redução da técnica preclusiva pelo Projeto 8640/2010: flexibilização procedimental e limites restritivos à eficácia preclusiva da coisa julgada material

VI. Outra redução oportuna do espaço da técnica preclusiva está atrelada ao tamanho da vertente constante na alínea “d” supra. Destacamos que, in casu, pode se operar uma redução – e não uma eliminação, como se dá com a vertente constante na alínea “c” supra – porque a projetada redução da preclusão referente aos atos de desenvolvimento do procedimento deve se limitar à fase instrutória, sendo, ao que tudo indica, mantidas pelo Projeto as regras preclusivas referentes à fase postulatória.

Eis a razão pela qual estamos tratando a lógica da flexibilização procedimental em ponto próprio, em momento posterior à investigação da supressão do agravo retido.

De fato, precisamos reconhecer que é muito vasta essa atividade preclusiva relacionada aos atos processuais de impulsionamento do procedimento: compreende desde atividades próprias da fase postulatória – como a apresentação de contestação e a apresentação de réplica – até atividades próprias da fase instrutória – como os requerimentos para produção de provas técnicas e orais.

Assim, forçoso restringir a novidade destacada no Projeto à fase instrutória, em que já vínhamos admitindo ser o espaço devido em que se poderia falar irrestritamente em prazos não sujeitos à imediata preclusão (prazos dilatórios). Sim, porque se passamos a falar no conceito de prazo fatal (peremptório), inegável reconhecer que o juiz não poderia dilatar tal prazo, como ocorre, por exemplo, com o prazo contestacional de quinze dias – inegável medida integrante da fase postulatória e sujeita à rígida regra preclusiva, seja no Código Buzaid seja no Projeto para um novo CPC.

Ademais, pensamos que o objetivo do Projeto é realmente restringir a possibilidade de dilação de prazo à fase instrutória, já que o art. 118, V ao trazer a novidade, catalogando os poderes do juiz na direção do processo, refere no mesmo inciso a possibilidade de o julgado alterar a ordem das provas, o que dá a entender que o cenário para dilação de prazos é justamente o do aprofundamento da instrução (fase instrutória).

Das duas novidades, ora debatidas, anunciadas no Projeto 8046 – supressão do agravo retido e dilação de prazos instrutórios – não há dúvidas de que essa última é de maior repercussão, já que discute a importância da fase instrutória para o processo, sendo a nosso ver opção política, definida no Projeto, o resguardo à produção de provas em detrimento da aplicação rígida da técnica preclusiva.

O Projeto acaba assim, mesmo que indiretamente, facilitando a difícil diferenciação do que seja prazo dilatório e peremptório na fase de conhecimento, a partir do momento que passa a admitir que todo o prazo da instrução deva ser compreendido como não peremptório – já que pode ser dilatado pelo magistrado, diretor do processo.

O Código Buzaid destaca os prazos peremptórios no artigo 182 e os prazos dilatórios no art. 181 sem descriminar quais as hipóteses do sistema em que o julgador deva aplicar um e outro. A jurisprudência, por sua vez, vem sendo mais contundente a fim de confirmar, como peremptórios, específicos prazos fundamentais dentro do procedimento, como os de contestação, exceções, reconvenção e recursos em geral.

Sempre entendemos que o ato central de defesa, além dos recursos, são os verdadeiros prazos peremptórios de que trata genericamente o CPC, no art. 182, os quais não são passíveis de prorrogação, mesmo havendo consenso das partes nesse sentido. Na seara recursal, só para não passar em branco nesse ensaio, diga-se que não ousaríamos pregar relativizações da preclusão, sendo patente que a intempestividade do recurso (ligada a desídia ou desinteresse da parte) somada a preocupação com a efetividade e a própria presunção de correção da decisão mal embargada, determina a consolidação deste decisum (interlocutório ou final), operando-se a preclusão.

Ainda é de se sublinhar que alguns magistrados, em sentido diverso (aproveitando-se que o Código Buzaid não desenvolveu qualquer critério lógico para distinguir os prazos peremptórios dos meramente dilatórios), consideram indevidamente que a maioria dos prazos processuais fixados no código são peremptórios (inclusive os presentes na fase instrutória), inviabilizando a partir dessa imprecisa premissa, qualquer discussão a respeito da (não aplicação dos préstimos da) preclusão processual decorrente do desrespeito ao estrito teor dos dispositivos contempladores de tais prazos.

Realmente, pelo atual sistema, principalmente a jurisprudência vacila muito em reconhecer os prazos como dilatórios na instrução, sendo conhecidas as teses majoritárias no STJ de que o prazo do art. 421 (apresentação de quesitos e assistente técnico) é prazo dilatório, mas que outros importantes prazos como o do art. 407 (juntada de rol de testemunha) e especialmente o prazo do art. 433 (juntada do laudo de perito assistente) são prazos peremptórios.

Entendemos como contraditórias essas posições (firmadas sem uma interpretação conjunta desses dispositivos que integram a fase instrutória), razão pela qual já tivemos a oportunidade de defender que devem ser reconhecidos todos esses prazos como dilatórios, mesmo porque há um direito constitucional (e prioritário) à produção de provas a ser observado na devida exegese do ordenamento legal; inexistindo, por outro lado, lesão objetiva a direito da parte contrária, em razão da dilação de prazo autorizada a fim de que seja feita a prova em tempo razoável.

Chegamos daí a invocar que para se atingir no processo uma louvável maior possível certeza do direito a ser declarado, as disposições contidas no código processual (amoldadoras do procedimento e conferidoras de ordenação e disciplina ao rito a ser seguido), precisam passar pelo filtro de sua compatibilidade com os princípios e valores fundamentais pertinentes à espécie e reconhecidos em dado momento histórico – os quais direta ou indiretamente se apresentam estipulados na Lei Fundamental.

Sempre defendemos, assim, que o texto do CPC/1973 deveria ser interpretado à luz da CF/88 a fim de ser obtida criteriosa aplicação reduzida dos préstimos da preclusão na instrução – bem presente, ainda, a premissa sedimentada pela doutrina processual no sentido de que as formas dos atos do processo não estão prescritas na lei para a realização de um fim próprio ou autônomo.

Agora, pelo sistema do Projeto, essa resolução da problemática fica evidentemente facilitada, já que maiores esforços exegéticos – de interpretação do CPC à luz da CF – deixam de se fazer indispensáveis, a partir do momento em que o próprio Codex já admite que os prazos (na instrução) podem ser dilatados pelo magistrado.

VII. A seu turno, outro movimento que se pode colocar a favor da redução dos préstimos da preclusão vem insculpido no art. 495 do Projeto do Senado, redação idêntica no Anteprojeto 166/2010, art. 489. Trata-se da eficácia preclusiva da coisa julgada material.

O art. 474 do CPC-1973 é o dispositivo que verdadeiramente aproxima de maneira menos estanque os institutos a serem diferenciados (repite-se: preclusão e coisa julgada material), à medida que corporifica a hipótese da eficácia preclusiva da coisa julgada material (também denominada “coisa julgada implícita” ou simplesmente “julgamento implícito”) – em que a eficácia do fenômeno preclusivo excepcionalmente transcende os limites do processo em que foi proferida a sentença coberta pela coisa julgada (eficácia preclusiva externa, panprocessual ou secundária).

Ocorre que, embora o art. 468 do Código Buzaid limite a força da res judicata aos limites da lide e as questões decididas, o CPC, aparentemente sem querer contrariar essa premissa, determina no art. 474 que “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”.

Assim, com o trânsito em julgado da sentença de mérito, as alegações, nos termos em que posta a demanda, que poderiam ter sido apresentadas, visando ao acolhimento do pedido, pelo autor, ou rejeição dele, pelo réu, é como se o tivessem sido, impedindo reexame em outro processo dessa matéria deduzível não trazida para o processo.

Daí figura-se que a eficácia preclusiva da coisa julgada alcança não só as questões de fato e de direito efetivamente alegadas pelas partes, mas também as questões de fato e de direito que poderiam ter sido alegadas pelas partes, mas não o foram – o que por certo não abrange a matéria fática e jurídica superveniente à decisão, e ainda as questões de fato e de direito que, mesmo não alegadas pelas partes por inércia indevida, poderiam ter sido examinadas de ofício pelo juiz, mas também não o foram.

Essa complexa questão envolvendo a exegese do art. 474 do CPC, finaliza-se, parece ter sensibilizado os doutos que trabalharam na formação do Projeto para um Novo Código de Processo Civil, já que pela redação conferida ao art. 495, o tema resta melhor esclarecido, sendo prestigiada a tese em maior voga na doutrina brasileira de interpretação restritiva dos limites da eficácia preclusiva da coisa julgada material. Nesses termos, o Projeto prevê, que “transitada em julgado a sentença de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido, ressalvada a hipótese de ação fundada em causa de pedir diversa” (grifo nosso, com a novidade introduzida pelo Projeto).

6. Movimentos ainda em aberto quanto à possibilidade de reformas no modelo atual: embargos infringentes e limites para alteração da causa de pedir e pedido

VIII. A discussão a respeito da oportunidade de um novo CPC nesse momento histórico está em aberto no Congresso Nacional, sendo feitas críticas de inúmeras ordens ao movimento de reforma extrema. Ao se discutir os últimos dois pontos da nossa apresentação (marco da alteração da causa de pedir/pedido e supressão dos embargos infringentes) é possível dar-se conta de que a redação hoje projetada, depois de muito debate e tentativas de reforma, é exatamente a mesma do Código/1973 em vigor!

Ora, não há, pois, convicção a respeito de inúmeras matérias de reforma, iniciadas pelo (a) Anteprojeto 166/2010, passando pelo (b) Projeto final do Senado 8046/2010, agora em debate mais intenso na (c) Comissão Especial da Câmara Federal (relatoria geral do Deputado Paulo Teixeira) – com a discussão de alterações na letra do último Projeto, a partir de análises críticas fixadas em cinco relatórios parciais (destaque especial para a relatoria da parte geral a cargo do deputado Efraim Filho).

Parece, pois, despropositada a necessidade de substituição completa do diploma processual, sendo viável a continuidade de aperfeiçoamento do CPC-1973, fenômeno, aliás, que vem em curso desde 1994 (primeira manifesta ruptura do sistema originário, com a implementação das medidas de antecipação das tutelas de mérito).

Mais. A impressão que se tem da leitura do Projeto aprovado no Senado para um novo CPC, como também dos relatórios parciais na Câmara Federal, é a de que não há uma brusca ruptura com o modelo processual anterior, não parecendo despropositado se acreditar que muitas das alterações sugeridas já poderiam estar em curso a partir de escorreita interpretação do atual Codex à luz da Lei Maior – como, v.g., a determinação de estabelecimento de prévio contraditório entre as partes, mesmo em matérias que possam ser declaradas ex officio pelo Estado-juiz.

Outras tópicas (e benéficas) alterações, poderiam (podem) ser objeto de projeto de alteração imediata do CPC, o que permitiria termos a alteração positiva do sistema adjetivo vigente desde já, sem a necessidade de (demorada) aprovação do pacote completo a redundar em um novo diploma – como, v.g., a razoável medida de alteração do código processual para que não se declare a extemporaneidade de recurso apresentado antes da abertura solene do prazo para oferecimento de recurso; ou a determinação, há tempos aguardada, do fim da compensação de honorários na hipótese de sucumbência parcial, diante do reconhecimento de que a verba do procurador da parte possui natureza alimentar.

IX. De qualquer maneira, cabe trazer à baila, ao tempo do encerramento do ensaio, os dois mencionados pontos polêmicos do Projeto do Senado, que realmente precisam ser melhor debatidos – sendo fortemente desaconselhado que se atinja texto final com  a redação ora vigente, conforme buscaremos demonstrar. Tratemos basicamente dos (a) limites para alterar a causa de pedir e pedido; da (b) supressão dos embargos infringentes.

Com relação à alteração da causa de pedir e pedidos podemos dizer que tivemos algum retrocesso, já que o Projeto do Senado 8046 no art. 304, II manteve a redação originária do Código Buzaid, deixando, pois, de acolher a disposição contida no Anteprojeto 166-2010, o qual permitia mudanças na causa petendi e pedido até o momento de prolação da sentença de mérito – conforme disposição do art. 314.

 Seguramente foram firmadas críticas no Senado quanto à novel disposição que permitia maior liberdade na alteração do objeto litigioso, situação que, no nosso entendimento, não poderia causar tamanha surpresa devido aos exemplos vindos do direito comparado.

De qualquer forma, o Projeto 8046-2010 possui redação realmente muito parecida com a que temos no vigente art. 294 c/c art. 264, ambos do CPC, em que não é oportunizado ao autor a alteração dos rumos da lide após a citação sem o consentimento do réu, e mesmo com o consentimento desta após o saneamento do processo.

A aludida prática no direito comparado, contrabalançando o rigorismo formal com o princípio da economia processual, e a própria concepção de um moderno processo cooperativo, indica no sentido de ser viável a relativização dessa inflexível estabilização no Brasil, em limites moderados, respeitando-se a situação cultural da nossa sociedade.

Frisemos, de antemão, que a estabilização do processo, mediante a inalteração da causa de pedir e pedido, possui duplo fundamento: um particular, com efeitos privados, consiste na realização prática do princípio da lealdade processual, o qual não consiste apenas na fidelidade à verdade, mas compreende a colocação clara e precisa dos fatos e dos fundamentos jurídicos por ambas as partes, de modo a não se surpreender, nem um nem outro, com alegações novas de fatos ou indicação de provas imprevistas. O outro fundamento da estabilização do processo é o do interesse público na boa administração da justiça, que deve responder de maneira certa e definitiva à provocação consistente no pedido do autor.

Um sistema legislativo que permitisse livremente a alteração dos elementos da ação geraria instabilidade na prestação jurisdicional e, consequentemente, nas relações jurídicas em geral. O juiz deve decidir sobre o que foi expressamente pedido, nos limites da causa petendi; sendo que se o autor tiver outro pedido, ou até deseje expor outro fato jurídico principal, que o faça, reforça-se, em processo distinto.

Essa máxima do processo civil não encontra fiel parâmetro no processo penal pátrio, cujo sistema prevê a possibilidade de adequação do pedido à verdade real (CPP, arts. 383 e 384); justificando-se nesse campo uma maior liberdade porque o processo criminal deve esgotar a atividade jurisdicional sobre todo fato da natureza (melhor composto durante a instrução), e não apenas sobre o que foi pedido formalmente (na oportunidade preambular), de modo que, no âmbito especificamente penal, se faz indispensável a existência de mecanismo de adequação do objeto do processo ao fato – desde que seja resguardado o direito ao amplo contraditório a partir do momento processual oportunizador da emenda.

Estávamos, no entanto, no atual momento do processo civil pátrio, próximos de aproximarmos as linhas sobreditas de (histórica) diferenciação para com o processo criminal; seguindo, por outro lado, uma verdadeira tradição do direito processual civil continental-europeu em que, embora haja naturais restrições implementadas pelos sistemas processuais, sensível é que as preclusões são menos rígidas e além disso o espaço de defesa das partes é consideravelmente amplo.

Isto porque o Projeto n° 166-2010 para um novo CPC, alterando sensivelmente os ditames do atual art. 264 c/c art. 294 do Código Buzaid, fixava, no art. 314, que “o autor poderá, enquanto não proferida a sentença, aditar ou alterar o pedido, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurando o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de quinze dias, facultada a produção de prova suplementar”.

O limite para a alteração da causa de pedir e pedido, pelo requerimento da parte demandante, chegou a surpreender, já que o sistema atual é absolutamente rígido (impedindo a alteração da causa de pedir e pedido após o saneamento) e passaria a ser significativamente flexível (autorizando a alteração da causa de pedir e pedido até o momento de prolação da decisão exauriente de mérito). Tal constatação, ao que parece, chegou realmente a influenciar o Senado ao tempo de aprovação da redação final do Projeto 8046-2010.

Uma solução intermediária a ser debatida na Câmara Federal, e que já tivemos a oportunidade de defender, com base na doutrina especializada, seria de se abrir a possibilidade de modificação da demanda na primeira audiência de debates (prevista no atual art. 331 do CPC), depois de esclarecidos os fatos da causa em diálogo mantido pelo órgão judicial com os litigantes, mesmo sem autorização expressa da parte não propositora da alteração, desde que fosse conveniente. Assim até esse momento de realização do evento solene, em que se buscaria inclusive uma solução amigável à contenda, poderia o autor propor a alteração da causa de pedir ou incremento no pedido, caso estivesse de boa-fé e fosse considerado oportuno pelo julgador, mesmo que não houvesse expresso consentimento do réu.

X. A respeito da inutilização dos embargos infringentes, ratificamos a nossa preocupação com a supressão de importante recurso que inegavelmente se mostra oportuno para o reexame das questões fáticas. Em inúmeras matérias com carga fática importante, muitas delas com efeito prospectivo considerável, relevante se dar à instância ad quem a possibilidade de reexame fático minudente, com formação mais sólida da posição do Tribunal em relação aos temas, por meio de seu Grupo Cível.

A disposição do Projeto do Senado, contida no art. 948, mantém a mesma linha do Anteprojeto 166-2010, no sentido de ser realmente suprimido tal recurso conjuntamente com o agravo retido. Recentemente, no entanto, na Câmara Federal, por intermédios dos relatórios parciais tornados públicos recentemente, viu-se que cresceu a crítica a essa novidade, sendo possível (até mesmo provável) que os infringentes retornem ao texto do Novo Código.

Por estas manifestações antagônicas, no Senado e na Câmara, percebe-se quão polêmica figura-se a supressão dos embargos infringentes do regime processual, já que esse é, em tese, o último recurso que a parte possui para discutir, a fundo, a totalidade das questões de fato perante o Judiciário – dada a vedação tradicional de levar tal matéria às superiores instâncias, conforme prevê especialmente a Súmula n° 07 do STJ.

 No Projeto do Senado, como dito, não estão previstos os embargos infringentes, no entanto, o parágrafo 1º do artigo 948 refere que o voto vencido, que, no CPC-73, é elemento essencial para a interposição deste recurso (artigo 530 do atual diploma), deverá ser necessariamente declarado, sendo considerada parte integrante do acórdão, com função inclusive de prequestionamento.

Seria essa uma contrapartida, em razão da supressão do recurso. Mesmo assim, entendemos pela necessidade de manutenção do recurso no regime processual, já que a busca irrefletida por efetividade não pode chegar ao ponto de dificultar a formação de decisão final qualificada, razão pela qual no ponto a efetividade deve ceder à segurança jurídica – de forma semelhante ao que se sucede, como antes escrevemos, em matéria de produção probatória na fase de instrução.

7. Considerações finais

XI. Encerramos essa apresentação ratificando a desnecessidade de um novo CPC nesse momento, nada obstante a possibilidade de constante atualização e aperfeiçoamento do diploma originário.

No entanto, pelo ritmo mais intenso de discussão do Projeto 8046/2010 na Câmara Federal, é possível que se estabeleçam avanços, com aprovação pela Câmara do aludido Projeto com alterações – o que implicará em novo encaminhamento do material ao Senado Federal para votação.

Ainda para exemplificar, uma das principais alterações sugeridas na Câmara Federal é a oportuna criação de sessão no Código para melhor regularizar o processo eletrônico – sendo proposta a incorporação dos arts. 167/172 a respeito. Parece, pois, que o novo CPC sai do papel, mas ainda sem prazo definido, diante das novidades – como a presente – que ainda podem ser incorporadas.

Em relação ao tema preclusivo, as alterações incrementadas são, no nosso sentir, positivas; não excluindo a preclusão do sistema, mas sim diminuindo os seus préstimos em questões pontuais oportunas, como: (a) a supressão do agravo retido, deixando de ser preclusivas as decisões interlocutórias de menor gravidade; (b) a diminuição do tamanho da preclusão na instrução, autorizando a dilação de prazos para a produção de provas; e ainda (c) o estabelecimento de limites restritivos ao fenômeno da eficácia preclusiva da coisa julgada material, reduzindo os efeitos potenciais da preclusão para além das bordas do processo.

Enfim, no contexto estritamente processual, sendo o CPC-73 uma obra sempre memorável, não imaginamos que a alteração da norma central do eixo do processo civil brasileiro terá o condão de sanar problemas de cunho cultural e social. Ao que se percebe das manifestações supra, o “Novo CPC” não se mostra apto a fazer a “revolução” (em nome da efetividade) que pretendia. Por certo, o novo código, caso aprovado, deve vir acompanhado de investimentos em cartórios judiciais, com autorização para o aumento do número de julgadores e de servidores do Poder Judiciário, para que se possa realmente bem atender à população que clama pela realização de justiça – questão complexa essa, que evidentemente não será resolvida simplesmente com a projetada mudança legislativa.

 

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Informações Sobre o Autor

Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities, Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA-Imed, Professor Colaborador da Escola Superior de Advocacia – ESA/RS. Professor colaborador do Centro de Orientação, Atualização e Desenvolvimento Profissional – COAD-Adv. Professor convidado de cursos de Pós-graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista.