A concessão de ofício da tutela antecipada

Resumo: Reflexões sobre a concessão ex officio da tutela antecipatória faculdade ou poder-dever do magistrado conforme interpretação de dispositivos legais e de princípios processuais especialmente em nível constitucional.

Sumário: 1. Introdução. 2. Tutela antecipada de ofício – evolução e efetividade. 3. Conclusão. Referências bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade tecer breves reflexões sobre a possibilidade de concessão ex officio da tutela antecipatória, uma faculdade ou, para alguns, um poder-dever do magistrado, extraído de alguns dispositivos legais e da interpretação sistemática de princípios processuais relevantes, inscritos principalmente na Carta Magna.

2. TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO – EVOLUÇÃO E EFETIVIDADE

Preliminarmente, deve-se logo verificar que parte do Judiciário ainda não se desvencilhou de um sistema processual já superado, resistindo ainda (não se sabe por qual receio) em aplicar o instituto da antecipação de tutela, mesmo quando requerido pela parte e presentes todos os requisitos do Artigo 273, do CPC. E isso quando, há tempos, a sua imposição de ofício já vem se tornando uma realidade.

Num dos Juizados Especiais da Comarca de Goiânia, por exemplo, negou-se a concessão de medida cautelar, requerida pela parte autora, no sentido de devolução de verba salarial, que fora indevidamente retirada da conta de cliente de certa instituição bancária, conduta esta amplamente condenada pela doutrina e pela jurisprudência. Desdenhando de situação aflitiva – já que se tratava de proventos de professora da rede pública estadual e única fonte de renda da família – o magistrado negou antecipação de tutela, antevendo um possível e irreparável dano. Para quem?

De fato, como leciona MARINONI (1997), o processo civil – “instrumento ético” – não pode prescindir do mecanismo da antecipação de tutela, que é uma técnica de “distribuição racional do tempo”, pois, infelizmente, é sempre o réu que não tem razão a se beneficiar da demora, ao contrário do autor com argumentos lídimos (alegações verossimilhantes), que irá suportar os danos.

E HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (1992) afirma:

“Se esses interesses públicos que o Estado detém no processo forem ameaçados de lesão, é claro que o juiz pode preveni-los adotando as medidas cautelares compatíveis, sem que tenha de aguardar a iniciativa ou provocação da parte prejudicada” (THEODORO JÚNIOR, p. 102, 1992).

Por isso, apesar da redação do dispositivo acima mencionado (“a requerimento da parte”); apesar do esteio de princípios como o “da iniciativa das partes” e o da “adstrição do juiz ao pedido” (ver o Artigo 128, CPC); e mesmo ao se cogitar da imparcialidade ferida do órgão judicante e de eventuais danos em fase de execução; ainda assim, em casos mesmo que extremos, deve-se reconhecer a necessidade de concessão de ofício da tutela antecipada, o que a doutrina denomina poder geral de cautela conferido ao juiz.

É que, na condução do processo, a lei atribui ao órgão judiciário poderes como os previstos no Artigo 125, CPC – “I – assegurar às partes igualdade de tratamento; II – velar pela rápida solução do litígio; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; (…)”. Sem dúvida que isso decorre do direito fundamental à tutela efetiva, previsto no Artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante não somente o acesso à jurisdição, mas também a uma tutela adequada e efetiva.

A lei processual civil possui ainda outras previsões que, sistematicamente, sustentam a concessão de ofício da tutela antecipada: pelo Artigo 461, § 3º, CPC, pode o juiz conceder a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, se achar relevante o fundamento jurídico e existir “receio de ineficácia do provimento final”; e o Artigo 798, do mesmo diploma, concede ao juiz a prerrogativa de “determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.

A Jurisprudência, da mesma forma, vem reconhecendo esta possibilidade, como em decisão unânime da Turma Recursal de Juiz de Fora (RO nº 00998-2009-035-03-00-6), que manteve decisão de 1º grau para conceder, de ofício, tutela antecipada condenando o reclamado a reintegrar a reclamante nas mesmas condições de trabalho anteriormente existentes.

E, do Agravo Regimental nº 224215/SP (1ª Turma do TRF da 3ª Região, Relator Juiz Walter Amaral, em 11-03-2002), sólidos argumentos podem ser extraídos de sua ementa:

“Em matéria de Direito Previdenciário, presentes os requisitos legais à concessão do benefício do artigo 201, V, da Constituição Federal, meros formalismos da legislação processual vigente não podem obstar a concessão da tutela antecipada ex officio, para determinar ao INSS a imediata implantação do benefício, que é de caráter alimentar, sob pena de se sobrepor a norma do artigo 273 do CPC aos fundamentos da República Federativa do Brasil, como a ‘dignidade da pessoa humana’ (CF, art. 1º, III), impedindo que o Poder Judiciário contribua no sentido da concretização dos objetivos da mesma República, que são ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’, bem como ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’ (CF, art. 3º, I e III)”

3. CONCLUSÃO

Há que se vencer, portanto, o absurdo receio de se decretar a tutela antecipada quando, mesmo sem requerimento da parte, o Estado-Juiz constata um direito violado ou ameaçado, cujo titular não pode ter contra si o tempo que decorre de todo o trâmite processual. Principalmente diante de uma norma isolada, que não condiz com o espírito legislativo mais contemporâneo, os aplicadores do Direito devem sempre buscar uma prestação jurisdicional efetiva e justa, em nome dos valores mais caros e consagrados na Lei Maior.

 

Referências bibliográficas
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença. 1. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 13. ed. São Paulo: Leud, 1992.
LIMA, George Marmelstein. Antecipação da tutela de ofício?. Jus Navegandi. Teresina. Ano 7. n. 57. 1 jul 2002. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2930>. Acesso em: 23 nov. 2011.

Informações Sobre o Autor

José Carmênio Barroso Júnior

Advogado Pós-Graduando em Direito Processual Civil – Universidade Anhanguera/Uniderp


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