Resumo: Obra juscomparativa dos sistemas de proteção do Direito à Educação na África do Sul, Brasil e Portugal, com recurso às legislações nacionais/internacionais e à jurisprudência mais relevante, tendo por fito concluir-se pela satisfatoriedade – ou não – da tutela deste Direito Fundamental nos países abordados. Busca-se, antes porém, a delimitação de conceitos imprescindíveis à análise elaborada, ex. “sistema de proteção”, entre outros. [1]
Palavras-chave: Direito à Educação, África do Sul, Brasil, Portugal, Jus comparação.
Abstract: Jus comparactive article concerning protection systems of the Right to Education in South Africa, Brazil and Portugal, using nacional/internacional legislation and the most relevant case law, with the aim to conclude about the satisfactoriness – or not – of this fundamental right in the covered countries. Seeks, before, the concepts delimitation which is essential to the analysis done, ex. “Protection system”, among others.
Keywords: Right to Education, South Africa, Brazil, Portugal, Jus comparison.
Sumário: 1. Introdução. 2. Delimitação de conceitos. 2.1 Conceitos de Educação e Direito à Educação. 2.2 Conceito de Sistema de Proteção. 3. Comparação direta. 3.1 Legislações. 3.2 Considerações gerais. 3.3 Jurisprudência. 3.3.1 Jurisprudência sul-africana. 3.3.2 Jurisprudência brasileira. 3.2.3 Jurisprudência portuguesa. 4. Conclusão. Referências.
1- Introdução.
A problemática do enfrentamento dos direitos econômicos e sociais revela-se a cada dia mais exposta no constitucionalismo contemporâneo, obrigando os ordenamentos nacionais a adotarem práticas, experimentarem medidas de estruturação e do reforçar destes direitos nos contextos pátrios, seja através das jurisprudências que inovam, da delimitação dos contornos do que vem a ser propriamente os direitos econômicos e sociais, seja ainda pela afirmação dos direitos civis e políticos por meio dos seus contíguos[2].
A educação, como um dos direitos sociais mais viscerais, tem recentemente sido tema central de estudos jurídicos, não somente pela necessidade de promoção da dignidade da pessoa humana, onde a educação é vista como um dos fatores a compor o arcabouço do mínimo existencial, como também pelo entendimento de que é por meio da educação que povos se afirmam social e economicamente e os estados fazem jus ao rótulo de Estados Democráticos de Direito.
A educação é bem social que se manifesta mais ou menos distribuído tão quanto seja complexa a justiça que o grupo social dominante submeta aos demais grupos ou que os grupos em sua totalidade entendam devido e equânime[3] às distintas esferas socais, valendo o mesmo para outros bens para além da educação. Se variados conceitos da justiça complexa coincidirem, maior a probabilidade de que os bens sociais sejam igualmente distribuídos.
Este trabalho, porém, pretende-se além do conceito de justiça (em educação), ainda que dele dependa – Sturman (1997) afirma que “no contexto escolar, a justiça social não é algo diferente de educação” – pretende-se como uma jus comparação entre os sistemas de proteção do Brasil, de Portugal e da África do Sul no tocante ao direito à educação. É possível ver principalmente no Brasil e na África do Sul um enfrentamento maior com os direitos sociais e econômicos, dado seus percursos históricos e a condição ainda atual de economias em estágio de desenvolvimento.
Alcançar tal desiderato de um estudo comparativo necessita que se utilizem a pesquisa e a elaboração de conceitos, como também o estudo dos mesmos com o fito de dar início a fase comparativa, afinal, para que haja comparação, imperioso conhecer o que se compara e quais os objetivos delineados na comparação, ainda que teoricamente.
Dentre os conceitos necessários ao trabalho almejado estão – para além do conceito de justiça em educação, como supracitado – os conceitos de Educação, Direito à Educação e de Sistemas de Proteção, abordados numa perspectiva interna dos ordenamentos, com recurso ao direito positivo, à jurisprudência dos países comparados, com recurso ao Direito Internacional.
Posteriormente à elaboração dos conceitos na esfera interna dos países, se procederá a comparação entre os conceitos, no fito de analiticamente traçar os alcances, os prós e os contras que cada conceito carrega. Tem-se em plano aqui que a elaboração dos conceitos, ainda que guarde limites iniciais no direito interno de Brasil, Portugal e África do Sul, terá em segunda medida uma referência nos sistemas regionais[4] dos quais os países respectivamente fazem parte, o sistema interamericano, o sistema africano e o sistema europeu de direito, respectivamente.
A elaboração de conceitos e seu estudo, todavia, não esgota para as ciências jurídicas a importância da educação, mais particularmente, de um direito à educação, haja vista que a educação em si fica relegada à segundo objeto quando os estudos se debruçam à existência do direito público subjetivo à educação. Os conceitos apenas servem de passo inicial no que vem o estudo dos ordenamentos, de que forma se estruturam e de que forma auxiliam na proteção do Direito à Educação.
Finalizada a etapa de traçar os conceitos necessários ao trabalho, inicia-se a etapa da busca pormenorizada – ainda que não exaustiva – nos ordenamentos jurídicos pátrios dos meios de proteção que cada sistema oferece ao Direito à Educação. Esta missão, que a primeiro momento pode parecer simples, revela-se árdua na medida em que o Direito à Educação é reconhecidamente uma estrutura complexa de garantias, as quais perfazem-se pelos conjuntos de ações e omissões com os quais o Estado e demais agentes devem comprometer-se em prol do Direito à Educação.
Acrescentam-se ainda a importância de delimitar quais são os destinatários – sujeitos de direito – das políticas públicas sociais e a verificação da eficácia jurídica das normas contidas nos ordenamentos jurídicos internos analisados no tocante à temática da educação – pelo prisma jurídico, certamente.
Quanto à metodologia, especificamente à ciência jurídica, recorremos à lição de ALMEIDA (2000), que trata em obra dedicada ao direito comparado, seu ensino e método que a realização da comparação deve ser aferida enquanto funcionalidade ao método, ou da apuração da existência de funções ou subfunções. O autor fala que a comparação deve estar radicalmente liberta de conceitos e preconceitos jurídico-dogmáticos, ao que justifica que a comparação funcional não é compatível com o pensamento axiomático-sistemático.
Dentro do método funcional, impera-nos fazer a escolha pelo caminho da macrocomparação, onde se realiza a comparação entre ordens jurídicas integradas em sistemas econômicos diferentes ou ainda em níveis distintos de desenvolvimento econômico, já que não se pode falar da existência de um grande sistema econômico equânime no cenário mundial e a comparação jurídica entre nações distintas deve refletir a sua inserção em sistemas econômicos dessemelhantes. Na macrocomparação jurídica ocorre a comparação dos sistemas jurídicos em sua globalidade, sendo o critério metodológico funcional do qual faremos uso.
Este estudo tem os seguintes objetivos: 1- Acrescentar ao leitor um conhecimento mínimo acerca dos sistemas jurídicos de proteção da África do Sul, Brasil e Portugal no que tange ao Direito à Educação; 2- Elaborar conceitos mínimos necessários ao estudo; 3- Explorar a legislação dos países comparados no tocante ao Direito à Educação; 4- Demonstrar se África do Sul, Brasil e Portugal tem sistemas de proteção hábeis à efetiva garantia de que o Direito à Educação seja um direito tutelado e atendido na prática.
2- Delimitação de conceitos.
Neste artigo científico, pretende-se o desenvolvimento de uma obra jus comparativa dos sistemas de proteção à educação em Portugal, Brasil e na África do Sul, por meio da demonstração de similitudes e diferenças no tratamento jurídico dado à educação nos países citados.
Todavia, antes de progredir à jus comparação dos sistemas protetivos intentada, faz-se imperioso o sublinhar de algumas noções sobre os objetos a serem utilizados na comparação. A conceituação se fará necessária para além dos limites de buscar nas fontes jurídicas o conceito do direito à educação nos ordenamentos jurídicos brasileiro, português e sul-africano, por quanto também se fará necessária a delimitação conceitual ao menos basilar do que vem a ser um sistema de proteção.
Como é sabido pela prática acadêmica e da leitura de qualquer obra que ouse pronunciar-se sobre o direito à educação, esta não se esgota pelo trinômio escola, aluno, aprendizado, ou ainda pela rasa ideia da transmissão de conhecimentos. A educação possui um emaranhado de valores e ações/omissões que um direito subjetivo mais complexo do que inicialmente possa parecer e apresenta-se em diversos feixes normativos que já foram anteriormente estudados pela doutrina jurídica, a exemplo do hoje questionado Direito à Qualidade de Ensino[5]. Traço quase comum nas Constituições modernas, porém, é que hoje o Direito à Educação vem a ser um direito tido por fundamental, em outros dizeres, é um dos direitos basilares de vários países no tocante à efetivação das suas opções político-governamentais[6].
2.1-Conceitos de Educação e Direito à Educação.
A educação é por muitos autores vista como uma das maneiras – quiçá um dos requisitos – para se alcançar o desenvolvimento material e o exercício concreto da ideia de Democracia, ao que justificam ser através da educação que podem ter os cidadãos de um determinado estado o conhecimento de seus direitos, deveres e desempenharem adequadamente os papéis que lhe cabem nas sociedades que integram.
Ainda que se aproximem, Educação e Direito à Educação não devem ser confundidos, haja vista que um é o objeto propriamente dito – a educação como fim em si mesmo– e o outro apenas é o viés jurídico de análise e garantia do objeto educação, qual seja, a educação como fim através do meio direito. Dado esse contorno genérico de distinção, impera agora tentar dentro dos recursos disponíveis – ordenamentos normativos, jurisprudência e doutrina – concluir pela formação de conceitos abrangentes do que venha a ser “Educação” e do venha a ser e que distingue-se desta “o Direito à Educação”.
O primeiro dos recursos utilizados será o da doutrina, haja vista que é na doutrina que encontra-se o mais amplo leque de ferramentas capazes de traçar a conceitualização dos termos, afinal, mesmo num estudo jus comparativo limitado a três nações distintas, a doutrina sobre os termos permite que se vá para além do que é tratado nos países objetos da comparação. Passemos a tal, sob a justificativa de que sendo o enfoque o jurídico, cautela-se toma na medida de buscar prioritariamente na doutrina jurídica a formação de um conceito que tende ao social, a educação – problema não encontrado quando trata-se do Direito à Educação – ainda que a educação venha a ser um conceito partilhado com demais ciências sociais[7].
ADORNO (2003) ressalta na ideia de educação sua importância como medida de adaptação do homem ao meio, orientando-o para o mundo. Mas não só, pois também teria a educação a função de permitir a racionalização de valores para além da conscientização dos papéis sociais. Vê-se que consciência que permite a racionalização, ambas por meio da educação, encontra-se o homem como sujeito do processo formativo.
Partindo para a perspectiva da educação ao prisma jurídico, segundo MARTIN[8] (2006), a Educação e mesmo a Educação em Direitos consistem nos elementos-chave que promovem a defesa dos direitos humanos e uma estratégia de desenvolvimento baseada em direitos. Completa o autor que ambas as formas pela qual a educação se dá vem a ser uma capacitação do indivíduo, que entende ocorrer pela formação das instituições essenciais aos estados desenvolvidos e de pessoas capazes de manter o aprendizado e as práticas necessárias ao desenvolvimento autossuficiente baseado em direitos. O núcleo central do autor reside no pensamento de que sem a instrução de direitos, fica a própria educação prejudicada.
A lição de Martin sobre Educação é interessante, pois evidencia a importância da educação aos direitos humanos como meio de fortalecer a educação fim, todavia merece nossa crítica pois apenas nos passa a noção rasa do que seria a educação propriamente dita, sem evidenciar a complexidade do objeto, sem mostrar como se processa a mesma e sem atribuir papéis de responsabilidade aos construtores da educação, neste caso, a quais instituições socialmente reconhecidas estaria incumbida a responsabilidade pela realização da educação.
Já CLAUDE[9](2005), numa lição mais completa, chega mesmo a afirmar que é a educação a ferramenta humana mais valiosa para o crescimento pessoal, a qual teria status de direito por ser parte integrante da dignidade humana[10].
O supracitado autor ainda divide o Direito à Educação em três dimensões essenciais, quais sejam, as dimensões social, econômica e cultural. Para ele, a dimensão social se expressa no desenvolvimento da personalidade humana dentro de um contexto comunitário, onde o indivíduo, visto como um sujeito de direitos que exerce entre eles o direito ao crescimento pessoal pode desenvolver suas potencialidades pela oferta de um arcabouço mínimo de atuações estatais.
A dimensão econômica do direito à educação, sublinha, dá-se pela capacidade do ser humano encontrar através da educação os meios de subsistência, que define como autossuficiência econômica. Justifica que é a educação que possibilita ao indivíduo a formação necessária ao desempenho de trabalhos autônomos e empregos variados.
Por fim, a dimensão cultural do direito à educação fica a cargo da orientação dada pela comunidade internacional quanto à construção de uma cultura universal pelos direitos humanos, remetendo aos diplomas modernos internacionais, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que teriam na educação para o futuro (na perspectiva dos direitos humanos) seu embrião.
Não podemos nos furtar à missão de ver como a doutrina luso-brasileira conceitua a educação e o direito à educação. NOVAIS (2010), sob a roupagem de direito ao ensino, sublinha que ainda que o Direito à Educação encontre faculdades particulares relacionadas ao direito de liberdade, este é de dimensão principalmente social (direito social).
Deste ponto temos por medida que enquanto um direito de matriz social, o direito à educação desperta a mais necessária atenção para a promoção dos diversos ambientes sociais possíveis num grupamento humano. O autor acrescenta que “todos tem direito ao bem-estar social, ao acesso aos bens protegidos pelos direitos sociais”, e a educação é um destes.
A importância desta conceituação reside na ponte que estabelece entre o Direito à Educação e o Direito de Liberdade, pois ainda que reconheça o Direito à Educação como um direito social, demonstra que é o mesmo em certa medida um exercício mínimo de liberdade por parte do indivíduo, liberdade sem a qual a educação estaria comprometida. Como veremos do estudo da Constituição Portuguesa, a liberdade foi ali mostrada como viés do Direito à Educação.
Igualmente rica ainda em correlacionar liberdade e educação, é a lição trazida por MIRANDA (2000) em seu Manual de Direito Constitucional. O autor trata em capítulo específico do Direito à Educação, o qual classifica como uma área ao mesmo tempo estratégica e de conflitos, dados os poucos consensos.
O autor evidencia que a educação decorre como corolário do princípio da liberdade de educação, que ainda que este último seja um direito autônomo, não há que conjugá-lo ideologicamente separado dos direitos e deveres dos pais, da liberdade de consciência e religião, da liberdade de criação cultural, da liberdade de expressão e informação e da liberdade de associação.
Conclui indiretamente que é por meio da educação que se promove (deve promover) o acesso aos bens culturais sem obstáculos políticos e jurídicos, estabelecendo relações salutares intra e inter família, sociedade, estado e demais instituições. A definição do Direito à Educação aqui evidenciada é tão completa que chega a ser utópica para realidades como a do Brasil e por muito tempo fora excessivamente utópica na segregação sul-africana do Apartheid.
Ainda que fuja aparentemente da percepção jurídica do tema, necessária se faz a lição de FREIRE (1980) ao afirmar que “a educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados, estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são absolutos.” A lição do renomado educador e filósofo brasileiro serve de baliza à ideia de que a educação é processo continuo, que não cessa e por isso ainda que encontre termo nas legislações, não vem a ser propriamente limitada ao que as legislações determinam.
Antecipando a comparação que será melhor evidenciada em capítulo próprio, vimos por meio do recurso às normas de Brasil, Portugal e África do Sul traçar os limites do que está diplomado como Direito à Educação e indiretamente em que consiste a própria Educação, quais são os sujeitos alvo das políticas educacionais e dos direitos correlatos, e a quem incumbe a prestação e garantia de tais direitos.
Cumpre destacar aqui que a comparação e busca destes conceitos nos ordenamentos dar-se-à tão e somente no direito atual, haja vista que este trabalho não tem por escopo fazer o resgate histórico das cartas magnas antecessoras às cartas atuais de Brasil, Portugal e África do Sul.
Sem priorizar uma ordem por um critério específico, partimos para a busca conceitual da educação e do direito à educação no ordenamento jurídico brasileiro. Na atualidade, dois são os diplomas fundamentais para o estudo exclusivo ou comparado da educação brasileira, a presente Constituição da República Federativa do Brasil[11], aprovada em 05 de outubro de 1988 – que será referida neste trabalho pela abreviatura CF/88 – e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional[12], que é a lei ordinária nº 9394 e fora aprovada em 20 de dezembro de 1996 – que será aqui referida como a LDBE. Lembra-se que a análise comparativa destes diplomas com os de Portugal e África do Sul será feita em capítulo ulterior.
O vocábulo educação aparece 55 (cinquenta e cinco) vezes na CF/88, sendo que somente em 04 (quatro) oportunidades, no nosso entendimento, ele é relevante para ajudar na delimitação de um conceito de educação – são os casos do artigo 205; artigo 206; artigo 212 § 3º; artigo 225, § 1º, VI; e finalmente do artigo 227.
O primeiro deles é o artigo mais esclarecedor, pois atribui à determinadas instituições – no sentido social do termo – a responsabilidade pela educação do indivíduo. Essa responsabilização é direta para o Estado e para a família e indireta para a sociedade, haja vista que preconiza o referente artigo que a educação é “dever do Estado e da família” por um lado, e “será promovida e incentivada em colaboração com a sociedade” por outro.
Desta distinção que aqui arguimos acerca da responsabilização direta e indireta das instituições sociais supracitadas, convém mencionar que será direta na perspectiva de que não basta ao Estado ou a família participar da educação, cabe a eles obrigatoriamente garantir, incentivar e proteger a educação – são os 03 núcleos ação destas instituições sociais reconhecidas pelos Direito. Não se escusando destes papéis também a obrigação de omitir-se em prejudicar a educação do indivíduo12[13].
Este papel estatal, SARLET (2001) reconhece e amplia, ao dizer que para além da vinculação estatal de dimensões positivas e negativas, também existe na ordem comunitária, com suas instituições privadas e com os particulares a vinculação direta com o princípio da dignidade humana. Essa dimensão tem relevância ainda que não tenha sido entendida qual a distribuição qualitativa e quantificativa dos direitos sociais – frente a escassez de recursos – neste minimo existencial à dignidade humana, ou seja, a falta de consenso na doutrina sobre quais direitos compõe o mínimo existencial, não invalida a garantia de que o mínimo existencial é o ponto de partida.
GUERRA e EMERIQUE (2006) reiteram Sarlet ao dizer que é o princípio da dignidade humana[14] que impõe um dever de abstenção e de condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a pessoa humana. Sendo a imposição que recai sobre o Estado de respeitar, proteger, e promover as condições que viabilizem a vida com dignidade. À sociedade restaria a função de colaborar com a educação, em termos mais extensos, ser o ambiente facilitador onde o indivíduo poderia desenvolver suas potencialidades.
Identificar o elemento educação como vertente da dignidade da pessoa humana – aqui como dignidade do homem concreto e individual[15] – é o primeiro passo para vê-la efetivamente como um direito de matriz fundamental, e o fazem os autores acima. Todavia neste ponto discordamos dos autores no papel atribuído à sociedade quanto ao Direito à educação, como mais a frente justificamos.
A redação final do artigo 205 foca-se no desenvolvimento de potencialidades, completando que as potencialidades deverão ser entendidas como a formação para o exercício da cidadania e a formação qualificativa para o trabalho. A sociedade revela-se, por fim, com duplo papel, o papel de contribuir para a instrução educativa do indivíduo e o papel de ser por ele também influenciada.
Esclarecimento não menos importante para a conceituação da educação no ordenamento jurídico brasileiro nos traz o artigo 206, ao elencar os princípios pelos quais estará orientado o ensino no pais. Da leitura destes princípios, em número de 08 (oito), afere-se o já aqui afirmado, acrescentando-se que a educação deverá ser livre nas manifestações de pensamento, arte e saber, abarcando um pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, sempre tendo por premissa um padrão mínimo de qualidade.
Os demais artigos supracitados da CF/88 acessoriamente reforçam o que os artigos precedentes determinam, como é o caso do artigo 212, §3º ao novamente tratar acerca da qualidade na educação – com a necessidade de uma garantia mínima neste tocante – da universalidade e da equidade na educação, com seu acesso e manutenção devendo ser garantido e facilitado a todos.
Todavia, uma nota inovadora nesse percurso tem o artigo 225, §1º, VI, ao incrementar como objetivo da educação promovida no país a temática ambiental. Assim, caberá ao Poder Público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública acerca das necessidades do meio ambiente saudável. Introduzir a noção de ambiente na formação dos povos parece-nos condição sine qua non estará o ambiente ainda mais ameaçado, fazendo jus a méritos quando da sua entrada na definição da educação por um país.
Essa preocupação coaduna-se atualmente com os objetivos do milênio, nomeadamente com o objetivo nº 07 elencado pela Organização das Nações Unidas[16], ainda que o conteúdo geral dos ODM mais trate de políticas de desenvolvimento que propriamente de direitos humanos, como afirma AZZAM (2005), ao dizer que a existência de um perceptível desligamento entre a linguagem de direitos humanos e a dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que é sintoma de uma diferença maior entre as abordagens baseadas em direitos e aquelas baseadas em necessidades de desenvolvimento.
A contribuição trazida pelo artigo 227 da CF/88 acerca da educação é que este artigo traça um contraponto entre direitos – educação, saúde, vida, entre outros – e restrições e afetações a estes. De sua leitura, novamente vê-se reforçada a ideia central do constituinte de que a educação é uma das formas imperiosas por meio da qual pode o indivíduo sozinho ou em coletividade manter-se afastado de problemas como a violência, a discriminação e a exploração.
A LDBE segue a orientação da Constituição, e de modo diferente não poderia ser, haja vista que hierarquicamente a LDBE por ser lei ordinária encontra-se abaixo dos ditames constitucionais da carta magna brasileira. Esta lei é o diploma legal mais específico sobre educação e ensino presente no ordenamento jurídico brasileiro e como o próprio nome sugere, traz principalmente em seu bojo as diretrizes e bases pelas quais deverá ser promovida – em sentido lato – a educação no país.
Logo em seu artigo 1º a LDBE consegue expandir a ideia de educação contida na CF/88, ao dispor que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na família, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”
Se na CF/88, com o artigo 205 ficava-se com a ideia superficial de que a incumbência da educação recaía diretamente ao Estado e à família e indiretamente à sociedade, com o artigo 1º da LDBE vê-se que a importância educacional é muito além de indireta, pois a educação seria o conjunto de processos formativos oriundos de inúmeras manifestações admitidas na sociedade.
Enquanto que na CF/88 a ideia é de responsabilização indireta da sociedade civil na educação do indivíduo, a LDBE revela que esta responsabilização é maior. O §2º deste artigo reitera os objetivos da educação, quais sejam, “a vinculação com o mundo do trabalho e à prática social”.
O título II da LDBE, com o artigo 3º, repete o quanto mencionado na CF/88 sobre os princípios que orientarão o ensino no país, com a observação de que enquanto a CF/88 elenca 08 (oito) princípios norteadores, a LDBE elenca 11 (onze) princípios. Todavia não basta dizer que a LDBE apenas acrescentou 03 (três) princípios ao rol anteriormente existente na CF/88, pois da detida comparação entre os artigos 3º da LDBE e o artigo 206 da CF/88 nota-se que apenas 07 (sete) princípios são equivalentes entre si. Dos diferenciados que tem relevância para a conceituação do direito à educação e da e educação, apenas entendemos os presentes nos incisos IV e X.
O inciso IV do artigo 3º da LDBE menciona o princípio do “respeito à liberdade e apreço à tolerância”. A liberdade, como fora visto na CF/88 e nas conceituações de NOVAIS e MIRANDA, deve estar presente na educação e fazer parte dos fatores que compõe o direito à educação. Inova na conceituação este inciso ao fazer menção ao apreço à tolerância. Assim, a educação deve ser promovida num ambiente não só onde prevaleça o respeito, mas também onde a tolerância de valores, crenças e costumes seja apreciada, isto tem importância basilar na conceituação da educação e seu ambiente de desenvolvimento.
Por fim, o inciso X traz a princípio da “valorização da experiência extraescolar”. É notório que grande parte deste princípio se aproxima do caput do artigo 205 ao reconhecer a sociedade como colaboradora da educação do indivíduo, porém, quando a experiência extraescolar é elevada ao nível de princípio norteador do ensino no país, vê-se novamente reforçada o pensamento anteriormente aqui elaborado de que a sociedade tem em verdade uma responsabilização direta pela educação no Brasil.
No ordenamento jurídico português, recorremos inicialmente à Constituição da República Portuguesa[17], decretada em 02 de abril de 1976, onde o vocábulo educação aparece 16 (dezesseis) vezes, sendo que somente em 07 (sete) artigos esse vocábulo auxilia-nos na conceituação da Educação e do Direito à educação. São o artigo 36 (3 e 5); artigo 43 (2); artigo 64 (2, B); artigo 66 (2, G); artigo 67 (2, C); artigo 73 (2); artigo 74 (2).
Termos igualmente importantes ao estudo e conceituação da Educação e do Direito à Educação aqui são “instrução” e “ensino”. Ainda que para as ciências pedagógicas esses termos guardem diferenças essenciais entre si[18], neste presente trabalho iremos tomá-los por análogos com o fito de não fugir da temática aqui traçada, qual seja encontrar um conceito genérico para a Educação e um conceito conclusivo para Direito à Educação. O termo “instrução” aparece apenas 02 (duas) vezes e o termo “ensino” aparece 25 (vinte e cinco) vezes na atual constituição portuguesa, que neste trabalho será tratada por CRP.
Todavia, apenas em um dos seus usos – artigo 13 (2) – o termo “instrução” nos é útil, enquanto que o termo “ensino” nos é útil no artigo 43 (3); artigo 74 (1,2) e artigo 77 (2). Com “instrução” no artigo 13, vê-se que a prática da educação em Portugal deve ser um meio pelo qual se promova a igualdade entre os indivíduos, já que o vocábulo instrução é trazido no rol de situações onde o Princípio da Igualdade deve prevalecer.
O artigo 43, ao tratar da liberdade de aprender e ensinar, garantindo-a, leciona no inciso 3 que “o ensino público não será confessional”. Para nós interessa aqui sublinhar que para o Estado português a educação dada como função estatal e, quando diretamente por ele empreendida, deverá ser feita em conjugação com a liberdade religiosa. Assim, conceitualmente o estado português reconhece para a educação o papel das religiões quando indiretamente assume que as instituições privadas façam o ensino confessional, mas desvincula-se da promoção de valores de crença religiosa específica.
Avançando, extrai-se do artigo 74, incisos 1 e 2 que o Direito à Educação – com a analogia ao termo ensino – deverá se dar por igualdade de oportunidade de acesso e êxito escolar. O estado novamente assume postura interessante na conceituação que aqui delimitamos, ao estabelecer como Direito à Educação que não basta o acesso igualitário, é necessária a garantia de oportunidades de bom desempenho quanto ao sujeito da educação, detentor do direito público subjetivo[19] de aprender (lato sensu), que nos dizeres de CANOTILHO (1997) é uma relação trilateral entre o titular, o destinatário e o objeto do direito. O titular será portanto o educando, o destinatário o estado/família/sociedade e o objeto do direito a educação é a própria educação, corolário de uma norma de direito fundamental.
Para complementarmos o conceito constitucional português de educação, vemos que o artigo 77 da CRP reconhece a participação democrática de pais, professores e outros na elaboração das políticas de ensino. Partindo para a esfera infraconstitucional, em Portugal o diploma que traz as diretrizes atuais da educação é a Lei de Bases do Sistema Educativo[20], consolidada em 30 de agosto de 2005, com o número 49/2005, mas que inicialmente fora elabora em 1986 e tendo o número 46/1986, sofreu inúmeras modificações que culminaram na legislação atual.
Da leitura da Lei de Bases do Sistema Educativo, aqui tratada por LBSE, logo no artigo 1º, 2, vês e a conceituação do Direito à Educação pelos legisladores portugueses, quando afirmam que “se exprime pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade”.
Entendemos por suficiente a conceituação, pois a mesma é completada no decorrer do texto da LBSE, quando trata dos responsáveis pela garantia do sistema educacional do país e quais são só titulares deste direito subjetivo.
Passemos à busca da conceituação do Direito à Educação e da Educação no sistema jurídico da África do Sul. A Constituição da República da África do Sul[21], que foi aprovada pela Corte Constitucional daquele país em 04 de dezembro de 1996, traz uma única seção dedicada ao Direito à educação, trata-se da seção 29, presente no capítulo 2 – Bill of Rights.
Todavia o termo educação pode ser encontrado em outras seções no intuito de dar maior clareza e garantia a determinadas situações jurídica, como no caso da seção 28, que trata das crianças e menciona que a criança não será submetida a trabalho quando isso implicar prejuízo na sua educação. Desta nota podemos inferir que o Direito à Educação na África do Sul prioriza claramente o Direito à Educação frente a outros estágios sociais.
Das determinações que nos interessam na seção 29 da Constituição Sul-africana estão a educação básica inclusive para adultos – demarcando-o também como um sujeito deste direito, haja vista que referente à educação básica comumente pensa-se em crianças – e a educação no país deve ter a dimensão de sua vastidão cultural, onde são consideradas oficiais 10 (dez) línguas tribais nativas, além do inglês, respeitando e promovendo a educação por meio da que se fizer necessária.
Para além da constituição, outro documento que auxilia na definição de educação neste país da África subsariana é o National Education Policy Act, em livre tradução, trata-se do Ato Político da Educação Nacional, emanado do gabinete presidencial em 24 de abril de 1996. No início do documento estão definidos alguns termos nele contidos, é o que ocorre com a educação: “significa qualquer educação ou formação ministrada por instituições de ensino, além de formações definidas no inciso I da Lei de Formação de Pessoal, de 1981 (Lei nº 56 de 1981)”.[22]
A definição sul-africana merece nossa crítica por ser de um lado demais genérica, onde aceita como educação qualquer ensino ministrado em instituições que regula como educacionais, e de outro ao ser restrita, quando somente aceita por educação aquilo que venha de instituições de ensino, e não tantos conhecimentos tradicionalmente passados fora destas instituições, notadamente em países africanos, onde as vocações tribais ainda tem certa relevância.
Neste ponto de elaborações conceituais, da nossa parte, podemos delinear o conceito geral da educação pelo autores e ordenamentos supracitados para o presente trabalho, ao entender a educação sim como um percurso que deva promover o crescimento pessoal do indivíduo – sendo esse um dos seus fins precípuos – ao mesmo tempo em que o habilite a relacionar-se dentro dos meios sociais comuns como a família, a escola e o mercado de trabalho, como também o prepare a exercer coletivamente a função de mediador social ou mesmo destinatário de direitos perante o estado, suas instituições oficiais e demais instituições que brotam no cotidiano nacional.
Por outro lado restaria o Direito à Educação, o qual viria a ser o instrumental garantidor – o meio que promove o fim que a educação almeja ser – do acesso ao ensino, do ensino de qualidade, da criação de infraestrutura adequada a instalação de escolas, universidades e centros de formação técnica. Onde ocorra a admissão de currículos amplos, que abarquem liberdade na formação religiosa, cívica e profissional, sem descuidar da promoção de valores ao bem comum e ao convívio em sociedade, sendo uma via de conexão com direitos básicos, como o Direito à liberdade, entre inúmeros outros.
O Direito a Educação, portanto, é apenas um feixe do emaranhado de direitos públicos subjetivos que o homem, enquanto indivíduo, mas também enquanto coletividade, necessita exercer para a sua promoção pessoal e da sociedade na qual está inserido, seja frente ao estado garantidor, seja nas relações particulares. Assim, este direito de matriz eminentemente social necessita da complementação dos demais direitos sociais, e também dos civis e políticos.
Não há que se falar em ampla proteção ao Direito à Educação quando não se faz presente o Direito à Liberdade, o Direito à Igualdade, o Direito à vida, todos expressões de um mínimo existencial pautado na Dignidade da Pessoa Humana, enquanto ente concreto e individual, mas também na Dignidade Humana, enquanto viés societário – na lição que OTERO (2007) faz da dignidade e suas nomenclaturas.
2.2- Conceito de Sistema de Proteção.
Como é sabido, a temática deste trabalho é a análise comparativa dos sistemas de proteção ao Direito da Educação no Brasil, na África do Sul e em Portugal. Já tendo analisado conceitos existentes acerca do Direito à Educação e a Educação em si, além de concluído pelo conceito que entendemos pertinente a cada um dos termos anteriormente mencionados, devemos agora partir à conceituação do que poderia ser caracterizado como um “sistema de proteção”.
A justificativa para tanto, mais uma vez sublinhamos, reside na necessidade de entender o que se compara para que a comparação efetivamente aconteça. Ao conceituar o que pode ser tratado por “sistema de proteção”, fica possibilitado o esclarecimento de quais elementos devem estar contidos na esfera de proteção dirigida ao Direito à Educação, mas não somente, haja vista que um sistema de proteção deve abarcar um conjunto mínimo de direitos, garantias e deveres correlatos.
Caberia falar da legislação tão somente? Ou deveríamos acrescentar a isso os julgamentos de casos concretos e que podem ser extensíveis a outras ocorrências, como acontece com a jurisprudência? E as políticas governamentais se enquadram como medidas de um sistema de proteção? A proteção limita-se à atuação nacional ou ainda expande-se para além dos limites das fronteiras e encontra guarida nas organizações internacionais? Seriam relatórios internacionais um exemplo bem sucedido de pressão sobre os países em prol de políticas a favor dos direitos humanos? E o que falar dos países que vem adotando planos nacionais, a exemplo do Brasil? Como é suposto saber, sistema de proteção não é dos conceitos mais comuns aos acadêmicos do Direito, ainda que seja recorrentemente utilizado tanto por operadores do Direito, como também idealizado por todos os detentores de direitos e os obrigados a deveres no seu senso comum de dever imperar alguma ordem. Quando um ordenamento jurídico regimenta uma sociedade, ele submete seus indivíduos, instituições e bens às normas e regras que positivou, como também aos princípios que reconhece e segundo os quais se norteia. Então, sim, a legislação é elemento componente de qualquer sistema de proteção.
Quanto aos casos julgados – e sua reiteração formando aquilo que se chamará jurisprudência – nada são do que a legislação entendida, processada e adequada a um caso específico, mas manifestada pelo poder teoricamente independente do legislativo, o que possibilitaria a lei um entendimento diferente daquele dos juspositivistas que defendem a interpretação da lei limitada a vontade do legislador. De nosso ponto, caberia enquadrar a jurisprudência e outros julgados como componentes de sistema de proteção.
No tocante às políticas governamentais, resta aqui uma preliminar, a qual nos indica que sendo políticas advindas de um governo legítimo e democrático, pautado por valores de liberdade, respeito e promoção social, é suposto imaginar que esse governo seja o titular ideal de um sistema de proteção, vale dizer, seria na figura existente de um estado pós-moderno, o seu instituidor e também o seu gestor.
De tal presunção, não concretizadora em todos os casos, porém, resta enxergar as políticas por este governo produzidas como almejadoras de fazer valer as suas funções precípuas, qual sejam, manter a ordem, estabilizar e combater conflitos internos e empreender a promoção de direitos civis, políticos, econômicos e sociais, sem prejuízo de demais direitos que venha a reconhecer, terminando por fazer incluir na ideia de sistema protetivo as políticas governamentais como integrantes deste.
A proteção pode ser empreendida de diversas maneiras, mas tendo em consideração a atuação soberana de um estado, há que se partir da constatação de que a proteção inicia-se pelo estado na sua esfera de ação, qual seja, no limite das suas fronteiras e domínios. Isso inicialmente contrariaria o pensamento de políticas externas. Todavia, com o paulatino crescimento e fortalecimento do direito internacional, vemos que organizações internacionais ganham a legitimação de estados – por meio de tratados, convenções e acordos – para empreender políticas visando o crescimento uniforme das nações em determinadas áreas dos direitos humanos, conforme já citamos aqui o trabalho das Nações Unidas, com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ou através dos PNDU´s[23], que são os programas encabeçados pela ONU para avaliação e acompanhamento das realidades em determinados países acerca de educação, saúde, desenvolvimento humano, entre outros.
Novamente citando AZZAM (2005) podemos ver a importância que os relatórios internacionais tem para compelir governos de países a melhorar seus investimentos em desenvolvimento social, bem como fica evidenciada a participação cada vez mais frequente de ONG´s – organizações não governamentais – nas políticas de melhoria e promoção social, quando estas hasteiam bandeiras em prol de diversos direitos humanos colocados em cheque ao redor do mundo e até realizam recomendações[24] à nações.
O autor supracitado afirma que já foi observado como os relatórios alternativos preparados pelas organizações de direitos humanos para a Comissão de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ganham força quando existe cooperação entre organizações de desenvolvimento e outras organizações relevantes nessa área. Acrescenta dizendo que também já foram confirmados os impactos dos relatórios do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – e como os significativos dados e informações que fornecem tem ajudado os ativistas de direitos em suas demandas públicas e privadas. Ou seja, é criada uma rede de proteção para além da rede estatal.
No esteio de relatórios e projetos de desenvolvimento internacionais, diversos países se comprometeram em elaborar seus próprios planos nacionais de desenvolvimento humano, no inequívoco intuito de obrigar a maquina estatal a se autogerir para o controle de metas de desenvolvimento, bem como traçar políticas acertadas e racionais na promoção dos direitos tutelados. Neste mérito, podemos citar o Brasil que já está no 3º PNDH – 3º Plano Nacional de Direitos Humanos – e que através dos planos elaborados vinculam a participação das instituições estatais, mas também da sociedade civil na coparticipação dos objetivos traçados.
Para concluirmos a definição de sistema de proteção passamos à explicação separada dos vocábulos “sistema” e “proteção”, no intuito de aparar quaisquer arestas que restem na concepção do termo que formam. Consultando Houaiss (2010), o termo “sistema” deve ser entendido por “distribuição de um conjunto de objetos numa ordem que torna mais fácil sua observação e estudo”. Ou seja, por sistema devemos compreender uma organização mínima, que se dispõe em ordem, que facilite sua observação e estudo, e na nossa concepção extensiva torna também mais fácil o alcance dos fins com que este sistema tenha sido elaborado.
Consultando o mesmo renomado gramático, o vocábulo “proteção” tem diversos enfoques, todavia, duas definições chamam a nossa atenção por se mostrarem mais condizentes com a ideia que preconcebemos do termo. A primeira delas define “proteção” como sendo “cuidado com algo ou alguém mais fraco”. Nesse ponto nos salta aos olhos a noção de que a educação seria sim um algo mais fraco perante inúmeros fatores que passamos a citar: economia, poderio bélico de determinados estados ou grupos, distribuição desigual de renda e condições dispares de acesso a meios de formação.
Neste tocante a educação coaduna-se com a necessidade de uma “proteção” que cuide da educação para promovê-la, para garanti-la, para possibilitá-la. Sem a ingerência estatal desenvolvendo uma rede ou sistema de proteção para viabilizar a educação, esta estaria sujeito aos acasos da vida social, onde somente teriam acesso à educação de qualidade e meios de formação os grupos que dentro de suas sociedades estivessem melhor preparado para lidar com situações econômicas mutáveis e processos descontínuos de educação, haja vista que a educação se dá por diversas etapas de aprendizagem.
Como já pudemos antecipar neste trabalho, contudo, a proteção que a educação e demais direitos econômicos, sociais – e por que não dizer também os direitos civis e políticos e os direitos de terceira e quarta geração, como os ambientais e coletivos – recebem não só uma parcela de proteção dos estados, mas de organizações paraestatais e organismos internacionais. O que neste tocante diferencia a proteção dada pelos estados é a capacidade estatal de encontrar meios que a tornem mais complexo o sistema de proteção criado para determinado direito ou conjunto destes.
Retornando à definição de “proteção”, a segunda conceituação a nos trazida por HOUAISS (2010) demonstra com clareza que a o Direito – neste ponto sinônimo de justiça estatal ou internacional – enquanto instituição criada pelo homem é identificável como uma das primeiras proteções a qualquer direito individual ou coletivo. Houaiss define também proteção como sendo “a legislação que protege algo e o conjuntos das medidas práticas para fazer a legislação vigente ou elaborada”.
Portanto como conceito final de sistema de proteção para este trabalho fazemos a viabilização dos diversos elementos trazidos nesse ponto 2.2 e o definimos como sendo a legislação ou práticas realizadas por parte de estados, organismos internacionais e organizações não governamentais – além de outros processos das sociedade civil – que sejam utilizado para dar guarida à legislação existente no processo de criação, adoção e promoção dos direitos humanos concebidos, a exemplo de planos de governo, relatórios sobre a aplicação de medidas e realidades sociais, jurisprudência, iniciativas populares.
O sistema de proteção se completa por ações que incentivem, garantam e promovam os direitos – nesse caso o direito à educação – como também se manifestam pelas omissões dadas cabo pelo estado para não interferir na gestão bem conduzida de processos de promoção, incentivo e garantia do direito em tela, como referimos no ponto 2.1, ao citar na doutrina as ações e omissões estatais.
Lembramos aqui que esse arrolamento não é exaustivo, ou seja, não esgota as possibilidades de proteção, tendo que ser admitida qualquer nova proposta de promoção e garantia aos direitos tutelados.
3. Comparação direita.
3.1 – Legislações.
Neste tópico exploraremos a legislação da África do Sul, Brasil e Portugal – legislação constitucional e infraconstitucional – na perspectiva de análise de 04 (quatro) pontos, que são a natureza jurídica, os sujeitos de direito, os sujeitos do dever de educar e conteúdo do direito à educação. Todavia, também mencionamos o direito internacional – nomeadamente ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (resolução nº 2.200 de 16 de dezembro de 1966 da Assembleia Geral das Nações Unidas) e o Comentário Geral nº 13[25] do Comitê das Nações Unidas para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (que trata do artigo 13, do Direito à Educação, e foi elaborado em 08 de dezembro de 1999).
Vertente jurídica do Direito à Educação e os princípios da educação.
O primeiro traço a ser mencionado no tocante ao Direito à Educação refere-se à vertente jurídica deste Direito, vale dizer, ao modo como este está reconhecido na Constituição dos países comparados, qual a atribuição que se dá ao mesmo enquanto direito social ou de liberdade a empreendida e exercido. Como já tivemos a oportunidade de mencionar, o Direito a Educação é um direito complexo, no sentido de não limitar-se à uma prestação estatal específica, mas sim a ser carente de prestações estatais diversas que vão desde ações até omissões, naqueles que são deveres de respeito, proteção e promoção por parte do estado, como está contido no ponto 46 do título II do Comentário Geral nº 13 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
Desta premissa, não se pode concluir que o Direito à Educação seja um direito apenas de viés social, como já pudemos expor a doutrina a nos trazida por CLAUDE[26]. Todavia, indo às cartas magnas sul-africana, brasileira e portuguesa vemos posições distintas neste aspecto. A constituição africana de 1996 é a mais sucinta quanto ao Direito à Educação, apenas reservando a este um único “artigo”, qual seja, a seção 29, o qual não deixa suficientemente clara a posição adotada pelo estado se este é um direito elencado como social, econômico, de liberdade ou ainda um misto deste direitos, por que nesta constituição não há explicitamente esta distinção.
O mesmo não pode ser dito das constituições brasileira e portuguesa, ao que justificamos mencionando que na constituição brasileira o Direito à Educação é explicitamente reconhecido como um direito social, como é comprovado pela inequívoca letra do artigo 6º da CF/88, que diz “são direitos sociais a educação, a saúde, alimentação…”, entre outros. É neste artigo que o termo educação é mencionado pela primeira vez no atual diploma – onde conjuntamente com outras vertentes do arcabouço mínimo da dignidade da pessoa humana, a educação é identificada como um direito de viés majoritariamente social.
Nessa altura relevante a menção de que dos três países comparados, somente Brasil e Portugal ratificaram o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O Brasil não foi signatário, mas fez a ratificação em 24 de janeiro de 1992. Portugal foi signatário em 07 de outubro de 1976 e ratificou logo após, em 31 de julho de 1978. A África do Sul, apesar de ter subscrito a esta convenção em 03 de outubro de 1994, até a presente data não ratificou este pacto. O exposto não deve, porém, ser visto como uma desídia sul-africana – apesar de isto implicar diretamente no não reconhecimento por este estado do instrumento útil que vem a ser o Direito Internacional e carece deste fomento por parte dos estados – tão só demonstra o intento da África do Sul em resolver seus conflitos internos com base nas suas próprias vicissitudes e mecanismos nacionais.
A educação figura como direito social reconhecido na constituição brasileira desde a sua criação pelo legislador constituinte em 1988, e ainda que este artigo 6º tenha vindo a sofrer 02 (duas) modificações no seu conteúdo através da alteração de redação por duas emendas constitucionais – nomeadamente as emendas nº 26 de 2000 e nº 64 de 2010 – a educação continuou a figurar como o primeiro dos direitos sociais arrolados no artigo.
Desta constatação pode-se inferir que ainda que não estejam dispostos hierarquicamente no texto constitucional, como defenderão alguns, a educação é direito de remissão imediata quando trata-se de direitos sociais. Como fora dito acima, é tanto para os educadores como para os juristas impossível imaginar a promoção social sem que esta percorra os caminhos da educação.
SIFUENTES (1999) afirma que nenhum outro direito social, de todos os previstos na Constituição Federal atual do Brasil, recebeu tratamento tão cuidadoso como o referente à educação, o que a conduz a afirmar categoricamente que é neste diploma legal o primeiro e mais importante dos direitos sociais por ele reconhecidos.
Poderia ser argumentado por alguns, todavia, que a CF/88 brasileira reconhece o Direito à Educação como direito de liberdade quando no capítulo I, artigo 5º, inciso IX, menciona que “é livre a expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Para tanto seria necessária a conclusão de que quis ali o legislador equiparar o Direito à Educação à expressão intelectual e científica, o que não nos parece devido, pois a função do legislador não deve ficar no plano do hipotético, ainda que interpretações sejam admitidas.
Um ponto que vem a clarear esta questão é o arrolamento dos princípios que nortearão a educação a ser promovida no país – que utiliza o termo “ensino” – , contidos no artigo 206. O princípio exposto no inciso II demonstra que o estado brasileiro, senão reconhece o Direito a Educação também como direito de liberdade, ao menos demonstra que este direito social para ser promovido em sua plenitude necessita de alguma liberdade. E entendimento diverso não poderia ser compreendido, pois a letra da lei é clara ao dizer que o ensino será ministrado com “liberdade de aprender e ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.”
FERREIRA (1995) afirma que este princípio elencado no artigo 206, II da CF/88 não é mais do que a velha liberdade de expressão do pensamento, trazida inicialmente no artigo 5º, IX da mesma carta magna.
Outro viés que fica demonstrado com os princípios do ensino na constituição brasileira é o da igualdade. Neste ponto recorremos ao inciso anterior do mesmo artigo 206, que menciona que o ensino será ministrado com “igualdade de condições para acesso e permanência nas escolas”.
Daí concluímos que na CF/88 o Direito à Educação é um direito social que deve ser pautado por liberdade e igualdade, mas não como direitos que se distinguem do social ou a ele se completam, tão somente como princípios.
Neste certame, FERREIRA (1995) evidencia que a igualdade de condições aqui referida não pode ser a a igualdade jurídica, haja vista – afirma o constitucionalista brasileiro – que a igualdade jurídica já é prevista no artigo 5º, inciso I. Para ele a intenção do texto então é a de mencionar a igualdade de condições reais de acesso e permanência na escola. Concordamos com o jurista, posto ser a igualdade jurídica apenas um passo que deve materializar-se na realidade cotidiana, e foi esta a preocupação do inciso I, artigo 206 da CF/88.
A constituição portuguesa, contudo, distinguindo-se das sul-africana, explicita a natureza do Direito à Educação em seus artigos 73 a 79. E distingue-se da brasileira por elencar o direito à educação não como um direito social, e sim como um direito cultural, o que é notório pela previsão do mesmo no capítulo III, o capítulo atinente aos Direitos e Deveres Culturais. Ao nosso ver a distinção como social ou cultural apenas demonstra a importância que o estado dá aos fatores sociais e culturais na composição principal, como fonte maior, do direito à educação, sem anular a participação dos outros fatores no direito em si.
Vale dizer, se o estado português elenca o direito à educação como direito cultural significa que este estado reconhece a primazia do conhecimento produzido pela cultura enquanto maior contribuitivo para o direito à educação, já por outro lado, se o estado brasileiro o dispõe como direito social, significa que o estado brasileiro dá maior importância ao viés social como fonte da formação educativa, a exemplo da inserção em ambientes adequados de ensino e sua influência, por exemplo. É este o nosso entendimento.
Todavia, nenhum dos três recusa a importância da complementariedade das funções de liberdade, igualdade, garantias e as componentes econômicas, sociais e culturais para o Direito à Educação. O Brasil, como se viu, faz isso pelos princípios que elenca desde a constituição como sendo os que orientarão a prática do ensino, reiterando e acrescentando novos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 3º.
Portugal o faz ao determinar que “é garantida a liberdade de aprender e ensinar”, no artigo 43 do capítulo I, título II, o qual trata dos Direitos, Liberdades e Garantias. Bem como ao mencionar, no artigo 74 (1), o “direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. Portanto, o constituinte português reconhece o Direito à Educação como direito social, mas sem prescindir das liberdades, garantias e mesmo do Direito à Igualdade na educação.
Posição mais avançada é a dos juristas ALEXANDRINO e SOUSA (2000) ao demonstrarem que no diploma constitucional lusitano o artigo 73 e demais relacionam-se diretamente com o artigo 17º da CRP/76. Para os doutos juristas, além da vertente social, os direitos à educação e à cultura tem a vertente análoga de direito, liberdade e garantia. E por isto fica vedado qualquer obstáculo ao exercício dos mesmos. Não podemos deixar de concordar com o posicionamento exposto e referir que é extremamente salutar o posicionamento constitucional português e seu reflexo na doutrina.
ALEXANDRINO e SOUSA (2000) vão além ao afirmar que serão inconstitucionais todas as restrições ou obstáculos que se coloquem no acesso à escola pública. De nossa parte entendemos válido a extensão não só ao acesso, mas também ao êxito escolar, pois obstáculos a tal êxito podem ser posto e dever ser rechaçados.
Acrescentamos aqui a lição de MIRANDA (1988) que identifica algumas funções da liberdade de aprender e ensinar. Para este autor, a liberdade de ensino pode ser analisada em sentido amplo como sendo a liberdade de educação, e em sentido restrito como sendo a liberdade de escola. A primeira diz respeito à liberdade que tanto tem os alunos em aprender, como tem os professores em ministrar a educação. Já a segunda demonstra a liberdade de acesso à escola e escolha desta; a liberdade de criação de escolas (no ponto em que a distingue das escolas do estado) e a liberdade que alunos e professores devem usufruir estando na escola.
Apesar de aparentemente completa a lição, Miranda surpreende ao mostrar ainda algumas funções subordinadas e outras autônomas da liberdade de ensino. Por funções subordinadas, arrola o autor a liberdade de manifestação de pensamento; a liberdade familiar em nutrir alguns valores, escolher escolas; a liberdade de proferir religiões variadas no estado laico, entre outras convicções e, por fim, a liberdade da criação cultural. Por autônomas, ele lista a garantia do pluralismo e o estímulo pedagógico.
Na África do Sul, ainda que seja inviabilizada a afirmação de qual a natureza vertente primaz do Direito à Educação, é notória a importância que este estado concede às liberdades, garantias e à igualdade genericamente a todos os direitos que reconhece. A liberdade ainda que expressa em direitos específicos como o direito à liberdade de expressão, também está presente em artigo próprio e genérico – artigo 36 – que vem a tratar da Limitação de Direitos, e obviamente essa liberdade ali exposta se dirige também ao direito à educação.
A igualdade de mesma forma está genericamente prescrita a todos os direitos reconhecidos na constituição sul africana, tanto pela menção na artigo 36 da Limitação de Direitos, como também em artigo próprio, qual seja, o artigo 9º, que está voltada a reafirmação do Bill of Rights sul-africano. SURSTEIN (2001) fala da existência de dois tipos de constituição, as que denomina Conservadoras, elaboradas com o fito de apenas manter em ordem um estado que em teoria já desempenha bem o seu papel garantidor de direitos e as constituições Transformadoras, que lançam para os estados o desafio de promover em si mesmos uma prática de garantir direitos que não é usualmente neles encontrada.
Segundo o autor afirma, essas constituições transformadoras são mais comuns entre aquelas elaboradas no século XX, após as diálogos internacionais, tratados e convenções acerca de direitos para além dos direitos civis e políticos – evidenciando a importância do atendimento também aos direitos sócio-econômicos e culturais. Para ele a constituição sul-africana de 1996 é um exemplo claro das constituições transformadoras, quando tendo sido elaborada após o regime segregacionista do Apartheid, visou transformar a realidade social e a distribuição econômica na África do Sul e garantir que futuros governos se portem de acordo com o atendimento aos direitos socioeconômicos.
Não seria prudente, portando, imaginar que somente porque a constituição sul-africana não elenca detidamente um direito à liberdade de educação ou um direito de igualdade de acesso e permanência na escola esta não estaria a garantir e a pronunciar a liberdade e a igualdade quanto ao Direito à Educação. Isso justifica-se pelo que Surstein menciona, de ser esta uma constituição transformadora, mas nem por isso extensa. A disposição de igualdade e liberdade que dirige-se ao direito à educação na carta sul-africana deve ser encontrada nas menções genéricas que a mesma faz sobre as liberdade e garantias.
Outra aproximação entre as legislações no tocante ao Direito à Educação é que do mesmo modo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional faz no Brasil, a LBSE estabelece alguns princípios pelos quais se pautará o ensino em Portugal. Disso, porém, decorrem duas distinções, a primeira é que contrariamente à CF/88 a Constituição Portuguesa não traz esses princípios logo no texto fundamental. A segunda é que a LBSE faz a separação entre princípios gerais e princípios organizativos do ensino, separação inexistente na lei de diretrizes e bases da educação brasileira.
Na legislação infraconstitucional sul-africana – nomeadamente no equivalente a uma lei de diretrizes e bases da educação no país, devem ser destacadas duas leis, que são a National Education Policy Act e a South African School Act, ambas de 1996, sendo a primeira de 24 de abril e a segunda de 15 de novembro do referido ano. Há um capítulo a arrolar quais serão os princípios norteadores da educação no país apenas na primeira, tendo em vista que são diplomas legais que se completam. Assim, como similitude, vê-se que nos três países a legislação equiparável elenca princípio que deverão ser seguidos para a política e prática do ensino em seus territórios.
Da análise comparativa dos princípios, como já iniciamos acima ao mencionar que em Portugal existem princípios organizativos e princípios gerais, o rol de princípios sul-africanos para a educação é extenso, com 15 (quinze) princípios contidos na seção 04 da National Education Policy Act, mas sem qualquer subdivisão entre os mesmos. De alguns dos princípios arrolados, porém, o legislador fez constar na mesma seção os direitos deles derivados.
Em suma, tem-se por entendimento comum dos três países que a educação precisa estar pautada em princípios que a norteiem. Portugal foi mais minucioso na legislação infraconstitucional, mas prescindiu destes princípios no texto constitucional, à semelhança da África do Sul que tem uma constituição concisa e somente os arrolou em legislação inferior. O Brasil tanto os listou na carta magna como na legislação derivada, ainda assim acrescentando nesta última alguns ao rol constitucional.
3.2 – Considerações gerais.
Neste ponto pretende-se demonstrar similitudes e diferenças gerais acerca da educação nos países, como a quem é reconhecido o direito à educação; quais são os responsáveis pela sua ocorrência – diretos e indiretos; quais são os níveis de ensino tutelados, bem como o conteúdo atribuído à mesma. Pode-se ainda distinguir acerca do ensino publico e privado.
O Direito à Educação para a pedagogia tem como sujeito todos os indivíduos, principalmente se nos apoiarmos na perspectiva de Paulo Freire, como acima citamos, de que a educação é um processo contínuo e que jamais se encerra em fases estanques de instrução escolar ou universitária. Todos continuam a aprender em qualquer situação, seja por necessidade do indivíduo, seja pelo prazer que a educação proporcional ou ainda pela função transformadora que esta permite. Mas como a perspectiva orientadora do trabalho é a jurídica, recorremos neste momento à legislação.
Na esteira do quanto pactuado na Convenção Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os países África do Sul[27], Brasil e Portugal terminaram por seguir o modelo ali exposto de afirmação de Direitos Humanos e legislaram sobre o assunto, adotando quanto a educação direitos que em suas constituições são tidos por Direitos Fundamentais. O artigo 13º, § 2º, (1) desta convenção preleciona que os Estados-parte do pacto garantirão que o ensino primário seja obrigatório e acessivamente gratuito a todos.
Na África do Sul, a educação básica é um direito de todos, e deve ser atendida entre os 07 (sete) anos e os 15 (quinze) anos de idade, ou, conforme dispõe alternativamente a School Act na seção 3 (1), até que o aluno complete a nona série (nível). Portanto, na África do Sul a obrigatoriedade da educação se resume à educação básica que por sua vez é adstrita à educação de nível fundamental.
No Brasil a educação também é reconhecidamente um direito de todos, como se verifica no artigo 205 da CF/88 e uma incumbência atribuída solidariamente ao estado brasileiro e à família como ente nuclear onde se desenvolve o indivíduo. Ao estado a incumbência pela educação se efetivará com a oferta de educação básica, a qual deverá ser gratuita e obrigatória – que iniciar-se-á aos 04 (quatro) anos e será concluída aos 17 (anos), via de regra, pois no mesmo inciso I do artigo 208 fica permitida a oferta de ensino básico gratuito àqueles que não o tiveram na idade referida, sem previsão de exceções.
Esta disposição que obriga a oferta de educação básica e gratuita no Brasil é fruto da emenda constitucional nº 59/2009, pois anteriormente a ela, o Brasil – à semelhança de Portugal – somente previa o ensino obrigatório e gratuito do nível fundamental. Porém, com a modificação empreendia, residiu certo conflito legal acerca da gratuidade do ensino de nível médio no Brasil. Se por um lado a CF/88, no artigo 208, I, preleciona que a educação básica deve ser universal e gratuita, e no inciso seguinte menciona a universalização do ensino médio gratuito, por outro ela reconhece que o ensino médio não é universal, nem é gratuito no país perante a legislação.
Todavia, a LDBE – lei que infraconstitucional é e tem o condão de completar normas constitucionais de eficácia contida como no caso do artigo 205 – esclarece, em seu artigo 21, que deve ser entendido por educação básica o conjunto de três etapas: a educação primária, a educação fundamental e a educação de nível médio, que combinada com o inciso I do mencionado artigo 208, leva à constatação lógica de a gratuidade não estar restrita aos ensino infantil e fundamental. Não resta dúvida que a educação básica é composta pela nível médio quando o artigo 35 da LDBE afirma ser este a etapa final da educação básica.
Em Portugal, semelhantemente, a educação básica é universal, gratuita e obrigatória, conforme disposições do artigo 74 (1) e (2) (a). Todavia tem regra distinta quanto às idades de entrada e saída do aluno na educação básica obrigatória. Enquanto no Brasil a obrigatoriedade inicia-se aos 04 (quatro) anos e termina aos 17 (dezessete) anos, em Portugal a obrigatoriedade inicia-se ao 06 (seis) anos e tem termo aos 15 (quinze) anos.
A justificativa para a distinção na idade de início na obrigatoriedade da educação nos dois países reside no fato de que no Brasil a educação básica é composta pela educação infantil, nível fundamental e nível médio, a educação básica em Portugal é composta apenas do nível fundamental, em semelhança à África do Sul. Ou seja, não há previsão da educação infantil nem do nível médio como obrigatórios. Por outro lado, África do Sul, Brasil e Portugal coincidem quando estipulam que o nível fundamental deve ser de 09 (nove) anos.
Uma outra característica ainda diferenciadora é que a CRP/76 – no artigo 74, (2), e – prevê o estabelecimento progressivo da gratuidade em todos os graus de ensino, não se limitando a algumas etapas da educação, como faz o Brasil a reconhecer somente a gratuidade para a educação básica. África do Sul, porém, não menciona explicitamente sequer na constituição, sequer no National Education Policy Act ou no School Act que o ensino seja gratuito em qualquer dos níveis a serem ofertados pelo estado.
Contudo, da análise detida da texto constitucional sul-africano não é excesso afirmar que está nele implicitamente reconhecida a tendência à gratuidade do ensino, ao menos básico, já que a seção 29, (1), b fala que todos tem direitos à educação que o Estado “através de medidas adequadas, deve tornar progressivamente disponíveis e acessíveis”. Do nosso entendimento atual, onde a distribuição de renda na África do Sul é excessivamente problemática e desigual, não há que entender como adequada medida que taxe o ensino básico e universal.
Uma conclusão decorrente da análise dos artigos 208 da CF/88, 74 (2) (a) d a CRP/76 e da seção 3 (1) do School Act é que sendo obrigatória a educação básica, incorre em incumprimento de um dever público subjetivo constitucional (para Portugal e Brasil) e legal (para a África do Sul) o indivíduo que por motivos não escusáveis não buscar a sua instrução após a faixa etária prevista, quando já será plenamente capaz – ao menos em presunção – ou incorrerá nesse incumprimento a família e o estado quando não garantirem e efetivarem a educação daqueles que se encontrem na faixa etária supra, bem como dos que não sejam plenamente capazes após esse período.
Não há que se falar da não obrigatoriedade da educação de incapazes em nenhum dos 03 (três) países comparados, pois como já é notória a sua ocorrência em instituições especialmente voltadas a este fim e que contribuem para uma melhor qualidade de vida do excepcional, a legislação examinada aqui não prevê qualquer exceção no tocante a este ponto, o que reitera a sua inclusão óbvia no rol dos tutelados como sujeitos da educação nesses países prevista, ademais com as disposições previstas no inciso III do artigo 208 da CF/88; artigo 74 (2) (g) da CRP/76 e a seção 12 (5) do School Act.
A pesquisa na legislação sul-africana revela que são inúmeros os diplomas legais, emendas, projetos de lei e atos relacionados com a educação naquele país. Como a pesquisa aqui não se pretende exaustiva, já que isso implicaria um estudo deveras minucioso para os efeitos deste relatório comparativo, falemos do que é possível retratar pela visão comparativa aqui empreendida.
Medidas temos que o processo de reabilitação nacional necessário e produzido com diversos questionamentos após o regime do Apartheid dão ao caso sul africano contornos únicos, que merecem o seu reconhecimento e exposição. As TRC´s – sigla em inglês para as Comissões da Verdade e Reconciliação – que foram criadas neste país da áfrica subsariana para instaurar um discurso em prol dos direitos humanos e permitir uma reconciliação nacional mais política que individual tem aspectos positivos e negativos e pedem a exposição ainda que a maioria das violações apenas indiretamente afete o Direito à Educação.
Não queremos com isso dizer que o Direito à Educação não esteve diretamente prejudicado durante o regime do Apartheid, nem que seja somente esse o período que merece destaque da nossa parte, ocorre que dentre as atrocidades cometidas naquele país elas foram muito além da violação do direito à instrução básica e sua continuidade, elas se deram por torturas, assassinatos e processos de grotesca violação dos direitos à liberdade, entre outros.
A educação, por ser o tema central deste trabalho, terá o condão de demonstrar como o discurso de direitos humanos serviu para trazer à tona um respeito outrora inexistente na África do Sul quando se tratavam de povos considerados distintos em seus deveres e direitos. Bem como assume papel relevante na formação de novas gerações acerca do conhecimento de um passado cruel e que não pode ser repetido.
Contudo, a educação não foi um dos direitos humanos centrais na reconstrução de uma nova África do Sul, como nos afirma SAUNDERS (2008), ao falar do trabalho das Comissões da Verdade e Reconciliação, de que muitas formas de abuso (como, por exemplo, detenção sem julgamento prévio, transferências forçadas, obstáculos à liberdade de circulação e reunião, discriminação sistêmica do ponto de vista jurídico, econômico e de educação), bem como diversas formas de sofrimento (como, por exemplo, privação econômica e trauma psicológico) foram minimizadas, senão implicitamente excluídas.
A investigadora completa que os direitos humanos na África do Sul pós-apartheid foram antes definidos, fundamentalmente, como liberdade frente a (tortura ou grave maltrato) e não como acesso a (recursos, serviços, educação e oportunidades). Assim, antes de fazer valer um direito à educação propriamente dito, escolheu o estado sul africano fazer valer direitos humanos de liberdade e que promovessem uma reconciliação nacional em detrimento do reconhecimento do sofrimento individual, da indenização das vítimas e punição dos violadores dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente.
A ausência de indenizações pecuniárias às vítimas do apartheid não as permitiu aceder a serviços de educação quando o regime não mais existia, mais uma vez impedindo-as de recuperar o que fora perdido nos anos de exclusão no tocante à educação, instrução e ensino.
Na África do Sul a educação é compulsória para crianças até que elas cursem o 9º ano ou que completem 15 (quinze) anos de idade, todavia ainda é comumente possível encontrar situações na qual o Direito à Educação é violado e onde a criança sequer consegue exercer o dever que lhe é imposto de frequentar uma escola, como acontece em muitas fazenda particulares que, desde o regime do Apartheid, possuíam escolas em suas instalações como maneira de permitir aos pais das crianças que lá estudavam, trabalhar próximo aos locais, em verdade, permitia que as crianças estudassem próximo de onde o pais trabalhavam.
Na África do Sul a atribuição pela educação dá-se no mistro entre obrigatoriedade estatal e iniciativa privada – desde que respeitante à direitos fundamentais (ex. não discriminação por raça), vide nº 3 da seção 29 da Constituição da África do Sul. Com Brasil e Portugal acontece o mesmo. Desde o artigo 205 da CF/88, no Brasil fica estabelecido que a educação é dever do Estado e que este dividirá a incumbência pela mesma com a família e com toda a sociedade. Não se pode porém confundir a responsabilidade solidária aqui com a relativização da incumbência estatal pela criação de uma rede pública de ensino que alcance a todos, nos três níveis de organização federativa brasileira, a União, os Estados e os Municípios, conforme disposição do artigo 211 da CF/88.
Ressalta FERREIRA (1995) que ainda que tenham sistemas de ensino próprios, a União, os Estados e os Municípios brasileiros devem atuar em regime de colaboração, o que justifica com o argumento de que tem todas as três esferas ponto comum nos objetivos do ensino, qual seja, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (constantes no artigo 205).
O §1º do artigo 211 demonstra que a colaboração não será, porém, apenas ato de boa vontade dos governantes, pois além de manter seu próprio sistema (que compreende o sistema federal e dos territórios), a União fica obrigada a prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao 31 Distrito Federal e ao Município com o fito do desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário da escolaridade obrigatória.
Em Portugal, pela leitura e apreciação do artigo 75 da CRP/76, inciso 1, vê-se que a obrigação pelos estabelecimento de uma rede de ensino é precipuamente pública. Deverá, portanto, o Estado Português criar a rede de estabelecimentos públicos de ensino que atenda toda a demanda populacional. Todavia, como elucidar o inciso 2 do referido artigo, também reconhece o Estado Português a atuação particular no ensino, com escolas privadas ou cooperativas, cabendo ao Estado sua fiscalização nos termos da lei.
Com as mudanças de regime governamental na África do Sul, as supracitadas escolas nas fazenda sofreram inúmeras interferências, dentre as quais as alternâncias de gestores nas fazendas particulares colocou em cheque a garantia de acesso ao ensino e mesmo a qualidade do ensino praticado nas escolas, ainda que pelo Lei Escolar (School Act) de 1996, as escolas encravadas em propriedades rurais particulares tivessem reconhecidas a natureza jurídica de públicas.
Na África do Sul, o ensino básico compreende do 1º ano ao 7º ano de ensino, no qual a média de idade no ingresso ao sistema é de 07 (sete) anos de idade e de saída do ensino básico é de 13 anos para as crianças.
Os principais problemas no respeito ao Direito à Educação na África do Sul são dificuldade para acessar fisicamente as escolas, seja por falta de condições de transporte, ausência de transportes, longas distancias entre as moradias e os locais onde se situam as escolas, negação de acesso por parte de donos de fazendas onde as escolas publicas rurais se situam, burocracia na solução dos mínimos problemas de infraestrutura e gestão escolar, contratos mal elaborados e até ausência destes entre donos das fazendas comerciais e as instâncias publicas provinciais de educação, falta de fornecimento de água, eletricidade, sanitários, abusos sexuais de meninas[28].
O Schools Act reconhece que na África do Sul são possíveis escolas de natureza jurídica pública ou privada, como também ocorre no Brasil e em Portugal, todavia merece destaque neste ponto o artigo 14 do referida lei, que trata da existência das escolas rurais na África do Sul, que obedecem a um regime híbrido de gestão – tratam-se de escolas públicas em fazendas comerciais particulares que traz a figura das escolas híbridas, por serem de gestão pública em propriedades particulares, o que demanda um certo consenso e cooperação entre as esferas particular e pública.
Este artigo 14 trata de que forma estas escolas rurais serão regidas, dispondo da necessidade da elaboração de contratos entre as entidades publicas provinciais de educação e os donos das fazendas comerciais para o atendimento das necessidades básicas de cada unidade escolar – como infraestrutura, acesso, respeito ao direito de propriedade do dono da fazenda e direito à educação das crianças que frequentam as escolas nessas propriedades instaladas.
Na ausência de contratos celebrado entre as partes publica e privada, para não existirem prejuízos ao direito à educação – seu acesso, manutenção, qualidade, entre outros – deverá o membro do conselho executivo de educação proceder de forma a tomar as medidas necessárias, dentro de um período máximo de 06 (seis) meses para completar as lacunas do contrato não celebrado.
No caso da celebração do contrato, este deve conter se será pago por parte do estado algum valor pecuniário pelo uso público da terra particular a título de aluguel, como também determinar a quem incumbe a instalação e manutenção das condições mínimas para o devido funcionamento da estrutura escolar, como fornecimento de água, energia elétrica, acesso à propriedade, conservação do prédio escolar, entre outras medidas.
Um problema surge na eventualidade de venda da propriedade particular onde está estabelecida a escola pública, pois os dispositivos legais sul africanos não determinam o que deve ocorrer nesta circunstância, se o novo proprietário deve se submeter ao acordo pré-existente entre o antigo proprietário e a entidade publica provincial de educação ou se novo contrato deverá ser discutido e celebrado, muito embora a legislação determine que o ente publico deverá ser notificado com antecedência da transferência de propriedade da fazenda comercial.
Uma opção extrema que atende ao Estado é a de expropriar a fazenda comercial para fins de garantir e manter o atendimento ao Direito à Educação, conforme o artigo 58 da Lei de Escolas. Este referido artigo detalhe de que maneira será executada a expropriação da fazenda comercial onde está contida a escola pública. Todavia, embora essa seja uma medida possível por parte do estado e também exista a necessidade de estabelecimento de contrato num prazo máximo de 06 (seis) meses, é comum encontrar situações onde contrato algum fora estabelecido e o governo não avance para garantir o direito à educação de crianças na zona rural do país.
A ausência de sanções especificamente para os donos das propriedades rurais que se recusem a celebrar contratos é mais um fator que prejudica a utilização adequada das escolas publicas em propriedades rurais particulares na África do Sul. De nossa parte vemos que a natureza híbrida das escolas rurais neste país só tem acentuado os pontos negativos que a função pública e a função privada podem exercitar, sem nos parecer claro qual seria a rota alternativa para a solução deste problema a não ser pela via legislativa que clareasse mais as regras, os direitos e obrigações de ambas as partes.
Ademais, ao contrário do Brasil e de Portugal, na África do Sul a responsabilidade pela implementação das políticas nacionais de educação não são incumbências do Estado africano na figura da União, e sim na figura dos departamentos provinciais de educação. O problema de deixar a cargo dos departamentos provinciais a aplicação das políticas nacionais de educação é que dentro de um mesmo país se torna possível encontrar situações completamente dispares no tocante ao Direito à Educação, a exemplo do que acontece com as escolas rurais, onde muitas escolas operam sem a celebração de contratos entre donos de fazendas comerciais e os departamentos provinciais de educação, dificultando o seu funcionamento adequado.
Uma menção relevante sobre a Africa do Sul em referência ao Direito Internacional no tocante ao Direito à Educação é que apesar de a Africa do Sul ser signatária da Convenção Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a mesma não ratificou este tratado[29]. Sendo que este tratado dedica espaço especial ao direito à educação em seu artigo 13º. A constituição sul africana, porém, reconhece que os tratados e convenções internacionais devem fazer parte da interpretação do direito interno do país, desde que tenham sido adotados pelo ordenamento interno, o que exige a aprovação do tratado/convenção pelo parlamento, através de sua ratificação, o que não aconteceu com a referida convenção.
No campo internacional a educação ela é reconhecida como direito pelo direito internacional, como é possível ver do artigo 26 da Convenção Universal dos Direitos do Homem, o artigo 13º da Convenção Internacional de Direitos econômicos, sociais e culturais e do comentário geral nº 13 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que dedica capítulo especial a este direito. De modo geral, vê-se pela conclusão do Human Rights Watch que a sistema sul africano de direitos está de acordo com o direito internacional no tocante ao direito à educação.
Para continuarmos a comparação legislativa, em particular a comparação constitucional, mencionamos aqui tanto no Brasil quanto na África do Sul há a inequívoca menção de que poderão aceder ao ensino básico, obrigatório e gratuito para adultos, conforme o artigo 208, inciso I da CF/88 e a seção 29, 1, a) da Constituição da África do Sul. De nossa parte entendemos que apesar de não estar explicitamente colocado na constituição portuguesa, a mesma faz referência a este ensino de adultos quando prevê no artigo 74, 2, g) a figura do ensino especial.
Da análise pouco detida deste ponto, poderia o desavisado imaginar que somente quis o constituinte português referir-se à educação voltada aos portadores de deficiência. Entendemos, porém, que além de mencionar o acesso à educação para os deficientes, ao falar do apoio ao “ensino especial, quando necessário”, deu o constituinte português margem para que este ensino especial também fosse aquele ao atendimento dos quanto não puderam aceder à educação básica no período de vida devido. Cabendo ulteriormente ao Estado ajudar a suprir esta lacuna.
Este entendimento encontra fundamentação no artigo 19 da Lei de Bases do Sistema Educativo de Portugal, que lista os casos de modalidades especiais de educação escolar e entre estas, elenca em 1, c), o ensino recorrente de adultos. Os interpretes mais estritos podem enxergar no texto constitucional a educação especial como não sinônimo de modalidade especial de educação, o que para nós mostra-se um contrassenso tendo em vista o condão de ampliar o acesso aos meios educativos básicos e obrigatórios.
Por fim, comparamos ainda em que linguagens deve ser o Direito à Educação garantido nos países objetos deste estudo. Obviamente a aceitação de mais de uma língua como oficial para o atendimento do Direito à Educação dependerá da diversidade cultural existente no país quando da sua formação.
Na comparação aqui posta isto mostrasse com clareza. A África do Sul, através da seção 6 da sua constituição nacional, reconhece como línguas oficiais do país 11 (onze) idiomas, que são: Sepedi, Sesotho, Setswana, siSwati, Tshivenda, Xitsonga, Afrikaans, Inglês, isiNdebele, isiXhosa e isiZulu. O reconhecimento de tantos idiomas como oficiais traz para o Estado Sul-africano uma árdua missão de promover a manutenção de costumes tão diversificados que tiveram papel na sua formação como estado soberano.
Não bastou porém à África do Sul reconhecer os referidos idiomas como línguas oficiais do país, também dispôs no tocante ao Direito à Educação que toda pessoa tem o direito de receber a educação na língua oficial ou nas línguas oficiais a que escolherem nas instituições públicas de ensino, onde seja a educação razoavelmente praticável. Se por uma lado há o enorme desafio de o Estado Africano promover a educação obrigatória pública em 11 (onze) idiomas, indagamos aqui o que viria a ser a “educação razoavelmente praticável”, na esperança de que não seja qualquer escusa de se praticar o quanto desiderato da promoção cultural máxima que a caracteriza a África do Sul como país.
O Brasil e Portugal tem somente uma língua oficial, mas em sua preocupação com o Direito à Educação encontraram meios de valorizar a cultura e ampliar o alcance permitido à educação. O Brasil, na CF/88, o fez dispondo no artigo 210, caput, que os conteúdos mínimos para o ensino fundamental devem respeitar os valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, como também ao afirmar no seu §2º que o ensino fundamental regular será ministrado na língua portuguesa, assegurando-se, porém, que as comunidades indígenas também utilizem suas línguas maternas nos processos de aprendizagem.
Sobre isto afirma FERREIRA (1995) que foi preocupação de certos lobbies com a preservação das comunidades indígenas, observando que para todos os efeitos, a educação será ministrada no português – língua oficial do país – e pode completivamente ser ofertada também na língua indígena, nunca somente na última. Completa o constitucionalista que a língua é elemento importantíssimo para o estabelecimento do vínculo de nacionalidade. Assim, vemos que caso não tivesse a África do Sul reconhecido 11 (onze) idiomas oficiais, estaria gravemente prejudicada a sua intenção de unidade nacional.
Portugal tem a semelhança do Brasil apenas uma língua oficial, o português, mas demonstrou por seu turno a preocupação de que a linguagem gestual portuguesa – através do artigo 74, 2, h) – seja protegida e valorizada enquanto expressão cultural, mas também como instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades[30]. Como também tem o Estado Português a preocupação, nos pontos i) e j), assegurar aos filhos de imigrantes o ensino da língua portuguesa, de sua cultura e a garantia de que o Direito à Educação dos mesmos seja adequadamente efetivado. Para MORAIS, ALMEIDA e PINTO (1983) esta é um dever corolário do princípio constante no artigo 14 da CRP/76.
3.3– Jurisprudência.
O presente subcapítulo tem como objetivo não esgotar a jurisprudência local acerca da educação, pois ao mesmo tempo que é um tema que quase não foi debatido, como o caso da África do Sul, onde carece jurisprudência sobre a temática, é possível encontrar inúmeros julgados pertinentes ao Direito à Educação, como no caso de Brasil e Portugal. O fito maior deste subcapítulo, portanto, será o de apresentar a jurisprudência julgada como sendo de relevância para o Direito à Educação e assim demonstrar que os julgados ajudam a formar aquilo que entendemos ser um sistema protetivo para o atendimento do Direito à Educação. Passemos ao exame.
3.3.1 – Jurisprudência sul-africana.
Antes de enunciar um caso específico, importa aqui assinalar que o percurso jurisprudencial sul-africano não possibilitou ainda vasta número de julgados relacionados com a matéria em observação neste trabalho. E isto justifica-se pelo maior foco do que tem sido o trabalho dos juristas sul-africanos, mais preocupados no momento a garantir um rol basilar de direitos de liberdade e garantias civis, tão violadas num passado muito conhecido deste país, além de direitos sociais mais “urgentes”.
Ao examinar a jurisprudência sobre direitos sociais na África do Sul, entre os quais destacamos o repercutido Government of the Republic of South Africa and Others vs. Groot-boom and Others[31], vê-se que ao contrário do que ocorreu com força no Brasil[32] e mesmo com alguma usualidade em Portugal[33] – qual seja, a constitucionalização de direitos sociais fez-se acompanhar pela concreta configuração de políticas públicas na carta magna – na África do Sul não houve este registro, conduzindo aos Tribunais à solução dos problemas de pobreza e exclusão social[34], como nos informa ALEXANDRINO (2010).
O caso que citamos e aqui importa é o caso Christian Education South Africa versus Ministério da Educação Sul-Africano[35] (caso CTT 04/00, de 18 de agosto de 2000), que está diretamente ligado ao Direito à Educação, na vertente da liberdade de educação segundo crenças particulares, família e liberdade religiosa, tendo ocorrido perante a Corte Constitucional da Africa do Sul, numa apelação da Associação Cristã para a Educação contra a Ministro da Educação da África do Sul.
A associação supracitada, de ação voluntária e que administra inúmeras instituições de ensino no país, apelou contra a proibição legal sul-africana acerca dos castigos corporais dentro das instituições de ensino. A proibição está constante no The Schools Act, de 1996, na seção 10, e estipula que “ninguém poderá administrar punições corporais para um estudante na escola”, como também estipula que quem o fizer incorrerá em um crime e será equiparado ao crime de agressão.
A Associação Cristã para a educação inicialmente alegou perante o 1º grau que a punição tratava-se de um intromissão estatal na liberdade religiosa das famílias e também na forma como realizariam a educação de seus filhos, sob o pretexto de que na religião da qual fazem parte o castigo físico é uma medida adequada e aceite aos fins pretendidos, chegando mesmo a arrolar passagens bíblicas para a afirmação dos castigos físicos aos aprendizes.
O juiz de primeiro grau porém não admitiu a ação afirmando que os castigos físicos não representavam uma medida adequada à liberdade religiosa e a liberdade de gestão democrática do ensino, indo além ao reconhecer que tais castigos físicos ofendem a dignidade dos estudantes e a segurança das pessoas, não devendo encontrar guarida na seção 31 da Constituição Sul-africana.
Interposta a apelação, esta foi aceita pelo Tribunal Constitucional Sul-africano, que porém manteve o entendimento de que a proibição das punições físicas não eram invasão da esfera privada da educação ministrada pela instituição e que portanto, não deveria ser reconhecida como legitima, por que violadora da dignidade das crianças, e que não impedia a liberdade de religião dos pais em seus lares, tão somente no ambiente escolar, onde os castigos físicos continuariam a ser proibidos, por ser esta medida constitucional.
3.3.2 – Jurisprudência brasileira.
Vários são os casos na justiça brasileira que discutem aspectos referentes à educação como direito fundamental, desde ações ordinárias na justiça comum, como pedidos de revisão de contratos de educação ou ações de cobrança de valores devidos nas prestações escolares por particular, como também ações em tribunais superiores que visam discussões mais essenciais.
Dentre os casos superiores, elegemos como de relevante menção o julgamento da ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade – nº 1266/1995[36], que teve julgamento em 01 de junho de 2001, da qual fora requerente perante o STF o COFENEN – Confederação Federal do Estabelecimentos de Ensino e que tinha por requerida a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. O importante desta ADIn foi a discussão em plenário do Supremo Tribunal Federal a natureza jurídica do serviço de educação.
Na referida ADIn, o requerente questiona a constitucionalidade da lei estadual nº 6586/94 do Estado da Bahia, onde foram previstas algumas obrigações – nomeadamente a estipulação da lista de material escolar acompanhada da justificativa em plano de execução curricular – que não tinham previsão anterior em sede nacional, alegando que a criação de novas obrigações extrapolam a esfera legislativa dos estados no tocante à educação. A requerente alega que somente lei federal poderia criar estas novas obrigações.
Do julgamento da referida ADIn, importa salientar o entendimento do STF no tocante à natureza jurídica do serviço de educação. Apesar de o entendimento não ter sido unânime dos ministros, o STF terminou por decidir que o serviço de educação tem natureza jurídica de serviço publico não privativo, vale dizer, é um serviço publico que pode ser exercido pela iniciativa privada, independente de concessão ou licença – sendo da ótica do sujeito de direito um direito público subjetivo – desde que respeite as normas cogentes do direito à educação – tenham sido estas elaboradas pela união em via poder legislativo ordinário ou pelos estados em poder legislativo suplementar na matéria.
Para nosso trabalho, a menção a esta ADIn dá enfase à importância pública do direito à educação na medida de que essa pode ser privatizada mas até certa medida, no que não pode deixar de dar cumprimento aos dispositivos legais cogentes no tocante ao Direito à Educação no Brasil.
3.3.3 – Jurisprudência portuguesa.
Da jurisprudência relacionada ao Direito à Educação citamos o Acordão nº 148/94, do Tribunal Constitucional Português, que é repetidas vezes destacado na obra de ALEXANDRINO e SOUSA (2000) quando dos comentários dos artigos da CRP/76 relacionados ao ensino e à educação. Este acordão foi fruto do exame de inconstitucionalidade da Lei nº 20/92 feito pelo Tribunal, a chamada lei das propinas, que majorava o valor das propinas cobradas no ensino público superior.
Sobre esta lei inúmeros foram os debates sociais e acadêmicos empreendidos, com vastos argumentos diversificados, seja a favor ou contrários à sua inconstitucionalidade, mesmo dentro do Tribunal Constitucional e na doutrina. Não pretendemos aqui descrever extensivamente o caso em tela, apenas dar os contornos essenciais do mesmo.
O exame do caso pelo Tribunal deu-se mais de um ano após a aprovação da lei, havendo tempo suficiente para que o debate acerca da sua constitucionalidade e razoabilidade fosse rico e acalorado, suscitando para além da progressiva gratuidade do ensino – art. 74, nº 3, al. e) da CRP/76 – outras normas e princípios da carta portuguesa, como o princípio da igualdade, por exemplo, e até o exame teórico da condição econômica dos estudantes.
O Tribunal somente entendeu inconstitucionais pequena parte da lei, nomeadamente as partes: do art. 6º, nº 2, que conjugado com o art. 16, nº 2, permitia o aumento das propinas em fixação acima dos 25% para os anos letivos de 1993/94 e 1994/95; e a parte do art. 11, nº 1, que não fixava limite máximo da percentagem para a determinação da matrícula. Em ambos os casos por violação do art. 74, nº 3, al. e) da Constituição Portuguesa. Tudo mais fora entendido como constitucional e portanto válido a majoração das propinas desde que não representasse um aumento significativo e fosse de acordo com um índice de correção escolhido (no caso o índice de preços ao consumidor).
Dos principais argumentos citados por GOUVEIA (1995) para contornar a inconstitucionalidade da medida e a letra do art. 74, nº 3, al. e) destacam-se 03 (três) tipos, segundo o autor: a) os que transformam a gratuidade do ensino num conceito relativo e esquivo de capacidade econômica; b) os que reconhecem à norma constitucional que determina a progressiva gratuidade do ensino uma eficácia jurídica meramente parcial em face do que caracteriza dogmaticamente uma norma programática; c) os que pela completa diluição da eficácia jurídica da norma programática ali prevista apontam para a progressiva gratuidade do ensino como uma eficácia puramente política e não sindicável juridicamente.
Gouveia, em posicionamento ao qual nos filiamos por completo, demonstra que tanto a doutrina majoritária como o decisório do Tribunal Constitucional falharam por furta-se ao entendimento de que as medidas previstas na lei eram verdadeiramente inconstitucionais no ponto que majoravam as propinas ao argumentar que qualquer caminho contrário à progressiva gratuidade das propinas furtava-se ao quanto tutelado no art. 74, nº 3, al. e). E conclui pelo papel excessivamente político desempenhado no julgado do Tribunal Constitucional, o qual deveria ter sido preponderantemente técnico.
Trazemos esse caso à análise por dois motivos, primeiro a repercussão tamanha que teve no meio social, bem como por sua riqueza argumentativa que levou ao exame inúmeros fatores componentes mínimos e máximos do que vem a ser o direito fundamental à educação, entre os quais podemos exemplificativamente citar o acesso ao ensino enquanto vertente de liberdade do Direito à Educação e as igualdades formal ou material na prestação dos serviços públicos de educação.
4 – Conclusão.
Do estudo realizado acerca da legislação dos países comparados, entendemos que os mesmos possuem uma legislação satisfatória para o devido atendimento do Direito à Educação, cada qual à sua medida, mas todos os três almejando progressos nesse campo tão sensível e ao mesmo tempo tão vital a qualquer nação que se pretenda desenvolvida. Obsta, porém, saber distinguir que a simples existência de uma legislação constitucional e infraconstitucional garantidora e promovente do Direito à Educação não é sinônimo de que a realidade deste direito esteja em sintonia com os ditames legais.
Relatórios pontuais de organizações independentes, a exemplo da Human Rights Watch, demonstram que os três países ainda violam fortemente o Direito à Educação da suas populações. Ultrapassar o campo limítrofe entre a tutela do Direito à Educação e sua efetivação no cotidiano nacional é tarefa árdua que manifesta-se não somente quanto a este direito social, pois que também alcança todos os demais direitos sociais, entre outros tipos de direitos.
Neste ponto volta-se o desafio aos agentes estatais, em interação com demais os agentes sociais, para encontrar caminhos que sirvam de ponte entre o direito positivado (teoria) e a realidade social interna (prática) e possam ser equânimes a todos os titulares de direitos públicos subjetivos como o caso do Direito à Educação.
O Brasil e a África do Sul são completamente dispares na constitucionalização de políticas públicas, as quais servem como uma das medidas aptas a fazer a conexão supracitada necessária. E Portugal, por seu turno, encontra-se a meio caminho entre Brasil e África do Sul, pois que não constitucionalizou excessivamente políticas públicas como o primeiro, nem deixou totalmente de lado as mesmas no texto constitucional como o segundo.
Disto, restam portanto consequências distintas em relação a como deverá atuar o judiciário respectivo de cada país para servir aos anseios populacionais no atendimento dos direitos tutelados. Todavia, a medida desta atuação encontra grande parte de sua correspondência num fator extremamente mutável e volátil que é a política, a qual submete interesses coletivos e positivados a interesses restritos e que servem de critério para a interpretação da norma na ótica conveniente ao grupo dirigente. O judiciário dos três países comparados, majoritariamente o de altas instâncias, deve pautar-se em princípios e noções estritamente técnicas da ciência jurídica, a exemplo do exame da alocação razoável e adequada de recursos, num autocontrole renovável de não empreender julgamentos políticos. Atualmente, porém, vê-se que são rotineiros – nos tribunais superiores dos três países estudados – julgamentos de alta importância influenciados nos decisórios emitidos por questões estritamente políticas e que fogem ao que deveria ser o âmbito do direito.
Portanto, entendemos que em que pese os três países encontrarem-se em níveis de desenvolvimento econômico e social distintos, é bem verdade, e isso deveu-se a processos históricos também diversos, vê-se que todos eles possuem uma tutela mínima satisfatória do Direito à Educação, no plano legislativo, aliada à possibilidade de o judiciário intervir moderadamente – sob pena de invadir a esfera de ação do executivo – na efetivação de políticas públicas capazes de promover, garantir e proteger o Direito à Educação. Por fim, conta-se ainda com a vocação política do executivo em por em prática o que a legislação lhe permite e também obriga, qual seja, esforçar-se para melhorar as condições de acesso à escola, êxito, a qualidade do ensino fornecido, entre outros inúmeros componentes deste direito inequivocamente complexo.
Informações Sobre o Autor
João Luiz Quinto Pereira
Mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade de Lisboa, graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Servidor Publico do Tribunal de Justiça da Bahia