Resumo: O presente artigo cuida das tutelas de urgência no âmbito processual tributário. É analisada tanto a vertente prática quanto teórica do instituto que é muito utilizado tanto pelo Fisco quanto pelo contribuinte. Consequentemente, o estudo foca na medida cautelar fiscal e nas tutelas de urgência em geral.
Palavras-Chave: Direito Tributário. Processo Tributário. Cautelar Fiscal. Tutelas de Urgência Tributária.
Abstract: The following article deals with the urgency proceedings in the procedural tax law field. It’s an analysis concerning the theoretical and practical aspects of this procedure well known to be utilized both by the fiscal authorities and taxpayers. The study focuses on the tax fiscal proceedings and on the urgency procedures as well.
Keywords: Procedural Tax Law. Tax Law. Procedural Law.
Sumário: Introdução. 1) Teoria geral das tutelas de urgência. 1.1 Dois tipos de tutelas de urgência: cautelar e antecipatória 2)Ação Cautelar e Direito Tributário. 3) Medida Cautelar Fiscal. 4)A indisponibilidade de bens do artigo 185-A do CTN 5)Tutelas de urgência e sua utilização pelo contribuinte. 6)A jurisprudência sobre o tema. Conclusão. Referências.
Introdução
A sistemática processual atual elegeu como meta o chamado processo de resultados. Ocorre que, mesmo com o aprimoramento técnico alcançado pela ciência processual, sobrevive seu maior inimigo, o tempo. Como sabemos, o tempo traz riscos ao processo, riscos que se manifestam de formas variadas: desde o perecimento do bem da vida até a entrega tardia e sem efeito da prestação jurisdicional.
Entendemos que tal constatação é realçada na lide tributária por conta das mais variadas peculiaridades e interesses envolvidos, inclusive por a doutrina pontuar que a relação do direito tributário com o processo civil é intensa[1]. De qualquer forma, o que merece ficar sedimentado neste primeiro momento é o efeito inexorável do tempo sobre o processo. Para driblar tal realidade é que surgem as medidas cautelares, como técnica adequada, para que o processo cumpra seu papel de forma efetiva. Conceder tardiamente, ou até mesmo se ver na impossibilidade de conceder em face da demora efetivada pode significar a falência de todo o sistema.
Atento ao tema, o constituinte derivado promoveu uma mudança paradigmática no artigo 5º de nossa Constituição Federal, instituindo a duração razoável do processo por meio da emenda 45/04, nos seguintes termos: “LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Contudo, antes de adentrarmos o núcleo das questões que envolvem as cautelares dentro do ramo tributário buscaremos fazer uma análise da teoria geral da tutela de urgência.
1)Teoria geral das tutelas de urgência
A tutela cautelar deve ser entendida como um tipo de processo judicial. Enquanto o processo cognitivo, de conhecimento, visa declarar, condenar ou constituir, e o processo executivo a satisfazer, a tutela cautelar surge como forma de garantir o resultado prático destes processos. Em outros termos, o objetivo da tutela cautelar é garantir o resultado final do processo de conhecimento ou processo executivo a fim de impedir que a delonga do processo possa gerar algum dano aos jurisdicionados.
Exatamente por esta característica de apenas garantir o resultado do processo é que temos longos debates na doutrina a respeito da natureza satisfativa da medida cautelar. Como exemplo, podemos citar casos que visam apenas a retirada do nome do contribuinte do Serasa ou então a busca e apreensão de uma criança.
Contudo, entendemos que sustentar a natureza satisfativa das cautelares é um posicionamento contraditório. Provavelmente esta natureza dita satisfativa remonta ao período que não existia a tutela antecipatória generalizada em nosso ordenamento, de forma que para conseguir liminarmente a concessão da tutela não havia alternativa, a não ser, por meio das cautelares.
Justamente por conta desta característica não satisfativa é que citamos como características das tutelas de urgência sua natureza acessória e instrumental ao processo principal cuja utilidade e eficácia pretende preservar, podendo ser apresentada de maneira preparatória ou incidental na própria ação principal a qual será apensada. É sempre provisória e revogável por conta de sua concessão diante de uma cognição sumária.
Os requisitos gerais das cautelares, que constituem o mérito da ação cautelar, são revelados no binômio fumaça do direito e perigo da demora. O primeiro é a possibilidade de existência do direito afirmado pelo autor – fumus boni juris, a demonstração prima facie da possibilidade de existência do direito do autor. O segundo é demonstrado pelo risco de ineficácia do provimento final ocasionado pelo decurso de tempo – periculum in mora.
1.1 Dois tipos de tutelas de urgência: cautelar e antecipatória
A doutrina processualista faz diferenciação entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória, que possui outros requisitos encontrados nos artigo 273 do CPC. Esta difere da cautelar, pois não busca assegurar o resultado prático do processo nem a viabilização do direito afirmado, mas sim conceder de forma antecipada o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou então a antecipação de seus efeitos. Preceitua o artigo 273 do Código de Processo Civil:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, § 4o e 5o, e 461-A.
§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº10.444, de 7.5.2002)
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. (Incluído pela Lei nº10.444, de 7.5.2002)
Chamamos atenção para o §7º transcrito, que positivou a chamada fungibilidade de mão dupla entre as medidas. Significa que uma medida poderá ser entendida e recebida no lugar da outra se o magistrado entender mais adequada para o tratamento do caso concreto.
Esta possibilidade se dá a partir do momento que constatamos que os traços de distinção entre as medidas cautelares e antecipatórias são muito tênues, o que pode levar a constantes equívocos na prática forense. Inclusive, por conta desta semelhança e fungibilidade entre as medidas é que a doutrina passou a sustentar o gênero medidas de urgência na propedêutica processual.
2)Ação Cautelar e Direito Tributário
A doutrina[2] destaca que na década de 70 e 80 a ação cautelar inominada foi muito utilizada pelos contribuintes com a finalidade de obter providencia urgente em questão fiscal, principalmente para conseguir a suspensão da exigibilidade do crédito tributário através do depósito judicial. Contudo, posteriormente, com a possibilidade de depósito independentemente de cautelar ou de autorização judicial, tornou-se desnecessário o manejo da cautelar.
Em alguns casos a medida cautelar mostrou-se mais vantajosa que o Mandado de Segurança vez que não precisa do requisito a respeito da prova pré-constituída. Contudo, sempre foi exaltada a “vantagem” do remédio constitucional pela ausência de condenação em verba de sucumbência, nos termos da Súmula 512 STF.
De qualquer modo, a sedimentação e utilização da cautelar pelo contribuinte ocorreu com a modificação do artigo 151 CTN por meio da Lei Complementar nº 104 de 2001, ao inserir o inciso V dentre o rol de cláusulas responsáveis pela suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Nestes termos:
Art. 151 – Suspendem a exigibilidade do credito tributário
V- a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial.
O que merece ser frisado neste ponto é a utilização das medidas cautelares tributárias em duas vertentes radicalmente distintas: a primeira hipótese, a ação cautelar fiscal utilizada pela Fazenda Pública para promover o arresto de bens do contribuinte, com fundamento na lei 8397/92; e em segundo lugar, com fundamento no CPC, a tutelas de urgência movidas pelo contribuinte face ao fisco com os mais diversos objetos. .
Sob este aspecto que a doutrina[3] costuma efetuar uma classificação interessante a respeito das ações tributárias em função de dois elementos diferenciadores: primeiramente, em função da posição das partes na relação jurídico-processual, dividindo-as em exacionais, quando ostentam a Fazenda Pública no pólo ativo, e as chamadas antiexacionais, com a Fazenda no pólo passivo. Logo após temos o segundo critério diferenciador, o regramento autônomo ou não para determinada espécie de ação, quando temos a divisão em ações tributárias próprias ou impróprias.
Tratemos primeiramente da ação utilizada pelo Fisco, a chamada medida cautelar fiscal.
3)Medida Cautelar Fiscal
Conforme a classificação acima explanada, trata-se, tipicamente, de uma ação exacional própria, que ostenta no polo ativo as Fazendas Públicas da União, Estados, DF ou Municípios e suas autarquias, enquanto que o Pólo Passivo é ocupado pelo “potencial” sujeito passivo da obrigação tributária. Esta potencialidade ocorre por conta da possibilidade de ajuizamento desta ação cautelar mesmo antes da constituição do crédito tributário.
Esta ação, fundamentada na Lei 8.937, tem por finalidade obter judicialmente a indisponibilidade de bens de devedores tributários ou não tributários. A doutrina[4] ressalta que o fundamento da cautelar fiscal é exatamente obter o resultado assegurado pelo artigo 591 do CPC que dispõe que o “devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. Entendemos que esta assertiva pode ser resumida na consideração do Princípio da Realidade da Execução ou Princípio da Patrimonialidade: exatamente insculpido no artigo citado. Em outros termos, a execução recai precipuamente sobre o patrimônio do executado, e não sobre sua pessoa (com algumas exceções, tais como, a responsabilidade de terceiros como os sócios).
Essa fórmula desdobra-se em duas proposições – todos os bens do devedor respondem por suas obrigações (inclusive os que ingressarem em seu patrimônio depois de contraída a dívida ou iniciada a execução); somente os bens do devedor respondem por suas obrigações. Porém vale ressaltar que há bens do devedor que não respondem por suas obrigações (ex: bem de família) e há bens de terceiros que por elas respondem (ex: bens do sócio, como já ventilado linhas acima).
Entendemos que a análise a respeito da Cautelar Fiscal deve começar pelo estudo conjunto da Lei 8.937/92 combinada com o artigo 64 da Lei 9532/97. Reproduzimos na integra o mencionado artigo, com dois de seus parágrafos:
“Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido.
§ 3º A partir da data da notificação do ato de arrolamento, mediante entrega de cópia do respectivo termo, o proprietário dos bens e direitos arrolados, ao transferi-los, aliená-los ou onerá-los, deve comunicar o fato à unidade do órgão fazendário que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo.
§ 4º A alienação, oneração ou transferência, a qualquer título, dos bens e direitos arrolados, sem o cumprimento da formalidade prevista no parágrafo anterior, autoriza o requerimento de medida cautelar fiscal contra o sujeito passivo.”
Entendemos que esta medida administrativa é um mero inventário ou levantamento dos bens do contribuinte, uma providência burocrática que visa alimentar os bancos de dados do FISCO.
Esta medida administrativa ou arrolamento administrativo não tem nada a ver com a ação cautelar de arrolamento prevista nos artigos 855 a 860 do Código de Processo Civil. Enquanto o arrolamento administrativo se dá obrigatoriamente com a condição dos 30% de comprometimento patrimonial tributário, o arrolamento judicial somente pode ser solicitado diante de condições verificáveis pelo juiz (direito aos bens e receio de extravio, ou seja. pela demonstração dos requisitos gerais abordados no item 1 deste trabalho: o periculum in mora e o fumus boni juris.
Os objetivos também são diferentes porque o arrolamento administrativo é procedimento administrativo preparatório de uma futura e eventual medida cautelar fiscal, não surtindo efeitos autonomamente com relação aos bens arrolados que teoricamente podem ser alienados.
Passando para análise da Lei da cautelar fiscal em si, temos a Lei 8.397/92 que com as alterações da citada lei 9532/97 acima, instituiu a medida cautelar fiscal.
“Art. 1° O procedimento cautelar fiscal poderá ser instaurado após a constituição do crédito, inclusive no curso da execução judicial da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)
Parágrafo único. O requerimento da medida cautelar, na hipótese dos incisos V, alínea "b", e VII, do art. 2º, independe da prévia constituição do crédito tributário.(Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)
Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor: (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)
I – sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado;
II – tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação;
III – caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)
IV – contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)
V – notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal: (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)
a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade; (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997)
b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros; (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997)
VI – possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)
VII – aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)
VIII – tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;” (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)
O ponto delicado e que causa maior ebulição é a combinação dos §3 e §4 da Lei 9532 frente ao inciso VII da Lei 8397. A lei afirma que a alienação ou oneração de bens pelo contribuinte, sem a comunicação à unidade do órgão fazendário, já seria causa suficiente para o ajuizamento da cautelar fiscal.
Contudo, entendemos que tal desiderato fere o direito de propriedade do contribuinte, assegurado no artigo 5ª, inciso XXII, nos seguintes termos:
“XXII – é garantido o direito de propriedade.”
Ora, se o contribuinte aliena bens, de forma lícita e legítima, isto não pode ensejar nenhuma sanção ou consequência jurídica enquanto não for demonstrada a conduta tipificadora de ato ilícito. O que ocorre é que o arrolamento administrativo acaba se tornando um facilitador para o bloqueio judicial de bens do sujeito passivo mediante mero requerimento judicial do ente publico[5].
A simples alienação de bens pelo sujeito passivo não pode constituir isoladamente em condição para que seja concedido o bloqueio judicial de bens. Temos aqui uma nítida e ilegal presunção de fraude, pois a alienação é ato legal e comum na esfera patrimonial de qualquer cidadão. Se o Fisco quer bloquear bens que demonstre, sem ferir o devido processo legal e o direito de propriedade, os indícios de ilicitude que justifiquem a medida de bloqueio.
O desiderato é efetuar uma conexão automática entre o artigo 64 da lei 9532/97 e a medida cautelar fiscal para bloqueio de bens, obrigando ao sujeito passivo, em nítida, prejudicial e violadora inversão do onus probandi, demonstrar que o ato jurídico praticado não tinha finalidade fraudulenta.
A gravidade fica por conta da constatação de que nosso sistema não admite a autotutela da Fazenda, naquilo que conhecemos como proibição da utilização de meio indiretos na cobrança de tributos. Sempre o Fisco precisa da intervenção judicial para promover a constrição de bens do executado, ou seja, não podemos abrir mão da tão importante conquista da processualização tributária. Ocorre que, de modo a burlar tal garantia, criou-se um procedimento automático de bloqueio, tornando o juiz mero chancelador judicial dos efeitos constritivos do arrolamento administrativo, já que os dispositivos amarram o juiz não lhe dando alternativas para decidir de modo diverso.
No caso da cautelar fiscal, mesmo que o potencial sujeito passivo tenha domicilio certo, que não seja simulador, dissipador, insolvente, extraviador, fraudador, ou mesmo que a dívida ainda não tenha sido constituída, basta que lhe seja imputada carga tributária igual ou maior que 30% para que sofra a coerção estatal.
Um contraponto interessante é oferecido pela doutrina de Cleide Previtalli que, apesar de visualizar alguns dispositivos com constitucionalidade duvidosa a respeito do modo como o arrolamento é utilizado pelo FISCO, afirma que o arrolamento não fere princípios ou direitos constitucionais porque o cidadão já seria obrigado a arrolar seus bens e direitos na declaração anual de IR. Neste mesmo diapasão afirma que a lei 8372/92 traz saudáveis disposições visando a tutela do patrimônio publico, e para tanto, chega a citar um velho dito popular: “Quem não deve não teme”[6], afirmando que a lei não gerará maiores problemas para o cidadão que não deve ao estado.
Este posicionamento também reflete nos comentários ao artigo 7º da Lei, ao afirmar que a concessão liminar da medida decretando a indisponibilidade dos bens apontados, com dispensa de justificação prévia e caução, afina-se com os princípios constitucionais tratando desigualmente os desiguais. O afastamento da prestação de caução decorre do interesse publico envolvido, sendo que a Fazenda Publica presume-se solvente. Confira o artigo em comento:
“Art. 7° O Juiz concederá liminarmente a medida cautelar fiscal, dispensada a Fazenda Pública de justificação prévia e de prestação de caução.”
Contudo, pedimos vênia para discordar de tais posicionamentos. Entendemos justamento ao contrário. Primeiramente por conta da superestrutura que ostenta a Fazenda, com supercomputadores e acesso quase que ilimitado às informações dos contribuintes. Em segundo lugar, podemos trazer a baila o principio da eficiência administrativa. Existe uma imposição Constitucional exigindo eficiência dos órgãos públicos no trato de suas questões. Entendemos que a eficiência estaria sendo cumprida exatamente com a garantia ao contribuinte de que, caso a medida seja revertida, haverá a caução lhe resguardando.
Finalmente, podemos lançar mão de argumentos como a dignidade humana do contribuinte, que pode ter seu patrimônio invadido de forma inconstitucional, e pior, muitas vezes por um ente público que não costuma honrar com suas obrigações – vide a fila dos precatórios.
Isto nos leva a crer que a concessão da medida deveria ser mais rígida quando envolve interesses fazendários. Somos adeptos de uma administração eficiente e responsável por seus atos, já que, caso se pleiteie a medida descabidamente, caberá danos morais conforme já julgado pelas instâncias superiores em caso de inclusão errônea de contribuinte em processo executivo (STJ RESP 1.139.492 de 2011)
4)A indisponibilidade de bens do artigo 185-A do CTN
A introdução do artigo 185-A no CTN pode levar muitos intérpretes a relevar a utilidade e necessidade da cautelar fiscal em nosso sistema. Isto se dá pelo conteúdo do citado artigo que preceitua:
“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.
§ 1 A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.
§ 2 Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.”
Uma breve análise do artigo nos leva a concluir que com o advento da Lei Complementar 118/2005, inserindo o artigo 185-A no CTN, a utilidade da cautelar fiscal, muito utilizada entre 1992 e 2005, diminuiu um pouco.
Preceitua o artigo que a indisponibilidade pode ser determinada até de ofício pelo juiz. Analisando o tramite da questão temos que, citado o devedor, se não pagar nem nomear bens a penhora e não forem encontrados bens penhoráveis o juiz, de acordo com o artigo 185-A determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão a órgãos e entidades que promovem registros, sendo obrigação dos órgãos a devolução da relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.
Fredie Didier ressalta que a concessão da medida requer extrema cautela: “Consistindo tal indisponibilidade em medida de extrema violência, cumpre ao juiz aplicar, no caso, o postulado da proporcionalidade, somente determinando a indisponibilidade, se realmente não houver outro meio de garantir a execução. Deve, em suma, o juiz analisar as peculiaridades do caso concreto para, sob a égide máxima da proporcionalidade, verificar a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito da medida a ser imposta ao executado para viabilizar a satisfação do crédito. Desse modo, a decretação da indisponibilidade prevista no art. 185-A do CTN reclama prudência e ponderação, devendo o juiz determiná-la somente em casos extremos”[7].
Contudo, ainda resta uma hipótese importante onde a Cautelar Fiscal ainda pode encontrar sua utilidade, mesmo quando já tenha sido proposta a execução fiscal: sempre que o devedor não seja encontrado. Caso isto aconteça, o juiz não pode determinar a indisponibilidade de bens e direitos com fulcro no art. 185-A do CTN, pois um dos pressupostos para a aplicação da regra do Código Tributário é que o devedor seja devidamente citado. É aqui que entra em discussão o tema da prescrição intercorrente, prevista no artigo 40, §4º da lei 6830/80:
“Art. 40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição"
§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”
Neste sentido também é o enunciado da súmula nº 314 do Superior Tribunal de Justiça: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente”.
Diante desta realidade, a cautelar fiscal surge como último instrumento para que a Fazenda Pública tente evitar a suspensão da execução fiscal, de forma que o ajuizamento da cautelar é imprescindível para evitar que a prescrição intercorrente seja decretada pelo juiz e o crédito tributário fique insatisfeito.
5)Tutelas de urgência e sua utilização pelo Contribuinte
O CTN prevê situações que suspendem as medidas quanto a exigibilidade do crédito tributário. Tais casos estão previstos no artigo 151, compondo um rol a priori exaustivo[8] – isto significa que não existem outros meios para suspender a exigibilidade – inclusive, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, já que estamos diante de atividade “plenamente vinculada”, conforme preceitua o artigo 3º do mesmo diploma legal. Desta feita, podemos conceituar exigibilidade como a relação jurídica que surge no conseqüente da norma na qual o agente público estará obrigado a praticar ato de cobrança apropriado.
É neste ponto que merece análise o já citado artigo 151 do CTN ao estabelecer:
“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;
VI – o parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes.” (Grifo nosso).
Ressaltamos a importância dos incisos IV e V exatamente pela questão do tempo processual. Sabemos que o processo tributário é extremamente contundente e pode causar inúmeros danos ao cidadão contribuinte. Caso o contribuinte visualize alguma irregularidade poderá combater a exigibilidade tributária ajuizando a respectiva medida cautelar ou tutela antecipatória face ao Fisco.
Até o advento da Lei Complementar 104/01 o contribuinte era obrigado a socorrer-se das liminares em Mandado de Segurança como único remédio para “bloquear” eventual atuação prejudicial do Fisco. Contudo, com a inserção do inciso V no rol das causas suspensivas do artigo 151 a gama de opções foi aumentada, de modo que passaram a existir duas possibilidades de o Judiciário suspender a exigibilidade do crédito tributário.
Indispensável desde já ressaltar que a falta de menção expressa às mediadas cautelares, vez que o mencionado artigo faz referência apenas às tutelas antecipatórias, não significa que estão excluídas do rol, ensejando outro meio válido de suspensão da exigibilidade do crédito, inclusive por conta da fungibilidade entre as medidas já comentada linhas acima. Desta feita, caso opte pelo ajuizamento de uma cautelar inominada, deverá atentar para as regras do CPC e ajuizar a competente ação anulatória do débito ou declaratória de inexistência, no prazo legal de 30 dias. Também existe a possibilidade de efetuar-se um pedido incidental no bojo destas duas ações.
Com relação à tutela antecipatória, desde que preenchidos seus requisitos, é medida de extrema utilidade para o contribuinte, que se vê colocado no polo passivo de uma obrigação tributária.
É neste sentido que a doutrina ressalta a importância da utilização da medida neste ramo dogmático, confira nas palavras de Eduardo Marcial Ferreira Jardim[9]: “No processo tributário, a tutela antecipada traduz uma relevante conquista em prol dos direitos e garantias do sujeito passivo, uma vez que permite, por exemplo, antecipar os efeitos do pedido sempre que houver, dentre outras hipóteses, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Dessarte, diante da exigibilidade de um tributo em total desarmonia com o figurino constitucional, depara-se pertinente a tutela antecipada, em face do evidente destempero da exigência, conjugada com a irreparabilidade, quer do pagamento, quer do não pagamento. Em havendo o recolhimento do gravame, mesmo inconstitucional, restaria ao sujeito passivo enfrentar o alentado caminho da repetição de indébito, um calvário por si mesmo, enquanto a eventual falta de pagamento exporia o sujeito passivo à lavratura de auto de infração, com multas onerosas, além dos efeitos adversos da inscrição de dívida, acréscimos decorrentes e outros efeitos restringentes de direitos. A tutela in casu afigura-se compatível com as ações anulatórias ou declaratórias de inexigibilidade de tributos, ou declaratórias asseguradoras de um dado direito, a teor do direito de compensar débitos com indébitos, dentre outras”.
Interessante ressaltar posicionamento de Daniel Monteiro Peixoto ao afirmar que no momento que o CTN fala em causas de suspensão do crédito tributário, estabelece, na realidade, causas impeditivas do surgimento da exigibilidade (dependendo do momento diferentes exigibilidades estarão sendo impedidas: exigibilidade-autuação, exigibilidade-inscrição, exigibilidade-execução)[10]. Em outros termos, na opinião do autor, dependendo do momento, diferentes exigibilidades estarão sendo suspensas, uma vez que, a exigibilidade começa a surgir a partir do fato gerador e das consequentes modalidades de lançamento. Ou seja, exigibilidade de autuar, exigibilidade de homologar, etc. Assim, teria larga amplitude, pois nasce desde o fato gerador e vai até a extinção da obrigação.
Não obstante o louvável posicionamento, não é este o entendimento que vem sendo adotado. Isto porque o Fisco não poderia estar impedido de constituir o crédito tributário, a não ser que lhe fosse vedado expressamente pelo Judiciário. Explicamos melhor: ao suspender-se a exigibilidade não ficaria suspensa a possibilidade de constituição do crédito, de modo que o Fisco poderia efetuar o lançamento, mas estaria impedido de efetuar a cobrança.
É neste sentido que a doutrina pontua: “No Direito Tributário, as suspensões da exigibilidade do crédito normalmente ocorrem após o lançamento para impedir o ajuizamento da execução fiscal, como é o caso da moratória, do parcelamento, do deferimento de antecipação de tutela em sede de ação anulatória. Contudo, questão que consideramos interessante é a possibilidade de se pleitear a suspensão da exigibilidade antes do lançamento. Suponhamos então que a suspensão ocorra com o deferimento de antecipação da tutela em ação declaratória de inexistência de relação jurídica antes do lançamento. Nesse caso, considerando que a hipótese se enquadra no inciso V, do art. 151, do CTN, indaga-se se a Fazenda estaria impedida de efetuar o lançamento. A jurisprudência vem entendendo que a Fazenda não está impedida de efetuar o lançamento, de modo a evitar que ocorra a decadência, já que a mesma é um instituo jurídico que não se suspende nem se interrompe. Ademais o que se suspende é a exigibilidade do crédito e não a possibilidade de constituí-lo. Temos ainda, um fundamento próprio sobre o tema, que vem a corroborar a possibilidade do Fisco efetuar o lançamento qual seja o art. 63 da Lei 9430/96. Nesse sentido, temos que quando o juiz defere uma liminar ou uma antecipação de tutela, ele a concede com base em uma cognição sumária, pois analisa apenas a presença dos requisitos para a sua concessão, sem adentrar na análise de mérito. Posteriormente, com objetivo de julgar o mérito da causa, através de uma cognição exauriente o juiz entende que não assiste razão ao contribuinte e julga improcedente o pedido, revogando a medida liminar concedida. Nesse caso, entender que Fazenda estaria impedida de efetuar o lançamento, permitira que a decisão proferida em sede de cognição sumária, prevalecesse sobre a decisão exauriente, já que a ocorrência da decadência fulminaria o próprio crédito, não restando mais nenhuma alternativa de cobrança para Fazenda, pois a decadência extingue o crédito, na forma do art. 156, do CTN”.[11]
Pensamos ser esta uma das únicas hipóteses onde poderíamos cogitar de certa limitação na amplitude e eficácia das medidas de urgência utilizadas pelo contribuinte. A doutrina enumera outros casos de limitação da amplitude da utilização das medidas de urgência e/ou liminares. Como exemplo, podemos citar a Lei nº 12.016/2009 que concedeu nova disciplina ao Mandado de Segurança e que em seu artigo 7º, § 2 preceitua:
“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:[…]
§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.”
Entendemos que neste ponto o citado artigo é inconstitucional ao limitar o acesso e a gama de opções do contribuinte que se socorre do Judiciário. Inclusive porque o magistrado é a autoridade mais qualificada para determinar ou não a concessão da medida. Pela inconstitucionalidade da medida, as palavras pontuais de Fernando Lobo[12]: “Seja porque lei não poderia restringir o instituto da liminar, consubstancial ao writ constitucional, a ponto de tornar inócua e deformar a garantia constitucionalmente assegurada, seja porque a restrição legal não se justifica nem resiste aos requisitos mínimos de razoabilidade. O dispositivo legal em comento (art. 7º, §2º, da Lei n. 12.016, de 7—8-2009) incide em manifesta violação à cláusula do substantive due process of law, uma vez que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veicula prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos individuais, tal como tem proclamado a Suprema Corte”.
Com estas considerações ressaltamos a importância da utilização das medidas de urgência pelo contribuinte, que em muitas ocasiões se vê coagido por um processo administrativo ou judicial tributário inconsistente ou irregular.
6)A jurisprudência sobre o tema
James Marins adverte que temos poucos precedentes a respeito da Cautelar fiscal. Contudo, chama atenção para duas discussões travadas no STJ:
RESP 279.209: trata a respeito da improcedência da cautelar fiscal contra o contribuinte quando presente causa de suspensão da exigibilidade do credito.
RESP 689.472: a medida cautelar fiscal ensejadora de indisponibilidade do patrimônio do contribuinte pode ser intentada mesmo antes da constituição do crédito tributário nos termos do já analisado artigo 2º da lei.
Conclusão
O presente artigo buscou realizar uma análise sistemática do processo civil e do direito tributário, analisando as medidas de urgência tanto em sua vertente teórica como pragmática. Se a medida cautelar fiscal é uma importante arma para o Fisco, a utilização das medidas de urgência pelo contribuinte são indispensáveis meios de defesa, garantidos constitucionalmente e que não podem sofrer limitações pelo legislador infraconstitucional.
Informações Sobre o Autor
Braulio Bata Simões.
Especialista em Direito Tributário – IBET; Especialista em Direito Processual Civil – PUC-SP; Tecnólogo em Gestão Pública – UNISUL; MBA em Legal Administration – EPD; Mestrando em Direito Tributário – PUC-SP; Membro do IBDT; Advogado em São Paulo