Sumário: Introdução. 1. A formação de uma cidade “nova”. 1.1 A dinâmica urbana nos últimos 20 anos na Cidade. 1.2 O conceito de “cidade nova”. 2. O Direito Urbanístico e sua evolução. 2.1 O Estatuto da Cidade – 2001, novos desafios. 2.2 Os Planos Diretores da Cidade do Rio de Janeiro – 1992 e 2011. 2.3 Os Programas: Favela Bairro & Morar Carioca . Considerações Finais.
Introdução
Esta temática trata das transformações sofridas no espaço urbano do Rio de Janeiro – RJ, propostas com respaldo jurídico pelos dois últimos Planos Diretores. Os Programas Favela Bairro e Morar Carioca, representam as alterações sociais e ambientais desse espaço, provenientes das mudanças em suas formas, funções, estruturas e processos de requalificação ao longo do tempo e da história. Pode-se observar que o processo de revitalização ou requalificação, vem ocorrendo nas cidades/capitais brasileiras, prioritariamente, nas áreas portuárias, onde havia capital investido em equipamento e infraestrutura urbana. Com o processo de expansão urbana observa-se uma decadência de áreas centrais nas quais os prédios históricos sofrem continuamente descaracterização, tombamentos com fins escusos, reconvenção de prédios tombados, retrofit em prédios de valor histórico e econômico e desapropriação de edificações ou áreas sem construções que desfiguram seus aspectos iniciais acompanhada da deterioração de suas fachadas, mediante reformas e demolições. Seguindo essa tendência, as “Cidades Capitais” tem vivenciado a desvalorização de seu centro histórico que vem perdendo gradativamente suas características históricas e uma frenética investida para que tais áreas voltem a ser rentáveis pela falta de espaços de expansão na Cidade. Neste contexto inserimos as “comunidades da cidade”, áreas de aglomerados subnormais – favelas, que hoje se configuram em Regiões Administrativas, seja pelos conflitos gerados pela convivência ou pelas suas singularidades administrativas. A sociedade contemporânea se constitui de indivíduos que estabelecem entre si relações econômicas, políticas e culturais a nível globalizado.
A cidade, núcleo da organização político-administrativa em processo contínuo de transformação, é o foco da política de planejamento urbano brasileira.
A Constituição Federal de 1988, Capítulo II – Da Política Urbana, faz emergir um “novo direito” que se consolida no Estatuto da Cidade (2001) e se materializa através dos Planos Diretores.
Surge no Brasil um direito urbanístico construído como um direito à cidade. Estrutura-se um novo conceito de cidade no qual se acha inserida o conceito de sustentabilidade, compreendida como o direito às terras urbanas, à moradia, à infraestrutura urbana, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer. Entretanto, alguns questionamentos são oportunos e necessários para a compreensão dos processos de transformações socioculturais e do ordenamento jurídico, enquanto pilar de sustentação dos processos.
1. Observar a tendência da cidade é suficiente para se adotar critérios que visem alterar o ordenamento jurídico?
2. O que trazem as atuais políticas de planejamento urbano adotadas no Rio de Janeiro?
3. Qual o papel dado ao Plano Diretor enquanto diretriz das Políticas Públicas de Urbanização?
4. Qual o legado que os projetos de reestruturação urbana deixarão na cidade, sob o ponto de vista jurídico?
5. Qual a responsabilidade do gestor público, dos parlamentares e da sociedade frente à proteção do direito à cidade?
6. Como avaliar o direito urbanístico quanto a sua aplicabilidade[1] e judiciabilidade[2]?
7. Podemos reconhecer que o Direito Urbanístico, enquanto ciência jurídica, se “emancipou” do Direito Administrativo?
Para o êxito dos processos que visam transformar os cenários urbanos, há que se avaliar e considerar, ações de ordem administrativa e jurídica, e programas em diversas esferas, inclusive na sócio educacional.
Os Estados têm a obrigação de criar e fortalecer instrumentos e instituições para que todos os habitantes do seu território possam efetivamente exercer os seus direitos. Para tal, compreender e discutir o processo de refuncionalização, revitalização, renovação, requalificação ou reabilitação urbana em relação aos efeitos econômicos, sociais e jurídicos, em que pesem as diferentes correntes conceituais sobre as expressões em destaque, se torna fundamental.
A dinâmica urbana e a sua relação com a sociedade pode ser visualizada a partir do desenvolvimento do ambiente urbano e suas transformações.
Estudar este fenômeno e a sua relação com a ciência do direito traz a tona a discussão sobre a consolidação e o desenvolvimento do direito urbanístico na cidade do Rio de Janeiro.
O direito à cidade passa pelo viés das igualdades e desigualdades dos processos.
No atual momento político brasileiro, no qual as cidades tornaram-se o foco de programas de requalificação, revitalização e refuncionalização do Ministério das Cidades e o acirramento das questões habitacionais nas grandes cidades, com a escassez de espaços para novas construções, é primordial, para o alcance de maiores níveis de compreensão dos processos, reconhecer na legislação aplicada ao urbanismo a sua interligação e independência da gestão pública. Assim, se propõe avaliar o processo de consolidação e evolução do Direito Urbanístico na cidade do Rio de Janeiro no período entre 1991 e 2011.
1. A FORMAÇÃO DE UMA CIDADE “NOVA”
O conceito de uma cidade nova, pós modernismo, reflete as transformações sociais e culturais permitindo relacionar tais transformações àquelas que se revelam no espaço urbano construído da cidade contemporânea. Assim, o que nos faz refletir, é que o habitar, propriamente dito, se vincula à cidade e não somente as edificações. O estilo de vida e as práticas culturais da população formam o pano de fundo desta nova cidade
A cidade nova passa a ser uma cidade global, mundial, alfa ou centro mundial sendo considerada um ponto nevrálgico no sistema econômico global.
Tal cidade “nova” reflete a cidade globalizada onde as relações sociais, econômicas e culturais intrínsecas produzem efeitos extrínsecos, diretos e tangíveis a nível globalizado
A cidade nova pode ser representada como um conjunto de estilos, culturas e linguagens que juntas formam um cenário onde as diferenças se evidenciam e onde o desconstruir promove um novo construir.
Neste contexto, o Rio de Janeiro representa esta cidade nova que se molda, desconstrói e reconstrói sob a ótica dos fatos futuros, onde grandes eventos esportivos e culturais, aliados ao caos urbano no que se refere ao tráfego e transporte coletivo se tornou o foco central das políticas urbanas.
1.1 A dinâmica urbana nos últimos 20 anos na Cidade.
O Rio de Janeiro, ex Capital da República, passou por diferentes momentos e processos de “urbanização” e ocupação do seu território.
Apresentando singularidades naturais e circunstâncias históricas e geográficas que definiram sua evolução, passou por diferentes processos de organização espacial revelado pelos desmontes de morros e sucessivos aterros ocorridos na cidade desde a sua fundação, imprimindo peculiaridades à sua organização territorial.
Aglomerados subnormais – favelas, habitadas por uma população de baixa renda e bairros formais coexistem. A proximidade territorial conflita com as diferenças sociais e condições de habitação. Na busca para equacionar a organização de seu espaço e suas questões sociais a cidade apresenta projetos que visam a melhoria da qualidade de vida.
“Em 1993, o Prefeito César Maia criou o GEAP – Grupo Executivo de Assentamentos Populares, que propôs seis programas habitacionais, entre eles o Favela-Bairro, que surgiu para suprir o déficit dos direitos sociais dos excluídos, propondo a integração pela urbanização, sob a ideologia de criar uma nova identidade para as favelas – a de bairros populares”. (FARIA, 2004)
O foco das políticas públicas à época, eram integrar as áreas ocupadas por tal população à cidade formal, ou seja, a implantação de saneamento e democratização de acessos e serviços, previa a intervenção nos loteamentos irregulares, implantando infraestrutura, promovendo a regularização urbanística e fundiária.
1.2 O conceito de “cidade nova”
A ciência da cidade, surge estabelecendo a visão de que existiam problemas urbanos que podem ser avaliados em seu conjunto. As questões sociais iniciam articulações com as questões urbanas.
A cidade, como estrutura física passa a interagir com as demandas sociais: desemprego, criminalidade, analfabetismo, entre outros. A cidade nova nasce através de um urbanismo que denota uma nova maneira de gestão do poder público, onde se observa a tendência a transformar o modo de vida das classes populares.
“O controle sobre a organização do espaço urbano sempre foi atribuição do Estado que poderia direcionar as suas ações apenas para a manutenção da ordem urbana ou implementar ações efetivas de ordenamento das cidades. É importante ressaltar que o projeto da cidade capitalista está estreitamente relacionado com o ideário de modernidade que também sustentou as primeiras ações de planejamento urbano”. (NOGUEIRA & CARVALHO, 2009)
A caracterização do modelo de cidade atual decorre do fenômeno da urbanização, que se configura no processo no qual a população dos centros urbanos cresce em proporção superior à população rural, isto é, trata-se de um fenômeno de concentração de pessoas, nesta ou naquela área advindo da migração de pessoas..
A vinda da população do meio rural, que vislumbrava na cidade a possibilidade de ascensão social associada a falta de planejamento urbano, foram os fatores preponderantes para que um novo modelo de urbanização fosse repensado.
Agonizante a cidade produz o fenômeno da urbanificação: conjunto de medidas que procuram transformar o espaço, corrigindo os problemas surgidos com a urbanização.
O aumento dos problemas estruturais e sociais decorrentes da urbanização desordenada e a demanda por medidas urgentes de urbanificação faz surgir novos estudos sobre o urbanismo.
A ciência de organização de massa no espaço territorial modernamente se concentra nas áreas da Arquitetura e Geografia, deixando ao Direito e a outros ramos científicos, o papel de adequar as soluções urbanísticas propostas à realidade do espaço existente.
O urbanismo, passa a adotar, funções de organização do espaço físico e de implementação de políticas relativas à melhoria das condições de vida do habitante da cidade.
2. O DIREITO URBANÍSTICO E SUA EVOLUÇÃO
Produto das relações sociais, as cidades passam a refletir contextos políticos, administrativos, sociais, culturais, jurídicos e econômicos.
Os sistemas jurídicos traziam normas, seja no Direito Público ou Privado, como regulação de condutas da Administração Pública, assim sendo, o urbanismo passou a ser encorporado pela ação normativa estatal, dada a sua incontestável relevância social. As então denominadas “normas” urbanísticas de forma singela começam a emergir nos ordenamentos jurídicos formando conjuntos normativos identificados e de destaque devido a autonomia que vem se refletindo nas ações. O espaço urbano, no que se refere à atuação, passa a ser o elo de convivência entre os interesses públicos e os privados.
O Direito Urbanístico aparece em vários países como um regulador da cidade e do solo urbano, se configurando numa coletânea de normas e institutos jurídicos que definem a delimitação do território e sua transformação, construção propriamente dita ou sua reabilitação.
Revelado na Europa, pós guerra, o Direito Urbanístico surge na regulamentação do solo através de leis gerais, como planos normativos e leis de loteamento urbano, solo e construções.
Divergências e polêmicas inerentes as mudanças originárias de um possível surgimento e consolidação de um novo ramo do Direito, são passíveis de outros questionamentos entretanto, é inegável a diretriz que o Direito Urbanístico vem traçando na busca à sua autonomia, traduzido em nossa Constituição Federal que o reconhece como direito autônomo:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; […]” (CF)
Num breve histórico sobre a legislação urbanística brasileira podemos atribuir, primeiramente as Ordenações do Reino que definiram de forma genérica para as ocupações e atribuições de autoridades locais em algumas povoações. Posteriormente, as Ordenações Filipinas regularam o direito de construir e as relações de vizinhança. Tais ordenamentos dão origem as diretrizes do Direito Urbanístico Brasileiro no que se referem a competência do Gestor Público (PODER EXECUTIVO) no que se refere aos limites de construir e ao Legislador (PODER LEGISLATIVO) as normas genéricas – legislação nacional, estadual e municipal.
A Carta Régia, surge como um ensaio de organização do território (vilas e povoados) mas não podemos negar que nesta época as bases econômicas, preponderantes na época da colonização, estariam “voltadas ao extrativismo, o mercantilismo e a proteção das terras descobertas, que propriamente com a sua ocupação.” (Costa, 2009)
Em 1º de outubro de 1828, no Brasil Império, surge a primeira lei de organização municipal, propondo medidas de polícia administrativa inerentes ao direito de construir, conferindo aos vereadores a competência de legislar sobre as edificações e seus desdobramentos para a cidade.
Na Primeira República (1889 – 1930), é sancionado o Código Civil Brasileiro, Lei n.º 3.071, de 01 de janeiro de 1916, restringindo o direito de construir através de regulamentos administrativos.
“Art. 572. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”. (CC/16)
No Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal, em 1.905 o Decreto n.º 1.029 foi o primeiro instrumento legal a fixar critérios de contribuição de melhorias
Na Década de 1930 se instaura do “dirigismo estatal” refletindo-se nas ações político-administrativas no que se refere a organização territorial (espaços/cidades). As Leis n.º 125, de 03 de dezembro de 1935 e a 196, de 18 de janeiro de 1936,
evidenciam a competência dos poderes locais no que se referi ao urbanismo. Tal competência foi suspensa no período da ditadura (1937) e na democratização (1946).
A Constituição Federal de 1934 trazia para o ordenamento jurídico a concepção da função social da propriedade, aparecendo como marco no Direito brasileiro em matéria urbanística.
O Código de Obras de 1937 é o marco da primeira intervenção pública nas favelas do Rio de Janeiro, com o foco na sua erradicação: propunha a eliminação das favelas existentes, proibia a construção e melhorias nas moradias existentes.
O desenvolvimento econômico e industrial pelo qual o Brasil atravessou de 1940 a 1970 adiou ações públicas em matéria urbanística, aparecendo somente em 1964 com a Lei n.º 4.380 como iniciativas de política social, com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) – com atribuições dirigidas ao planejamento local e as obras de infraestrutura urbana, organizando o Programa de Desenvolvimento Urbano com vistas à racionalizar o crescimento das cidades; as Sociedades de Crédito Imobiliário; e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) – com a missão de monitorar o desenvolvimento urbano e coordenar a política nacional de planejamento local integrado.
A busca da institucionalização de um sistema de planejamento urbanístico foi levada ao fracasso naquela época, pois a ênfase aos aspectos socioeconômicos que deveriam ser implementados pelos Planos Diretores desviou a municipalidade de suas funções de ordenamento territorial no que se refere as áreas habitáveis e obrigando que em tais áreas houvesse uma atuação que ultrapassava a competência e a capacidade dos gestores municipais. A carência de uma política urbana nacional aliada a falta de uma visão regional levou os municípios a proceder seus processos de desenvolvimento urbano de forma isolada.
No final do século XX os processos de urbanização não lograram êxito, onde se vê como exceção o caso de Curitiba, no Paraná, tido como um exemplo de planejamento urbano bem sucedido.
“A estrutura espacial de uma cidade capitalista está associada às práticas sociais e aos conflitos entre as classes. A luta de classes reflete-se na luta pelo domínio do espaço, marcando a forma de ocupação do solo urbano”.(ABREU, 1988)
A Constituição Federal, promulgada em 1988, deu nova diretriz e impulso a um movimento que buscava a efetivação de uma Política Urbana, com ênfase na função social da propriedade e no plano diretor como instrumento democrático e participativo para o desenvolvimento e expansão urbana das cidades. Tal movimento se materializa com a Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, que regulamenta o capítulo "Política urbana" da Constituição brasileira. Seus princípios básicos são o planejamento participativo e a função social da propriedade.
O Vocabulário Jurídico define o significado atual do urbanismo: “De urbano, do latim urbanus (relativo à cidade), designa o conjunto de medidas de ordem técnica relativas à arquitetura, à higiene, à administração, ou a qualquer outro objetivo, tendo por finalidade traçar o plano, ou o projeto de construção geral de uma cidade, que melhor assegure não só o desenvolvimento racional e de melhor aspecto, como a sua perfeita salubridade”.
Hely Lopes Meirelles, define: “Urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade, entendido como espaços habitáveis, todas as áreas e que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais:habitação, trabalho, circulação e recreação”.
2.1 O Estatuto da Cidade – 2001, novos desafios.
Em 1988, a Constituição Federal traz a luz de uma nova e plena democracia, recém exercida pelo povo brasileiro, um dos princípios básicos para a igualdade na distribuição de benefícios oriundos dos processos de urbanização, o princípio da função social da propriedade e da cidade. Produto da mobilização dos movimentos sociais envolvidos com a reforma urbana, passou a integrar o Capítulo II da Política Urbana, em nossa Constituição composto pelos arts. 182 e 183 e parágrafos, dando aos Municípios brasileiros o papel de protagonista do processo de desenvolvimento e gestão urbana elegeu o Plano Diretor a ferramenta obrigatória para os municípios com mais de 25.000 habitantes.
Após treze anos é sancionada a Lei Federal n.º 10.257, 10.07.2001, denominada Estatuto da Cidade, trazendo novas diretrizes ao desenvolvimento
urbano, buscando o fortalecimento à gestão democrática, com a perspectiva de minimizar as desigualdades fundiárias; atendendo ao princípio da função social da propriedade e da cidade; a segregação sócio espacial; e a degradação ambiental.
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º – As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (CF)
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º – O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º – Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º – Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.(CF)
No que se refere a minimizar as desigualdades o fenômeno pode ser notado pela distribuição dos investimentos públicos em áreas periféricas, o que quebra a lógica radial centro/periferia, ou seja, onde investimentos em saneamento, educação e equipamentos urbano era frequentemente utilizada nas áreas centrais. As áreas periféricas passam a integrar o processo de desenvolvimento do município, através da consolidação, urbanização e legalização de suas estruturas.
O Estatuto da Cidade traz a obrigatoriedade de elaboração de uma ferramenta essencial para o gestor público no enfrentamento dos problemas de desigualdades sejam elas sociais, espaciais e fundiárias, desde que bem elaborado e executado de forma a atender as necessidades da população o Plano Diretor será seu grande aliado, respaldado na abertura democrática para o debate junto a sociedade.
“O Plano Diretor é uma lei municipal que estabelece diretrizes para a ocupação da cidade. Ele deve identificar e analisar as características físicas, as atividades predominantes e as vocações da cidade, os problemas e as potencialidades. O Plano Diretor deve, portanto, ser discutido e aprovado pela Câmara de Vereadores e sancionado pelo prefeito. O resultado, formalizado como Lei Municipal, é a expressão do pacto firmado entre a sociedade e os poderes Executivo e Legislativo”. (Conceituação utilizada no Programa de Universidade a Distância, 2009)
As diretrizes na realização do Plano Diretor a partir de consultas públicas, representações sociais e um intenso debate com a sociedade são elementos decisivos para uma nova concepção sobre a intervenção na cidade. O orçamento participativo também é um outro instrumento que redefine as relações do Estado com a sociedade. Enfim, são criadas condições favoráveis para o desenvolvimento de parcerias e à abertura de espaços para o estabelecimento de novas relações entre Estado, capital e sociedade”. (NOGUEIRA & CARVALHO, 2009)
Apesar de não ser uma nova ferramente, o Plano Diretor, pós Estatuto da Cidade, trouxe esta nova concepção democrática com a participação da população em audiências públicas definindo e opinando sobre a cidade.
2.2 Os Planos Diretores da Cidade do Rio de Janeiro – 1992 e 2011
Em 1992, a Lei Complementar 16/92 (Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro) incorporava os princípios que norteavam o debate sobre reforma urbana, e indicava instrumentos que permitiriam o exercício da função social da cidade e da propriedade. Recomendava a integração das favelas aos bairros, incorporando os moradores no processo.
Para operacionalizar as indicações do Plano Diretor, foi instituído, no âmbito da Prefeitura, em 1993, o Grupo de Estudos de Assentamentos Populares e, a partir deste, foi criada, em março de 1994, a Secretária de Habitação.
A Lei Complementar nº 111*, de 01/02/2011, dispõe sobre a Política Urbana e Ambiental do Município, institui o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro, grifo nosso, foi republicada em
decorrência da decisão da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que em Sessão de 22 de março de 2011, rejeitou os vetos parciais:
incisos III e IX do art. 4º; art. 12, caput, parágrafos, incisos e alíneas; art. 17, caput e parágrafo único; inciso II do §5º, §8º e §9º do art. 18; §1º do art. 99; inciso III, do §3º do art. 110; parágrafo único do art. 111; art. 156, caput e incisos; Seção V – Das Atividades Econômicas – art. 288 até o art. 297, do Capítulo X – Das Políticas de Gestão, do Título IV – Das Políticas Públicas Setoriais; e terceiro tópico do item 2 da Macrozona de Ocupação Controlada e primeiro tópico do item 1 da Macrozona de Ocupação Assistida, ambas do Anexo III da citada Lei.
A política urbana será proposta com base nos seguintes princípios:
– desenvolvimento sustentável, função social da cidade e da propriedade urbana;
– valorização, proteção e uso sustentável do meio ambiente, da paisagem e do patrimônio natural, cultural, histórico, universalização do acesso à infraestrutura e os serviços urbanos;
– democracia participativa;
– universalização do acesso à terra e à moradia regular digna;
– universalização a acessibilidade para pessoas com deficiência de qualquer natureza;
– planejamento contínuo integrado das ações governamentais, visando a eficácia, a eficiência e a otimização dos serviços públicos, e o controle de gastos, utilizando-se os dados obtidos pela aplicação de uma política de informação;
– garantia de qualidade da ambiência urbana como resultado do processo de planejamento e ordenação do território municipal; articulação de políticas públicas de ordenamento, planejamento e gestão territorial municipal;
– integração de políticas públicas municipais entendendo o município como cidade polo da região metropolitana; e
– cooperação entre os governos nas suas diversas instâncias, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização em atendimento ao interesse social.
“Art. 2º […]
..5º Integram o patrimônio paisagístico da Cidade do Rio de Janeiro tanto as paisagens com atributos excepcionais, como as paisagens decorrentes das manifestações e expressões populares”. (Lei Complementar. n.º 111/2011)
Nesta publicação se confirma a edição de 1992 no que se refere a urbanização das favelas, loteamentos irregulares e clandestinos com população de baixa renda, previstas com a implantação de infraestrutura, saneamento básico, equipamentos públicos, áreas de lazer e reflorestamento, o que vem ocorrendo com o Programa Favela Bairro (1993) associado ao aproveitando do potencial turístico,
buscando à sua integração às áreas formais da Cidade, ressalvadas as situações de risco e de proteção ambiental.
2.3 Os Programas: Favela Bairro & Morar Carioca
O Programa Favela Bairro buscava eliminar a construção de moradias isoladas substituindo esta prática pela organização estrutural urbana onde os serviços públicos passariam a se integrar na dinâmica funcional e vital de uma cidade "formal".
Foi dada uma nova diretrizes à política habitacional na cidade do Rio de Janeiro, caracterizada pela promoção de melhorias físicas. Para tal foram introduzindo os valores urbanísticos da cidade formal como signo de sua identificação como bairro: ruas, praças, mobiliário e serviços públicos; a Implementação das creches; programas de geração de renda e capacitação profissional; e atividades esportivas, culturais e de lazer.
O Favela-Bairro fincou também um marco na evolução dos programas de melhoramento de bairros, que é a intensificação dos serviços sociais e geração de renda na segunda fase do Programa.
As exceções a essa regra incluíam as áreas de risco, as faixas marginais de proteção de águas superficiais, as faixas protetoras de adutoras e de redes elétricas de alta tensão, vãos e pilares de viadutos. Além das faixas de domínio de estradas e as unidades de conservação ambiental e terrenos do patrimônio municipal.
“A mudança essencial que se estabelece na década de noventa nas intervenções da Prefeitura, é contrapor-se à idéia de resolver somente o déficit habitacional existente, substituindo-a pela noção da superação do déficit urbano através da "produção de cidade". (Sérgio Magalhães, Secretário Municipal de Habitação)
De 1994 a dezembro de 2000, foram feitas intervenções em 62 comunidades.
O Programa ultrapassa o conceito tradicional de urbanização e avançou para o conceito de integração.
Ainda coexistiam outras barreiras ao acesso dos pobres a um lote formal: os custos com licenças, escrituras e certidões. Aliada a esta, a falta de qualificação
para a compra devido a inserção informal no mercado de trabalho, impedia o acesso a crédito bancário.
Sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro, em parceria com o Instituto de Previdência dos servidores municipais do Rio de Janeiro, o Morar Carioca concebeu um programa de cartas de crédito para compra, construção ou reforma de moradias. Entretanto, uma política do solo deveria agregar o reordenamento e acondicionamento do território, mitigando conflitos e revertendo a falta de infraestrutura e serviços básicos, combatendo a pobreza e criando um mercado de solo legal, se apropriando das mais-valias que o próprio mercado gera.
O Programa Morar Carioca se configura num trabalho pioneiro no tema da habitação popular, deslocando o foco e a responsabilidade de decisão do gestor, ou seja, o governo passou a oferecer as condições de crédito necessárias para que a família viesse a decidir sobre como, onde e em que condições morar.
O Morar Carioca tem semelhanças com o Programa Favela Bairro, mas, segundo Sérgio Magalhães, terá uma diferença fundamental:
“A cidade renova o objetivo de reurbanizar suas favelas, acrescido do compromisso de assegurar a presença permanente de serviços públicos, inclusive o da segurança pública”. (Extra/Globo, 04/07/2011).
Foram selecionadas 10 áreas pelo Morar Carioca, algumas com as Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) instaladas, tais como: as favelas de Santa Teresa; o Morro dos Macacos, em Vila Isabel; o Morro dos Cabritos, em Copacabana. O Programa esta em andamento e uma melhor avaliação demandará tempo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões propostas na introdução deste trabalho nos fazem refletir sobre a tendência da nova cidade cujas alterações/reconstruções dependem do ordenamento jurídico aplicado ao caso.
O Plano Diretor, enquanto diretriz das Políticas Públicas de Urbanização, foi a ferramente que viabilizou a requalificação de áreas que se encontravam em estado de estagnação econômica e com grande investimento em equipamento urbano.
Os Planos Diretores de 1992 e de 2011, trazem entre si as diretrizes administrativas, num contexto participativo, para a nova forma da cidade, para o cidadão e para a sociedade. Em seus artigos verificam-se as propostas de melhoria nas condições de vida da população carente que habitava áreas denominadas aglomerados subnormais, seja na execução da infraestrutura, construção de escolas, calçamento, praças públicas, saneamento básico e na aquisição da moradia, através de financiamento ou instrumentos jurídicos de posse legal.
O gestor público, os parlamentares e a sociedade frente à proteção do direito à cidade assumem uma responsabilidade solidária.
Os projetos de reestruturação urbana deixarão na cidade, um legado histórico e jurídico, e a cada alteração se aplica uma nova legislação.
A tendência para reconhecermos que o Direito Urbanístico, enquanto ciência jurídica, se “emancipou” do Direito Administrativo tem sido o tema de pesquisas inseridas nas abordagens de autores consagrados, juristas e pesquisadores.
O Programa Favela Bairro criou para as comunidades, em áreas de aglomerado subnormal, acessibilidade aos serviços públicos, a construção de espaços públicos que propiciam a convivência.
O Programa Morar Carioca teve por foco o incentivo à promoção de moradia própria, através de financiamentos. O Programa se coaduna ao Programa Federal Minha Casa Minha Vida.
Neste contexto, a Cidade, através de seus atores sociais, quebram as correntes que a subordinava exclusivamente ao Poder Público cujos interesses nem sempre visavam o bem estar coletivo e social.
O Direito Urbano, segue a tendência e busca sua independência, enquanto disciplina regulamentada nos programas de graduação, desvinculando-se do Direito Administrativo, o que se encontra disciplinado em nossa Carta Magna.
As alterações apontam para uma mudança de paradigma no ordenamento jurídico e na estrutura administrativa da cidade.
Enfim…rompemos as correntes que nos prendiam à regras administrativas e passamos a novas normas jurídicas e legislativas com a participação da sociedade. É sem dúvida o início de um longo processo de aprendizagem ao exercício da cidadania e a promoção de uma cidade igualitária, onde a sociedade tenha direito aos mesmos acessos e serviços com a promoção do poder público, inclusive com as parcerias desenvolvidas com o setor privado.
Informações Sobre o Autor
Márcia Regina Martins Lima Dias
Advogada, Especialista em Direito Imobiliário (UGF), Análise Ambiental e Gestão do Território (ENCE) e Docência no Ensino Superior (UCAM). Desenvolve pesquisa na área do Direito Urbanístico. Consultoria jurídica e empresarial.