Resumo: O presente artigo analisa o conceito de multifuncionalidade da agricultura proposto pela Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e discorre em grandes linhas sobre externalidades, bens públicos e produção conjunta. Ainda, estabelece paralelo entre a multifuncionalidade na indústria e na agricultura, ressaltando as diferenças de opinião e interesses dos países desenvolvidos e em desenvolvimento no apoio à tese da multifuncionalidade da agricultura no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC), com fins à eventual liberalização do comércio multilateral.
Palavras-chave: Multifuncionalidade da Agricultura. Externalidades. Bens-Públicos. OMC.
INTRODUÇÃO
A temática relativa à multifuncionalidade da agricultura é objeto de recentes discussões teóricas e ainda carece de conceito firme e amplamente aceitável pelos Membros da Organização Mundial de Comércio (OMC) em razão de sua extrema sensibilidade que tenderia ou não a proporcionar uma liberalização mais justa e equânime do comércio internacional.
Em realidade, o termo “multifuncionalidade”, de forma isolada, obtém certo consenso entre os autores, contudo, os seus efeitos não estão bem delineados e no mais das vezes apresenta dubiedade de seus benefícios pelo que se refere ao Bem Comum da Comunidade Internacional.
Neste sentido, os países, principalmente os desenvolvidos e em detrimento dos interesses dos países em desenvolvimento exportadores agrícolas, sob a bandeira da multifuncionalidade da agricultura, tentam proteger os seus mercados e deixar as questões agrícolas fora da liberalização do comércio no quadro da Organização Mundial do Comércio.
Assim sendo, o ponto nevrálgico a ser respondido é se o caráter multifuncional da agricultura justifica a conduta “neoprotecionista” dos países desenvolvidos em proteger o setor de necessárias e mais que oportunas liberalizações. Para tanto, buscar-se-á avaliar o conceito de multifuncionalidade em seu viés econômico e assim, formular uma resposta aceitável para o questionamento acima e que de certa forma contribua para uma efetiva definição das negociações comerciais multilaterais em curso.
1.DO CONCEITO DE MULTIFUNCIONALIDADE
De maneira bastante ampla pode-se considerar a multifuncionalidade como a possibilidade de um bem ou serviço possuir, além das funções tradicionalmente básicas, outras funções, sejam elas positivas ou negativas.
No âmbito da agricultura, a multifuncionalidade está presente no fato de que, além da produção habitual do campo – como soja, trigo e milho, entre outros -, a produção agrícola exerce também funções residenciais, ambientais, turística, políticas, sociais, e culturais que eventualmente deveriam ser ponderadas, por ocasião de seu tratamento comercial. Segundo Arilde Franco Alves:
“Para Laurent (1999) apud Cazella (2001a, p.6), os debates em torno das novas formas de se apreender o rural procuram romper com a concepção de desenvolvimento agrícola dominante. A mesma autora afirma que o movimento modernizante da agricultura não se generalizou como único modelo, mas que a diversidade social da agricultura familiar corresponde de forma mais equânime a determinadas questões relacionadas ao desenvolvimento rural contemporâneo. Para a autora, a multifuncionalidade agrícola pode ser definida, genericamente, como “o conjunto das contribuições da agricultura a um desenvolvimento econômico e social considerado na sua unidade”. Desta maneira, a grande capacidade da agricultura em absorver inúmeras outras formas de organização produtiva,afastando-se do que preconiza o modelo “produtivista”, está na base da construção social da multifuncionalidade agrícola.” (ALVES, 2004, p. 19)
Nesse sentido, o caráter multifuncional integra, à função econômica da agricultura, a função social. Por uma parte, afasta-se da concepção de que a agricultura somente tem a missão de produzir alimentos e busca-se uma aproximação da ideia de que a produção agrícola tem efeitos em outros bens e atividades dantes ignorados.
Por seu turno, o comércio internacional de produtos agrícolas é imenso. Apenas para exemplificar, segundo informações divulgadas na página eletrônica do Ministério da Agricultura (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA), nos meses de janeiro a junho de 2011, o Brasil exportou para a União Européia produtos de agronegócio correspondentes ao valor de R$ 11.791.153.919,00 (onze bilhões, setecentos e noventa e um milhões, cento e cinquenta e três mil e novecentos e dezenove reais). Tal fato é digno de destaque em razão do potencial explorado e a ser explorado pelas exportações agrícolas brasileiras que se veriam beneficiadas pela liberalização da agricultura nas atuais negociações comerciais multilaterais em curso.
De todas as formas, observa-se que se está diante de duas grandezas. De um lado tem-se o caráter multifuncional da agricultura e, de outro, a grande fatia do comércio internacional ocupada pelos produtos agrícolas. Diante disso, ao incorporar o conceito de multifuncionalidade da agricultura no âmbito do comércio internacional, surgem as discrepâncias, que obviamente, estão atreladas aos interesses particulares de cada país e se encontram estritamente relacionados tanto com o processo de desenvolvimento nacional quanto internacional.
Segundo Paulo Estivallet de Mesquista, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elaborou quadro analítico para a questão da multifuncionalidade da agricultura, agregando os seguintes elementos:
“(1) a existência de produtos múltiplos, de base e outros, que são produzidos de forma conjunta pela agricultura, e (2) o fato de que alguns produtos outros apresentam características de externalidades ou de bens públicos, com o resultado de que os mercados para esses bens não existem ou funcionam mal.” (MESQUITA, 2005, p. 119)
Da definição elaborada pela OCDE, e logicamente desde a perspectiva dos países desenvolvidos, extraem-se elementos econômicos, notadamente as externalidades, os bens públicos e a produção conjunta que se analisados, podem fornecer subsídios para a elaboração de um conceito mais preciso da multifuncionalidade na agricultura. Desta maneira, cabe analisar no item seguinte o significado do termo “externalidades”.
1.1 Das Externalidades
As externalidades, no conceito de Paulo Estivallet de Mesquista, são “efeitos indiretos, positivos ou negativos, que decorrem da produção, consumo ou distribuição de um bem ou serviço” (MESQUITA, 2005, p. 120).
Para Maria da Conceição Sampaio de Souza, as externalidades
“Ocorrem quando o consumo e/ou a produção de um determinado bem afetam os consumidores e/ou produtores, em outros mercados, e esses impactos não são considerados no preço de mercado do bem em questão. Note-se que essas externalidades podem ser positivas (benefícios externos) ou negativas (custos externos)”. (SOUZA, p.1)
A externalidade na agricultura pode ser visualizada, por exemplo, quando, na produção de trigo, além de da colheita do produto agrícola, a atividade proporcionará aos transeuntes de uma estrada uma bela paisagem. Neste diapasão, a paisagem é um efeito indireto da produção agrícola, cujo impacto não é considerado no preço de mercado do trigo.
A estes efeitos, um produtor não agregará valor na comercialização do trigo porque a sua produção criou uma paisagem apreciada por muitos. Porém, o efeito indireto abre a possibilidade ao Estado de subsidiar tal produção sob o argumento de que a população da cidade tem direito a uma bela paisagem e assim, as regras de livre comércio são distorcidas.
Pelos motivos acima expostos parte dos economistas internacionais afirmam que as externalidades e os bens públicos estão no cerne das falhas de mercado. Ora, se o mercado, de acordo com a famosa teoria da “mão invisível” de Adam Smith, deveria regular-se sozinho, ao introduzir-se um elemento que, apesar de influenciar o comércio, não é transmitido pelo preço, o mercado restará desequilibrado.
As externalidades podem ser positivas ou negativas. Dentre as positivas pode-se citar o embelezamento das paisagens, a melhoria na gestão dos recursos naturais e o incremento do turismo rural. Por sua vez, as negativas são exemplificadas pela poluição da água e do solo, erosão e desmatamento.
A ocorrência de externalidades permite aos Estados intervir na economia, oferecendo subsídios ou tributando determinada atividade e/ou produto indesejado. Desta forma, “na discussão sobre multifuncionalidade na OMC, a ocorrência de externalidades é aventada frequentemente como justificativa para a concessão de subsídios” (MESQUITA, 2005, p. 121).
Para a teoria econômica, as externalidades devem ser sanadas por meio da “internalização das externalidades”, a qual poderá ser efetivada de forma particular ou pública. O Brasil, por meio da edição da Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, estabeleceu que uma das formas de internalizar as externalidades é a cobrança da reparação do dano ao poluidor:
“Art. 50. Por infração de qualquer disposição legal ou regulamentar referentes à execução de obras e serviços hidráulicos, derivação ou utilização de recursos hídricos de domínio ou administração da União, ou pelo não atendimento das solicitações feitas, o infrator, a critério da autoridade competente, ficará sujeito às seguintes penalidades, independentemente de sua ordem de enumeração: (…)
III – embargo provisório, por prazo determinado, para execução de serviços e obras necessárias ao efetivo cumprimento das condições de outorga ou para o cumprimento de normas referentes ao uso, controle, conservação e proteção dos recursos hídricos;
IV – embargo definitivo, com revogação da outorga, se for o caso, para repor incontinenti, no seu antigo estado, os recursos hídricos, leitos e margens, nos termos dos arts. 58 e 59 do Código de Águas ou tamponar os poços de extração de água subterrânea.
§ 2º No caso dos incisos III e IV, independentemente da pena de multa, serão cobradas do infrator as despesas em que incorrer a Administração para tornar efetivas as medidas previstas nos citados incisos, na forma dos arts. 36, 53, 56 e 58 do Código de Águas, sem prejuízo de responder pela indenização dos danos a que der causa.(…)” (BRASIL, grifo nosso)
Portanto, ao determinar que o poluidor repare o dano, a legislação brasileira entrega ao particular a obrigação de internalizar a externalidade criada.
Entretanto, a internalização das externalidades pode ser feita mediante a adoção de política pública destinada a subsidiar e/ou tributar determinado produto ou serviço. Nesse sentido, a França, por exemplo, destinou cerca de 3 (três) bilhões de Euros para auxílio direto à produção no último trimestre do ano de 2006, de acordo com dados divulgados pela Rede Brasileira de Centros Internacionais de Negócios (CINPR).
De todas as formas, há que se reconhecer que ao conceder subsídios, determinado país vem a distorcer o sistema internacional de comércio, pois, com a produção agrícola nacional em alta, haverá uma óbvia restrição às importações.
A solução para o problema das externalidades não é simples, porém, parece que a concessão de subsídios de forma genérica não é a melhor saída. Para MESQUITA
“é extremamente improvável que a concessão pura e simples de subsídios à produção ou de proteção na fronteira seja uma maneira eficiente de alcançar o nível ótimo de oferta de externalidades positivas ao menor custo em termos de externalidades negativas – sem falar nos efeitos negativos de distorções da produção e do comércio sobre terceiros”. (MESQUITA, 2005, p. 122)
Aliado a esses elementos, observa-se uma certa tendência desde o mundo desenvolvido em defender um conceito de “Bens Públicos” e relacioná-lo como uma externalidade, conforme se nota no item seguinte.
1.2 Dos Bens Públicos
Certa corrente doutrinária sustenta que os bens públicos “constituem um exemplo extremo de externalidade” (SOUZA, p. 14) e “são bens que são consumidos coletivamente” (MESQUITA, 2005, p. 123).
Em distinção aos bens privados, nota-se que os bens públicos possuem duas características peculiares que são: a) não-rivalidade e; b) não-exclusividade. Por uma parte, a não-rivalidade se entende que o bem público pode ser consumido concomitante por um número “infinito” de pessoas e tal uso não lhe diminui a quantidade, como o caso das paisagens e da poluição do ar. Por outra parte, a não-exclusividade se entende que as pessoas não podem ser excluídas do consumo de determinado bem e/ou serviço pelo fato de não terem contribuído financeiramente para a sua consecução, como ocorre, por exemplo, com a iluminação pública.
Contudo, tais bens públicos nem sempre preencheriam em sua totalidade as características descritas acima. Assim sendo, quando apenas parcialmente tais particularidades estejam presentes, os bens passam a ser chamados de “bens públicos impuros” ou “bens quase-públicos”. Exemplo de bens públicos impuros é fornecido por SOUZA:
“Assim, serviços de saúde pública, tais como vacina contra doenças infecto-contagiosas, beneficiam não somente as pessoas vacinadas, mas a população como um todo, já que previnem o surgimento de epidemias. Ademais, o custo marginal da vacinação é positivo e a exclusão de não pagantes é possível. Porém, não é possível excluir dos benefícios aliados à redução das epidemias (nem cobrar por tais benefícios) aqueles que não se vacinaram. Isso torna esses serviços bens públicos impuros e por essa razão, muitos governos mantêm programas gratuitos de vacinação para encorajar, e até mesmo obrigar, a imunização maciça da população” (SOUZA, p. 17)
A par do que foi dito a respeito da solução das externalidades, não parece que a atuação direta do Poder Público para subsidiar bens públicos de forma genérica seja sadia, considerando a ocorrência do que MESQUITA (2005, p. 141) chama de “falha de política” e os autores desse artigo denominam de limitação do Bem Comum da Humanidade. Ainda, juntamente com esses conceitos cabe no item seguinte analisar o conceito de “produção conjunta”.
1.3 Da Produção conjunta
Segundo o quadro analítico elaborado pela OCDE, a “relevância da multifuncionalidade da agricultura para a OMC depende da extensão e da natureza da vinculação entre os produtos de base e outros produtos da agricultura” (MESQUITA, 2005, p. 129).
Neste sentido, não basta que existam externalidades e bens públicos associados à produção agrícola, eles igualmente devem ser produzidos de modo simultâneo, como o exemplo já utilizado da produção de trigo e paisagem.
A estes efeitos, e com base nos ensinamentos de MESQUITA (2005, p. 129), existem “três tipos principais de fontes da produção conjunta: interdependência técnica, insumos não-alocáveis e fatores fixos de produção alocáveis”.
Na interdependência técnica, a alteração na produção de um produto atinge o outro, sem que para isso tenha se modificado a alocação de insumos. Já nos insumos não-alocáveis, os insumos individuais necessariamente resultarão em mais de um produto, como no caso da produção de couro e carne em bovinos. E por sua vez, nos fatores fixos de produção alocáveis, que seriam menos importantes para o tema em apreço, os mesmo são aqueles fatores que podem ser utilizados em toda as fases da produção, como a mão-de-obra e o terreno.
Como regra geral, os países defensores da multifuncionalidade na agricultura no âmbito da OMC se apóiam na produção conjunta para argumentar que qualquer alteração no volume de produção acarreta na “modificação no suprimento dos outros produtos da agricultura” (MESQUITA, 2005, p. 150). Além disso, tais Estados fundamentam os benefícios da produção conjunta, em virtude da produção simultânea de vários produtos.
Contudo, é importante asseverar que a premissa de redução de custos na produção simultânea de produtos pode ser falaciosa, visto que somente é verificável no caso da produção de dois bens privados, como no caso de couro e carne a partir de bovinos. Assim sendo, se um dos produtos for uma externalidade, não é possível mensurar o exato valor do benefício e/ou prejuízo. Observe o exemplo de MESQUITA (2005, p. 131) ao anotar que:
“Se um agricultor produz simultaneamente trigo e “paisagens” (uma externalidade), pode haver suboferta da externalidade na ausência de pagamentos. Inversamente, se o Estado financia o suprimento da externalidade com subsídios, pode haver sobre-oferta do produto agrícola, que terá parte de seus custos de produção financiados pelo produto conjunto. O mesmo raciocínio aplica-se, mutatis mutandi, a uma externalidade negativa e um imposto.”
À modo de conclusão preliminar, assim como já foi repetido para as externalidade e bens públicos, não há resposta única e válida a todos no que diz respeito à produção conjunta. E ainda, não paira dúvida de que a produção simultânea de produtos na agricultura é habitual, entretanto, não é possível utilizar este argumento para concessão de subsídios e/ou a tributação de determinados bens de forma indiscriminada pelos Estados.
Ao se perceber a construção teórica do conceito de multifuncionalidade na agricultura, observa-se uma tendência de ampliar tal conceito para outros setores, conforme se avança no estudo do tema e se analisa a seguir.
2 DA MULTIFUNCIONALIDADE NA AGRICULTURA E NA INDÚSTRIA
Ao se buscar fundamentos históricos para a temática em tela, nota-se que muitos dos argumentos utilizados pelos países desenvolvidos no âmbito da OMC para a proteção de seus mercados em relação aos produtos agrícolas foram utilizados pelos países em desenvolvimento, nas décadas de 60 e 70, para a proteção de suas indústrias.
Com efeito, o contexto histórico da segunda metade do século XX explica os motivos pelos quais os países em desenvolvimento tentaram proteger as suas indústrias. Segundo MESQUITA (2005, 147), tal constatação deve considerar que:
“A defesa da industrialização tinha justificativas políticas, sociais e econômicas. A indústria era percebida como um fator de independência política e econômica e de modernização social. As populações rurais eram vistas como desprovidas de espírito empresarial; as populações urbanas, como progressistas. Diversos benefícios era associados á urbanização: mobilidade social, superação de formas arcaicas de organização social, pluralismo, participação política”.
Assim como na atualidade há resistência pela liberalização do comércio de produtos agrícolas, porque essa categoria seria “especial” e não poderia ser deixada aos cuidados da “mão invisível”, os países em desenvolvimento temiam a redução da produção industrial interna quando havia, com o consequente desemprego e dependência exterior.
Contudo, é de se notar que aos poucos, em virtude de políticas e de pressões internacionais, os países em desenvolvimento abandonaram a causa de proteção à indústria nacional e foram conduzidos a promover a liberalização multilateral e até mesmo a unilateral.
Entretanto, apesar de os países desenvolvidos já terem ocupado posição contrária à proteção do mercado, não parece que essa será a orientação no que tange à proteção da agricultura.
Nesse sentido, constatam-se fortes evidências de que a tese da multifuncionalidade, em verdade, é utilizada de forma bastante conveniente e esconde os verdadeiros interesses de seus defensores.
Assim sendo, na oportuna resposta ao questionamento sobre os motivos da defesa da multifuncionalidade apenas da agricultura e não da indústria na OMC, MESQUITA (2005, p. 152) explica que “é porque os países desenvolvidos – ou pelo menos uma parcela suficientemente poderosa deles – assim o desejam, e porque custa relativamente pouco subsidiar e proteger a agricultura em relação ao tamanho de suas economias”, em detrimento do Bem Comum da Humanidade.
CONCLUSÃO
O conceito de multifuncionalidade da agricultura fornecido pela OCDE reúne as noções de externalidades, bens públicos, produção conjunta e mercado, podendo de forma sintética ser assim descrito: a multifuncionalidade da agricultura ocorre quando produtos diversos, com características de externalidades e/ou bens públicos, são produzidos em conjunto com os produtos agrícolas, sem que, para eles, exista mercado viável.
Todavia, parece que o problema reside na forma de utilização do conceito de multifuncionalidade da agricultura por parte dos países desenvolvidos no âmbito da OMC.
Apesar de a OCDE ter proposto um caminho de interpretação do conceito e a teoria econômica fornecer bases sólidas para a solução dos problemas decorrentes das externalidades e bens públicos, os países desenvolvidos, propositalmente, insistem no argumento de que a produção agrícola necessita de maior proteção estatal, sendo notório que tal posição é uma das principais responsáveis pelo atraso, lentidão e arrastamento das negociações comerciais multilaterais que deveriam promover a liberalização dos produtos agrícolas, entre outros, em benefício do Bem Comum da Humanidade.
Como salientado por MESQUITA (2005, p. 153), “a conclusão parece reforçar a recomendação padrão, tirada da teoria econômica, de que eventuais externalidades ou bens públicos devem ser objeto de medidas direcionadas, específicas e desvinculadas da produção”.
Do comportamento dos países desenvolvidos extrai-se toda a celeuma da questão da multifuncionalidade na agricultura. A rigor, existiriam outras soluções, inclusive de conteúdo científico, para o tratamento de eventuais distorções produzidas pela agricultura, mas, infelizmente, a questão está colocada em outro nível, no do poder egóicamente cristalizado de uma arcaica e ultrapassada defesa de interesses particulares de um grupo de países os quais, no mínimo, deveriam ser coerentes com as reais necessidades de seus povos e de toda a Comunidade Internacional que padece de fome e sede de Justiça Internacional.
Informações Sobre os Autores
Rafaela Cristina Oliari
Mestranda em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Fernando Kinoshita
Doutor em Direito Internacional e Comunitário pela Universidad Pontificia Comillas, Espanha; Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina; Pesquisador do CNPq e CAPES; Consultor em Direito Público Interno e Internacional, Cooperação e Negócios Internacionais.