Resumo: O presente trabalho busca traçar os limites da repartição de competências entre Anatel e Ministério das Comunicações, em especial a fiscalizatória e sancionatória, considerando a divisão constitucional e legal entre serviços de telecomunicações e serviços de radiodifusão, bem como a competência para administração do espectro de radiofrequências. Sugere-se uma visão pautada na natureza da infração administrativa, com base no bem jurídico tutelado, que deixe em segundo plano a perquirição pela natureza da entidade infratora.
Palavras-chave: Serviços públicos – Telecomunicações – Radiodifusão –Radiofrequência – Anatel – Ministério das Comunicações – Infração – Competências – Processo administrativo – Sanção.
Abstract: This study analyzes the administrative competences of the National Telecommunications Agency and the Ministry of Communications, specially the competences to monitor and punish, considering the constitutional and legal division between the telecommunications and broadcasting services, and the competence to manage the spectrum of radio frequencies. It is suggested an analysis based on the nature of the administrative infraction and the value legally protected.
Keywords: Public services – Telecommunications – Broadcasting – Radio frequencies – National Telecommunications Agency – Ministry of Communications – Infraction – Competences – Administrative process – Sanction.
Sumário: 1. Introdução; 1.1. Contexto histórico; 1.2. Conceito dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão; 1.3. Art. 211 da LGT. 2. Uso de radiofrequências e certificação de produtos. 3. Repartição de competências para aplicação de sanção administrativa. 4. Visão sob o enfoque da natureza da infração, e não da entidade infratora. 5. Casos particulares; 5.1. Cometimento simultâneo de infrações relacionadas às competências da Anatel e do Ministério das Comunicações; 5.2. Prestação clandestina do serviço de radiodifusão; 5.3. Cometimento simultâneo de infrações relacionadas às competências da Anatel. 6. Diferença entre prestação material e formal do serviço. 7. Natureza da interrupção cautelar da estação. Competência. 8. Conclusão. 9. Bibliografia.
1. Introdução.
1.1. Contexto histórico.
O Poder Constituinte Originário de 1988 fez uma distinção entre os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, de um lado, e os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações, de outro[1].
A primeira categoria vivia sob um regime de monopólio estatal, uma vez que competia exclusivamente à União sua exploração, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal. À segunda categoria, por sua vez, permitiu-se tanto a exploração direta pela União quanto a executada por particulares mediante autorização, permissão ou concessão.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 08/95, a distinção passou a se dar, de forma mais clara, simplesmente entre serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens, de um lado, e serviços de telecomunicações, de outro. Além dessa simplificação conceitual, o Poder Constituinte Derivado acabou com o monopólio estatal antes existente, permitindo que a União delegasse a exploração de qualquer serviço de telecomunicações, mediante autorização, permissão ou concessão, aos particulares, que iriam atuar num regime de competição regulada.
Destarte, após a privatização do setor, foi promulgada a Lei nº 9.472/97, a Lei Geral de Telecomunicações – LGT, que, ao mesmo tempo em que definiu o modelo do regime jurídico de regulação dos serviços de telecomunicações, instaurando, assim, um novo marco legal para o setor, criou, tal como previsto no texto constitucional, a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, integrante da Administração Pública Federal Indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador dos serviços de telecomunicações.
Estabeleceu-se, como será melhor visto, uma divisão binária de regimes jurídicos, um aplicável aos serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens, a cargo da Administração Pública Federal Direta, por meio do Ministério das Comunicações, e outro aplicável aos serviços de telecomunicações, a cargo da Administração Pública Federal Indireta, por meio da Anatel.
Considerando, então, a conceituação dos serviços de radiodifusão e dos serviços de telecomunicações e as peculiaridades envolvendo o uso de radiofrequência e de produtos emissores e receptores de sinais radioelétricos, bem como o impacto do avanço da tecnologia em tais parâmetros técnico-jurídicos, percebe-se a existência de uma zona limítrofe que pode causar discussões acerca da referida divisão binária de regimes jurídicos e competências.
É nessa seara, enfim, que se encontra o objeto deste trabalho: traçar limites claros e objetivos para a definição das competências do Ministério das Comunicações e da Anatel, em especial as relativas à fiscalização e aplicação de sanção administrativa.
1.2. Conceito dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão.
Embora não seja este o objetivo deste trabalho conceituar e traçar as distinções entre os serviços de radiodifusão e os serviços de telecomunicações, convém, a fim de contextualizar melhor a discussão, que sejam tecidas breves linhas sobre o assunto.
Pois bem.
Inicialmente, registra-se que, do ponto de vista técnico-jurídico, telecomunicações consubstancia um termo amplo, um gênero do qual radiodifusão seria espécie. Aliás, antes da Constituição Federal de 1988, a Lei nº 4.117/62, que instituiu o chamado Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT, já consagrava expressamente a radiodifusão como uma espécie de telecomunicações (uma espécie de classificação quantos aos fins a que as telecomunicações se destinam), o que perdura até hoje, como será visto.
Afora essa discussão técnico-jurídica de gênero e espécie, o fato é que o arcabouço jurídico vigente, constitucional e infraconstitucional, estabeleceu regimes jurídicos distintos para o gênero dos serviços de telecomunicações e para essa espécie de serviço de telecomunicações denominada radiodifusão. Em suma, há um regramento que abrange todos os serviços de telecomunicações, salvo aqueles de radiodifusão, que se submetem a regramento próprio.
Quanto à questão conceitual, a própria legislação se preocupou em trazer os critérios que delimitassem o objeto das telecomunicações e da radiodifusão.
A LGT, conceituado os serviços de telecomunicações como o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação, aduz que telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.
João Carlos Mariense Escobar, numa visão menos detalhista, conceitua telecomunicação como a comunicação à distância, realizada por processo eletromagnético, que consiste na utilização das propriedades do campo eletromagnético para geração de sinais de comunicação.[2]
Apesar das dificuldades de conceituação e até mesmo em razão delas, expostas por Floriano Azevedo Marques Neto, ao afirmar que seria impossível adstringir; restringir ou colocar em texto legal definições que abranjam tais transformações tecnológicas, pois a regulamentação destes serviços tem que ser cambiante o suficiente para seguir o fluxo da evolução tecnológica, a LGT trouxe um conceito amplo de telecomunicações.[3]
Foram trazidos dois elementos essenciais para a caracterização de telecomunicação, quais sejam, o conteúdo transmitido e o meio pelo qual ele é transmitido. Devem ser transmitidos símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza (conteúdo) por meio de fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético (meio). Dessa forma, não caracteriza telecomunicação, por exemplo, a transmissão de símbolos por meio de uma carta escrita (incompatibilidade no elemento meio), assim como a energia elétrica transmitida por fios também não se encaixa no conceito legal (incompatibilidade no elemento conteúdo).
Já o CTB, por sua vez, conceitua o serviço de radiodifusão como aquele destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora (rádio) e de sons e imagens (televisão). Nessa linha, Luciana Moraes Raso Sardinha Pinto afirma que a radiodifusão constitui uma forma particular de radiocomunicação, que compreende emissões sonoras (rádio) e emissões sonoras e visuais (televisão), destinadas ao público em geral.[4]
A nota característica do serviço de radiodifusão, como se vê, é a destinação ao público em geral, o que pode ser traduzido numa comunicação ponto-multiponto, em que há um emissor de sinal radioelétrico identificado (prestador de radiodifusão) e vários usuários não identificados (todos aqueles que consigam receptar tal sinal radioelétrico). Na verdade, tecnicamente, fala-se em radiocomunicação, que, segundo definição legal, é aquela que utiliza frequências radioelétricas não confinadas a fios, cabos ou outros meios físicos.
Essa é a diferença básica entre o serviço de radiodifusão e os demais serviços de telecomunicações, pois nestes há comunicação ponto-a-ponto ou ponto-multiponto, em que há um emissor de sinal radioelétrico identificado (prestador de telecomunicações ou usuário) e um ou vários receptores também identificados (usuários). Na radiodifusão os usuários são indeterminados, ao passo que nos demais serviços de telecomunicações os usuários são determinados. Mesmo nos demais serviços de telecomunicações ponto-multiponto, como no caso do Serviço de Acesso Condicionado – SeAC, recém criado pela Lei nº 12.485/2011, os destinatários do sinal radioelétrico são os assinantes do serviço, o que pressupõe sua identificação.
1.3. Art. 211 da LGT.
Nessa esteira, concretizando a divisão binária iniciada pela Constituição Federal, a LGT excluiu expressamente o serviço de radiodifusão da jurisdição da Anatel, já que, do contrário, em razão de ele se enquadrar no conceito legal de serviço de telecomunicações, acabaria por também ser objeto da regulação da Agência. A LGT, então, dispõe que a outorga dos serviços de radiodifusão compete ao Poder Executivo[5], in casu, ao Ministério das Comunicações, competindo à Anatel a fiscalização, quanto aos aspectos técnicos, das respectivas estações. É o que se depreende do seu art. 211:
“Art. 211. A outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens fica excluída da jurisdição da Agência, permanecendo no âmbito de competências do Poder Executivo, devendo a Agência elaborar e manter os respectivos planos de distribuição de canais, levando em conta, inclusive, os aspectos concernentes à evolução tecnológica.
Parágrafo único. Caberá à Agência a fiscalização, quanto aos aspectos técnicos, das respectivas estações.”
Feita, assim, essa breve distinção entre o serviço de radiodifusão e os demais serviços de telecomunicações, ficando clara a divisão de competências entre a Anatel e o Ministério das Comunicações, passa-se a tratar das competências relativas a cada um deles.
2. Uso de radiofrequências e certificação de produtos.
Consoante conceituação leal, o espectro de radiofrequências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público, administrado pela Anatel. É por meio da radiofrequência que se transmitem os sinais radioelétricos dos serviços de radiodifusão e de alguns outros serviços de telecomunicações, como, por exemplo, o Serviço Móvel Pessoal – SMP (telefonia móvel).
Trata-se, pois, do meio físico utilizado para a transmissão de ondas eletromagnéticas, que, por sua vez, servem à exploração dos serviços de telecomunicações sem fio, dentre eles o de radiodifusão. Em outras palavras, constitui-se no insumo necessário à prestação de tais serviços. Por ser bastante elucidativa, colacionam-se os ensinamentos de Eduardo Augusto de Oliveira Ramires[6]:
“O “espectro de radiofreqüências radioelétricas” é um conceito físico, empregado pela engenharia das telecomunicações na alocação concomitante de diferentes transmissões de ondas radioelétricas. Trata-se, por óbvio, de uma matéria de alta especialidade técnica. Entretanto, do conceito físico decorre uma noção fundamental para o direito, qual seja, a de que se trata de um “meio comum”, eis que as ondas radioelétricas se propagam pela atmosfera, pelos corpos, pelo vácuo que, não obstante precisa ser apropriado com exclusividade, já que as ondas radioelétricas podem se interferir mutuamente, impedindo o sucesso da telecomunicação. Essa é a razão pela qual o espectro de radiofreqüências é administrado como um “bem escasso”, ao lado de outros “bens públicos”, tão surpreendentes como as posições orbitais e os “recursos de numeração”. O fato é que a utilização desses “insumos” fundamentais para a construção das redes de telecomunicações depende da existência de uma disciplina e de uma organização que assegure seu funcionamento eficaz.”
A LGT, então, conferiu à Anatel a competência para administrar o espectro de radiofrequências, expedir normas sobre o assunto, editar atos de outorga e extinção do direito de uso de radiofrequência e, inclusive, fiscalizar e aplicar sanções.
Para explorar serviços de telecomunicações sem fio, dentre eles o de radiodifusão, portanto, é necessário fazer uso de radiofrequência, o que só é possível mediante uma autorização de uso de radiofrequência, expedida pela Anatel, nos termos do art. 163 da LGT[7]. Dessa forma, além da autorização, permissão ou concessão para exploração do serviço, o prestador deve possuir uma autorização para uso de radiofrequências.
A essa competência da Anatel para administrar o espectro relaciona-se outra, qual seja, a de estabelecer as normas e padrões técnicos a fim de expedir ou reconhecer a certificação de produtos/equipamentos emissores de radiofrequência. De fato, a legislação veda a utilização de equipamentos emissores de radiofrequência sem que a devida certificação tenha sido expedida ou aceita pela Anatel.
Tal competência insere-se, na verdade, como dito, em sua função mais ampla de administradora do espectro. A certificação, entendida como o reconhecimento da compatibilidade das especificações de determinado produto com as características técnicas do serviço a que se destina, deve ocorrer para que os equipamentos não interfiram indevidamente nas frequências radioelétricas regularmente em uso.
Em suma, a Anatel, além da competência para outorgar concessão, permissão e autorização para exploração dos serviços de telecomunicações, salvo o de radiodifusão, que fica cargo do Ministério das Comunicações, também possui competência para autorizar o uso de radiofrequência e expedir certificação para equipamentos emissores de radiofrequência.
3. Repartição de competências para aplicação de sanção administrativa.
Passa-se, agora, à análise das especificidades das competências para fiscalizar e aplicar sanções administrativas nos casos envolvendo a exploração os serviços de radiodifusão.
Como visto, a exploração do serviço de radiodifusão é composta por dois atos, um do Ministério das Comunicações e um da Anatel. Esta procede à autorização para o uso de radiofrequência, ao passo que aquele procede à outorga do serviço em si. Isso porque, como dito, para prestar o serviço de radiodifusão, a entidade precisa necessariamente fazer uso do espectro. Na prática, o Ministério das Comunicações confere a outorga do serviço de radiodifusão e encaminha o feito à Anatel para que esta autorize o uso de determinada faixa de radiofrequência.
Antes da autorização do uso de radiofrequência expedida pela Agência, a entidade não pode iniciar a exploração do serviço de radiodifusão. Mais especificamente, a exploração não pode começar sem que haja o pagamento do valor previsto no ato de autorização do uso de radiofrequência. De fato, o espectro é um bem público, e sua utilização é onerosa, de modo que, para utilizá-lo, o interessado deve proceder ao pagamento devido, cujo valor depende de cada caso.
Corroborando esse regramento do sistema (distinção entre exploração do serviço e uso do espectro de radiofrequências), o art. 158 da LGT trata do plano para administração das faixas de radiofrequências, dispondo que deverá haver destinação de determinadas faixas, em abstrato, para os serviços de radiodifusão.
Destarte, no que tange a irregularidades referentes ao uso do espectro, compete à Anatel fiscalizar e aplicar as sanções pertinentes. Já no que toca a irregularidades relacionadas ao serviço de radiodifusão em si, o Ministério das Comunicações é que se apresenta como o órgão originalmente competente para fiscalizar e aplicar sanções.
O parágrafo único do art. 211 da LGT, referindo-se ao serviço de radiodifusão, dispõe que caberá à Agência a fiscalização, quanto aos aspectos técnicos, das respectivas estações. Assim, a Anatel, por expressa disposição legal, deve fiscalizar os aspectos técnicos das irregularidades relacionadas com o serviço de radiodifusão em si. A fiscalização dos aspectos não técnicos relacionados a tais irregularidades fica a cargo do Ministério das Comunicações.
Em 2007, visando ao aproveitamento da força de trabalho de fiscalização já existente nos quadros da Agência e tendo em vista o princípio da eficiência, foi celebrado, entre a Anatel e o Ministério das Comunicações, o Convênio nº 01/2007, tendo como objeto a delegação de competências do órgão ministerial à agência reguladora. Com isso, ampliou-se o objeto da fiscalização da Anatel quanto às irregularidades relacionadas aos serviços de radiodifusão em si, possibilitando-se a fiscalização para além dos aspectos técnicos.
Tal convênio foi substituído por outro celebrado em 2011 que, além de manter a delegação das competências fiscalizatórias, também delegou à Anatel a competência para instaurar e instruir os processos sancionadores, remetendo-os, em seguida, ao Ministério das Comunicações, para julgamento[8].
Dessa forma, o quadro atual de competências, envolvendo outorga, fiscalização e aplicação de sanção, pode ser didaticamente dividido da seguinte forma:
A. OUTORGA:
a.1. Outorga do serviço de radiodifusão: Ministério das Comunicações;
a.2. Outorga de autorização de uso de radiofrequência para a prestação do serviço de radiodifusão: Anatel; e
a.3. Certificação de produto utilizado para a prestação do serviço de radiodifusão: Anatel.
B. FISCALIZAÇÃO:
b.1. Fiscalização de irregularidade relacionada ao serviço de radiodifusão, quanto aos aspectos técnicos: Anatel, por expressa disposição legal (art. 211, parágrafo único, da LGT);
b.2. Fiscalização de irregularidade relacionada ao serviço de radiodifusão, quanto aos aspectos não técnicos: Anatel, em razão da delegação de competência realizada pelo Convênio;
b.3. Fiscalização de irregularidade relacionada ao uso de radiofrequência: Anatel, por expressa disposição legal (art. 19, inciso IX, da LGT);
b.4. Fiscalização de irregularidade relacionada à certificação de produtos: Anatel;
C. INSTAURAÇÃO E INSTRUÇÃO DO PROCESSO SANCIONADOR:
c.1. Instauração e instrução do processo sancionador que tenha como objeto irregularidade relacionada ao serviço de radiodifusão: Anatel, em razão da delegação realizada pelo Convênio; e
c.2. Instauração e instrução do processo sancionador que tenha como objeto irregularidade relacionada ao uso de radiofrequência e à certificação de produtos: Anatel.
D. APLICAÇÃO DE SANÇÃO:
d.1. Aplicação de sanção para irregularidade relacionada ao serviço de radiodifusão: Ministério das Comunicações; e
d.2. Aplicação de sanção para irregularidade relacionada ao uso de radiofrequência ou certificação de produtos: Anatel.
Em suma, à Anatel compete (i) expedir autorização de uso de radiofrequência; (ii) certificar produtos emissores de radiofrequência; (iii) fiscalizar as irregularidades relacionadas ao uso de radiofrequência, à certificação de produtos ou ao serviço de radiodifusão em si; (iv) instaurar e instruir processos sancionadores que tenham como objeto irregularidades relacionadas ao uso de radiofrequência, à certificação de produtos ou ao serviço de radiodifusão em si; e (iv) aplicar sanção às irregularidades relacionadas ao uso de radiofrequência e à certificação de produtos[9].
Ao Ministério das Comunicações, por sua vez, compete (i) proceder à outorga do serviço de radiodifusão; e (ii) aplicar sanção às irregularidades relacionadas ao serviço de radiodifusão em si.
No que se refere à fiscalização levada a cabo pela Anatel, havendo constatação de que se trata de irregularidade relacionada ao serviço de radiodifusão, a Agência deve, em razão da delegação de competência, instaurar e instruir o processo sancionador e encaminhá-lo ao Ministério das Comunicações para que este aplique, se for o caso, a sanção administrativa.
Portanto, constatando infração relacionada ao uso do espectro ou à certificação de equipamentos, cabe à Anatel instaurar e instruir o processo administrativo e aplicar a sanção, mesmo que a entidade seja regularmente outorgada para prestação de serviço de radiodifusão pelo Ministério das Comunicações. O que importa é a natureza da infração.
4. Visão sob o enfoque natureza da infração, e não da entidade infratora.
Na esteira do entendimento aqui exposto, afigura-se interessante registrar que a discussão sobre as competências da Anatel e do Ministério das Comunicações não deve centrar-se na diferenciação entre entidades outorgadas (regulares) e não outorgadas (clandestinas) para o serviço de radiodifusão. O foco, como demonstrado, parece ter que se direcionar à natureza das infrações apuradas. Se relacionadas ao serviço de radiodifusão, a competência para aplicar a sanção é do Ministério das Comunicações; se relacionadas às competências da Agência (uso de radiofrequência e certificação de equipamentos), é da Anatel.
Discutir o assunto com base na existência ou não da outorga para o serviço de radiodifusão implica discuti-lo com base na natureza da entidade infratora, segundo a espécie de serviço prestado. Acontece que para identificar a quem pertence a competência para punir, mostra-se necessário, na verdade, identificar o bem jurídico tutelado pela norma, o que guarda relação com a natureza da infração.
Assim, uma infração a uma norma que protege o serviço de radiodifusão deve ser punida pelo Ministério das Comunicações. Por outro lado, infrações que protegem o bom funcionamento do espectro, diretamente ou por meio da regularidade dos equipamentos, devem ser sancionadas pela Anatel.
Critério bastante simples para identificar a natureza da infração é o de observar a cargo de quem está o Poder Concedente para cada situação. Pois bem. O Ministério das Comunicações está incumbido da outorga para a prestação do serviço de radiodifusão. Logo, a ele cabe a punição de infrações relacionadas ao serviço de radiodifusão. À Anatel, em outra mão, compete outorgar a autorização de uso de radiofrequência e proceder à certificação dos equipamentos. Logo, à Agência compete punir infrações relacionadas ao uso do espectro e à certificação dos equipamentos.
De fato, considerando a própria teoria dos poderes implícitos, se o Poder Concedente é da Anatel, a ela foi dada, juntamente com esse Poder Concedente, a incumbência legal para tutelar o respectivo bem jurídico. Se a lei conferiu o Poder Concedente ao Ministério das Comunicações, deu a ele a tarefa de tutelar o bem jurídico. Com relação ao uso de radiofrequência, por exemplo, o Poder Concedente pertence à Anatel, que tem a competência para tutelar o uso correto do espectro e, também, por óbvio, para punir infrações a isso relacionadas.
Ademais, do ponto de vista prático, deve-se salientar que, sendo a Anatel o Poder Concedente, dotado de todas as informações a respeito do assunto, inclusive técnicas, é essa agência reguladora que tem a expertise para dizer, em um processo administrativo sancionador, se o espectro está ou não sendo corretamente utilizado. Admitir que essa função ficasse a cargo do Ministério das Comunicações seria o mesmo que inviabilizar toda a administração do espectro, cuja competência legal é da Anatel. Não haveria como garantir que as infrações relacionadas ao espectro estariam sendo corretamente punidas pelo Ministério das Comunicações, que, por não ser o Poder Concedente, não tem expertise no assunto.
Dessa forma, tem-se que é irrelevante a discussão sobre a natureza da entidade infratora (outorgada ou não outorgada para o serviço de radiodifusão), importando, sim, a natureza da própria infração. A competência sancionatória decorre da natureza do bem jurídico ou ato administrativo violado.
A título de exemplo, imagine-se uma entidade regularmente outorgada para prestar serviço de radiodifusão, mas que esteja funcionando na frequência errada. A Anatel, em seu ato de autorização de uso de radiofrequência, havia autorizado o funcionamento, por exemplo, na frequência de 87,9 MHz, mas a entidade estava em funcionamento, digamos, na frequência de 90,5 MHz. Nesse caso, a infração diz respeito ao uso irregular do espectro, cabendo à Anatel a aplicação da sanção, mesmo que a entidade seja regularmente outorgada para prestar o serviço de radiodifusão, pois a competência sancionatória decorre da violação à autorização de uso de radiofrequência expedida pela Agência. Nesse sentido há julgado do Superior Tribunal de Justiça – STJ[10].
No que tange ao uso irregular do espectro, por exemplo, a LGT, em seu art. 173, determina expressamente que cabe à Agência a punição, ao dispor que a inobservância dos deveres decorrentes dos atos de autorização de uso de radiofrequência sujeitará os infratores às seguintes sanções, aplicáveis pela Agência.
Em suma, a Anatel tem competência para punir entidade outorgada para prestação de serviço de radiodifusão sempre que ela cometer infração relacionada às competências da Agência. É o que ocorre com as infrações relacionadas com o uso de radiofrequência e com a certificação de equipamentos. Nesses casos a Anatel figura como o Poder Concedente, respectivamente, da autorização de uso de radiofrequência e da certificação dos equipamentos. Ressalte-se, por derradeiro, que nessa competência para punir incluem-se todos os poderes a ele inerentes, tais como os de fiscalizar, instaurar e instruir o processo administrativo e aplicar a sanção.
Durante as discussões sobre o tema em tela, pode ser invocada a figura do Decreto nº 7.462/2011. Deve-se, então, traçar um limite ao teor do art. 8º do seu Anexo I, que reza:
“Art. 8º À Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica compete: (…)
VI – fiscalizar a exploração dos serviços de radiodifusão e de seus ancilares e auxiliares nos aspectos referentes ao conteúdo de programação das emissoras, bem como à composição societária e administrativa e às condições de capacidade jurídica, econômica e financeira das pessoas jurídicas executantes desses serviços;
VII – instaurar procedimento administrativo visando a apurar infrações de qualquer natureza referentes aos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares;”
Chama-se atenção para a impossibilidade de, numa interpretação ampliativa da expressão de qualquer natureza, contida no referido inciso VII, se restringir as competências da Anatel. Explica-se: não é possível, com base no art. 8º em referência, entender que não mais compete à Anatel a instauração e instrução de processos administrativos, bem como a aplicação da respectiva sanção, no que tange às irregularidades relacionadas com suas competências (uso de radiofrequência e certificação de equipamentos).
Ora, tal competência é expressamente prevista em lei (LGT), não cabendo à interpretação de um Decreto – instrumento normativo infralegal –, sobretudo de maneira ampliativa, retirar competência trazida por lei ordinária.
Por fim, ainda sobre o Decreto nº 7.462/2011, é preciso dizer que o inciso VII do art. 8º do seu Anexo I, ao se referir a infrações de qualquer natureza, vincula tal expressão ao serviço de radiodifusão (infrações de qualquer natureza referentes ao serviço de radiodifusão), ou seja, não inclui as infrações relacionadas às competências da Anatel (uso de radiofrequência e certificação de equipamentos). Assim, compete originalmente à Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica a instauração e instrução de processos administrativos, bem como a aplicação da respectiva sanção, mas apenas no que tange às irregularidades relacionadas com o próprio serviço de radiodifusão[11].
5. Casos particulares.
5.1. Cometimento simultâneo de infrações relacionadas às competências da Anatel e do Ministério das Comunicações.
Tecidas essas considerações, necessário tratar, agora, da hipótese em que a mesma entidade esteja cometendo simultaneamente as duas espécies de infração, quais sejam as relacionadas às competências da Anatel (uso do espectro e certificação de produtos) e do Ministério das Comunicações (serviço de radiodifusão).
É o caso, por exemplo, de a fiscalização da Anatel detectar, numa mesma ação fiscalizatória, que a entidade está usando o espectro de forma errada, em desacordo com o ato de autorização de uso de radiofrequência expedido pela Agência, e que está, concomitantemente, excedendo o tempo máximo estabelecido na legislação para transmissão de programação publicitária com fins comerciais.
Nesse caso, embora contra a mesma entidade e em razão da mesma fiscalização, a solução baseada nas competências originais seria a instauração de dois processos, um do âmbito da Anatel e outro no âmbito do Ministério das Comunicações, cada um referente às infrações inseridas na esfera de competência de cada um.
Em razão da delegação de competência realizada por meio do Convênio de 2011, contudo, cabe à mesma pessoa jurídica (Anatel) a instauração e instrução desses processos. No que toca às suas competências, a Anatel dá andamento até o término do processo, inclusive aplicando sanção. Quanto às competências originais do Ministério das Comunicações, a Anatel apenas instaura e instrui o processo, remetendo ao órgão ministerial para aplicação da sanção. De qualquer forma, por uma questão de eficiência e melhor organização processual, entende-se que o correto é a Anatel instaurar os dois processos separados, em um aplicando sanção e no outro promovendo a remessa ao Ministério das Comunicações.
5.2. Prestação clandestina do serviço de radiodifusão.
Situação diferente, mas cujas consequências são as mesmas, acontece quando a entidade está prestando o serviço de radiodifusão na clandestinidade. Nesse caso, ocorrem duas infrações, a saber: (i) uma pelo fato de materialmente prestar o serviço de radiodifusão sem a outorga conferida pelo Ministério das Comunicações; e (ii) outra pelo fato de fazer uso do espectro sem que a Anatel tenha lhe conferido autorização de uso de radiofrequência.
A entidade, portanto, passou por cima da autoridade tanto da Anatel quanto do Ministério das Comunicações, ou seja, cometeu duas infrações. De bom alvitre ressaltar que não se trata de punir duas vezes a mesma infração. Ocorreram, na verdade, duas infrações autônomas, como já dito acima (prestação do serviço de radiodifusão sem outorga do Ministério das Comunicações e uso do espectro sem autorização para uso de radiofrequência expedida pela Agência). São dois atos administrativos distintos necessários para a prestação desse serviço, independentes um do outro, cada um relacionado a um bem jurídico (exploração do serviço e uso da radiofrequência, um bem público). Inclusive os requisitos são distintos para a obtenção de um e outro.
Além da infração por uso não autorizado do espectro, ainda é possível que se apure, nos autos desse processo no âmbito da Anatel, uma eventual infração consistente na utilização de equipamentos sem a devida certificação. Seriam, assim, duas infrações sancionadas pela Anatel e uma infração sancionada pelo Ministério das Comunicações.
Lembra-se, mais uma vez, que a competência da Anatel refere-se à administração e controle dos equipamentos e do espectro, verificando se a entidade possui certificação em seus equipamentos e autorização para o uso de radiofrequência. Neste último caso, se sim, há de se verificar, ainda, se a entidade está respeitando os termos/limites dessa autorização.
5.3. Cometimento simultâneo de infrações relacionadas às competências da Anatel.
Já restou patente, portanto, que cada infração deve ser tratada de forma independente uma da outra. Tanto que no caso tratado no tópico anterior, dois processos devem ser instaurados, um para que a Anatel aplique a sanção e outro para que Ministério das Comunicações aplique a sanção. Porém, só faz sentido falar-se em dois processos em razão de uma infração estar afeta às competências da ANATEL e a outra estar afeta às competências do Ministério das Comunicações.
Realmente, se ambas as infrações cometidas pela entidade fiscalizada disserem respeito às competências da Anatel, é de se instaurar um único processo para apurar as duas infrações. É o que ocorre, por exemplo, quando uma entidade está materialmente prestando o Serviço de Comunicação Multimídia – SCM por meio do uso de radiofrequência sem qualquer autorização da Agência. Em casos como esse, a entidade comete duas infrações distintas, a saber: (i) prestação do serviço de SCM sem outorga da Anatel; e (ii) uso do espectro sem a devida autorização para uso de radiofrequência expedida pela Agência.
Destarte, um único processo deve ser instaurado no âmbito da Anatel destinado a apurar e punir as duas infrações. Não se deve punir apenas o uso clandestino do espectro. Da mesma forma, também não se deve punir apenas a prestação do SCM sem a devida outorga. Nesses casos, o auto de infração deve fazer constar as duas infrações, que, ressalte-se, são distintas e independentes entre si, mas que, por uma questão de conexão, merecem tratamento conjunto.
Enfim, sempre que a Anatel detectar a prestação clandestina de serviço cuja outorga seja de sua competência, e que este esteja sendo explorado por meio do uso de radiofrequência, também de maneira clandestina, deve instaurar um único processo destinado a apurar e punir as duas infrações. É possível, ainda, que nesse mesmo processo também se apure e sancione outras infrações, desde que conexas e inseridas nas competências da Anatel, dentre as quais seria exemplo a utilização de equipamentos sem a devida certificação.
6. Diferença entre prestação material e formal do serviço.
Nessa esteira, vale destacar que o fato de uma entidade prestar o serviço de radiodifusão sem autorização outorgada pelo Ministério das Comunicações não impede que ela seja considerada uma prestadora de serviço de radiodifusão, só que na modalidade clandestina.
Quando há uma outorga para o serviço, a entidade prestadora torna-se formalmente uma entidade outorgada. O aspecto formal, porém, não se confunde com o aspecto material ou de conteúdo. Este diz respeito ao serviço que a entidade efetivamente está prestando. Enfim, se a entidade está prestando efetivamente serviço de radiodifusão sem a outorga do Ministério das Comunicações, caracteriza-se como entidade apenas materialmente prestadora do serviço. Se detém a outorga do Ministério das Comunicações, diz-se que é formal e materialmente prestadora do serviço.
Realmente, o fato de ela estar prestando o serviço sem a necessária roupagem formal impede que ela seja considerada, regular e legalmente, uma entidade outorgada. Não impede, contudo, seu sancionamento na esfera punitiva da Administração.
Se assim não fosse, condutas infratoras ficariam sem a devida punição, o que não se concebe. Explica-se: no caso de uma entidade fazer uso de radiofrequência para prestar materialmente o serviço de radiodifusão sem autorização alguma, ela sofreria punição apenas por uso não autorizado do espectro (sanção aplicada pela Anatel). Porém, sairia impune quanto à exploração do serviço sem a outorga do serviço de radiodifusão (sanção que deveria ser aplicada pelo Ministério das Comunicações).
Já nos casos em que a prestação do serviço dispensa o uso de radiofrequência, dependendo apenas da autorização para prestação do serviço, a entidade que atua sem essa autorização comete infração, devendo, pois, ser punida. É o caso, por exemplo, de uma entidade prestar, sem autorização da Anatel, o Serviço de Comunicação Multimídia – SCM por meio de cabos (sem necessidade de uso de radiofrequência). Por óbvio que à Anatel, constatando o ocorrido, compete puni-la por essa infração (prestar o SCM sem autorização). Se assim não fosse, sairia impune, o que foge ao sistema sancionatório administrativo.
Mutatis mutandis, muito se ouve sobre revendedores de gás liquefeito de petróleo (conhecido como gás de cozinha) que atuam na clandestinidade. O fato de agirem sem a roupagem formal não impede que se lhes aplique sanção, porquanto são materialmente revendedores de gás de cozinha que agem sem autorização para tanto. Ao contrário, a Agência Nacional do Petróleo – ANP busca coibir tal prática, interditando os estabelecimentos e aplicando sanção. Se se considerasse, ao invés, que eles não fossem revendedores de gás de cozinha, a punição não poderia existir, já que desconfigurado estaria o elemento essencial da infração.
O mesmo raciocínio é aplicado às pessoas que trabalham no mercado informal, sem carteira assinada pelo empregador. Ora, preenchidos os requisitos da relação de emprego, a Justiça do Trabalho considera caracterizada a condição de empregado dessa pessoa, mesmo sem existir a roupagem formal prévia. E todos os diretos daí decorrentes são reconhecidos.
Outro exemplo é o do motorista de veículos. Mesmo sem possuir formalmente a carteira de motorista, o fato de eles estar conduzindo o veículo o torna materialmente um motorista, apto a sofrer a sanção estatal. Daí que a Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB) considera gravíssima a infração de conduzir veículo sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir, punindo-a com sanção de multa e apreensão do veículo.
Fica claro, portanto, que uma entidade materialmente prestadora do serviço de radiodifusão, sem autorização formal do Ministério das Comunicações, pode e deve ser punida por este órgão ministerial, sem prejuízo da punição no âmbito da Anatel pelo uso do espectro sem autorização e, eventualmente, até mesmo por ausência de certificação de equipamentos.
7. Natureza da interrupção cautelar da estação. Competência.
Passa-se, agora, a analisar a natureza jurídica da interrupção cautelar de uma estação transmissora de radiocomunicação (lacre de estação). Ora, ao proceder ao lacre de determinada estação, a fiscalização pratica uma medida cautelar, que essencialmente não se confunde com a sanção em si. De início, convém registrar que tanto a LGT como o arcabouço normativo aplicável ao setor não faz referência à cautelar como sanção administrativa[12].
O art. 45 da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo na esfera federal, trata da medida cautelar sob o rótulo de providências acautelatórias:
“Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.” [grifo nosso]
Dessa forma, fica possibilitado à Administração Pública, in casu à Anatel, a adoção de medida cautelar consistente no lacre de estação, inclusive sem prévia manifestação do interessado, desde que a situação fiscalizada configure risco iminente ao interesse público[13]. Na mesma linha dispõe a LGT, em seu art. 175, parágrafo único, ao aduzir que apenas as medidas cautelares poderão ser tomadas antes da defesa. Para tanto, deve a Administração Pública motivar o lacre da estação.
Nessa esteira, ressaltando a lesividade do mau uso do espectro, vale colacionar trecho da obra de Agapito Machado e Agapito Machado Junior[14], no qual afirmam que é sabido e notório que a inobservância das regras técnicas, indispensáveis ao correto uso das frequências radioelétricas, pode ensejar situações de risco concreto à coletividade: prejudica serviços essenciais, interfere catastroficamente em voos de aeroportos e na navegação de embarcações marítimas e fluviais, perturba concessionários que se submetem à disciplina legal para funcionamento de suas emissoras. Além disso, degradam a qualidade das frequências próximas à sua.
Voltando à natureza do lacre da estação, é preciso deixar claro que a medida cautelar não pode ser confundida com a sanção administrativa. Celso Antônio Bandeira de Mello[15] diferencia bem a providência acautelatória da sanção, como se vê do ensinamento abaixo transcrito:
“Cumpre discernir sanções administrativas de providências administrativas acautelatórias, que muitas vezes poderiam ser com elas facilmente confundidas. Importa – e muito – fazer tal distinção porque, como não se submetem à integralidade dos aludidos princípios, se fossem confundidas com as sanções administrativas causariam a impressão de que não se poderia falar em um regime uniforme para estas últimas.
Providências administrativas acautelatórias são medidas que a Administração muitas vezes necessita adotar de imediato para prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa e cuja finalidade não é – como a das sanções – intimidar eventuais infratores para que não incorram em conduta ou omissão indesejada, mas diferentemente, é a de paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem. Susana Lorenzo aparta as duas figuras com suma brevidade e clareza.
Quase sempre tais providências precedem sanções administrativas, mas com elas não se confundem. Assim, e.g., a provisória apreensão de medicamentos ou alimentos presumivelmente impróprios para o consumo da população, a expulsão de um aluno que esteja a se comportar inconvenientemente em sala de aula, a interdição de um estabelecimento perigosamente poluidor, quando a medida tenha que ser tomada sem delonga alguma, são medidas acautelatórias e só se converterão em sanções depois de oferecida oportunidade de defesa para os presumidos infratores. Como se vê, em certos casos a compostura da providência acautelatória é prestante também para cumprir a função de sanção administrativa, mas só assumirá tal caráter, quando for o caso, após a conclusão de um processo regular, conforme dito.”
Na verdade, a medida cautelar integra o chamado poder de polícia da Administração Pública, por meio do qual a atividade estatal condiciona a liberdade e a propriedade individuais, ajustando-as aos interesses da coletividade. Mais uma vez se vale das lições de Celso Antônio Bandeira de Mello[16]:
“As medidas de polícia administrativa frequentemente são autoexecutórias: isto é, pode a Administração Pública promover, por si mesma, independentemente de remeter-se ao Poder Judiciário, a conformação do comportamento do particular às injunções dela emanadas, sem necessidade de um prévio juízo de cognição e ulterior juízo de execução processado perante as autoridades judiciárias. Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata quando estes sejam perturbadores para a tranquilidade pública, será coativamente assegurada pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou da passeata, seja para determinar sua dissolução.
A interrupção de um espetáculo teatral, por obsceno, será procedida, do mesmo modo, pela Administração Pública, sem que esta obtenha prévia declaração judicial reconhecendo e autorizando a paralisação de exibição teatral. A apreensão de gêneros alimentícios impróprios para o consumo, por deteriorados ou insalubres, também é medida coativa passível de ser posta em prática pelo Executivo, sem recurso às vias judiciárias, tão logo constate a irregularidade.”
Essa conclusão, vale mencionar, deriva da própria Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, modificada pela Lei nº 11.292, de 26 de abril de 2006, a qual criou a carreira de Regulação e Fiscalização de Serviços Públicos de Telecomunicações e disciplinou as respectivas competências:
“Art. 3º São atribuições comuns dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1º desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 11.292, de 2006)
I – fiscalização do cumprimento das regras pelos agentes do mercado regulado; (…)
Parágrafo único. No exercício das atribuições de natureza fiscal ou decorrentes do poder de polícia, são asseguradas aos ocupantes dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1o desta Lei as prerrogativas de promover a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual, em caso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções.” (Redação dada pela Lei nº 11.292, de 2006)
No mesmo sentido, existe jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF confirmando a competência da Anatel para lacrar equipamentos utilizados por rádios comunitárias, com fundamento no exercício de seu poder de polícia[17].
Dessa forma, inquestionável é o poder da Agência para lacrar estações em razão de infrações relacionadas com suas competências, dentre as quais se incluem o uso de radiofrequência e a certificação de equipamentos. O mesmo ocorre quanto aos aspectos técnicos das infrações relacionadas ao serviço de radiodifusão, cuja competência fiscalizadora da Anatel é expressa, consoante se observa do já mencionado parágrafo único do art. 211 da LGT.
A dúvida poderia surgir quanto aos demais aspectos das infrações relacionadas ao serviço de radiodifusão, cuja competência para outorga pertence ao Ministério das Comunicações. Ocorre, como já dito, que os poderes para fiscalização dos aspectos não técnicos dessas infrações foram delegados à Anatel, por meio de Convênio. Entende-se, então, que também se defere à Agência poderes para lacrar estações em razão de irregularidades relacionadas a aspectos não técnicos de infrações relacionadas ao serviço de radiodifusão, mesmo sem prévia solicitação do Ministério das Comunicações.
No caso, porém, de lacre realizado pela fiscalização da Anatel em razão de infrações relacionadas com o serviço de radiodifusão (aspectos técnicos ou não técnicos), o Ministério das Comunicações deve ser comunicado do lacre para que possa tomar as medidas que entender cabíveis (manter o lacre ou proceder ao deslacre). Isso porque o Regulamento de Fiscalização da Anatel, aprovado pela Resolução nº 596/2012, determina que a interrupção cautelar ocorra ad referendum da autoridade competente[18].
Salienta-se, no entanto, que se o lacre realizado pela fiscalização da Anatel tiver sido motivado pelo cometimento de uma infração relacionada às competências da Agência, não cabe ao Ministério das Comunicações proceder ao deslacre, caso venha a tomar conhecimento do lacre. Se o órgão ministerial pudesse, por exemplo, deslacrar estações lacradas em razão do uso não autorizado do espectro, a administração deste por parte da ANATEL restaria inviabilizada, pois não haveria qualquer controle sobre as radiofrequências que estariam sendo usadas pelos administrados.
O que se veda à Anatel, quanto às infrações relacionadas ao serviço de radiodifusão em si, é a aplicação de sanção. Tendo em mente, porém, que o lacre de estação não é espécie de sanção, inserindo-se, na verdade, no poder de fiscalização, tal vedação não se aplica à Agência nesse ponto, que pode, sim, proceder ao lacre.
Deve-se chamar a atenção, por fim, para a necessidade de que o lacre seja sempre motivado pela autoridade administrativa, sendo utilizado com responsabilidade e tendo em mente que se trata de medida excepcional, não devendo ser encarada como sendo ordinária. Deve sempre restar demonstrada a urgência da medida cautelar.
8. Conclusão.
A divisão de competências entre Administração Pública Federal Direta e Indireta se dá, num aspecto mais amplo, em razão da própria divisão realizada pelo texto constitucional entre serviço de telecomunicações e serviço de radiodifusão.
Assim, o Ministério das Comunicações permanece responsável pelos serviços de radiodifusão, ao passo que a Anatel surge como a agência reguladora responsável pelos demais serviços de telecomunicações e pela administração do espectro radioelétrico, o que abrange a expedição de autorização para uso de radiofrequência e a certificação de produtos.
Com isso, pode-se dizer, em suma, que atualmente à Anatel compete (i) proceder à outorga para exploração dos serviços de telecomunicações; (ii) expedir autorização de uso de radiofrequência; (iii) certificar produtos emissores de radiofrequência; (iv) fiscalizar as irregularidades relacionadas ao uso de radiofrequência, à certificação de produtos, ao serviço de radiodifusão em si e aos demais serviços de telecomunicações; (v) instaurar e instruir processos sancionadores que tenham como objeto irregularidades relacionadas ao uso de radiofrequência, à certificação de produtos, ao serviço de radiodifusão em si e aos demais serviços de telecomunicações; e (vi) aplicar sanção às irregularidades relacionadas ao uso de radiofrequência, à certificação de produtos e aos demais serviços de telecomunicações[19].
Ao Ministério das Comunicações, por sua vez, compete (i) proceder à outorga para exploração do serviço de radiodifusão; e (ii) aplicar sanção às irregularidades relacionadas ao serviço de radiodifusão em si.
No que se refere à fiscalização levada a cabo pela Anatel, havendo constatação de que se trata de irregularidade relacionada ao serviço de radiodifusão, a Agência deve, em razão da delegação de competência, instaurar e instruir o processo sancionador e encaminhá-lo ao Ministério das Comunicações para que este aplique, se for o caso, a sanção administrativa.
Registra-se, então, que a discussão sobre as competências da Anatel e do Ministério das Comunicações não deve centrar-se na diferenciação entre entidades outorgadas (regulares) e não outorgadas (clandestinas) para o serviço de radiodifusão. O foco deve ser direcionado à natureza das infrações apuradas. Se relacionadas ao serviço de radiodifusão, a competência para aplicar a sanção é do Ministério das Comunicações; se relacionadas às competências da Agência, é da Anatel.
Nessa esteira, cada infração deve ser tratada isoladamente, com base em sua autonomia. Assim, sempre que a Anatel, em sua fiscalização, detectar, por exemplo, entidade de radiodifusão clandestina, deve autuá-la por uso não autorizado do espectro e, em processo separado, autuá-la por exploração do serviço de radiodifusão sem a correspondente outorga ministerial. Quanto a esta infração, a Anatel deve instruir o feito e encaminhá-lo ao Ministério das Comunicações para aplicação de sanção. Quanto àquela, a própria Anatel deve instruir o feito e ela própria proceder à aplicação da sanção. Realmente, o fato de ela estar prestando o serviço sem a necessária roupagem formal impede que ela seja considerada, regular e legalmente, uma entidade outorgada. Não impede, contudo, seu sancionamento na esfera punitiva da Administração, uma vez que, materialmente, estava prestando o serviço.
Por fim, tem-se, ainda, que o a interrupção cautelar de estação (lacre) se apresenta como uma medida cautelar, de natureza jurídica distinta da da sanção administrativa, e integrante do poder de polícia da Anatel, concretizado pelas ações de fiscalização. Confere-se à Agência, então, o poder para proceder ao lacre desde que possua poderes para fiscalizar a conduta infratora, ainda que o objeto de fiscalização se relacione, por exemplo, ao serviço de radiodifusão. É de se dizer: o poder para proceder ao lacre está inserido no poder fiscalizador.
Informações Sobre o Autor
Paulo Firmeza Soares
Procurador Federal, Pós-graduado em Regulação de Telecomunicações