Resumo: Este artigo analisa aspectos relacionados ao tratamento jurídico que a Constituição brasileira reserva aos tratados internacionais de direitos humanos. No cumprimento desse objetivo, examina temas atinentes ao constitucionalismo humanista adotado pela Constituição e suas circunstâncias históricas, pressupostos filosóficos e princípios fundamentais; à abertura normativa da Constituição aos direitos enunciados em tratados internacionais, nos termos do § 2º do art. 5º; à hierarquia normativa desses tratados no sistema jurídico brasileiro e os efeitos da cláusula constitucional do § 3º do art. 5º; à inserção dos tratados internacionais de direitos humanos no bloco de constitucionalidade; e à institucionalização, na doutrina nacional, do denominado “controle de convencionalidade”, nas modalidades concreta e abstrata.
Palavras-chaves: constituição; princípio da dignidade da pessoa humana; tratados internacionais de direitos humanos; internalização; hierarquia; bloco de constitucionalidade.
Résumé: Cet article examine les aspects liés au traitement juridique que la Constitution brésilienne réserve aux traités internationaux relatifs aux droits de l´homme. Pour atteindre cet objectif, il explore des thèmes relatifs aux constitutionnalisme humaniste adoptée par la Constitution et leurs circonstances historiques, présupposés philosophiques et principes fondamentaux; l'ouverture normative de la Constitution aux droits énoncés dans les traités internationaux auxquels la République Fédérale du Brésil est partie, conformément au § 2 de l'article 5º; à la hiérarchie normative de ces traités dans le système juridique brésilien et les effets de la clause constitutionnelle du § 3 de l'article 5º; l'inclusion des traités internationaux sur les droits de l'homme dans le bloc de constitutionnalité; et l'institutionnalisation, dans la douctrine nationale, de ce qu'on appelle le «contrôle de conventionalité», dans les modes concrets et abstraits.
Mots-clés: constitution; principe de la dignité de la personne humaine; traités internationaux des droits de l´homme; internalisation; hierarchie; bloc de constitutionnalité.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Desde o advento da Constituição Federal de 1988, vivencia-se, no Brasil, uma peculiar conjuntura histórica marcada pela alocação e pela afirmação, em âmbito global e regional, da posição encampada pelo Estado brasileiro no sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o que pressupõe, dentre outras medidas, a adequação de sua legislação interna às predicações normativas pactuadas na cena internacional. Nesse contexto, conforme dessume de vários de seus dispositivos, a Constituição, marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos na história constitucional do País, dispensou especial tratamento normativo aos tratados internacionais de direitos humanos, diferenciando-os, por seu conteúdo, dos demais tratados internacionais.
Imersa nesse particular universo temático, esta pesquisa destina-se justamente à análise de alguns aspectos relacionados ao tratamento jurídico especial que a Constituição brasileira reserva aos tratados internacionais de direitos humanos e à tese da adoção desses tratados como parâmetros de controle jurisdicional da produção normativa doméstica. Não visa, contudo, a exaurir a abordagem de toda a problemática a esse respeito, mas, sim, tão-somente, lançar algumas luzes sobre o tema, no intuito de contribuir para a ampliação do debate e dos horizontes de pré-compreensão nessa seara, concorrendo, ademais, para reforçar o processo de efetivação dos direitos humanos no País.
1. O HUMANISMO DO PÓS-2ª GUERRA MUNDIAL
De modo irreversível, catástrofes humanas colossais mancharam, com sangue e sofrimento, destruição e morte, o tecido histórico de todos os quadrantes do século XX. Ódio, violência, horror e autoritarismo, numa dimensão ímpar de nossa condição existencial, contaminaram diversos povos, produzindo um caldo de cultura insana, rico em soluções finais genocidas e de extermínio étnico, que se traduziu no uso indiscriminado da força bruta e no cometimento de atrocidades bárbaras sem paralelo em várias comunidades estatais, ceifando, com requintes de extrema crueldade, a vida e a felicidade de populações inteiras e gerações, a exemplo do massacre armênio, das duas Conflagrações Mundiais, do Holocausto em si, da Guerra Civil Iugoslava, do morticínio timorense e da carnificina hutu em Ruanda. Essa foi, ademais, a matriz espiritual em que se disseminaram, em pleno esplendor do racionalismo cientificista da modernidade, ideologias políticas totalitárias, tais como o fascismo, o nazismo e o stalinismo, bem como se institucionalizaram regimes extremos de poder em nações de todos os continentes povoados, como servem de ilustração as draconianas fórmulas políticas do Drittes Reich na Alemanha nazista, do Apartheid na África do Sul, da Kampuchea Dân chủ do Khmer Vermelho no Camboja e de las dictaduras militares y caudilhistas na América Latina, incluindo o Brasil.
Dentro desse contexto, a 2ª Guerra Mundial, com sua sombria estatística de mais de 50.000.000 (cinquenta milhões) de mortos em cerca de 06 (seis) anos de beligerância, constitui, sem sofismas, o evento cataclísmico mais marcante e trágico não só do século XX, mas, decerto, de toda a cronologia sinuosa da existência humana, tendo lançado, por suas proporções ímpares e episódios abomináveis, projeções terrificantes sobre os destinos irresolutos da humanidade. Em razão disso, o Grande Conflito exerceu, por outro lado, um papel crítico decisivo na chamada de consciência global em torno da insuficiência institucional dos paradigmas formais de coexistência humana então preponderantes, expondo a nu a necessidade inarredável de reversão dos alicerces éticos da civilização moderna, bem como de empreendimento de esforços conjuntos ou isolados pelas nações, em escala local, regional ou universal, no intuito de se assegurar padrões de convivência mais humanizados entre os homens e entre os entes da comunidade internacional, sob pena de se caminhar rumo à consumação da possibilidade apocalíptica de extinção autofágica da própria espécie humana. Não se atribui, pois, ao acaso, a uma casual coincidência cronológica ou a uma eventualidade puramente conjuntural que, no plano internacional, tenha-se operado, já a contar dos anos imediatamente subsequentes ao pós-Guerra, uma intensa mobilização cooperativa de muitos Estados em torno da institucionalização de instâncias e mecanismos supranacionais de proteção da humanidade – a própria criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, serve de ilustração por excelência a esse respeito. Na mesma direção, verificou-se que, no âmbito doméstico de vários Estados, intensas foram as mutações institucionais sucedidas no modelo vigorante de Estado de Direito, no sentido de se combater os efeitos demolidores do formalismo ascético sobre a sua estrutura político-jurídica.[1]
A dramática experiência histórica vivenciada pela humanidade no tortuoso evolver do século XX legou-nos, de todo modo, uma lição civilizatória de grande valia: a de que a dignidade humana, categoria conceitual assimilada à noção filosófica de que todo e qualquer ser humano, indistintamente e de modo igualitário, é dotado da qualidade inerente de carregar em si valores superiores, irrenunciáveis e indevassáveis, pelo só fato de possuir existencialidade humana[2], há de figurar como fundamento ético ou referência axiológica indeclinável de todo exercício de poder político, consonante com o qual os Estados soberanos devem nortear suas múltiplas posturas e vínculos institucionais, tanto no plano nacional, quanto na cena internacional. O despertar crítico de consciência a esse respeito por muitos entes integrantes da comunidade internacional, com a tomada de posição implícita ou explícita pelo reconhecimento do valor imanente dos seres humanos frente às organizações políticas, fato histórico recente[3], tem, por sua vez, impactado profundamente a cultura espiritual e material dos novos tempos e fomentado um denso ciclo de reestruturação progressiva de suas instituições fundamentais, com profundos reflexos nos domínios doutrinários e prescritivos do Direito, seja no âmbito do Direito Internacional, seja no do Direito Interno dos Estados, com especial projeção, nesse último caso, sobre o Direito Constitucional, tal como se operou na realidade brasileira.
2. O CONSTITUCIONALISMO HUMANISTA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Promulgada em 05.10.1988, a Constituição da República Federativa do Brasil (doravante denominada simplesmente de “Constituição” ou sob a abreviação “CF/1988”) emergiu de um estado de grave e generalizada “crise constituinte”[4] que assolara a consciência nacional em relação às instituições políticas – estado este assinalado pelo profundo déficit de legitimidade institucional decorrente, sobretudo, do regime de exceção que, sob o eclipse discursivo das razões imperativas da segurança nacional (national security)[5] e a regência antidemocrática dos atos institucionais e decretos-leis, fora outorgado à Nação brasileira por forças militares autoritárias durante mais de dois decênios (1964-1985). Defluindo, assim, do contexto crítico em que se operou o ultimo ciclo de abertura política e redemocratização da história político-constitucional do País, a cognominada “Constituição Cidadã” ou “Constituição Coragem”, ao reconstitucionalizar a nova ordem jurídico-política, assimilou, em certa medida, um componente revolucionário de transformação do status quo e de ruptura com o passado recente (descontinuidade constitucional[6]), este sombriamente estigmatizado pela forte dose de autoritarismo, pelo arbítrio estatal e pela violência institucionalizada, com dura repressão e esvaziamento de liberdades fundamentais, conquanto, por vezes, formal, ou melhor, retoricamente, positivadas.[7]
Nessa particular ambiência histórica, embalado pelos anseios e pela pressão das forças políticas que dialeticamente protagonizaram a mutação institucional, aproximou-se o Congresso Constituinte, conquanto com forte resiliência por parte de estratos sociais mais conservadores e reacionários, do ideário humanista que reverberou pela Gaia[8] a partir da proclamação da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948[9], após o ocaso da aludida tragédia colossal da 2ª Grande Guerra (1939-1945), cujas barbaridades indescritíveis e incomensuráveis ultrajaram irreversivelmente a consciência geral da humanidade[10]. Em virtude dessa inclinação congressual, sublimaram-se, no texto constitucional, reflexos consideráveis do influxo que a Assembleia Nacional recebera, durante o processo constituinte, da mundividência (Weltanschauung) “pós-positivista” proposta pelo que se vem denominando de “neoconstitucionalismo”, cujo eixo dogmático aponta para um horizonte histórico radicado na abertura material, ética e axiológica da Constituição, bem como na categórica afirmação do Estado Democrático de Direito como fórmula político-institucional comprometida e juridicamente vinculada aos deveres de respeito, proteção e promoção do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais e dos direitos humanos.[11]
O Poder Constituinte Originário traduziu, então, as aspirações espirituais e circunstâncias factuais irradiadas da peculiar conjuntura histórico-existencial que lhe serviu de esteio tocado por essa peculiar cosmovisão antrópica, que, dimanando da luta histórica pela afirmação universal da dignidade (da pessoa) humana[12], inspirou, decisivamente, a tomada de suas deliberações políticas fundamentais em relação às linhas constitucionais do porvir. A decodificação constituinte desses imputs da realidade material circundante projetou-se, nessa toada, sobre o tecido normativo do novel estatuto jurídico fundamental mediante a assunção positiva, emancipatória, compromissária e dirigente de um catálogo orgânico amplo, complexo e materialmente aberto de princípios, direitos e garantias prospectivamente afirmativo de uma unidade de sentido calcada na primazia do homem.
Sob essa prisma, ao reconhecer a dignidade da pessoa humana como “fundamento” da novel unidade político-institucional (art. 1º, III)[13], em paralelo com outros valores de semelhante envergadura política, tais como a soberania (art. 1º, I) e a cidadania (art. 1º, II), convolando-o em princípio jurídico fundamental do Estado[14], o Constituinte de 1987/88 afirmou, na terra brasilis, novo marco, referência ou arquétipo civilizatório cujas bases ético-axiológicas e racionalidade normativa, inspiradas na sobredita Declaração de 1948, consagram “o homem na sua humanidade”[15] como “seu fim e sua esperança”[16], como seu “valor-fonte”[17]. Em verdade, evocando-se, de modo topograficamente culminante na escala de valores constitucionais, a dignidade da pessoa humana como premissa deontológica estruturante ou imperativo ético no qual se ancora e se legitima o Estado brasileiro[18], encampou-se direcionada decisão política fundamental em relação ao sentido, à finalidade, à justificação e aos lindes circunscritivos do poder estatal[19], averbando-se, na esteira do legado filosófico kantiano, entre outros, “que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal”.[20] [21] [22] [23]
Nesse tom, afinada com os principais instrumentos internacionais sobre direitos humanos, com destaque para a Declaração Universal de 1948, para o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966, e para o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), também de 1966, a Constituição, ao materializar o “estatuto jurídico do político”[24] tendo a dignidade da pessoa humana como standard, ou melhor, como força motriz de suas instituições constitucionais, institucionalizou, no epicentro do ordenamento jurídico nacional, uma extensa malha tuitiva de direitos fundamentais revestida de certas vinculações aglutinativas de natureza sistêmica[25]. Deveras, de modo absolutamente destituído de paralelo na história constitucional brasileira[26], a Lei Suprema delineou, sob uma lógica dialética da indivisibilidade e interdependência recíproca[27], uma analítica, descerrada e plural rede multidimensional e plurifuncional de direitos constitucionais específicos qualificados como fundamentais, caracterizados, por definição, por representarem valores, bens e posições jurídicas especialmente relevantes para o ser humano[28], nos campos civil, político, social, econômico, cultural, ambiental etc, sendo, ademais, dotados, por sua singular nobreza jurídica, de força normativa potencializada[29]. O conteúdo dos direitos fundamentais assumiu, de fato, papel decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado brasileiro[30].
Para adiante disso, além de ter ampliado consideravelmente o rol de direitos fundamentais no ethos brasileiro, a Constituição, sinalizando reconhecer-lhes significativa preeminência axiológica e hegemonia hermenêutica, inovou a tradição constitucional brasileira ao situar topologicamente o Título II (arts. 5º a 17)[31], de rubrica “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, em posição especial, privilegiada, logo no início do seu texto, após o Preâmbulo e o Título I (arts. 1º a 4º), título este, por sinal, referente aos princípios fundamentais, estruturantes[32], do novel Estado brasileiro[33].
Como salvaguarda da efetividade dos direitos fundamentalizados, a Constituição instituiu, de maneira ímpar, um bloco expressivo de garantias fundamentais, tanto do direito subjetivo como do objetivo[34], às quais também se aplica a regra de abertura do § 2º do art. 5º; cabendo enfatizar, a título ilustrativo, nesse tocante, os remédios processuais garantísticos do habeas corpus (art. 5º, LXVIII), habeas data (art. 5º, LXXII), mandado de segurança (art. 5º, LXIX e LXX), mandado de injunção (art. 5º, LXXI), ação popular (art. 5º, LXXIII) e ação civil pública (art. 129, III), além da ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADIn), da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADECON/ADO), da ação declaratória constitucionalidade (ADC) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), nos termos dos arts. 102, I, “a” e § 1º, e 103 da Lei Magna.
A Constituição prescreveu, outrossim, de forma também inovadora na história do constitucionalismo pátrio, a controvertida regra da aplicabilidade direta e imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º). Petrificou, ainda, alguns desses direitos e garantias ao dispor, no polêmico inciso IV do seu art. 60, § 4º (cláusulas pétreas ou “garantias de eternidade”[35]), que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir” “os direitos e garantias individuais”, impedindo, assim, sua supressão pela ação erosiva do Poder Constituinte Derivado, e, por óbvio, a dilapidação de seu conteúdo pelo Legislador Ordinário, eventualmente embalado por vontades políticas contingentes[36].
Dessa matriz constitucional institucionalizadora, deflui, dessarte, o delineamento de um círculo cogente de conformação jurídica do Estado brasileiro em respeito aos direitos fundamentais[37] e uma expansão progressiva de suas zonas ativas de atuação institucional legislativa, administrativa e judiciária na seara da proteção e da promoção dessa gama de direitos especiais, com o fito de coibir ofensas e retrocessos ou involuções civilizatórias, bem como de assegurar a maximização de sua efetividade em prol da dignidade humana[38].
A propósito, ao fazer, expressamente, a opção constituinte pela estruturação da organização política sob a fórmula institucional do “Estado Democrático de Direito” (art. 1º, caput), o Estatuto Constitucional não só preceituou o primado das instituições e postulados político-democráticos em sua acepção tradicional, mas, em verdade, assimilou, num mesmo compasso, no plano fundamental da normatividade, a tábua antropocêntrica de valores éticos plasmada no sobreprincípio jurídico da dignidade da pessoa humana e imputou aos Poderes Públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) o compromisso superlativo de, conjunta e sincronicamente, respeitarem, garantirem e velarem pela efetividade da plêiade de direitos fundamentais que positivara[39]. Sob o paradigma do neoconstitucionalismo, o Estado brasileiro, enquanto Estado [Constitucional] Democrático de Direito, só se legitima, democrática e juridicamente, enquanto instrumento institucionalizado para a efetivação dos direitos fundamentais diplomados ou reconhecidos pela Constituição, em consonância com os imperativos dignificantes da pessoa humana, fonte ética que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática a todo o sistema.[40]
Consonante com a categórica proclamação, no âmbito jurídico doméstico, da preeminência normativa dos direitos fundamentais, a nova ordem constitucional alavancou igualmente os princípios da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como facetas do princípio da dignidade humana transbordantes dos limites nacionais (art. 4º, II e IX)[41].
À semelhança do princípio da dignidade humana, referidos princípios foram, também pioneiramente, constitucionalizados no bojo do acervo de princípios fundamentais da República (Título I), mais especificamente no contexto da principiologia particular que disciplina as conexões relacionais da República Federativa do Brasil no plano internacional. Foram, por oportuno, justamente esses princípios cardeais que nortearam a abertura e o efetivo acoplamento, em âmbito global e regional, do Estado brasileiro ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, na esteira do crescente fenômeno cosmopolita da internacionalização desses direitos qualificados.
Em suma, fundado na cumulação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, o constitucionalismo encampado sob a égide da Constituição de 1988, cujo consensus constitutionis lastreia-se na prevalência de uma ética material de racionalidade humanista em face de éticas formais de matiz utilitarista, projetou um sólido e vinculante comprometimento institucional do Estado [Constitucional e Humanista] Democrático de Direito brasileiro, tanto na ordem interna quanto na internacional, com os deveres de respeito, proteção e promoção dos direitos fundamentais e dos direitos humanos reconhecidos.[42] [43]
3. A ABERTURA CONSTITUCIONAL AOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: O § 2º DO ART. 5º DA CF/1988
Como precedentemente aduzido, o vetor humanista da Constituição, assentado, em última instância, nos princípios da dignidade da pessoa humana, da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, impeliu, no pós-1988, o Estado brasileiro a inserir-se, em âmbito global e regional, no sistema internacional de proteção dos direitos humanos. De fato, com a redemocratização do País e principalmente a partir da Constituição de 1988, iniciou-se, no Brasil, um denso processo de adoção de medidas em prol da incorporação de instrumentos internacionais afetos à proteção dos direitos humanos. Considera-se como marco inicial desse processo civilizatório a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em 1º de fevereiro de 1984, e, a partir daí, especialmente com a promulgação da Constituição de 1988, foram internalizados vários outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, dos quais vale destaque, a título de exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), internalizado em 1992[44].
Nessa conjuntura, conforme dessume da dicção expressa de vários de seus dispositivos, sobretudo depois do advento da EC[45] nº 45/2004[46], a Constituição, marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil[47], dispensou especial tratamento jurídico aos tratados internacionais de direitos humanos, quer sejam globais ou de caráter regional, diferenciando-os, por seu conteúdo, dos demais tratados internacionais[48].
No contexto das expressões mais significativas a respeito dessa particular discriminação constitucional, cabe destacar que a abertura normativa estatuída no art. 5º, § 2º, informada pelo princípio da realização da pessoa humana como decorrência da afirmação jurídica de sua dignidade, estendeu, em sua parte final, o atributo da jusfundamentalidade material a certos direitos e garantias que, mesmo não sendo dedutíveis explícita ou implicitamente da enunciação do Título II da Constituição (arts. 5º a 17) ou não decorram do regime e dos princípios por ela adotados, sejam radicados em tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja parte. Consagrou-se, então, o princípio da não-tipicidade constitucional dos direitos fundamentais[49] (Baldassare a denomina de “norma com fattispecie aberta”[50]) e, em razão disso, dilatou-se, sobremaneira, o horizonte normativo desses direitos para além das fronteiras formais delimitadas pelas normas expressamente insculpidas não só no caput, incisos I a LXXVIII e parágrafos do art. 5º, mas também no Título II globalmente considerado (arts. 5º a 17) – cujo portfólio normativo, a despeito de analítico, não contém, portanto, uma enumeração exaustiva ou taxativa de todos os direitos fundamentais, não se tratando, assim, de numerus clausus, mas, sim, meramente de numerus apertus (embora sem ser, em rigor, exemplificativa[51]). Referida norma constitucional emblemática constitui autêntico umbral para o reconhecimento de direitos materialmente fundamentais implícitos ou fora do título constitucional próprio[52], na perspectiva mais ampla da Constituição material.[53] [54]
Nesse esteira, mesmo tendo tratados internacionais como fonte normativa imediata, certos direitos e garantias podem eventualmente se qualificar, no plano doméstico, como direitos materialmente fundamentais em decorrência da incidência normativa da cláusula de abertura constitucional, em razão do que passam a contar com certos aspectos do regime jurídico inerente à fundamentabilidade formal[55]. Esse fenômeno tem-se expandindo no contexto de um peculiar processo histórico de entrelaçamento entre os círculos deônticos do Direito Constitucional e do Direito Internacional, reconhecido doutrinariamente como “internacionalização do Direito Constitucional”.
Adotando-se o pressuposto filosófico da alopoiese da Constituição, a proposição prescritiva expressa, e não implícita, inserta na multicitada fenda normativa (§ 2º) rompeu o enclausuramento constitucional no qual os direitos e garantias fundamentais vinham sendo enquadrados na tradição brasileira. Nesse sentido, dotou-se a Constituição da capacidade de projetar seus efeitos materializantes ou constitucionalizantes não só sobre o plano endoconstitucional, mas também sobre a seara extraconstitucional, ao acobertar, com o manto da jusfundamentalidade, os vínculos humanísticos da República brasileira na ordem jurídica internacional, ante o reconhecimento da ilimitabilidade da personalidade humana aos confins formais do Texto Magno.[56] [57]
De todo modo, o multireferido § 2º constitui, no fundo, cláusula de ampliação das fontes normativas do sistema brasileiro de proteção da pessoa humana, ao reconhecer, de modo inovador em nossa tradição constitucional, um arranjo dúplice de matrizes normativas dialeticamente complementares: a interna, plasmada expressa ou implicitamente na Constituição; e a internacional, positivada em tratados aperfeiçoados pelo Estado brasileiro no exercício do treaty-making power, observados os parâmetros normativos formais e materiais emergentes do texto constitucional.[58]
4. A HIERARQUIA NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
Desde o advento da cláusula de abertura normativa do art. 5º, § 2º, da CF/1988, instaurou-se, no País, acirrado debate doutrinário e jurisprudencial a respeito da particular posição hierárquico-normativa galgada pelos tratados internacionais de direitos humanos quando incorporados à ordem jurídica doméstica. Diferenciaram-se, nesse contexto, quatro linhas de pensamento principais que gravitam em torno das seguintes teses, a saber: 1) tese da hierarquia supra ou sobreconstitucional; 2) tese da hierarquia (para ou equi)constitucional; 3) tese da hierarquia infra ou subconstitucional, com paridade entre a legislação ordinária e os tratados (hierarquia legal ou paralegal); e 4) tese da hierarquia infra ou subconstitucional, mas supra ou sobrelegal.[59] [60]
Vale fazer destaque, por oportuno, que, conquanto haja consideráveis divergências doutrinárias e jurisprudenciais particularmente quanto à hierarquia normativa dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, há, no País, em contraponto, tradicional consenso no sentido de se reconhecer que os tratados internacionais comuns (que não versam sobre direitos humanos) detém, em rigor, estatura infraconstitucional equivalente à da legislação ordinária em geral[61], à exceção dos tratados versados em matéria tributária, na forma do art. 98 do CTN, dotados de hierarquia supralegal[62].
Calcada na defesa da preponderância irrestrita dos tratados internacionais de direitos humanos em face da própria Constituição, a tese da hierarquia supra ou sobreconstitucional, conquanto não evidencie, no Brasil, acolhida em sede jurisprudencial, encontra alguma ressonância doutrinária, no cenário estrangeiro, na obra de Bidart Campos[63] e, no plano nacional, de Celso de Albuquerque Mello[64] [65]. Sob essa peculiar perspectiva, considerada a supraconstitucionalidade dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, nenhuma norma constitucional teria o condão de suplantar a força normativa daqueles, de forma que o próprio sentido e alcance do conteúdo constitucional haver-se-ia de conformar-se ao que fora convencionado internacionalmente pelo Estado nessa seara[66].
Trata-se, não obstante, de tese absolutamente inaplicável ao sistema jurídico brasileiro, que, marcadamente “constitucentrista”, opera sob inarredável regência normativa do princípio da supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, o que justifica, aliás, a realização de controle jurisdicional de constitucionalidade tendo como objeto de controle tratados internacionais, possibilidade que dessume, de modo explícito, da literalidade do art. 102, III, “b”, da CF/1988.[67] [68] De fato, tal como leciona Gilmar Mendes, os “poderes públicos brasileiros não estão menos submetidos à Constituição quando atuam nas relações internacionais em exercício do treaty-making power”.[69]
Encampada por doutrinadores de escol, à semelhança dos internacionalistas Cançado Trindade[70] e Flávia Piovesan[71], bem como de Ingo W. Sarlet[72], a tese da hierarquia (para ou equi)constitucional sustenta, por seu turno, que o § 2º do art. 5º da CF/1988 figura como uma cláusula aberta de recepção – na condição de direitos materialmente fundamentais ou de direitos humanos constitucionalizados – de outros direitos e garantias enunciados em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.[73] Ao serem internalizadas, as normas convencionais pactuadas nesses tratados aglutinar-se-iam, automaticamente, à Constituição, compondo um bloco de constitucionalidade, e, por conseguinte, gozariam de status normativo equivalente ao das normas formalmente constitucionais de tipo derivado, independentemente de integrarem ou decorrerem do regime jurídico globalmente estatuído no texto magno, não demandando, para tanto, o despertar solene do Poder Constituinte Derivado com sujeição à austera e rigorosa liturgia procedimental necessária à edição de emendas constitucionais (art. 60 da CF/1988).[74]
Imprimindo, pois, máxima efetividade ao multicitado § 2º do art. 5º, na esteira das lições de Hesse e Canotilho, e adotando a premissa dogmática de que os tratados internacionais de direitos humanos constitucionalizam-se por força da mencionada norma, interpretada como cláusula de parificação ou equiparação constitucional, comungando, assim, da mesma supremacia normativa da Constituição, a tese não só defende a vinculação dos poderes constituídos de tal sorte ao disposto nos aludidos tratados ao ponto de torná-los infensos, inclusive, à ação eventualmente retrocessiva das maiorias legislativas ocasionais, mas também cogita, como certas ressalvas, acerca da virtual possibilidade de inserção dessas normas convencionais no âmbito de proteção das “cláusulas pétreas”. De mais a mais, defende, em geral, que os tratados internacionais de direitos humanos figuram como parâmetros de controle de constitucionalidade e que eventuais colisões entre os direitos assegurados desde logo pela Constituição e os radicados em tratados internacionais de direitos humanos – o que ocorre entre os próprios direitos integrantes do catálogo constitucional – devem ser equacionados não necessária e aprioristicamente em prol das prescrições da Constituição, ou mesmo das dos tratados internacionais, mas, sim, por meio de um exercício de concordância prática (tal como proposto por Konrad Hesse) norteado pelo critério hermenêutico da aplicação da norma mais favorável à proteção da pessoa humana (critério pro homine), consideradas as circunstâncias tópicas do caso concreto.[75] [76]
Segundo Gilmar Mendes, a discussão em torno da tese da estatura constitucional dos tratados de direitos humanos parece ter sido, de certa forma, esvaziada por força da EC nº 45/2004, que, a seu ver, declarou, de modo eloquente, que os tratados, inclusive os internalizados anteriormente à Reforma Constitucional, não podem ser equiparados às normas constitucionais enquanto não forem aprovados nos termos do § 3º do art. 5º da CF/1988.[77] Louvando-se da interpretação emancipatória que confere ao § 2º do art. 5º da Constituição, entre outros argumentos[78], Flávia Piovesan sustenta, em contraponto, que os tratados internalizados antes da EC nº 45/2004 foram recepcionados pela nova ordem com hierarquia constitucional – naquilo que efetivamente versam sobre direitos humanos -, independentemente da observância do rito especial introduzido pelo § 3º do art. 5º da CF/1988, aplicável somente aos tratados internalizados a partir da “Reforma do Judiciário”[79].
De todo modo, independentemente do problema relativo à hierarquia dos tratados incorporados ao ordenamento brasileiro antes do advento da EC nº 45/2004, o polêmico § 3º do art. 5º da CF/1988, solucionando a questão para o futuro[80], instituiu, de modo expresso e categórico, a possibilidade de tratados internacionais de direitos humanos adquirirem, formalmente, status (para ou equi)constitucional, desde que aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em 02 (dois) turnos, por 3/5 (três quintos) dos votos dos respectivos membros.
Numa visão expansionista da proteção constitucional, essa novel prescrição normativa remodelou o perfil geométrico da ordem jurídica, ao substituir a estrutura piramidal tradicional, em que a Constituição, sozinha, ocupava o cume do ordenamento, por uma plataforma normativa trapezoidal ou trapeziforme, em que não só a Constituição, mas também os tratados internacionais de direitos humanos são igualmente passíveis de assumir a posição topológica mais elevada.[81] Evolui-se, nesse compasso, em direção à moderna figura francesa do “bloco de constitucionalidade” (bloc de constitucionnalité), que, dilatando, para além do Texto Magno, o conjunto de normas jurídicas dotadas de dignidade constitucional, equipara à Constituição certas regras e princípios convencionais, reposicionando-lhes na estrutura escalonada do ordenamento jurídico.
Desde os seus primórdios, a jurisprudência maciça do STF inclinava-se, na linha da teoria monista internacionalista kelseniana, no sentido de afirmar a primazia dos tratados internacionais sobre a legislação infraconstitucional interna, reconhecendo-lhes prevalência mesmo em face de leis supervenientes.[82] Não obstante, com o paradigmático julgamento, em 01.06.1977, do Recurso Extraordinário n° 80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque, o Pretório Excelso, na esteira do voto-vista do Min. Cunha Peixoto, reformou seu entendimento tradicional e, sob severas críticas, passou a acolher, inclusive sob a égide da Constituição de 1988, a tese da estrita paridade hierárquica entre a legislação infraconstitucional e os tratados internacionais, independentemente da matéria sobre a qual versassem; concebendo, pois, a virtual possibilidade de revogação ou, pelo menos, de supressão da aplicabilidade interna de normas de um tratado por lei infraconstitucional posterior.[83] [84]
Embora a tese da paridade normativa entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional tenha sido acolhida pelo STF ao analisar, no RE n° 80.004/SE, tema de natureza comercial (conflito entre a Convenção de Genebra – Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias – e o Decreto-Lei nº 427/1969), referido entendimento foi também replicado pelo Pretório Excelso em matéria de direitos humanos, tal como se deu, v.g., no HC nº 72.131/RJ, bem como no RE nº 206.482/SP, no HC nº 76.561/SP, no RE nº 243.613/SP, entre inúmeros outros julgados. Nesse particular, vale fazer alusão ao posicionamento encampado pela Suprema Corte quando se deparou com polêmica questão atinente à despedida arbitrária ou sem justa causa, ocasião em que, no contexto da ADI-MC nº 1.480-3/DF, deliberou, por maioria, no sentido de que a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) teria sido incorporada ao ordenamento nacional como lei ordinária e, em razão disso, não poderia regular a matéria, visto que, para tanto, o art. 7º, I, da CF/1988 reclama a edição de lei complementar.
Em sessão de 29.03.2000, no julgamento do RHC n° 79.785/RJ, que versava sobre uma suposta incompatibilidade entre a Constituição e o princípio do duplo grau de jurisdição, previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos – promulgada no Brasil em 1992, antes, pois, da EC nº 45/2004 -, o Min. Sepúlveda Pertence, então na qualidade de relator, acenou com a possibilidade da qualificação dos tratados sobre direitos humanos como instrumentos normativos supralegais.
Não obstante, já sob o impacto das inovações introduzidas pela EC nº 45/2004 e premida pela necessidade de assegurar maior efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional, a Suprema Corte só modificou efetivamente sua tradicional jurisprudência no julgamento do RE nº 466.343/SP, e no HC nº 87.585/TO, ambos proferidos em 03.12.2008, nos quais restou superada a teoria da paridade, retirando-se os tratados internacionais de direitos humanos do bloco de legalidade para aproximá-los do plano normativo constitucional.
No histórico julgamento do RE nº 466.343/SP (e do HC nº 87.585/TO), ao reapreciar, em face do Pacto de São José da Costa Rica, a repisada controvérsia atinente à prisão civil do depositário infiel nos contratos de alienação fiduciária em garantia, o Tribunal reformou sua clássica posição jurisprudencial a respeito, segundo a qual, como os tratados internacionais incorporavam-se ao ordenamento brasileiro como lei ordinária, o art. 7º, 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer a possibilidade de apenas uma hipótese de prisão civil, no caso de inadimplência voluntária e inescusável à prestação de alimentos, não teria sido recepcionado pela Constituição, que, em seu art. 5º, LXVII, predica a possibilidade de prisão civil não só do devedor de prestação alimentícia, mas também em caso de infidelidade depositária. Conforme deliberava a Suprema Corte, isso se mostraria absolutamente inadmissível, visto que “Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (§ 2º do art. 5º da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por essa razão, o art. 7º, 7, do Pacto de São José da Costa Rica (“ninguém deve ser detido por dívida”: “este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”) deveria ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição.” (excerto da ementa do HC nº 73.044/SP, de relatoria do Min. Maurício Corrêa).
No paradigmático julgamento do RE nº 466.343/SP, o Pretório Excelso firmou, num giro copernicano, novel entendimento no sentido de que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII, parte final) não foi revogada pela ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n° 911, de 1º de outubro de 1969, o que atinge também a legislação interna superveniente, tal como no caso o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916.
Ao deliberar nesse sentido, o STF acolheu, por maioria de votos (5×4), a tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, na esteira do emblemático voto condutor do Min. Gilmar Mendes, sendo vencidos, no ponto, os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que sustentaram a tese da qualificação constitucional desses tratados (no julgamento, duas correntes de pensamento diferenciam-se com clareza: 1) a da supralegalidade, defendida pelo Min. Gilmar Mendes e que findou por prevalecer; e 2) a da hierarquia constitucional, encabeçada pelo Min. Celso de Mello). Tal como precedentemente aduzido, na ocasião, o Pretório Excelso reconheceu ainda que, por força de sua supralegalidade, os tratados internacionais de direitos humanos detêm “eficácia paralisante” (para além de derrogatória), uma vez que possuem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com eles conflitante, seja preexistente ou superveniente à sua internalização no ordenamento jurídico doméstico.
Como consectário desse novo entendimento encampado pelo STF, o sistema brasileiro de controle da produção normativa doméstica passou, doravante, a se basear não mais em um, mas, sim, em dois parâmetros de controle, vale dizer, em duas linhas de compatibilidade vertical, já que, agora, toda produção legislativa ordinária interna há de ser compatível com a Constituição, bem como com os tratados internacionais de direitos humanos que porventura forem internalizados, seja com status hierárquico supralegal, na forma do § 2º do art. 5º, seja com valor constitucional, nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição.
5. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
Trilhando a mesma linha de entendimento acolhida por doutrinadores do escol de Cançado Trindade, Flávia Piovesan e Ingo Sarlet, entre outros, Valério de Oliveira Mazzuoli diverge da posição majoritária encampada (por ora) pela jurisprudência do STF a respeito da estatura normativa dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro, visto que defende que referidos tratados sempre possuem status hierárquico constitucional, integrando o bloco de constitucionalidade indiferentemente de serem aprovados nos termos do § 2º ou do § 3º do art. 5º da CF/1988.[85]
Sem embargo, Mazzuoli distingue os tratados internacionais de direitos humanos em duas categorias: 1) os que se qualificam como apenas materialmente constitucionais, denominados de tratados com “status de norma constitucional”, cuja hierarquia constitucional funda-se somente na cláusula de abertura normativa do art. 5º, § 2º, da CF/1988; e 2) os que se qualificam como material e formalmente constitucionais, que são aprovados pelo quórum qualificado de 3/5 (três quintos) dos votos de cada Casa do Congresso Nacional em 02 (dois) turnos de votação, de acordo com a liturgia delineada no art. 5º, § 3º, da CF/1988, situação esta em que figurarão como “normas com equivalência constitucional”.[86]
A par dessa diferenciação, sustenta Mazzuoli, em sua vasta produção acadêmica[87], que o sistema brasileiro de controle da produção normativa doméstica vem passando por uma verdadeira revolução, mormente no que diz respeito à ampliação dos parâmetros de controle da legislação infraconstitucional, que, até recentemente, tinha o texto constitucional como único paradigma de controle.
Para ele, ao alçar todos os tratados internacionais de direitos humanos ao patamar constitucional, a Constituição não só lhes assegurou estatura normativa privilegiada, mas também almejou lhes proporcionar os meios próprios de garantia em face dos efeitos erosivos da legislação doméstica. Nesse contexto, defende o Jurista a existência de um instrumento de proteção específica, o qual denominou de “controle de convencionalidade”, que, à semelhança do controle de constitucionalidade, viabilize a fiscalização da compatibilidade vertical da legislação interna com os tratados internacionais de direitos humanos, afastando a eficácia de normas viciadas por “inconvencionalidade”. Todos os tratados internacionais que componham o corpus juris convencional dos direitos humanos e sejam internalizados no ordenamento pátrio, serviriam, então, de parâmetro de controle de convencionalidade das normas infraconstitucionais.[88]
Não obstante, o Autor reconhece diferenciações, particularmente quanto ao regime de proteção, e não quanto à hierarquia, entre os tratados internacionais de direitos humanos, de acordo com o fundamento de sua estatura constitucional, se o § 2º ou o § 3º do art. 5º da CF/1988. Afirma, então, a tese de que, como os tratados internacionais de direitos humanos aprovados com base na sistemática do art. 5º, § 3º, da CF/1988 são equivalentes às emendas constitucionais, contam com um regime de proteção reforçado frente àqueles tratados constitucionalizados com base simplesmente nas disposições do § 2º.
Sob essa perspectiva, assinala que, a partir da EC nº 45/2004, a expressão “guarda da Constituição” utilizada pelo art. 102, inc. I, a, da CF/1988 albergaria, além do texto da Constituição propriamente dito, também as “normas constitucionais por equiparação”, de sorte que os tratados internacionais que gozam de “equivalência de emenda constitucional”, por terem sido aprovados na forma do § 3º, são garantidos tanto pelo controle concreto-difuso de convencionalidade, passível de ser empreendido incidentalmente por qualquer juiz ou tribunal nos processos a seu cargo, quanto pelo controle abstrato-concentrado de convencionalidade.
Particularmente no tocante ao controle abstrato de convencionalidade, seriam, então, perfeitamente manejáveis perante o STF as ações típicas de controle direto preconizadas na Constituição, a exemplo da ação direta genérica (para invalidar normas infraconstitucionais por inconvencionalidade), da ação declaratória (para reconhecer à norma infraconstitucional a compatibilidade vertical com um tratado de direitos humanos formalmente constitucional) e até da arguição de descumprimento de preceito fundamental (para se exigir o cumprimento de um “preceito fundamental” encontrado em tratado de direitos humanos formalmente constitucional).[89]
Quanto aos tratados de direitos humanos não internalizados pela dita maioria qualificada do § 3º, Mazzuoli leciona que, apesar de possuírem “status de norma constitucional”, não são “equivalentes às emendas constitucionais”, em razão do que só podem servir de paradigma do controle concreto-difuso de convencionalidade.[90]
Demais disso, entende o Jurista que os tratados internacionais comuns, que não versam sobre direitos humanos, apesar de não gozarem de hierarquia constitucional, sempre detêm envergadura supralegal, de forma que revogam ou prevalecem sobre a legislação interna. Para tanto, justifica seu posicionamento com base nas prescrições normativas do art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, ratificada pelo Brasil em 25.09.2009 e promulgada pelo Decreto nº 7.030, de 14.12.2009, que dispõe que não se pode invocar as disposições do direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado[91]. Salienta, ainda, que, particularmente em matéria tributária, a supralegalidade dos tratados internacionais funda-se também no estatuído no art. 98 do CTN, conforme o qual “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”[92].[93]
Nessa esteira, Mazzuoli preleciona que, conquanto os tratados internacionais comuns não sirvam de paradigma do cognominado “controle de convencionalidade” (expressão reservada aos tratados com nível constitucional), figuram como parâmetros do chamado “controle de supralegalidade”, que se qualifica por ser concreto, incidental e difuso.[94]
Assim, para além do clássico controle de constitucionalidade, e do controle de legalidade (entre leis e atos infralegais), o sistema brasileiro de controle da produção normativa doméstica contaria atualmente também com o controle de convencionalidade e o controle de supralegalidade das normas infraconstitucionais. Para Mazzuoli, haveria, portanto, quatro modalidades de controle no sistema de fiscalização normativa brasileiro: o controle de legalidade, de supralegalidade, de convencionalidade (difuso e concentrado) e de constitucionalidade (difuso e concentrado).[95]
Como consectário, no modelo téorico de Mazzuoli, o sistema brasileiro de controle da produção normativa doméstica passou, doravante, a se basear não mais em um, mas, sim, em duas linhas de compatibilidade vertical, prevalecendo o que denomina de “teoria da dupla compatibilidade vertical material”, já que, agora, toda produção legislativa ordinária interna há de ser compatível com o bloco de constitucionalidade, integrado pela Constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos, bem como com o “bloco de supralegalidade”, composto por tratados internacionais comuns internalizados.[96] [97]
É digno de nota que, para Mazzuoli, a lógica que informa a solução de conflitos antinômicos no controle de convencionalidade não se confunde com a do controle de supralegalidade. Com efeito, para ele, em caso de eventual colisão entre um tratado internacional de direitos humanos e as leis internas, ou mesmo entre tratados internacionais de direitos humanos e a própria Constituição (o que permitiria, inclusive, de se cogitar da hipótese de existência de “normas constitucionais inconvencionais”), o problema antinômico não há de se resolver com base na simples aplicação do tradicional critério hierárquico, ou mesmo dos critérios cronológico e da especialidade, mas, sim, há de ser equacionado sob o crivo do método dialógico, aplicando-se a cognominada “teoria do diálogo das fontes”, idealizada pelo jurista alemão Erik Jayme[98], segundo a qual as fontes normativas internas, inclusive as constitucionais, e as internacionais hão de se intercomunicar no sentido de se compor uma solução normativa para o caso concreto mais favorável à proteção dos direitos humanos (critério pro homine). Esse diálogo entre as fontes internacionais de direitos humanos e as fontes internas, típico do controle de convencionalidade, seria, por sua vez, viabilizado por meio dos próprios “vasos comunicantes” (ou “cláusulas de diálogo”) previstos tanto em normas internacionais (v.g., o art. 29, b, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) quanto em normas internas (v.g., o art. 5º, § 2º, c/c art. 4, inc. II, ambos da Constituição de 1988). Ao revés, o controle de supralegalidade seria pautado por mecânica decisória diversa, informada pela primazia normativa do direito internacional em face do direito interno, a teor do art. 27 da Convenção de Viena e, em matéria tributária, do art. 98 do CTN, de sorte que as antinomias hão de ser resolvidas precipuamente pela aplicação do critério hierárquico.[99]
Conquanto reconheça o mérito da tese de Mazzuoli no sentido de reforçar a defesa dos direitos humanos no País, Patrícia Cobianchi Figueiredo formula ponderáveis críticas ao aludido controle de convencionalidade. Deveras, segundo Cobianchi, não se justifica a diferenciação elaborada por Mazzuoli entre o controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade, já que todos tratados internacionais de direitos humanos, ao integrarem o bloco de constitucionalidade, passam a servir de referência paramétrica para o próprio controle de constitucionalidade, quer seja concentrado-abstrato ou difuso-concreto. Não haveria, para ela, como se reconhecer uma parametricidade autônoma dos tratados internacionais de direitos humanos sem considerá-los em referência ao próprio texto constitucional, de sorte que figuram como parâmetros do controle de constitucionalidade todas as normas que integram o bloco de constitucionalidade, as quais se comunicam dialeticamente entre si. Ao serem inseridos no bloco de constitucionalidade, os tratados internacionais de direitos humanos recebem novos sentidos, como parte de um todo e não como parte isolada. Perfilhando essa ordem de ideias, arremata Cobianchi que o “valor paramétrico superior” dos tratados internacionais de direitos humanos é o próprio valor constitucional, daí porque a qualificação jurídica da “relação de desvalor paramétrico” entre essas normas internacionais e o direito interno ser a inconstitucionalidade, motivo pelo qual o controle a ser efetuado é propriamente o da constitucionalidade mediante a sistemática já existente no Brasil, que comporta perfeitamente os tratados internacionais de direitos humanos.[100]
De todo modo, conquanto a inovadora tese do controle de convencionalidade sustentada por Mazzuoli direcione-se para a aplicabilidade das normas internacionais no âmbito interno do Estado brasileiro, destinando-se, assim, a fazer valer as predicações normativas de tratados de direitos humanos, sobretudo, perante juízes e tribunais nacionais, o fato é que o exame da compatibilidade da legislação doméstica com os tratados de direitos humanos já é de curso corrente no âmbito internacional.[101]
De fato, basta citar, a título ilustrativo, que, no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, tanto a Comissão quanto a Corte têm, na forma dos arts. 41 e 42 da Convenção, plena competência para se manifestarem acerca da existência ou não de contrariedade entre a legislação interna de um Estado-parte e as disposições internacionais pactuadas no contexto de sua alçada, para fins de eventual responsabilização internacional do Estado por transgressão a normas veiculadas em tratados internacionais de direitos humanos.[102] Nessa peculiar modalidade de controle de convencionalidade, exercida no âmbito de instâncias internacionais, mostra-se, por sinal, absolutamente irrelevante a questão a respeito da hierarquia normativa dos tratados internacionais frente ao direito interno dos Estados, já que prevalecerá o pactuado nos atos internacionais, para efeito de eventual imputação de responsabilidade estatal.[103]
NOTAS CONCLUSIVAS
Com supedâneo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, o constitucionalismo encampado sob a égide da Constituição de 1988, calcado numa ética material de racionalidade humanista, alocou o Estado brasileiro no sistema internacional de proteção dos direitos humanos, impingindo-lhe, nessa esteira, um sólido e vinculante comprometimento institucional, tanto na ordem interna, quanto na internacional, com os deveres de respeito, proteção e promoção dos direitos fundamentais e dos direitos humanos reconhecidos. Nessa conjuntura, conforme dessume de vários de seus dispositivos, a Constituição dispensou especial tratamento jurídico aos tratados internacionais de direitos humanos, quer sejam globais ou de caráter regional, diferenciando-os, por seu conteúdo, dos demais tratados internacionais.
Inserida no contexto das expressões mais significativas a esse respeito, a cláusula de abertura material estatuída no art. 5º, § 2º, da Constituição consagrou o princípio da não-tipicidade constitucional dos direitos fundamentais, rompendo, assim, o enclausuramento constitucional no qual referidos direitos vinham sendo enquadrados na tradição brasileira, para acobertar, com o manto da jusfundamentalidade constitucional, os vínculos humanísticos da República brasileira na ordem jurídica internacional, ante o reconhecimento da ilimitabilidade da dignidade da pessoa humana aos confins formais do texto magno.
Desde o advento da cláusula de abertura normativa do art. 5º, § 2º, da CF/1988, instaurou-se, no País, acirrado debate doutrinário e jurisprudencial a respeito da particular posição hierárquico-normativa galgada pelos tratados internacionais de direitos humanos quando incorporados à ordem jurídica doméstica, diferenciando-se, nesse contexto, quatro linhas de pensamento principais que gravitam em torno das seguintes teses, a saber: 1) tese da hierarquia supra ou sobreconstitucional; 2) tese da hierarquia (para ou equi)constitucional; 3) tese da hierarquia infra ou subconstitucional, com paridade entre a legislação ordinária e os tratados (hierarquia legal ou paralegal); e 4) tese da hierarquia infra ou subconstitucional, mas supra ou sobrelegal.
De todo modo, independentemente do problema relativo à hierarquia dos tratados incorporados ao ordenamento brasileiro antes do advento da EC nº 45/2004, o § 3º do art. 5º da CF/1988, solucionando a questão para o futuro, instituiu, de modo expresso e categórico, a possibilidade de tratados internacionais de direitos humanos adquirirem, formalmente, status (para ou equi)constitucional, desde que aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em 02 (dois) turnos, por 3/5 (três quintos) dos votos dos respectivos membros. Remodelou-se, assim, o perfil geométrico da ordem jurídica, ao substituir a estrutura piramidal tradicional, em que a Constituição, sozinha, ocupava o cume do ordenamento, por uma plataforma normativa trapezoidal ou trapeziforme, em que não só a Constituição, mas também os tratados internacionais de direitos humanos são igualmente passíveis de assumir a posição topológica mais elevada, compondo o denominado “bloco de constitucionalidade”.
Desde os seus primórdios, a jurisprudência maciça do STF inclinava-se no sentido de afirmar a primazia dos tratados internacionais sobre a legislação infraconstitucional interna. Não obstante, a contar de 1977, reformou seu entendimento tradicional e passou a acolher, inclusive sob a égide da Constituição de 1988, a tese da estrita paridade hierárquica entre a legislação infraconstitucional e os tratados internacionais, independentemente da matéria sobre a qual versassem. Já sob o impacto das inovações introduzidas pela EC nº 45/2004, a Suprema Corte, premida pela necessidade de assegurar maior efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional, modificou novamente sua jurisprudência em 2008, no contexto do julgamento do RE nº 466.343/SP (e do HC nº 87.585/TO), substituindo a teoria da paridade pela teoria da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos.
Como consectário desse novo entendimento encampado pelo STF, o sistema brasileiro de controle da produção normativa doméstica passou, doravante, a se basear não mais em um, mas, sim, em dois parâmetros de controle, vale dizer, em duas linhas de compatibilidade vertical, a do bloco de constitucionalidade e a do bloco de supralegalidade.
Valério de Oliveira Mazzuoli, que defende que todos os tratados internacionais de direitos humanos possuem estatura constitucional, defende a existência de um instrumento de proteção específica, o qual denominou de “controle de convencionalidade”, que, à semelhança do controle de constitucionalidade, viabilize, de modo difuso-concreto ou concentrado-abstrato, a fiscalização da compatibilidade vertical da legislação interna com os tratados internacionais de direitos humanos, afastando a eficácia de normas viciadas por “inconvencionalidade”. Assinala, ainda, que os tratados internacionais comuns (que versam sobre matéria alheia aos direitos humanos) possuem status supralegal no ordenamento brasileiro, a teor do art. 27 da Convenção de Viena e, em matéria tributária, do art. 98 do CTN, servindo, dessarte, como parâmetros do chamado “controle de supralegalidade”. Para Mazzuoli, haveria, portanto, quatro modalidades de controle no sistema de fiscalização normativa brasileiro: o controle de legalidade, de supralegalidade, de convencionalidade (difuso e concentrado) e de constitucionalidade (difuso e concentrado).
Conquanto reconheça o mérito da tese de Mazzuoli no sentido de reforçar a defesa dos direitos humanos no País, Patrícia Cobianchi Figueiredo formula ponderáveis críticas ao aludido controle de convencionalidade, sustentado que não se justifica a diferenciação elaborada por Mazzuoli entre o controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade, já que todos tratados internacionais de direitos humanos, ao integrarem o bloco de constitucionalidade, passam a servir de referência paramétrica para o próprio controle de constitucionalidade, quer seja concentrado-abstrato ou difuso-concreto.
De todo modo, conquanto a inovadora tese do controle de convencionalidade sustentada por Mazzuoli direcione-se para a aplicabilidade das normas internacionais no âmbito interno do Estado brasileiro, destinando-se, assim, a fazer valer as predicações normativas de tratados de direitos humanos, sobretudo, perante juízes e tribunais nacionais, o fato é que o exame da compatibilidade da legislação doméstica com os tratados de direitos humanos já é de curso corrente no âmbito internacional.
Informações Sobre os Autores
Marcus Vinícus Parente Rebouças
Bacharel em Direito Pela Universidade Federal do Ceará; Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade de Fortaleza MBA em Poder Judiciário pela Universidade de Fortaleza; Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará; Ex-procurador da Fazenda Nacional; Juiz Federal da 5 Região
Analice Franco Gomes Parente
Bacharela em Direito pela Universidade de Fortaleza; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza; Especializanda em Direito Constitucional pela Escola da Magistrtura do Ceará; Advogada