Resumo: O que fazer ao se perder o prazo para embargos de devedor, na defesa da Fazenda Pública? Este trabalho aponta soluções. Com base em doutrina e jurisprudência. demonstra que não há perda do direito material, substantivo, e subjetivo, de o devedor ser executado só na forma válida (nos limites da lei, da coisa julgada e da Constituição), só por ter se perdido o prazo dos embargos à execução, o que só acarreta a preclusão processual, adjetiva, de tal via de defesa, mas, não dos direitos substantivos do executado. Estes permanecem defensáveis por outros meios, pelo uso de outros remédios jurídicos, inclusive na esfera civil, penal e administrativa institucional. São listados vários remédios jurídicos possíveis para substituir os embargos de devedor. É feita breve introdução sobre tais meios de defesa, em execuções não embargadas, que serve como mapa auxiliar na solução da defesa do erário público, em tal situação, abordando os vários meios de defesa possíveis em substituição a tais embargos de devedor, tanto dentro quanto fora da execução, todos instrumentos jurídicos que tem capacidade de atingir o mesmo fim e substituir os embargos de devedor, com possibilidade de se obter os mesmos efeitos.
Palavras-chave: Defesa. Fazenda. Perda de prazo. Embargos do executado.
Abstract; What to do when the public defender of the State, lost the deadline to make the defense in an enforcement against the public exchequer, trough of the “embargo of Debtor”, in Brazil ? This paper show solutions. With fundament in thought of lawyers and judicial decisions, will be seen, here, that doesn´t lost the material rigth, the substantive right, in this case, because remain the right to use others types of the actions. They are possible for to warrant the protection in favor of the State, and to warrant that an enforcement of the sentence, will be made inside of the borders of the law, in respect the limit of the sentence and of the Republic Constitution. Lost the deadline to use the demand “embargo of the Debtor action” only is lose this juridical way, but not others actions that remains possible, for to file lawsuit across of the: penal actions, others many civil actions (diferents of the “embargo of the debtor”), or, still, across of the way using institucional administrative demands, outside of judicial power. In this paper, are listed many options for to replace the “embargo of the debtor action”. It is made a short introduction about these others kinds of defences, in enforcements against the State, not submitted the an “embargo of the debtor”. This work is useful like a auxiliary map for to choose between diferents types of defences in favor of the public exchequer, in replacement the “embargo of debtor action” all juridical instruments that have capacity of to do a good work substituting that action, with real possibility of to arrive the same objectives, effects and results.
Keywords: Defence. Public Exchequer. Deadline lost. Embargo against enforcement.
Introdução.
O presente trabalho pretende ser útil aos profissionais do direito, na situação da perda do prazo para embargos de devedor, em especial, na defesa da Fazenda Pública. Primeiro, ele demonstra ser pacífico, em doutrina e jurisprudência, que a
perda do prazo para embargos não torna definitiva ou imutável uma execução. Em segundo, aponta como deveria o magistrado receber uma execução. Em terceiro, sugere meios, de substituição dos embargos do devedor em prol da defesa do patrimônio público, com breve sustentação doutrinária, legal e jurisprudencial. Os objetivos da pesquisa são o de subsidiar a escolha de soluções (meios) adequados, de defesa da Fazenda Pública, executada, quando há perda do prazo para embargos de devedor, contra execuções viciadas, seja por serem inválidas, nulas, ilegais, inexigíveis, e/ou inconstitucionais[1].
O tema é relevante porque não raro se depara o advogado público, com execuções abusivas contra o patrimônio coletivo, sem que tenha sido possível interpor, tempestivos embargos de devedor. Algumas dessas execuções, por vezes se mostram ilegais, outras criminosas até. Para cada situação há remédio, porque o sistema jurídico brasileiro, por força da Carta de 1988, permite ampla gama de opções de defesa ao patrimônio público! Há tendência de parte razoável de credores de exagerarem os valores cobrados, em execuções, além ou fora dos limites da coisa julgada, podendo haver, ainda, casos de títulos judiciais que concedem condenações ilegal ou inconstitucionalmente, fato que ocorre porque o sistema jurídico não é perfeito! O que fazer em tais casos? É o que tentaremos elucidar nestas linhas.
1. Efeitos jurídicos da perda do prazo para embargos de devedor na defesa do executado.
Alguns profissionais do direito, em erro comum, entendem como “transitada em julgado” ou “preclusa”, a execução contra a Fazenda, quando ela não é tempestivamente embargada, por dizer a lei processual, no inciso I do art. 730[2] do CPC que, se a Fazenda não opuser embargos no prazo legal, “o juiz requisitará o pagamento ao Tribunal competente”. Esse entendimento é tecnicamente equivocado, inclusive quando a execução é viciada, ilegal ou nula, conforme doutrina de Celso Neves, citada em julgado no RESP 667002/DF, de 12.12.2006, no E. Superior Tribunal de Justiça.
“5. A ausência de oposição de embargos à execução não acarreta preclusão, menos ainda os efeitos da coisa julgada. Neste sentido ensina CELSO NEVES que a coisa julgada "é fenômeno próprio e exclusivo da atividade de conhecimento do juiz e insuscetível de configurar-se no plano de suas atividades executórias, consequenciais e consecutivas (in ‘Coisa Julgada Civil’, ed. 1971, p. 452).”
No citado julgado, houve nulidade da citação na ação executiva contra a Fazenda Federal, bem como, incompetência absoluta do juiz da liquidação, tendo o E. STJ, anulado a execução, fora da via dos embargos de devedor, por simples petição de “exceção de pré-executividade”.
Examinada doutrina e jurisprudência, domina o entendimento de que, perdido o prazo para embargos de devedor, preclui somente a chance de usar o rito e a via processual desta ação judicial, sem que se cogite de preclusão dos direitos do executado, em vista da garantia constitucional, prevista no art. 5º., XXXV da Carta de 88 [3], que permite a defesa deles por qualquer outro meio judicial disponível em lei. Isto porque, de modo quase unânime, predomina a idéia de que a execução não tem natureza cognitiva, não havendo que se falar em formação de coisa julgada dentro dela. Ora, garantidos a ampla defesa, e o amplo direito de ação na Carta de 88, e inexistindo preclusão do direito do executado, a falta de embargos de devedor não impede seja manejada a defesa desse direito, por qualquer outra via, fora dos embargos à execução. A respeito, veja-se notas de Nelson Nery Junior, 2006, citando no mesmo sentido, Jose Rogério Cruz e Tucci, e Araken de Assis …
“Outras defesas. Ação autônoma. O devedor pode, ainda, opor-se à execução por meio de ação autônoma. Ultrapassado o prazo legal sem que tenha oposto embargos e não sendo mais possível opor-se exceção ou objeção de executividade, o devedor não mais poderá defender-se no processo de execução. Contudo, como ainda não perdeu o direito material subjacente, poderá ajuizar ação autônoma para discutir a existência, validade ou eficácia do título ou dos atos da execução. No mesmo sentido: José Rogério Cruz e Tucci, Ajuris 61/99 (especialmente p. 107 e ss.) Araken de Assis, Execução, § 112, n. 459, p. 1.288-1.289.”
Também nesta linha, Martins, 2005, v 50 …
“(…) não se pode cogitar de preclusão para a propositura da ação autônoma. A preclusão é um acontecimento que surge no processo. Explica tão-somente a impossibilidade de ajuizar a ação de embargos depois de vencido o termo legal, mas nunca a vedação de uma ação posterior, de cognição, sobre matéria que nem sequer foi ventilada no processo executivo.” (…) “ São dois, portanto, os pontos que interessam observar no que se refere à preclusão: (I) a não oposição de embargos à execução gera preclusão endoprocessual; (II) a inexistência de preclusão extraprocessual que impeça a propositura de demandas autônomas.”
E, igualmente, Teodoro Junior, 2001, p. 24 …
“Por exemplo: quem perde o direito de embargar a execução por ultrapassagem do prazo legal respectivo não fica inibido de propor, fora do prazo legal respectivo, uma ação ordinária a respeito do crédito exequendo; uma ação ordinária a respeito do crédito exequendo”;
E Dinamarco, 2004, p. 710-711 …
“Há também precedentes admitindo outra via para a defesa dos interesses do executado, que é a chamada ação cognitiva autônoma, suscetível de ser proposta antes da penhora ou mesmo da propositura da demanda executiva, ou ainda depois de realizada a execução e extinto o processo executivo; trata-se de demanda visando à declaração de que determinada obrigação inexiste apesar da aparência criada pela inclusão em um título executivo, ou de que ela tem valor menor ou objeto diferente, …”
Portanto, forte doutrina permite a mesma defesa do executado, fora da via dos embargos de devedor, e por via de ações autônomas, também chamadas de defesas heterotópicas. Evidencia-se, pela melhor que mesmo perdido o prazo para embargos de devedor, seu mérito pode ser apreciado por meio de ações autônomas, sem que se possa falar em preclusão ou coisa julgada em favor do exeqüente, havendo preclusão só do uso da via de defesa por meio dos embargos à execução, restando íntegros os direitos do executado e a possibilidade de ampla defesa por vários outros remédios jurídicos, como se verá neste trabalho, manejáveis tanto dentro como fora do processo em execução.
2. Como deveria ser recebida uma execução pelo magistrado.
No cotidiano forense, muitas execuções não embargadas, não passam por rigoroso exame pelo juízo, seja no ato do seu recebimento, seja por ocasião da ordem de expedição de precatório, após não ser oposto embargos do devedor. A rigor, a prática de alguns magistrados de relegar a defesa do erário público só aos embargos de devedor, com imediata expedição de precatório em caso de não interposição de embargos, especialmente sem rigoroso e prévio exame, pelo juiz, dos bens e limites contidos na coisa julgada, e das condições e pressupostos processuais da execução, viola, muitas vezes o dever legal que incide sobre o juiz de fiscalizar todas as matérias de ordem pública, inclusive no juízo da execução. O exame superficial das petições iniciais das execuções, especialmente não embargadas, expõe a risco o erário público, que pode e deve ser protegido, também, pelo juiz, já que nosso sistema é republicano, cabendo a todos os poderes a poteção ao erário público. Dado o volume de ações, relega-se, na prática, tal controle só ao réu. Não se vê uma sistemática constante, de o juiz mandar os autos ao contador, de ofício, para averiguar abusos do credor, excessos e ilegalidades, quando não interpostos embargos de devedor. Esta omissão, alguns tentam sustentar no princípio da imparcialidade, e celeridade processual e isonomia, esquecendo que devem prevalecer, em um sistema jurídico republicano, a proteção da coisa pública, em respeito aos princípios de ordem pública que também regem a execução, incluindo: boa-fé, moralidade, e indisponibilidade do patrimônio público.
Assim, valores totalmente indevidos, abusivos, ilegais, por vezes criminosos até, podem, rapidamente, com base em conta unilateral do credor, quando não embargada a execução, e omisso o controle judicial, a transformarem-se em vultuosos e indevidos precatórios.
Por exemplo, se um título judicial concedeu danos materiais “A” e “B”, não se pode sequer receber execução para cobrança de danos materiais tipo “C”, ou danos morais, em face de evidente nulidade da execução por cobrar algo fora da coisa julgada. Muitas vezes, porém, o juízo da execução só verifica se há título, sem cotejar o seu conteúdo e limites com os bens e valores executados, o que permite abusos, pelo credor! Ao judiciário também cabe impedir ilegalidades contra o erário público, especialmente se flagrante o abuso ou ilegalidade ou quando não há certeza sobre o bem ou valor executado. Assim, não basta que o magistrado se limite a exigir só a existência de uma sentença, mas deve verificar (cotejar), de ofício, se há título para cada um dos bens executados, e para cada um dos critérios de apuração de valores utilizado pelo credor, já que o princípio “nula executione sine titulo” aplica-se a todos os itens que compõe uma conta de execução, tanto critérios de conta, como para fixação de quais bens da vida podem ser cobrados, e constitui requisito legal, de ordem pública para a existência de execução válida!
Tal obrigação do juiz não emana só de uma interpretação sistemática da Constituição da República, e de seus princípios, sendo prevista em lei, pelo o que dispõe os artigos 475-B e seu § 3º, do CPC o dizerem (…) “Poderá o juiz valer-se do contador do juízo, quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária”, e pela exigência de título, como requisito para validade da execução, prevista nos arts. 566 e seu inciso I mais art. 580 combinado com o art. 586, todos artigos do CPC[4], o que torna a leitura do § 3º do art. 475-B do CPC., um dever e não mera faculdade do juiz. Assim, diz a lei que basta dúvida aparente (sem exigir certeza de erro ou abuso do credor) para que se obrigue o juiz ao cotejo entre a coisa julgada e os bens e valores da conta de execução.
Fundamentamos tal entendimento também, no que vem sendo decidido no STJ, conforme RESP 884916/PB, 2006, com o seguinte julgamento …
“Esta Corte já firmou o entendimento de que o magistrado, sempre que tiver dúvida acerca dos cálculos oferecidos pela exeqüente, pode, mesmo de ofício, determinar a remessa dos autos à Contadoria Judicial. A determinação do Tribunal de Origem em remeter os autos ao contador do juízo não ofende a coisa julgada, eis que em nenhum momento alterou a parte dispositiva da sentença exeqüenda.”
E também, no STJ, em RESP 1061007/PB, 2009 …
“(…) II – Em face da natureza da condenação, observa-se que a execução por meio de mera memória dos cálculos sem que haja análise pela contadoria judicial é temerária, haja vista ainda a quantidade de óbices apresentados pela Fazenda Pública. (…) IV – Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte parcialmente provido, a fim de que seja realizada liquidação por artigos visando à aferição acerca da existência ou não de dívida a ser paga, à qual, acaso existente, devem incidir juros de mora a partir da citação.”
É induvidoso, assim, ser dever de ofício do juiz, extremamente recomendável e salutar, a averiguação dos limites da coisa julgada sobre a conta do credor, especialmente quando não embargada, pelo cotejo da coisa julgada com os bens, valores e critérios da conta de execução, posto que a existência de título para tais itens da execução é claramente matéria de ordem pública, porque relacionada com a validade e/ou nulidade da execução “nulla executione sine titulo”. Em especial, no caso de se estar afetando o patrimônio coletivo (direito difuso) que exige aplicação dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e indisponibilidade do patrimônio público. Em tais casos, até o bom senso recomenda, há que se ter mais rigor, e uma atitude mais pró-ativa, dos magistrados, inclusive, para se evitar fraudes e abusos contra os cofres públicos, e, sob qualquer dúvida que se apresente, ainda que tal dúvida sobre a lisura da execução decorra da razoabilidade dos argumentos lançados em mera petição da Fazenda, mesmo que fora de ação de embargos de devedor, há que se remeter os autos ao contador para averiguar respeito aos limites da coisa julgada, sob pena de grave omissão no controle judicial.
É importante lembrar que, ainda que sejam intempestivos os embargos de devedor opostos, eles não podem ser simplesmente ignorados pelo juiz, nem deve ser determinada, diante de tal situação, a imediata formação e remessa de precatório para cobrança pelo Tribunal, do valor encetado contra a Fazenda pelo exequente credor, recomendando-se, antes, em respeito à cautela no trato do patrimônio público, seja recebidos os intempestivos embargos de devedor, como uma ação anulatória autônoma, que tem prazo mais alargado, e dela extrair em favor do devedor, toda matéria de ordem pública a ele favorável, como já decidiu o STJ em RESP 729149/MG, 2005, com fundamento no art. 739, I, do CPC., do seguinte modo …
“(…) 1. Embargos à execução, visando ao reconhecimento da ilegitimidade do débito fiscal em execução, têm natureza de ação cognitiva, semelhante à da ação anulatória autônoma. Assim, a rigor, a sua intempestividade não acarreta necessariamente a extinção do processo. Interpretação sistemática e teleológica do art. 739, I, do CPC, permite o entendimento de que a rejeição dos embargos intempestivos não afasta a viabilidade de seu recebimento e processamento como ação autônoma, (…) Esse entendimento é compatível com o princípio da instrumentalidade das formas e da economia processual, já que evita a propositura de outra ação, com idênticas partes, causa de pedir e pedido da anterior, só mudando o nome (de embargos para anulatória)”.
É recomendável, então, atitude pró-ativa dos magistrados, em defesa da regularidade e validade da execução, mandando a conta executiva, para averiguação de irregularidades, ao seu contador, de ofício, de modo que deve ser revista a prática de imediata expedição de precatório, sem qualquer cautela, especialmente no caso de valores vultuosos e milionários, contra o erário público, o que não raro ocorre, em virtude da má interpretação e aplicação do parágrafo único do art. 730 do CPC., posto que, tal artigo, mesmo na intenção do legislador, jamais serviu como carta branca para abusos em execuções contra a Fazenda, jamais recomendou a imediata expedição de precatório sem qualquer cautela, e nunca impôs ou autorizou a inércia do juiz no controle da execução. Tal artigo de lei, em prol da ética e moralidade, merece uma interpretação sistemática e não literal de seu texto, em respeito aos citados princípios constitucionais republicanos de proteção ao patrimônio público e aos princípios processuais interpretados sob a ótica mais moderna, a constitucionalista.
Dito isto, percebe-se que a melhor leitura do parágrafo único do art. 730 do CPC, deve ser no sentido de que … no caso de não oposição de embargos de devedor, caberá ao juiz, de ofício, investigar se os bens, critérios e valores executados estão dentro dos limites do título executado (se estão autorizados na coisa julgada), e deverá remeter a conta para fiscalização pela contadoria oficial, diante de qualquer aparente irregularidade ou abuso do credor que afronte aos limites do título judicial. Tal medida é recomendável ainda com mais força se por qualquer meio a Fazenda Municipal demonstrar razoável possibilidade de irregularidade na execução.
3. Objeção de Executividade.
Sem previsão legal específica no CPC., é criação doutrinária e jurisprudencial, com base na Carta de 1998, art. 5º., XXXV [5], que concede a qualquer pessoa, o amplo direito de defesa, podendo ser manejada pela Fazenda Pública, em caso de perda de prazo para embargos de devedor, conforme artigo de Leão, 2009, internet.
“(…) por meio de mera petição ou, se assim preferir denominar, por meio de uma exceção de pré-executividade, a Fazenda Pública poderá, ainda que não disponha de mais prazo para oposição de embargos a execução, requerer a revisão do valor do crédito, com vistas a assegurar o interesse público, evitando-se pagamentos indevidos ou em quantias superiores ao realmente devido.”
Permite a defesa de qualquer exceção (matéria de ordem pública de conhecimento de ofício) ou objeção (matéria substancial de conhecimento por iniciativa da parte provada de plano, a exemplo de novação, pagamento e outras).
Apesar de ausente previsão geral dela de forma expressa no CPC., a lei especial a prevê expressamente em prol da Fazenda Pública, no art. 1º.E da lei 9494/97, que assim dispõe: “art. 1º. E. São passíveis de revisão, pelo Presidente do Tribunal, de ofício ou a requerimento das partes, as contas elaboradas para aferir o valor dos precatórios antes de seu pagamento ao credor.” Assim, se for perdido o prazo para embargos do executado, e em havendo nulidades de ordem
pública na execução tais como, por exemplo: vício de citação, incompetência absoluta do juiz, falta das condições da ação (legitimidade, possibilidade jurídica ou interesse), falta de pressuposto processual (falta de implemento de condição ou termo), falta de título executivo, ou ausência de sua certeza, liquidez ou exigibilidade, ocorrência de prescrição ou decadência, todas estas situações podem ser atacadas na execução pela exceção de pré-executividade (ou objeção de executividade).
Doutrina e jurisprudência, também a permitem para o afastamento de excesso de execução, já que nula a execução sem titulo (art. 586 com 580 e 566 I do CPC) cabendo ao juiz, de oficio, vetar valor indevido, cobrado além ou fora do título (art. 475-B e § 3º., do CPC). Sustentamos tal entendimento em doutrina de Cunha, 2007, p. 656, que afirma “A doutrina e a jurisprudência passaram, de igual modo, a aceitá-la quando, mesmo a matéria não sendo de ordem pública nem devendo o juiz dela reconhecer de ofício, houvesse prova pré-constituída da alegação feita pelo executado.” Aquela afirmação de Cunha é por ele sustenta com apoio em Eduardo Arruda Alvim, bem como em precedentes, vários, no STJ, a exemplo de RESP 852294/PB, publicado em DJe 08.06.2009, onde se lê: “8. Este Superior Tribunal de Justiça admite o oferecimento de exceção de pré-executividade ante a manifesta ocorrência de excesso de execução. Precedentes.”
No mesmo sentido, admitindo discussão de excesso de execução (discussão substancial) por via da exceção de pré-executividade, o RESP 733.533/SP, 2006, o RESP 545.568/MG, 2003, o RESP 531.804/RS, 2003, ver julgados em notas abaixo[6], desde que feita a prova de plano da fundamentação
do devedor, para ser possível a sua procedência, e que é aquela prova pré-constituída, por documentos, e aferível de pronto por via de seu cotejo com os limites da coisa julgada.
4. Ação Anulatória.
Com previsão legal no art. 486 do CPC., também no art. 352, I e art. 1.029, § único., do CPC., trata-se de ação para rescindir atos judiciais que não dependem de sentença ou em que esta for meramente homologatória. Serve para todos os ramos do direito e não só para o ilícito civil, conforme doutrina de Theodoro Júnior, 1995, p. 646, que leciona "Os fundamentos da ação anulatória deverão ser procurados no direito material. A expressão ‘lei civil’ do art. 486 deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo todos os ramos do direito material". O mesmo é defendido por Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, 1973, p.346, que anota sobre o art. 486 do CPC … "lei civil abrange qualquer direito material, público ou privado, que se refira a ato jurídico em exame para a rescindibilidade".
Cabe lembrar aqui distinções entre inexistência, nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos. A primeira, mais grave, de inexistência, prescinde de ação judicial para ser declarada, porque o ato não pode produzir efeitos, pois não possui elementos constitutivos para seu nascimento. É o caso por exemplo, de sentença não assinada (o título judicial não existe) ou de sentença impossível (cuja materialidade é impossível de se obter). A terceira, anulabilidade, serve à declaração de ato jurídico com aparência de legalidade, mas com vício que a lei classifica como caso de anulação, arts. 138, 145, 167, 158, 156,157 do Código Civil, respectivamente, casos de erro, dolo, simulação ou fraude, ou estado de perigo ou lesão.
A ação anulatória pode ter como objeto a declaração da nulidade ou da anulabilidade do ato. Em havendo nulidade a ser declarada, opera pleno jure sem necessidade de propositura de ação. Porém, em caso de dúvida, a respeito da nulidade, pode ser demandada no mesmo meio da ação anulatória. O fundamento legal para requerer a nulidade na ação anulatória, está no art. 166 do Código Civil que determina: "É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por imperativo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção."
Entre as características dos atos nulos temos: a nulidade é imediata; todo interessado pode argüir a nulidade; a nulidade não pode ser reparada por um dos interessados; a nulidade não está sujeita a prescrição.
Grifamos os itens acima, para indicar sua utilidade na fundamentação da ação anulatória em ações propostas pela Fazenda Municipal, autônomas, na defesa do erário publico, em execuções não embargadas, tendo em vista que, se o motivo do exequente for ilícito (tentar receber bem não previsto na coisa julgada, executando fora ou além do que consta na coisa julgada) o art. 166 do Código Civil, permite afastamento da pretensão por via da ação anulatória.
Assim, se a intenção do credor é fraudar a lei imperativa ou se a lei expressamente declarar nulo o ato, ou proibir-lhe a prática, cabe ação anulatória contra execução onde se pretende fraude contra o patrimônio público, travestida de exercício regular de direito. Isto porque a execução não pode servir à prática de ato processual ilícito, nem para impor situação teratológica ao devedor, caso em que o ato processual executivo ilegal ou teratológico, como tal aquele que permite a proteção a um provimento ilícito (diante da lei civil ou penal) contra o erário público, pode e deve ter sua aparente validade afastada.
Em havendo, então, qualquer modalidade de fraude contra os cofres públicos, ou contra particular, em execução, pode o devedor valer-se da ação anulatória, com cognição e instrução ampla, exauriente, podendo obter declaração de invalidade de atos executórios ou do próprio titulo (nulidade ou anulabilidade). O procedimento desta ação é o ordinário, do art. 274 do CPC., com competência material do próprio juiz da execução, podendo ser solicitada suspensão da execução com fundamento no art. 265 IV e VI, do CPC., mais artigo 273, inciso – I -, do CPC (pedindo antecipação da tutela preventiva para evitar que ato ilícito executivo produza efeitos contra o devedor, bastando demonstração de existência do risco de danos irreparáveis ou de difícil reparação), cabendo ainda, pedido de proteção cautelar, ao juízo da anulatória, com o mesmo fim, fundamentado no poder geral de cautela, art. 798, 799 e 800, do CPC, demonstrados “fumus boni iuris” e “periculum in mora”.
Há vozes em favor da suspensão da execução mesmo após perdido prazo para embargos de devedor, quando presentes requisitos de verossimilhança nas alegações, e risco de dano irreparável ou de difícil reparação, a exemplo de Artigo de Flávio Luiz Yarshell[7] que leciona assim … “naturalmente, sempre será possível ao devedor a propositura da ação autônoma de impugnação – declaratória negativa da obrigação reconhecida no titulo judicial – que poderá, por provimento de urgência (cautelar ou antecipatório), vir a suspender o curso da execução, sustando a prática de atos executivos”. Nem poderia se adotar solução diferente da citada, posto que em casos de flagrante ou forte aparência de ilegalidade, ou em casos teratológicos, de fraudes, por exemplo, não haveria lógica em permitir o pagamento, na execução, para posterior difícil e improvável devolução dos valores na ação autônoma.
A jurisprudência mostra a possibilidade de suspensão da execução, por via de anulatória, por exemplo, no julgado em TJPR AI AI 7300589 [8]. Porém, há opiniões em contrário, sob o fundamento de que só os embargos de devedor poderiam suspender a execução, porque nele se garante a execução, e que se a suspensão da execução for possível em ação autônoma se esvaziaria os embargos, em prol de ações autônomas. Contudo, hoje, tais fundamentos, usados contra a Fazenda, não mais procedem haja vista que os embargos de devedor, no caso da defesa da Fazenda Pública, não estão sujeitos à previa garantia do juízo para embargar (indisponibilidade e impenhorabilidade dos bens públicos).
A decisão sobre a suspensão (ou não) da execução, manejada contra a Fazenda Pública, assim, hoje, depende não do meio de defesa escolhido pelo executado (embargos à execução ou qualquer outro meio de defesa do devedor) mas sim, da demonstração de presença de risco de dano irreparável ou de difícil reparação e da verossimilhança das alegações do devedor, uma vez que a Fazenda prescinde de garantia do juízo para embargar. Assim, havendo demonstração daqueles citados requisitos, em execução contra o erário público, é medida de boa cautela, o deferimento de suspensão da execução em havendo verossimilhança nas alegações, e risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
É de se comentar, ainda, sobre a prescrição: esta, dependerá, no caso de anulatória autônoma, do direito material violado pelo ato jurídico que se vai anular. Assim, é a lei de regência, de direito material objeto da lide, que regula a prescrição da ação anulatória (prescrição trabalhista, administrativa, civil, e etc.), para se aferir tempo de eventual prazo prescricional, lembrando-se que, em alguns casos não há prescrição da ação judicial, entre elas situações de inexistência do ato ou de nulidade (quando a declaração de inexistência ou nulidade é imprescritível), ou em situações especiais, como no caso previsto no art. 37, § 5º., da Carta de 1988, que em matéria de Direito Publico, em proteção ao erário público, impõe a inexistência de prazo para a defesa da Fazenda Publica demandar pelo impedimento ou ressarcimento do erário público, contra ato ilícito, de agente público (servidor ou não) danoso ao patrimônio público. Assim, em qualquer demanda na defesa do patrimônio público (preventiva ou repressiva) contra ilícito danoso praticado por gente público (servidor ou não), há imprescritibilidade da ação, seja para ação de ressarcimento, quanto mais ainda, para a ação que vise evitar o dano ilícito antes de ele se realizar.
5. Ação Civil Pública.
5.1. Previsão Legal. A LACP está disciplinada na Lei 7.347 de 24.07.1985.
5.2. Objeto. Proteção Preventiva ou Repressiva.
Tem como objeto um amplo espectro de interesses difusos e coletivos, bem como, os bens em lista não taxativa, elencada no seu art. 1º, incisos I ate VI, respectivamente, meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e proteção à ordem urbanística e econômica. Entre os interesses difusos e coletivos, cuja proteção se prevê, via LACP no art. 1º., IV, estão incluídos a proteção ao patrimônio público, por força do art. 129, III, da Carta de 1988, já que esta elencou tal proteção como interesse difuso e à probidade administrativa, formando a lei um micro-sistema com a lei da improbidade administrativa, lei da ação popular e do consumidor, conforme doutrina de José dos Santos Carvalho Filho, “A despeito do silêncio da Lei nº 7.347/85, não pode haver a menor dúvida de que tanto o patrimônio público como a moralidade administrativa constituem interesses difusos da coletividade.” Doutrina inclusive já adotada como razão de decidir, em RESP 547.780 – SC , “(…) 1. A Constituição Federal, no art. 129, inciso III, considerou o patrimônio público como um interesse difuso. A Lei da Ação Civil Pública, ao tutelar outros interesses difusos e coletivos aí inclui o patrimônio público. Precedentes.” Assim, a ACP pode ter como objeto defesa do erário público.
Apesar de não considerar bens públicos econômicos, como interesse difuso ou coletivo, a doutrina os inclui no objeto da LACP, que pode proteger qualquer bem econômico da administração, conforme doutrina de Mazzilli, 2012, p. 194, que ensina “Patrimônio público é o conjunto dos bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico, arqueológico ou turístico, ou ainda de caráter ambiental.” (…) Esses interesses compreendidos na noção de patrimônio público podem ser defendidos em juízo pelo próprio Estado como pelo cidadão ou pelo Ministério Público.”
Se vê, sob tal compasso, que qualquer dano causado ilicitamente contra a administração pública ou mesmo ameaça de dano ilícito, ainda não ocorrido, podem ser protegidos por via de Ação Civil Publica, inclusive por medida protetiva cautelar, com base no art. 4º., da referida da LACP. Tal diploma legal, em seu artigo 3º., permite pedido de obrigação de fazer ou de não fazer, portanto, é meio hábil à tutela preventiva para evitar o dano ao patrimônio público, via tutela inibitória preventiva, antes que ele se consume ou até mesmo para seu ressarcimento. Assim possui a LACP, tanto autorização para tutela e proteção preventiva inibitória, quanto repressiva para o devido ressarcimento dos danos causados por ato ilícito contra o erário público.
A ação em comento não possui limitação na providência jurídica a ser pedida ou utilizada nela, podendo revestir-se de pretensão declaratória, inibitória ou repressiva, condenatória, executiva, mandamental, ou qualquer outra necessária, consoante doutrina de Matte, 2006, internet, que afirma “A ACP tem como pedido imediato o de qualquer natureza (condenatório, declaratório, constitutivo, mandamental ou executivo)”, isto por força do microssistema, que forma com o CDC, que amplia o leque de pretensões sem impor limites (art. 83 do CDC). Pode, assim, consequentemente, após já perdido prazo para embargos de devedor, a Ação Civil Pública, ser manejada, como se verá adiante, contendo, tanto pretensão anulatória da execução ou parte dela, como de relativização da coisa julgada (portanto contendo pretensão rescisória, conforme precedentes no E. STJ).
5.3. Cumulação de Pedidos e Rito.
Doutrina e jurisprudência predominante, lecionam que podem ser acumuladas na ACP., providências de qualquer natureza, como já vimos. À indagação se podem ser acumuladas num só feito tanto pedidos da ação civil pública com pedidos da ação de improbidade administrativa, respondemos que sim, já que ambas podem ter a mesma legitimidade ativa e passiva, e rito (ordinário). A jurisprudência assim entende, em RESP 547.780 – SC [9], de 2006, onde o STJ decidiu que podem ser cumuladas as pretensões punitivas da LIA – Lei de Improbidade Administrativa, com os dispositivos da LACP para prevenir ou ressarcir danos ao erário, por terem ambas rito ordinário, ser desaconselhável sua separação, e não existir prejuízo à defesa. Anote-se que a LIA, porém, serve apenas para sancionar ilícito já ocorrido.
5.4. Titularidade Ativa.
Podem promover a ação civil pública, principal e a cautelar, de acordo com o seu artigo 5º, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, Estados, DF ou Municípios, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, ou associação constituída há mais de um ano, nos termos da lei civil e que demonstre pertinência temática com o objeto da ação com previsão estatutária, legitimidade e interesse.
5.5. Prescrição.
A LACP de fato, não estabeleceu prazo prescricional para o seu exercício. A matéria é polêmica. Há várias correntes a respeito. A primeira, advoga que a prescrição depende de lei prévia e específica, já que o direito de ação e amplo acesso ao judiciário são uma garantia constitucional, e assim, a limitação desse direito constitucional, por via de prescrição, sem lei especifica, resultaria em inconstitucionalidade, já que a própria Carta de 88, no seu art. 5º. XXXV e LIV, diz que o direito à ampla defesa aos litigantes, inclusive autores, se dará na forma da lei. Não havendo lei (prescrição) específica para a ação analisada, a ação é imprescritível até que venha lei limitando a ação. Esta corrente veda a interpretação sistemática ou analógica para impor prescrição não determinada em lei. Outra corrente advoga que a prescrição da ação civil pública seguiria àquela do direito material nela disputado, conforme a legislação de prescrição para o objeto da demanda via ACP. Uma terceira corrente, adota a tese de que a prescrição seria, para as ações civis públicas, aquela da Ação Popular, de 5 anos, por analogia ao art. 21 da Lei 4.717/1965, por se tratar de um micro-sistema da tutela coletiva, com a LACP, a LAP, e o CDC. É a tese adotada em RESP 406.545/SP, julgado em 21.11.12.
Conforme Pereira, 2012, Cadernos Jurídicos, OAB-PR., “Tanto no RESP 1.070.896/SC quanto no RESP 995.995/DF, a divergência foi instaurada por meio de embargos, e os recorrentes de ambos os processos fazem referências recíprocas com o objetivo de alterar as decisões proferidas.” o STJ ainda não uniformizou questão a respeito deste tema, com decisões contraditórias, ao menos do relativo às demandas coletivas. Contudo, em RESP 995.995/DF, julgado em 19.08.10, a relatora Ministra Nancy Andrighi afirmou que nas situações em que o STJ julgou em favor da regra de prescrição qüinqüenal com base em prescrição por analogia dentro do microssistema, aplicando o art. 21 da Lei da Ação Popular, e sobretudo o art. 1º-C da Lei 9.494/97, com prescrição de 5 anos, o fez em ações em que se visava a reparação de dano ao erário público, e não em situação envolvendo outros objetos, e determinou aplicação ao caso em comento, da regra do Código Civil, de prescrição de 10 anos em relação de consumo, por aplicação subsidiária do CC à LACP. O tema é controverso e ainda não consolidado.
5.5. Situação Especial de Imprescritibilidade. Dano por Agente Público. Art. 37 e § 5º., da Constituição.
No tema prescrição da ACP, há uma exceção ao debate anterior sobre prescrição que interessa aqui e não é controvertida nos Tribunais. É a situação do agente público, servidor ou não, que por ato ilícito cause dano ao erário público. A situação é prevista no art. 37, § 5º., da Carta de 1988, Constituição Federal. A doutrina e jurisprudência consideram que a ação para ressarcimento de dano por ato ilícito do agente público (servidor ou não), ou para prevenir tal dano, são imprescritíveis. Recentes julgados do E. STJ, no AREsp 33943/RN [10], 2011, comprovam consolidação de tal tese em favor da Fazenda Pública. Portanto, a qualquer tempo pode ser manejada ação de prevenção (inibitória) ou repressão (ressarcimento) dos danos por ato ilícito causados pelo agente público contra o erário público, sem que se possa falar em prescrição.
5.6. A Coisa Julgada e seu desfazimento por ato de improbidade administrativa, via Ação Civil Pública. A relativização da coisa julgada e o pedido de suspensão da execução de título judicial. Precedentes Recentes do STJ. A situação do servidor que demanda pretensão ilícita contra a Fazenda Municipal.
Apesar de parecer situação absurda, já que a coisa julgada não poderia chegar a chancelar ato ilícito, por vezes tal pode acontecer, ainda que tenha a Fazenda Pública apresentado a sua defesa, e recursos pertinentes. Não há sistema perfeito. Assim, pode nascer uma coisa julgada que conceda pretensão que na verdade só tem aparência de direito, mas é, em verdade, uma pretensão ilícita e e danosa, contra o patrimônio público, imoral, ímproba, ilegal. Também pode ocorrer de a coisa julgada ser desrespeitada pelo pretenso credor, em execução ilícita por apresentar conta e cobrança, além ou fora da coisa julgada, o que não é raro.
Quando tal ocorre com credor servidor público, há peculiaridades a comentar. Este, não é um litigante comum, tendo obrigações legais e constitucionais, funcionais, de proteger ao patrimônio público e só pretender contra este o que é lícito e moral, sob pena de incidir em crime de improbidade administrativa, peculato e outros tipos legais, estando sujeito à Lei de Improbidade Administrativa, ainda que litigante contra a Fazenda Pública.
Assim, contra o título judicial que contenha condenação da Fazenda a pagar ao autor, valor ou bem fora ou além do que foi definido em coisa julgada, pode-se valer a administração pública dos embargos à execução alegando a inexistência de título judicial, para cobrança daquela parcela não contida na coisa julgada, ou seja, nulidade da execução por ausência de título conforme adágio romano: “nulla executione sine titulo”, com base nos arts. 566, I, 580 e 586 do CPC[11]., ou alegar excesso de execução, com fulcro no art. 741, V do CPC.
No caso de execução lastreada em título que condenou com base em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, ou com base em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo tidas como inconstitucionais pelo STF, poderá a Fazenda, com fulcro no art. 741 § único do CPC., e seu inciso II, se opor via embargos à execução.., sendo necessário apresentar decisão do STF, anterior à sentença inexigível divergindo a doutrina entre ser possível a inexigibilidade do titulo judicial por via de apresentação de precedente do STF em controle concentrado (erga omnes) ou difuso (no caso concreto). Porém, se for perdido o prazo para embargos à execução, e já expedido o precatório com base no art. 730 e seu inciso I, do CPC., remanesce o direito da Fazenda manejar qualquer outra ação prevista em lei, contra ataque ilícito ao erário público.
Assim, poderá o Ministério Público ou qualquer legitimado da ação civil pública, inclusive o próprio ente público diretamente em vias de ser lesado, ou mesmo se já lesado, aviar a Ação Civil Pública, para evitar a ocorrência do dano ilícito (pagamento de valor indevido), ou para obter o seu ressarcimento. E, se for o dano por ato ilícito, causado por agente público, contra tal demanda, nem se poderá opor prescrição. Tudo isto manejável com mais vantagens e amplitude do que por via ação anulatória, conforme anotou-se em importante precedente do E. STJ, em RESP 1187297/RJ, julgado em 22.09.2010, abaixo transcrito, e onde, inclusive afirma-se que na ACP pode ser pedida tanto a relativização da coisa julgada, que chancelou pretensão ilícita (portanto, teratológica, imoral, ímproba), como, também demandar pedido inibitório do recebimento ou pagamento da parcela ilícita (bens ou valores cobrados) na execução, quando cobrados sem título (fora ou além dos limites da coisa julgada). Vejamos o julgado, sem grifos ou destaques, no original …
“(…) RESP 1187297/RJ. (…) IMPRESCRITIBILIDADE – RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA – ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE DO PARQUET.
1. A ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível (art. 37, § 5º, da CF).
2. A ação civil pública, como ação política e instrumento maior da cidadania, substitui com vantagem a ação de nulidade, podendo ser intentada pelo Ministério Público objetivando afastar os efeitos da coisa julgada.
3. Presença das condições da ação, considerando, em tese, a possibilidade jurídica da pretensão deduzida na inicial, a legitimidade do Ministério Público e a adequação da ação civil pública objetivando o ressarcimento ao erário”.
Tal ementa do E. STJ, permitiu, então, manejo da Ação Civil Pública, pelo Ministério Público, com efeitos rescisórios (para afastar os efeitos da coisa julgada), na defesa do erário, relativizando a coisa julgada, em um caso de improbidade administrativa de servidor LUIZ SERGIO DOS SANTOS SOUZA (engenheiro que
atestou serviços não prestados ao Município de Cabo Frio, RJ), e da empresa ITASOLO EMPREENDIMENTOS LTDA., contra o erário público (pois aplicou o art. 37, § 5º., da Carta de 88), em defesa imprescritível.
Assim, qualquer co-legitimado para propor a ACP pode manejar pedido de relativização da coisa julgada em caso de flagrante ilícito danoso contra o erário público, sem que se possa falar em prescrição, nem de impedimento de tal relativização da coisa julgada por já se ter ultrapassado o prazo da rescisória, quando partícipe da fraude for um agente político (art. 37, § 5º da Carta de 88) e restar provado ilícito grave contra o erário. Cabe destacar, ainda, que junto ao pedido de relativização da coisa julgada, para evitar dano por ato ilícito ao erário, ou para limitar a execução somente ao que autorizado na coisa julgada, cabe pedido cautelar com fundamento no art. 4º, da LACP para suspender-se a execução.
5.7. Vício Transrescisório. “Querela Nulitatis Insanabilis”. Relativização da Coisa julgada em Ação Civil Pública.
Por outro lado, em havendo nulidades na formação da coisa julgada, por vício na formação do processo (falta de citação, por exemplo) ou quaisquer outras nulidades insanáveis (a exemplo de ausência de citação de litisconsorte passivo ou qualquer outra prevista em lei), o legitimado para a ACP, propor a “querela nulitatis” para ver declarada a nulidade do processo principal, ou a inexistência dele, o que a lei, a doutrina e jurisprudência permitem, pois, consideram as nulidades ou a inexistência de processo válido, vícios insanáveis, imprescritíveis, e alegáveis a qualquer tempo, mesmo após transcurso do prazo rescisório ou do prazo para a ação de embargos do devedor.
Tal defesa pode ser feita, seja por meio de simples petição (exceção ou objeção de pré-executividade), ação anulatória ordinária, ou ação civil pública (com vantagens para esta última), com pedido de declaração de nulidade ou inexistência do processo que gerou a coisa julgada e de suspensão do ato danoso, com pedido de obrigação de não receber valor ilícito (art. 4º e art. 3º. da LACP).
Obtida tal declaração de nulidade ou inexistência do processo que gerou o título e a execução, todos os atos subseqüentes ao vício (título judicial, execução e precatório), tornam-se nulos também e perdem eficácia até mesmo o precatório ou a RPV (requisição de pequeno valor) já expedidos.
Tal entendimento encontra eco em precedentes jurisprudenciais de peso, em RESP 44564 / AC. [12], recente, julgado em 24.08.2010. Assim, obtendo-se via ACP a declaração de que a sentença foi viciada e não pôde validamente se constituir, o que a citada decisão, ainda que já ultrapassado o prazo para rescisória, o próprio título judicial e a execução sobre ele tirada, em todos os seus efeitos, desaparecem.
Nessa citada decisão, houve declaração da nulidade do feito executivo, por falta de citação de litisconsorte passivo necessário, anulando-se a execução por falta de citação (art. 741 –I- do CPC.). É cabível, assim, por via de ACP, a via da “querela nulitatis insanabilis”, a qualquer tempo, sem que se possa falar em prescrição ou preclusão por falta da ação rescisória ou embargos de devedor, com efeitos de relativização da coisa julgada por vício grave em sua formação.
5.8. Foro Competente.
A ACP deve ser demanda no foro territorial do juiz do local onde ocorreu o ato ilícito, em caso de demanda de ressarcimento, ou onde irá ocorrer o dano no caso de pedido de tutela preventiva. Em caso de ser ajuizada para relativização da coisa julgada, ou aduzindo pretensão anulatória, deverá ser distribuída por dependência e prevenção ao juiz prolator da decisão que gerou a coisa julgada a ser atacada.
5.9. Custas e Honorários.
A LACP não autoriza, salvo má-fé, a condenação em honorários e custas, nem adiantamento destas, conforme seu art. 17 e 18.
5.10. Termo de Ajuste de Conduta.
O termo de ajuste de conduta, pode ser manejado por qualquer dos legitimados do art. 5º., da LACP, nos termos do § 6º., do referido artigo, o que autoriza todos os órgãos públicos legitimados, Defensoria Pública, Ministério Público, e inclusive entes federados (União, Estados, DF e Municípios), e suas fundações, autarquias e empresas públicas e companhias mistas, chamarem as pessoas que praticarem ilícitos contra o erário público para assinarem ajuste de conduta, sob pena de multas, com validade de título extrajudicial.
6. Ação de Improbidade Administrativa.
Tem previsão legal na Lei 8.492 de 02.06.92. É cabível contra qualquer agente público (servidor ou não), que tenha conduta desonesta, imoral, ímproba, causando lesão ao erário público, por violação dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. Em todas as suas formas, exige que tenha havido lesão (é destinada a impor sanções ao ilícito praticado) não sendo punível em forma tentada. As tipologias principais do ilícito são: a) enriquecer ilicitamente (art. 9º) o que exige dolo e dispensa dano ao erário; b) causar prejuízo ao erário (art. 10º) de forma dolosa ou culposa, o que exige o dano e dispensa enriquecimento do agente; c) atentar contra os princípios da Administração Pública (art. 11º) o que exige dolo, pois não houve menção na lei a tipo culposo e dispensa dano ao erário ou enriquecimento do agente ativo. Os citados artigos listam condutas genéricas, e nos incisos exemplificam condutas, em rol não taxativo. Pelo artigo 12 da LIA, as sanções que ela contém são independentes daquelas administrativas, penais e civis.
Assim, para o objetivo deste artigo, defesa do erário em execuções não embargadas, se vê que pode ocorrer a incidência de agente público e seu co-autor, nos tipos legais da LIA, por cobrar, em execução, valor indevido, contra o erário, sem título executivo (fora ou além da coisa julgada) nos tipos legais da improbidade administrativa, o que podem se dar da seguinte forma, em relação aos principais tipos da Lei de Improbidade:
a) enriquecimento ilícito, art. 9º. Há improbidade se o agente público lograr receber os valores indevidos, que executou, não ocorrendo o tipo na forma tentada, mas só consumada, e exige-se dolo;
b) causar prejuízo ilícito ao erário, art. 10º., da LIA, ocorre se o agente público incluir e conseguir receber (por dolo ou culpa, neste caso inclusive por não fiscalizar, negligentemente, a atuação de seu advogado que peça valores indevidos), na execução por ele intentada, valores proibidos em lei, ilícitos, ou não previstos na coisa julgada ou, também, se previstos e autorizados na coisa julgada, forem, porém, totalmente ilícitos, especialmente quando vedados em lei penal, ou em face dos princípios constitucionais, já que as sentenças cíveis (ainda que formando coisa julgada) não impedem a incidência da lei penal, da lei de improbidade, e das repercussões independentes das competências judiciais diferenciadas em face dos efeitos jurídicos diversos, decorrentes de um mesmo fato, sendo independentes as
esferas de direito material dos diversos ramos do direito, e em face do disposto na lei de improbidade, art. 12. Assim, vale dizer, a ninguém é permitido cometer um crime, com chancela de coisa julgada cível, por ser situação teratológica que leva a sentença cível à inexigibilidade, derivada da sua nulidade ou inexistência, por seu caráter patológico e teratológico (o direito não serve para avalizar absurdos), ou seja, o bom senso deita por terra o dogma da coisa julgada imutável e recomenda sua relativização, em tais casos;
c) Violação dos princípios que informam a Administração Pública, tipo do art. 11º., da LACP, por violação de princípios legais ou constitucionais, o que exige o dolo, o que fatalmente ocorre se o agente público, executa valores além (em excesso por não autorizados, em sua intensidade, no título judicial) ou fora da coisa julgada(sem título), conscientemente sabendo que os valores são indevidos, já que cabe ao agente público, deveres perante a administração pública, presentes no art. 37 da Carta de 1988, mesmo quando exercendo seu direito de ação constitucionalmente garantido, de respeito à legalidade e moralidade, probidade administrativa, não podendo exigir receber valores indevidos quando evidentemente ilícitos, proibidos em lei expressa, especialmente quando decorrem de crime. Assim, por exemplo, descabe ao servidor que falsificou diploma de escolaridade, e o apresentou em concurso de avanço na carreira, executar a sentença em que obteve, com tal título falso, promoção em carreira com salários respectivos. Ainda que ultrapassado o prazo rescisório, a nosso ver, constatado o crime, descabe execução da sentença cível, em seu favor, posto que o direito não existe para chancelar situações criminosas ou teratolóticas, ainda que sob o manto da coisa julgada. Do mesmo modo, descabe a servidor que não trabalhou em horas extras, receber por elas, em dias não trabalhados, ou em afastamentos, ou quando exercente de cargo de confiança, que não dá direito a horas extras, visto que estar-se-ia diante do delito de peculato, art. 312 § 1º. , e 71 “caput”, do CP., que serão melhor apontados adiante, na solução através de noticia crime e respectiva ação penal e meios cautelares penais. Pode ser acumulada com a ação civil pública de ressarcimento dos danos ou para evitar danos ao erário público.
7. Notícia Crime e Ação Penal como via de defesa do patrimônio público em execuções não embargadas.
Primeiro indaga-se: se uma pessoa se utiliza da ação cível para cometer crime, maneja pretensão criminosa sob aparente normalidade civil, e o juízo cível, por qualquer motivo, lhe dá procedência à ação, por não perceber a ocorrência do ilícito e não vislumbrar ilícito algum (nem pena nem cível), e tal decisão transita em julgado, tal coisa julgada impede investigação e punição penal ao agente do delito, que se valeu de via cível para travestir cometimento de delito? É tal decisão cível após o prazo da ação rescisória cível inatacável?
Ora, primeiramente, as jurisdições cível e penal são independentes, ou seja, nada impede, em tal situação, que um juiz penal receba denúncia por crime contra a administração pública, ainda que coisa julgada cível já tenha decidido em favor do agente a entrega do produto do crime, não sendo tal decisão impeditiva do exame dos fatos para averiguação de eventual cometimento de delito penal pelo juiz competente. Fundamentamos tal afirmação na lei art. 935 do CPC que assim dispõe: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” Portanto não é a previsão de entrega de bem em coisa julgada ao autor da demanda cível, que pode impedir o ajuizamento da demanda penal, se o credor se utilizou do processo civil para obter bem por via de conduta que tipifique delito penal, e, assim, àquela pretensão cível não seja verdadeiro e salutar regular exercício de direito, mas, pretensão delituosa!
Mas, como ficaria o conflito entre a coisa julgada cível que determinou entrega do bem, e a coisa julgada penal que declarou que tal bem é proveniente de ato criminoso? Se o produto do crime já foi entregue em execução (cível) ao agente criminoso, pode o juiz penal desfazer tal coisa julgada, mandado devolver à vítima o produto do crime? Ora, há entendimentos de que não, em face da coisa julgada cível ser soberana em sua competência. Tais entendimentos não são, porém, fáceis de aceitar, porque um ato criminoso não poderia, em tese, produzir efeito civis, pela sua própria natureza, sendo razoável alegar que nem após o prazo rescisório tal sentença cível pode produzir efeitos, já que a sentença neste caso, seria inexistente ou nula, e não anulável por ação rescisória, pelo que não deveria existir limite de tempo, neste caso especifico, para a rescisória, devendo merecer revisão qualquer entendimento em contrário, porque sentença cível que manda cometer-se ilícito penal se aproxima mais de sentença inexistente (por ser teratológica e ferir a essência do direito de modo gravíssimo) do que de sentença anulável por malferir apenas direito civil. Esta controvérsia é tema em debate, apesar de a lei dizer que são independentes as esferas cível e penal.
Cabem, porém várias soluções na esfera cível. O lesado pode pedir, via ação autônoma de qualquer espécie, entre as aqui estudadas, a restituição do valor indevidamente obtido pela sentença da coisa julgada cível, alegando, por analogia, o fato superveniente, art. 462 do CPC., o enriquecimento ilícito do credor cível, e o direito ao ressarcimento do valor executado ilicitamente por nova sentença cível, baseado no art. 574 do CPC[13]., que determina ressarcimento do devedor pelo credor em caso de nova sentença desfazer a execução, o que é avalizado em doutrina, de Priscilla Paula de Oliveira, 2006, p. 250-262, citando solução preconizada pelo Desembargador Ênio Santarellli Zuliani, como segue …
“O desembargador Ênio Santarellli Zuliani, dá a solução a esse problema dizendo que deve ser aplicado o art. 574 do CPC, que nas palavras do desembargador é “um tipo de responsabilidade objetiva” (…) E na mesma linha, Ênio Santerelli Zuliani conclui que: Esse dispositivo tanto se aplica às execuções provisórias, como às definitivas, esclareceu DONALDO ARMELIN, o que conduziu ARAKEN DE ASSIS a afirmar, com critério, que a eliminação do efeito civil da sentença penal condenatória, pela revisão que absolve o réu, faz desaparecer a obrigação de reparar o dano, conforme disposto no art. 91, I, do CP, fazendo surgir ‘o dever de indenizar o antigo condenado”
Assim, se poderá intentar, nova ação para desconstituir a sentença cível com base em condenação penal do credor, alegando enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil) e direito de repetição de indébito (art. 876 do mesmo diploma), ou poderá propor a ação rescisória cível, se ainda no prazo legal de dois anos para seu manejo, podendo, ainda, no caso de se tratar da Fazenda Pública, manejar todas essas pretensões, em ação civil publica, seja com cunho preventivo (inibitório) se ainda impago o valor indevido, seja de cunho repressivo ressarcitório (para obter sua devolução se já pago), pretensão a qual, neste caso, seria imprescritível, não só no caso de dano ilícito praticado por agente público contra o erário (art. 37, § 5º., da Carta de 88), como, também, em qualquer caso em que os fundamentos da ação cível que gerou o dano ilícito chancelado em sentença cível se constituir em ilícito penal, posto que o Código Civil, em seu art. 200, na Seção III, “Das Causas que Interrompem a Prescrição” diz que NÃO CORRE PRESCRIÇÃO, DE PRETENSÃO CÍVEL, SE A AÇÃO SE FUNDAMENTAR EM FATO QUE DEVA SER APURADO NO JUÍZO PENAL, até sentença penal definitiva..
8. Pedido de Revisão de Precatório ao Presidente do Tribunal.
O art. 1º.- E da Lei Federal 9494 de 1997, na redação dada pela MP 2.135/2001, impõe poder-dever ao Presidente do Tribunal encarregado da expedição do precatório, de REVER os valores do precatório, de ofício, ou a pedido da parte interessada, para impedir pagamento de valores ilícitos (em sentido amplo, ilícito civil e penal, em nosso entender), em descompasso com a lei ou com os princípios e regras constitucionais.
A jurisprudência vem aceitando este modo de controle dos valores do precatório, posteriormente à formação da coisa julgada, à formação do titulo judicial e expedição de precatório sobre eles tirados.
9. A ação rescisória.
Um dos meios legais de afastar a execução, ainda que não embargada de devedor, e anular todos os seus efeitos, esteja ou ao em curso execução contra o devedor, é manejar a ação rescisória. Não tem natureza de recurso. Provida esta, desaparece o título judicial, e as conseqüências do mesmo perdem validade e eficácia, ou seja, afasta-se a execução e precatório nela retirado contra a Fazenda Pública. Sua previsão legal está no art. 485 do CPC.
Em tal ação, busca-se desconstituir a coisa julgada material. É de competência originária dos tribunais. Nela se requer a anulação ou desconstituição de uma sentença ou acórdão transitado materialmente em julgado (com resolução de mérito), e eventual novo julgamento do mérito. A sentença de mérito não pode ser anulada por ação anulatória, mas só por via da ação rescisória, a nosso ver, havendo algumas exceções a tal entendimento, como já vimos neste trabalho, pois, em casos excepcionais, teratológicos, patológicos, em especial quando a coisa julgada é inexistente, nula ou adveio de pretensão que corresponda à fraude contra o erário público, ou improbidade administrativa, conforme precedente, em que se aceite a teoria da “relativização da coisa julgada”, se pode obter efeitos rescisórios sem manejo da ação rescisória. Também constitui exceção o previsto no art. 741 parágrafo único, o manejo de embargos de devedor com efeitos rescisórios, em ocorrendo a inexigibilidade do título judicial (caso legal expresso de efeitos rescisórios fora da ação rescisória), por via de embargos de devedor.
A sentença meramente homologatória e a sentença terminativa não podem ser atacadas por meio de ação rescisória, restando apenas outros meios de defesa, conforme previsto na lei. O rol, dos casos de rescisão do artigo 485 é taxativo. Somente Tribunais, aquele que iria reapreciar o recurso da ação, têm competência para rescindir sentença ou acórdão. O prazo (decadencial) para aviar tal demanda é de dois anos, contados do trânsito em julgado da sentença ou acórdão rescindível. Na ação rescisória, a lei previa, até 2006, que ela não suspenderia a execução da sentença rescindenda, mas após vários julgados que fizeram uma alteração jurisprudencial deste principio, autorizando cautelar ou antecipação de tutela, para suspender a execução do mérito rescindendo, a fim de impedir risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando há demonstração de “fumus boni iuris” e “fumaça do bom direito”, ou “verossimilhança e risco de dano irreparável”, respectivamente, em 2006, veio alteração legislativa para autorizar a suspensão da execução e do mérito rescindendo, pela lei 11.280 de 2006, sendo a nova redação do art. 489[14] do CPC autorizativa da suspensão em tela.
Outras características desta ação em seu rito são: 1) o ministério público, nela, é fiscal da lei, podendo porém ser parte na defesa do patrimônio público, via ACP; 2) não há revelia do réu na ação rescisória; 3) é possível rescisória de rescisória; 4) o prazo para contestá-la será de 15 a 30 dias, conforme fixado pelo juízo; 5) após a instrução, o relator abrirá o prazo de 10 dias para manifestação do autor e do réu; 6) o autor tem que depositar 5% da ação rescisória, mas há exceções jurisprudenciais; 7) o juiz de primeiro grau não têm competência para rescindir a sentença; 8) a competência para julgar a ação rescisória é especificada nos regimentos internos dos tribunais; 9) a sentença rescindível, não é aquela nula ou inexistente (caso em que cabe a “querella nulitatis insanabilis” que já vimos neste trabalho, mas apenas anulável;
Portanto, dentro do prazo de 2 anos para sua propositura, ainda que não embargada a execução, esta poderá ser anulada se alcançada a anulação da sentença de mérito.
10. Reclamação junto ao Tribunal de Contas.
Em qualquer caso, em que a coisa julgada cível não possa ter sido embargada de execução, ou não tenha sido objeto de ação rescisória, ou não tenha havido manejo ou sucesso em ação medida de defesa, da Fazenda Pública, contra o credor que intenta pretensão civil ou penalmente ilícita, manejada contra os cofres públicos, ainda que haja coisa julgada civil, chancelando o ilícito, pode ainda, o erário público, manejar reclamação administrativa comprovando o ilícito, perante o Tribunal de Contas, do Estado, competente, o qual, consoante precedentes vários, precedentes, a exemplo, em TCE-RS[15], julgamento de 2011, ou o julgamento no TCE-MG[16] pode e deve impedir o pagamento indevidos de valores lesivos ao erário, determinando sua não inclusão em orçamento, desde que tenha se pautado em atos ilícitos do pretenso credor, ou determinar a devolução dos valores indevidos, se já pagos, mesmo que tenha havido coisa julgada cível determinando o pagamento indevido.
Assim, por exemplo, em caso de pleito de horas extras (ilegais, por não prestadas, ou pleiteadas em período de exercício de cargo de confiança), perante o juiz cível, em tendo havido ordem de pagamento chancelado em coisa julgada, a pretensão afeta, via de regra, na maioria dos estatutos de servidores, a aposentadoria, levando ao seu aumento ilegal e ilícito por acréscimo de horas extras indevidas em aposentação, o que também legitima controle do Tribunal de Contas, para evitar incorporação de verba ilícita à aposentadoria. Assim, basta ter havido lesão (dano) ilícito ao erário, para que possa o Tribunal de Contas, vetar o pagamento indevido e impedir sua repercussão em aposentação.
11. Reclamação junto ao Conselho Nacional de Justiça.
O Conselho Nacional de Justiça, sensível ao clamor social pela lisura no trato de bens públicos, e pela ética, e probidade na expedição de precatórios, em recente decisão, datada de 05.06.2012, conforme noticia publicada na revista VEJA[17], entendeu pela suspensão de precatórios expedidos sobre coisas julgadas criadas sob conduta penal ilícita (fraudes), o que abre precedente para manejo da tese de que, ainda que haja coisa julgada, precatórios tirados em situações criminosas, em decorrência da prática de ilícitos penais, podem ser suspensos mediante Reclamação Administrativa junto ao Conselho Nacional de Justiça, no caso, sob alegação de omissão do juiz da causa em evitar o ato ilícito, quando evidente sua prática no seio do processo que gerou o precatório, ou em caso de dolo do juiz.
O precedente em tela, se deu em situação de pedidos trabalhistas apresentados contra a Fazenda Publica do Estado de Rondônia, consoante noticiou a Revista Veja, no artigo já mencionado: “O caso chegou à Justiça após a transformação de Rondônia em Estado. Um sindicato criado por um advogado entrou com uma ação pedindo o reconhecimento do reenquadramento de carreiras e o recebimento de diferenças remuneratórias dos professores e técnicos de educação.”
Com base em tal precedente, em qualquer situação em que tenha se formado precatório em situação delituosa, ainda que chancelada em coisa julgada cível, em especial em casos de verbas trabalhistas ilícitas pretendidas por servidores, onde o ressarcimento ao erário é imprescritível pelo disposto no art. 37, § 5º., da Carta de 88, se vê que há precedente no CNJ para reclamação a impedir o pagamento do valor indevido, ainda que a execução não tenha sido embargada, ou tenham falhado outros meios de defesa da Fazenda, e o credor tenha ilicitamente obtido precatório em execução ilícita, tirada em ação obtida em tipificação de qualquer delito penal, o que caracteriza fraude (latu sensu).
Com tal precedente, entendemos ser possível, em execuções não embargadas, ou nas quais apesar de outras defesas da Fazenda Pública não tenha havido proteção ao erário público, que pode ser feita Reclamação ao Conselho Nacional de Justiça, para impedir pagamento de valores tirados em processos onde o crédito tenha se formado em situação que configure ilícito penal, ainda que haja coisa julgada cível chancelando o precatório em tal processo expedido.
12. Considerações Finais.
Como demonstramos neste trabalho, ao perder-se o prazo para embargos à execução, a Fazenda Pública possui vários outros meios legais, admitidos em lei, doutrina e jurisprudência (as defesas heterotópicas), para proteção ao erário, tanto no plano jurídico jurisdicional (aquelas várias vistas neste artigo), quanto administrativo-institucional, não devendo o defensor público exasperar-se, em tal caso, já que são possíveis vários remédios jurídicos para a proteção do erário público, e, como demonstrado, não se perde o direito material subjetivo, subjacente, pela perda do prazo para embargos à execução, podendo tais direitos serem defendidos por outros meios, tanto dentro, quando fora da execução, dependendo a escolha do melhor meio de defesa heterotópica, do exame do caso concreto, direito material e processual, e das ilegalidades, nulidades e inconstitucionalidades envolvidas.
Também restou demonstrado que qualquer dos meios de defesa do Estado, admitidos em lei, para se opor à execução (mesmo não embargada no prazo legal), podem e devem receber efeito suspensivo, uma vez demonstrada ilicitude da pretensão executiva, verossimilhança da alegação da Fazenda Pública e risco de dano irreparável ou de difícil reparação, não sendo tal suspensão prerrogativa legal só dos embargos de devedor, o qual, atualmente, tem a suspensão ligada mais ao mencionado risco e verossimilhança do que, propriamente, ao meio de defesa utilizado pelo devedor.
Também concluiu-se que, em caso de os embargos de devedor serem interpostos de forma intempestiva, deve o magistrado recebê-lo como ação anulatória ou e dele extrair, todos os elementos úteis à defesa do executado, em especial quando ele é a Fazenda Pública, devendo ali examinar as matérias de ordem pública em sentido amplo, e mesmo aquelas não pública (substanciais), a fim se atingir o objeto do processo civil contemporâneo sob a ótica do processo civil constitucionalizado pela Carta de 1988, posto que esta exige respeito ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público, moralidade no trato com tal patrimônio, imprescritibilidade de ações na defesa do erário por ato ilícito de seus agentes, tudo para respeito a uma justiça mais pragmática, e que proteja, de fato, o patrimônio público contra abusos, e garanta, assim, o Estado Democrático de Direito, onde pela Carta de 88, todo servidor, de todos os poderes, tem o dever de zelar pelo patrimônio público, de ofício e onde a ampla defesa é o direito de ação são importantes garantias constitucionais.
Também concluímos que, ainda que nenhuma defesa seja apresentada, deve o magistrado fazer o exame dos limites da coisa julgada em cotejo com o conteúdo (bens, critérios e valores), utilizados na conta do credor, e expurgar os valores e bens que não tenham autorização na coisa julgada, pois, nula é a execução sem título, matéria de conhecimento de oficio pelo juiz.
Informações Sobre o Autor
Lidson José Tomass
Advogado. Procurador Público do Município de Curitiba desde 1992. Mestre em Direito Público pela UFPR, 1995. Conclui Escola da Magistratura, EMATRA, em Curitiba, 2009. Especialista em Direito Processual Civil, Uninter, 2012. Foi professor de Direito Administrativo na PUC-PR e Presidente da Associação dos Procuradores do Município de Curitiba e membro eleito no Conselho Superior da Procuradoria do Município de Curitiba