Resumo: Análise do inciso II do artigo 273 do Código de Processo Civil, que traz ao ordenamento jurídico um instituto intitulado pela doutrina de tutela antecipada sancionatória.
Palavras-chave: Tutela Antecipada. Má-fé. Abuso de Direito. Propósito Protelatório. Processo Civil.
Sumário: 1.Conceito. 2.Abuso de Direito. 3.Intuito Protelatório. 4.Peculiaridades da tutela antecipada sancionatória. 5.A timidez na aplicação da tutela antecipada sancionatória. 6.Restauração in Natura do Dano Processual. 7.Efetividade. Considerações finais. Referências Bibliográficas
Introdução
O presente artigo científico trará uma breve análise do inciso II do artigo 273 do Código de Processo Civil. Pretende-se apresentar, de forma didática e sistemática, os principais focos de digressão doutrinária e a aplicação da norma nos tribunais brasileiros. Este estudo é interessante pois tal regra jurídica traz consigo uma carga de conceitos subjetivos que exigem uma análise minunciosa dos fatos que circundam determinada situação alegada como de “má-fé”.
1. Conceito
O artigo 273 do CPC dispôs sobre a chamada tutela antecipada, onde será possível ao juiz antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial.
O código traz alguns requisitos cuja presença é necessária para que esta antecipação seja possível. Dessa forma, só poderá ser deferida a tutela antecipada caso exista prova inequívoca, caso o juiz se convença da verossimilhança da alegação e caso haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
O inciso II do artigo 273 do CPC dispôs, como acima citado, de uma espécie de tutela antecipada. A doutrina a chama de tutela antecipada sancionatória ou punitiva.
Apesar de a tutela antecipada buscar genericamente a efetividade e a tempestividade da prestação jurisdicional, as espécies em que ela se desdobra possuem características básicas e finalidades diferentes. A tutela antecipada punitiva, por exemplo, ao contrário da hipótese de tutela antecipada prevista no inciso I do mesmo artigo, não é tutela de urgência, pois tem outro fundamento que não o periculum in mora, mas sim a moralidade e a dignidade da Justiça. Pode-se afirmar, pois, que a espécie prevista no inciso II do artigo 273 não possui caráter preventivo nem natureza assecuratória.
A espécie agora em discussão é dita sancionatória porque, além de ser tutela provisória satisfativa, tem natureza de sanção, é uma punição ao réu que abusa do direito de defesa ou que manifestamente age com propósito protelatório.
A punição existe no ordenamento jurídico para resguardar bem protegido pelo Direito. No caso da tutela antecipada fundada no inciso II, o bem jurídico tutelado será a boa-fé processual. De acordo com os conceitos de sanção e punição, tal espécie de tutela provisória representa sanção, porque consiste em uma reprimenda a determinada ação do réu a qual lesa um bem juridicamente tutelado, aplicando-lhe, em decorrência disso, uma restrição, seja através da retirada de um estímulo positivo, seja através da imposição de um estímulo aversivo. No caso em questão, o juiz proporciona provisoriamente ao autor o pedido ou os efeitos do pedido formulado na petição inicial, com o intuito de resguardar a efetividade do processo jurisdicional, impondo ao réu um ônus processual.
O motivo que fez o Direito incorporar a boa-fé como um compromisso do processo, de acordo com o qual as pessoas que participam da relação processual possuem deveres com a lealdade, a probidade e a veracidade , foi a constatação do fato, em que poucas são exceções, de que as pessoas não agem de acordo com interesse do coletivo e de que vivemos em uma sociedade com valores morais distorcidos. O ordenamento jurídico, portanto, não poderia ignorar tais evidências e, de forma relapsa, incorporar essas falhas.
Além de tudo isso, o processo sempre foi mais injusto com os mais fracos e com os desprovidos de poder econômico, já que estes têm necessidade de resolver, com maior rapidez, os problemas envolvidos na lide e sofrem com a morosidade por que passa a resolução do litígio, fato que os faz não procurarem a Justiça ou firmarem acordos. É injusto para com estes também porque, na maioria das vezes, são mal assessorados juridicamente, devido à impossibilidade de ter acesso a advogados mais preparados – fato que, por vezes, não ocorre, devido à intervenção da Defensoria Pública, quando esta possui uma boa estrutura, e devido à atuação de assessorias e advogados populares.
É daí que surge a necessidade de incluir, na legislação, um dispositivo no sentido do referido inciso II, artigo 273, do CPC. Ele vem, assim, para inibir a deslealdade do processo, já que repudia a litigância de má-fé, e para reforçar o dever de lealdade e garantir o correto andamento da justiça, pois, nas palavras de Carrilho Lopes, seria “injusto, inconstitucional e ilegal que, ante a probabilidade de existência do direito do demandante e a conduta desleal do demandado, aquele continue a suportar o ônus do tempo do processo” (LOPES, 2006 .p.28).
Pode-se concluir, pois, que, com a inserção do dito inciso II, a lei deu ao magistrado um instrumento para a redistribuição do ônus do tempo do processo, podendo a tutela antecipada sancionatória, se utilizada de forma adequada, contribuir para evitar a excessiva duração dos processos judiciais, já que o réu, por não mais possuir o direito em suas mãos, não será mais beneficiado com a mora processual, tendo interesse, assim, em resolver, o mais rápido possível, o litígio.
2. Abuso de Direito
Primeiramente é importante perceber que não se pode confundir abuso de direito com ato ilícito.
O ato ilícito é aquele vedado pela lei e, de acordo com o Código Civil, causa dano e viola direito de outrem. Já o abuso do direito seria uma modalidade de ato ilícito, pois tem aparência de legalidade, entretanto, quando analisado mais a fundo, percebe-se que este é utilizado em desacordo com os termos da lei, ou seja, ele parece ser lícito, mas, na realidade, seus objetivos e a forma como é utilizado são vedados pela ordem legal. Há, pois, um desvio da finalidade existente no conceito de direito.
A teoria do abuso do direito surgiu na França, onde foi percebido que o “exercício ilimitado de um direito subjetivo poderia causar danos e prejuízos que, diante da concepção posta, o causador do dano estaria isento do dever de indenizar” (VICENZI, 2003, p. 145). A partir de tal percepção, os tribunais franceses começaram a reprimir o referido exercício ilimitado de direito. No Brasil, a teoria do abuso do direito foi incorporada pela doutrina e pela jurisprudência e se equipara à responsabilidade civil.
O abuso do direito no âmbito processual brasileiro tem sua base no direito material e foi “importada” pelo processo, para regular atos que atentem contra a prestação jurisdicional, aplicando sanções, quando verificados. Brunella de Vicenzi explica que as previsões feitas pelo Código Civil nos artigos 186 e 187 têm o intuito de aproximar institutos inconciliáveis: “de um lado, a assimilação do abuso à responsabilidade civil, […] de outro lado, utiliza a regra da boa-fé como limite ao exercício abusivo” (2003, p. 153).
No caso específico do abuso do direito de defesa, o que acontece é a utilização de um direito do réu – do contraditório e da ampla defesa – constitucionalmente garantido, de forma desvirtuada e anormal. Isso porque o réu, a partir do dito direito de defesa, procura atingir outras finalidades que não a simples proteção do ataque proposto pelo autor da demanda, tendo o réu um comportamento processual doloso. Quando o réu abusa de seu direito de defesa em um processo, está verificada a má-fé.
Para restar caracterizado o exercício irregular do direito de defesa, não é necessário que algum dano direto seja causado ao autor, sendo apenas necessária a verificação de abuso dos meios oferecidos pelo ordenamento para a defesa do réu.
O abuso do direito de defesa pode se manifestar tanto pelo que é dito pelo réu em suas declarações como pela forma que este se utiliza dos meios de ampla defesa e contraditório previstos na legislação.
Sobre o assunto, Carrilho Lopes ensina que “tal abuso não precisa estar direcionado à protelação do desfecho do processo ou provocar efetivamente uma demora adicional […]. Caso os instrumentos de defesa sejam utilizados de forma abusiva e desleal, independentemente do intuito do demandado ser protelatório, desde que sua atitude seja potencialmente nociva ao demandante e vedada no ordenamento processual, restará caracterizado o abuso do direito de defesa, o qual, associado à probabilidade de existência do direito postulado (CPC, art. 273, caput), é suficiente à antecipação da tutela” (2006, p.118).
Diversos são os meios pelos quais o réu pode abusar do referido direito de defesa. É importante ressaltar que, apesar de a lei prever, em alguns de seus dispositivos, formas de abuso de direito, estas são apenas exemplos, não se configurando, na lei, um rol taxativo, podendo, pois, ser também reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência.
A alegação manifestamente infundada é uma das formas de exercício anormal do direito de defesa. Por meio dele, o réu, utilizando seu direito de manifestação, fundamenta sua alegação em tese absurda, contrária à posição pacífica da jurisprudência e da doutrina e de texto expresso em lei. O artigo 14, inciso III do CPC, veda expressamente às partes de formularem pretensões e alegarem defesas, cientes de que são destituídas de fundamento. O artigo 17, inciso I do mesmo Código, determina como litigante de má-fé aquele que deduz pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso.
É preciso entender, entretanto, que ir de encontro a texto legal por meio de fundamentação com notoriedade baseada em princípios jurídicos, aos olhos do direito, não caracteriza caso de má-fé. A fundamentação de alegação em matérias em que existe divergência jurisprudencial também não caracteriza abuso do direito de defesa. Para restar caracterizada tal situação, é necessário que a defesa seja manifestamente infundada, construída contra dispositivo legal conhecido e de unânime interpretação, constituindo, pois, um erro grosseiro.
Outro meio de abuso do direito de defesa ocorre, quando o fundamento da alegação do réu contraria fato incontroverso. O fato incontroverso é aquele sobre o qual não mais paira controvérsia, por ter sido reconhecido por ambos litigantes. Nesses casos, o réu, sabendo que sua defesa não encontra amparo, pois já admitiu o fato como verdade, nega posteriormente o referido fato. A pretensão ou defesa contra fato incontroverso, entretanto, é relativa, pois não há litigância, quando o réu opõe prova de inexistência da controvérsia.
A alteração da verdade, prevista no artigo 17, inciso II do mesmo, também é forma de litigância de má-fé e ocorre quando o réu, por meio de alegação conferida a este devido ao direito de defesa, mente com consciência de tal, desfigurando fato que sabe que representa a verdade, violando, portanto, o dever de veracidade imposto pelo ordenamento jurídico à relação processual.
Outros meios de abusar do direito de defesa ocorre, quando o réu provoca incidentes manifestamente infundados, ao ter tal possibilidade conferida pelo ampla defesa e pelo contraditório, ou quando interpõe recursos com manifesto intuito protelatório.
Em todos esses casos explicitados, como em outros similares, verifica-se que os instrumentos utilizados pelo réu são oferecidos pelo próprio processo de acordo com a legislação processual, entretanto o réu, de maneira ardil, desfigura a finalidade de tais instrumentos, usando anormalmente o poder de disposição com o intuito diverso da mera defesa contra alegação postulada pelo autor.
Sobre a verificação do abuso do direito de defesa, há uma grande dificuldade prática, para ser constatada tal modalidade de ato ilícito, principalmente no campo da prova da má-fé, do dolo processual ou da malícia no exercício das posições processuais e da valoração do dano causado à outra parte, com o fim de aplicar sanção e indenização equivalentes ao referido dano (VICENZI, 2003, p. 86).
3. Intuito Protelatório
Intuito protelatório são ações ou omissões praticadas pelo réu, dentro ou fora do processo, buscando protelar, adiar, retardar a solução da lide e a possível satisfação do direito do autor.
Tal intuito é normalmente verificado nas relações processuais, isso porque o réu não pretende que haja modificação da situação existente antes da propositura da ação, desejando que o bem objeto do litígio permaneça consigo. Apesar de configurar prática habitual, as referidas ações e omissões não devem ser aceitas pela sociedade e pelo Judiciário como fato normal.
O Código Processual Civil (art. 14) institui como deveres das partes a exposição dos atos conforme a verdade, a lealdade e a boa-fé. Proibiu a produção de provas e a prática de atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito. Proibiu, da mesma forma, a criação de embaraços à efetivação de provimentos judiciais e determinou o fiel cumprimento dos provimentos mandamentais.Conclui-se, com isso, que o intuito protelatório é ato violador das obrigações dos sujeitos do processo.
O artigo 273 exigiu que tal intuito protelatório fosse manifesto, ou seja, é necessário que haja clara e evidente intenção do réu em protelar a satisfação da tutela do autor, devendo tal fato ser perceptível sem maiores esforços metodológicos. Tal intuito, apesar do significado da palavra, não deve ser analisado de forma subjetiva, ou seja, de acordo com a intenção da pessoa, mas sim de forma objetiva, ou seja, de acordo com as condutas tomadas pelo réu. O mesmo entendimento deve ser estendido aos atos praticados com abuso do direito de defesa.
É interessante, entretanto, ressaltar que há a possibilidade de o próprio autor ter a sanção do inciso II, artigo 273, CPC, aplicada contra si. Isso se dá, quando ao autor já foi concedida tutela antecipada, ou quando este, por outro motivo, já possui o bem da vida objeto da lide e abusa do direito de demandar, ou age de maneira propositadamente protelatória.
Várias ações e omissões podem caracterizar o manifesto intuito protelatório, como por exemplo, alguns dos casos de litigância de má-fé previstos no artigo 17, do CPC, pois, apesar de a litigância de má-fé prevista no referido artigo diferir da previsão feita pelo inciso II do artigo 273, do CPC,os casos regulados no primeiro também são espécies de abuso de direito e manifesto intuito protelatório. Marinoni explica que não é possível confundir os dois institutos, pois Do artigo 17 deve-se apenas extrair alguns elementos que possam colaborar para a caracterização do abuso de direito de defesa (2006, p. 347).
É importante saber que não são apenas os casos descritos pelo Código os quais configuram o intuito protelatório. Este representa, como dito, apenas um rol exemplificativo, podendo, sempre que for verificada alguma ação ou omissão das partes apenas com a finalidade de postergar a resolução do conflito, haver a configuração de tal intuito.
Exemplificando alguns casos de intuito protelatório, pode-se citar a oposição de resistência injustificada ao andamento do processo. As ações e as omissões responsáveis por atrapalhar o andamento do processo são diversas, sendo verificadas de acordo com o caso concreto. O réu pode, por exemplo, praticar atos inúteis no processo, não se manifestar nos autos, reter os autos indevidamente, tudo isso esperando que tais fatos atrasem o desfecho do litígio.
A adoção de procedimentos realizados de modo temerário, em qualquer incidente ou ato do processo, também configura caso de intuito protelatório. Procede de modo temerário a parte que força um meio, sem qualquer amparo nos autos, o qual lhe possibilite a prática de um ato processual com o propósito tão somente de procrastinar.
Da mesma forma, acontece com a provocação de incidentes manifestamente infundados, já que, com estes, apenas existe a intenção de postergar o máximo possível a resolução do mérito do processo.
É também exemplo a interposição de recurso com intuito único de retardar a lide. Tal prática é a mais comum dentre as formas de protelar o processo. A interposição de tais recursos não tem a intenção de defender direito perdido com a sentença ou acórdão, dependendo do órgão julgador, no caso concreto, mas sim a esperança do réu de, cada vez mais, atrasar a entrega do bem jurídico ao autor vencedor da lide.
O próprio Código de Processo Civil admite o fato de que os recursos são utilizados de forma desvirtuada e regula tais situações, no artigo 538, que trata sobre os embargos de declaração. No seu parágrafo único, por exemplo, impõe multa, quando os embargos forem manifestamente protelatórios. Tal previsão decorre da constatação de que esse tipo de recurso é amplamente utilizado sem a finalidade própria a ele.
4. Peculiaridades da tutela antecipada sancionatória
Anteriormente, foram explicados os pressupostos para o deferimento da tutela antecipada, entretanto, devido à existência de três hipóteses previstas no artigo 273, cada espécie possui algumas peculiaridades e características próprias.
Nesse sentido, é importante ressaltar que, ao contrário da tutela antecipatória fundamentada no periculum in mora, a espécie prevista no inciso II não é tutela de urgência, mas sim uma punição imposta ao réu. Tem, pois, dúplice natureza jurídica: a de tutela provisória e a de sanção processual.
Por não ser tutela de urgência, fica descaracterizada a “necessidade” do autor, razão pela qual, ao ser deferida, a tutela antecipada sancionatória deve ser integralmente concedida, já que não há parâmetros, para mensurar o risco de dano. Da mesma forma, por não haver a dita “necessidade” do autor, o pressuposto da irreversibilidade deve sempre ser observado, não admitindo jamais exceção.
A tutela antecipada sancionatória, via de regra, é requerida e apreciada após a manifestação do réu, porém, excepcionalmente, pode ser requerida na própria petição inicial, no caso citado anteriormente – manifesto intuito protelatório.
Outro ponto a ser destacado é que, por também ser sanção, há o entendimento de que a tutela antecipada fundamentada no inciso II pode ser deferida ex officio, já que a atuação processual baseada na má-fé é assunto que importa ao interesse público e é dever do Juiz assegurar a efetividade da Justiça. Carrilho Lopes explica que a tutela antecipada sancionatória, “enquanto sanção processual, visa a resguardar a lealdade das partes no processo, a preservar a lisura do comportamento e, dessa forma, incorpora aspecto de fundamental interesse público”.
5. A timidez na aplicação da tutela antecipada sancionatória
Estudando sobre o referido tema e pesquisando julgados dos tribunais brasileiros, percebe-se uma timidez existente na aplicação da tutela antecipada punitiva nas relações processuais. A realidade revela que tal espécie é de difícil aplicação prática e que tal fato decorre de vários fatores.
Pode-se citar como um desses a falta de unanimidade entre doutrina e jurisprudência sobre a forma de interpretar e sancionar o exercício de posições adotadas no processo pelas partes, assim como entender como se dará a valoração de tais atuações, ou seja, se, no processo, será adotado algum valor em relação a uma vontade subjetiva da parte, ou se apenas serão levadas em consideração sua conduta, sua posição objetiva; não há, em suma, um princípio norteador ou uma ideia máxima que identifique a ideologia do processo civil brasileiro em respeito às condutas desleais das partes (VICENZI, 2003, p.92-93).
A prática tem demonstrado, porém, que, no caso da tutela antecipada sancionatória, o abuso do direito de defesa e o manifesto intuito protelatório deve ser verificado de forma objetiva, de acordo com um parâmetro de conduta formado a partir do padrão do “homem probo”, sob pena de impossibilidade da aplicação da norma do artigo 273, inciso II, já que, se a concessão da tutela antecipada punitiva ficasse condicionada à confirmação de vontade íntima do réu em embaraçar o andamento do processo, tal tutela provisória teria aplicação inferior a que já tem.
Outro problema relacionado a tal fato é o grande receio existente em, aplicando a tutela antecipada sancionatória, haver uma restrição do direito de defesa, direito que representa um grande avanço no mundo jurídico, já que uma repressão rigorosa poderia cercear o direito da parte inocente. Ocorre que tão importante quanto o direito de defesa é o direito de acesso à justiça, e nenhum abuso do réu deve ser obstáculo ao devido processo legal, manifestação inerente à função jurisdicional. Deve-se, pois, através do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, ponderar os valores em risco e procurar achar um resultado justo e adequado ao caso. Marcel Planiol já afirmava que o direito cessa, quando começa o abuso, e, conforme conclusão de Bruno Lopes, ao analisar referida situação, “por envolver um confronto entre garantias constitucionais de grande relevância, a tutela antecipada sancionatória não pode ser concedida de forma desmedida, sem que seus requisitos restem devidamente caracterizados” (2006, p. 126). O autor continua: “Isso não constitui razão, no entanto, para que atentem contra a dignidade da justiça e prejudique a prestação efetiva e tempestiva da tutela jurisdicional”(2006, p. 126).
Sobre a aplicação pelos Juízes do referido instituto: “Caracterizados seus requisitos, a tutela antecipada sancionatória deve ser concedida sem medo, não podendo o Poder Judiciário acomodar-se sob o manto das garantias à ampla defesa e ao contraditório”(LOPES, 2006, p. 126).
Por fim, cita-se, como fato que causa timidez nos Juízes para aplicação do artigo 273, inciso II, CPC, a existência de outras sanções no Código Processual para condutas de má-fé já que a regra do non bis in idem impossibilita a aplicação de mais de uma sanção a uma mesma conduta.
No caso do processo, quando verificada a atuação de má-fé e abusiva do réu, o julgador prefere a aplicação de outras sanções previstas no ordenamento processual à concessão da tutela antecipada. Isso se dá pelo motivo de que a concessão da referida punição causa impacto maior no réu e no processo do que a simples imposição, por exemplo, de uma multa. Tem-se, entretanto, que perceber que a aplicação de multa, às vezes, não surte o efeito desejado pelo legislador, ao inseri-la na lei, e pelo próprio julgador, ao aplicá-la, já que, à parte rica, não há incômodo nas sanções pecuniárias, apenas atingindo as partes pobres e as inseridas na classe média.
Apesar disso, ressalta-se novamente que, ao serem verificados os requisitos de concessão da tutela antecipada, esta deve ser aplicada em desfavor de outra sanção, já que é mais específica que outras punições previstas no Código.
6. Restauração in Natura do Dano Processual
Podem ser verificados dois tipos de danos em uma relação processual: o direto e o indireto.
O dano direto seria o malefício concreto, o prejuízo real que o autor sofre, por não possuir o bem da vida objeto da lide. É, por exemplo, o fato de o autor não comprar um remédio em decorrência da suspensão de benefício previdenciário, a criança que não paga ao colégio ante a ausência do pagamento de alimentos, ou o pagamento de conta cobrada indevidamente. É sobre esse dano que o inciso I do artigo 273 do CPC trata.
Já o dano indireto, processual ou marginal do processo advém da demora do decurso do processo – morosidade. O dano marginal do processo ocorre, devido ao lapso de tempo consumido entre a propositura da demanda e o trânsito em julgado da sentença. Também pode ser subdivido em dois tipos de dano: o causado à parte e o causado ao processo e, consequentemente, ao funcionamento da Justiça.
O dano causado à parte manifesta-se através da lesão que sofre a parte que possui razão na lide, mas, diante do sistema processualista, tem que esperar o fim do processo, para ter seus direitos em mãos. Tal dano é, portanto, inerente ao processo, já que esse é o meio legítimo para a resolução de conflitos existentes na sociedade, e, para que alguma solução seja encontrada, é necessária uma série de atos processuais que se estendam no tempo.
Athos Carneiro explica tal dano como “cargas de expectativas, de angústias, de temores quanto ao desenvolvimento e ao resultado do pleito, além de que o autor, mesmo se ao final vitorioso, terá ficado privado de, por largo tempo, do gozo do bem da vida a que tinha direito” (2006. p.2).
Ocorre que, por vezes, o réu adota uma atuação abusiva, seja através da utilização ilícita do seu direito de defesa, seja por sua intenção protelatória, e tais atos ou omissões causam mais efeitos negativos à parte contrária, isto é, além da demora que o processo geralmente sofre, devido à espécie de procedimento a que ele se submete, o autor sofre com a demora causada pelo réu, seja essa demora ocasionada propositadamente – como dolo –, seja essa demora causada por relapso e erros praticados pelo polo passivo.
Como já dito, não são todas as pessoas que podem suportar a lentidão do processo, principalmente se tal retardo não é causado pelo trâmite normal do procedimento, mas sim pelas ações ou omissões da parte adversária. É aí onde se nota um dos fundamentos da existência da tutela antecipada sancionatória no ordenamento jurídico brasileiro. Ela, como sanção que o é, procura a distribuição justa do tempo do processo para as partes, através da inibição de adoção de atitudes abusivas pelo réu, procurando desencorajar atos de má-fé que tentam fazer o processo durar o máximo de tempo possível sem uma solução final, incentivando, pois, o princípio da boa-fé nesse sistema jurídico e resguardando o direito subjetivo que o autor comprovou ter no processo em que o réu demonstrou seu descompromisso com a justiça e com o Estado prestador de jurisdição.
A atuação abusiva, além de causar efeitos maléficos à parte, atenta também contra a Justiça e causa um dano à sua função máxima: a função jurisdicional. Chiovenda define a função jurisdicional como “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente, efetiva” (2002. p.2). Observa-se, portanto, que atos abusivos da parte embaraçam tal finalidade do Estado, já que impossibilitam ou retardam a efetivação da vontade da lei, ferindo, pois, o regramento de ordem pública.
Ao atuar abusivamente, o réu – ou qualquer outro sujeito das relações processuais – obsta o normal funcionamento da Justiça e o regular andamento do processo, tornando-a, de certa maneira, inacessível à população, que passa a não ver no Judiciário uma forma efetiva de resolver seus conflitos.
Assim, a aplicação da tutela antecipada sancionatória surge também com o objetivo de restaurar o dano causado à Justiça, procurando o Juiz corrigir os erros do processo oriundos do abuso do direito de defesa ou do manifesto intuito protelatório do réu. Difere da sanção de multa, pois esta apenas procura indenizar o autor de eventual prejuízo causado a ele, enquanto a concessão da sanção prevista no artigo 273, inciso II, procura restabelecer o dano processual, neutralizando o prejuízo causado também ao Estado e aos princípios e garantias que este prevê.
Pode-se concluir que é de suma importância a aplicação da antecipação da tutela punitiva pelo magistrado, já que este, ao se inserir no quadro do Poder Judiciário, o assume um compromisso com a Justiça.
7. Efetividade
Quando a Constituição incluiu, em seu rol de direitos e garantias fundamentais, o inciso XXXV, do artigo 5º, o qual afirma que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, consagrou como princípio no ordenamento jurídico brasileiro o acesso à Justiça. Essa garantia constitucional, como anteriormente citado, implica não apenas o direito que o homem tem de acionar a Justiça para dirimir conflito seu, mas também abarca o direito a uma apreciação do litígio pelo Judiciário com qualidade, feita de forma efetiva. Tal direito não se limita ao autor. O réu também tem o direito de defender-se, sendo-lhe assegurados o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes.
Da mesma forma, o devido processo legal, também inserido no rol previsto pelo artigo 5º da Carta Magna brasileira, representa o respeito e a observância que deve haver no processo de todas as garantias e direitos fundamentais. Só dessa forma o processo atingirá a sua principal finalidade, que é o de oferecer uma decisão justa ao conflito apresentado ao Estado.
Um outro direito constitucional integrante do princípio da proteção judiciária é o direito à duração razoável do processo, previsto no inciso LXXVIII, do também artigo 5º, onde garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, razoável duração do processo e meios que garantam celeridade de sua tramitação. Para se obter efetividade na prestação jurisdicional, esse direito agora em questão deve ser observado, visto que a morosidade do processo pode vir a desencadear, além de vários danos às partes, em especial ao autor, a frustração do direito objeto da lide, que pode se perder durante o tempo, tornando, pois, ineficaz a prestação jurisdicional.
É direito de todos, portanto, uma tutela jurisdicional efetiva, e tal garantia ultrapassa a esfera individual, representando o desejo e a necessidade que a sociedade possui de uma nova Justiça, que se caracteriza precisamente pela eficácia. Uma Justiça efetiva seria aquela que respeita as garantias processuais e nunca as afasta em sua completude, é aquela que oferece uma resposta mais rápida e eficaz, entretanto não se conforma apenas com isso, a Justiça efetiva, atualmente, é aquela que trata o processo como um instrumento de transformação da realidade social e aplica a lei com justiça, não admitindo que o direito fique à mercê de mero formalismo procedimental nem fique comprometido por ineficácia deste.
A efetividade da Justiça é, acima de tudo, um meio de se garantir a dignidade da pessoa humana, já que ofereceria ao homem um tratamento com respeito, honestidade, decência e honra. A efetividade da Justiça também é forma de se alcançar a dignidade da própria Justiça, dando a ela, no âmbito fático – o da realidade –, a função que lhe foi dada no âmbito teórico.
Vários fatores implicam na não efetividade do processo, tais como a demora em se obter direito tutelado e o descumprimento ou ineficácia das decisões proferidas no processo.
A efetividade pode ser alcançada através de um conjunto de instrumentos, sendo o princípio da boa-fé e a tutela antecipada sancionatória exemplos de institutos à disposição do Juiz, para concretizar uma Justiça mais justa, por mais redundante que tal pareça.
Isso ocorre, porque a tutela antecipada punitiva, concedida quando houver abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, elimina o fator tempo como obstáculo à realização de justiça – sendo um dos meios que garante a celeridade de sua tramitação –, estende a prestação da tutela jurisdicional rápida a direitos sempre que o caso concreto permitir, significando meio de acessibilidade conferido aos supostos titulares de direitos, e moraliza o conflito mediante a punição da conduta desleal do réu, representando, assim, inquestionável avanço em relação à matéria de efetividade para o processo de rito comum.
Daí se pode notar também como a tutela antecipada punitiva é forma de fomento ao princípio da boa-fé, já que, através da concessão ao autor da tutela antecipada punitiva, o réu que agiu de má-fé – abusando de seu direito de defesa ou agindo manifestamente de forma protelatória – aprenderia a respeitar as liberdades e os direitos do autor e o propósito apresentado pela Justiça.
Verifica-se também que tal princípio influencia a jurisdição efetiva, porque, a partir da boa-fé das partes, pode-se construir um parâmetro de atuação, em que se constituirá uma ideologia de repúdio à má-fé processual, adoção da lealdade no processo, reforçando-se, pois, a ideia de igualdade perante a lei, sem significar um sacrifício injusto às liberdades das partes envolvidas no litígio.
Considerações Finais
Em 1994 foi inserido no CPC o artigo 273 que positivou o instituto da tutela antecipada sancionatória.
Tal positivação demonstrou clara preocupação do legislador quanto à efetividade da tutela jurisdicional, procurando dar meios para que o Poder Judiciário forneça uma prestação adequada e tempestiva jurisdição aos que buscam nele um meio para solução de disputas de interesses que surgem na sociedade.
A tutela antecipada apareceu, assim, no ordenamento jurídico brasileiro como mais uma espécie de mecanismo que busca garantir tal direito através da repressão de atos e omissões abusivas, procurando, pois, minimizar as problemáticas que surgem com a má-fé e exigindo das partes, especialmente nesse caso, do réu, adoção de posição de acordo com os preceitos que defende o princípio da boa-fé.
É devido a esta situação que se defende a maior aplicação de um instituto já previsto na legislação, portanto já aceito pelo Poder Legislativo como necessário ao correto andamento do processo jurídico.
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Informações Sobre o Autor
Débora Fernandes de Souza Mendes
Advogada. Graduada pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Público pela Universidade Uniderp-Anhanguera