Resumo: Este estudo versa sobre o controle da atividade normativa das Agências Reguladoras pelo Congresso Nacional pela via do decreto legislativo. Examina-se: a) a função normativa regulamentar como o poder/dever de editar regulamentos destinados à execução da lei; b) a reserva de lei, a reserva de parlamento e a reserva de norma como vertentes do princípio da legalidade; c) a competência regulamentar como meio de disciplinar a discricionariedade administrativa; d) a sujeição das Agências Reguladoras ao regulamento expedido pelo Chefe do Poder Executivo; e) os regulamentos de execução, os regulamentos autônomos e os regulamentos delegados; f) a inconstitucionalidade do regulamento que ultrapassa os limites da lei; g) a deslegalização; h) a descentralização administrativa como origem da competência normativa das Agências Reguladoras; i) o ato normativo e os atributos de abstração, generalidade e impessoalidade; j) o decreto legislativo como ato normativo primário; k) o decreto legislativo como expressão da atuação do Congresso Nacional como legislador negativo; l) o efeito ex tunc do decreto legislativo que susta as consequências jurídicas do ato regulamentar; e m) a necessidade de que a atuação das Agências Reguladoras seja legitimada pela sua estrita vinculação às políticas públicas.[I]
Palavras-chave: agências reguladoras; função normativa regulamentar; reserva de lei; reserva de parlamento; reserva de norma; regulamento de execução; regulamento autônomo; regulamento delegado; descentralização administrativa; ato normativo primário; políticas públicas.
Abstract: This work refers to the Congress control of the regulatory agencies rulemaking. It examines: a) the obligation of the Executive to adopt regulations for the enforcement of the law, b) the rule of law, laws of parliament, legal provision as aspects of the principle of legality; c) the regulatory rule making as a form of disciplining administrative discretion; d) the subjection of Regulatory Agencies to executive orders issued by the President; e) implementing regulation, autonomous regulations and delegated regulations; f) the inconstitutionality of ultra vires acts; g) delegalization; h) administrative decentralization as the source of rulemaking of Regulatory Agencies; i) the regulatory act and the attributes of abstraction, generality and impersonality; j) the legislative order as primary regulatory act; k) the legislative order as an instrument of the control of the Executive rulemaking; l) the ex tunc effect of legislative order that suspends the legal consequences of executive rulemaking; m) the need for regulatory agencies to strictly bind to public policies.
Keywords: regulatory agencies; regulatory rulemaking; rule of law; laws of parliament; legal provision; implementing regulation, autonomous regulation; delegated regulation, administrative decentralization; primary normative act; implementing regulation; autonomous regulations; delegated regulations; administrative decentralization; primary regulatory act; public policies.
Sumário: Introdução. 1. Princípios reitores da relação entre a lei e o regulamento e os limites materiais dos atos normativos regulamentares. 1.1. Reserva de lei e competência regulamentar. 1.2. Competência regulamentar do Presidente da República. 1.3. Da delegação da competência regulamentar diretamente às Agências Reguladoras. 1.4. Regulamentos de execução 1.5. Princípios reitores da relação entre a lei e o regulamento de execução. 1.6. Regulamentos autônomos. 1.7. Regulamentos autônomos no Brasil. 1.8. Regulamentos delegados. 1.9. Reserva de Regulamento. 1.10. Inconstitucionalidade do regulamento que exorbita do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. 1.11. Inconstitucionalidade na omissão do poder regulamentar. 2. Deslegalização e leis delegadas. 2.1. O instituto da deslegalização. 2.2. O instituto da delegação legislativa. 2.3. A deslegalização no Brasil. 2.4. Delegação legislativa. 3. A natureza da competência normativa das Agências Reguladoras brasileiras. 3.1. A descentralização administrativa. 3.2. A discussão acerca da competência normativa diferenciada das Agências Reguladoras que possuem sede constitucional. 4. O decreto legislativo como elemento do processo legislativo constitucional. 5. O decreto legislativo como instrumento de controle da atividade normativa do poder executivo. 5.1. Os atributos do ato normativo. 5.2. Efeitos da sustação do ato normativo por decreto legislativo. 5.3. O déficit democrático das Agências Reguladoras. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho vai tratar da possibilidade do fundamento constitucional e dos instrumentos de controle da atividade normativa das Agências Reguladoras pelo Congresso Nacional.
O art. 2º da Constituição prevê que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si. O Estado é governado por esse conjunto de órgãos supremos aos quais incumbe o exercício das funções do Estado e mediante os quais a vontade deste Estado é formulada, expressada e realizada. Governo é o conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade.[1]
O Estado possui três funções básicas: uma legislativa, geradora de atos normativos abstratos e gerais; outra administrativa, geradora de atos concretos destinados ao exercício das atividades administrativas do Estado; e uma terceira jurisdicional, destinada a solucionar os conflitos entre os cidadãos e entre estes e o Estado.
Acompanhando esse entendimento, o Ministro EROS GRAU[2] classifica as funções do Estado segundo o critério material, descrevendo-as da seguinte forma: função normativa, de produção das normas jurídicas (textos normativos); função administrativa de execução das normas jurídicas; função jurisdicional de aplicação das normas jurídicas.
Ao Poder Legislativo foi atribuída, em especial, a função legislativa, ao Executivo foi conferida de forma preponderante a função administrativa e, ao Judiciário, principalmente a função jurisdicional. Todavia, nenhum dos três Poderes exerce com exclusividade a sua função ou o governo do Estado. Além de sua função típica preponderante, os Poderes do Estado exercem funções atípicas, próprias de outro Poder, nos limites autorizados pela Constituição.
Assim, o Poder Legislativo exerce a função legiferante, que se subdivide em três subfunções: a legislativa dita; a representativa, que decorre da escolha do constituinte pelo modelo de Estado Democrático de Direito; e a fiscalizadora dos atos do Poder Executivo. Além da função legiferante, o Legislativo exerce também a função administrativa, pois lhe compete privativamente administrar seus servidores e seus serviços, e, eventualmente, a função jurisdicional, quando, por exemplo, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal participam do processo de julgamento do Presidente e do Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade.[II]
De igual forma, o Poder Executivo exerce a função administrativa e, também, a função legiferante, quando expede atos normativos, e a função jurisdicional quando atua, por exemplo, como juiz administrativo em órgãos como o CADE e as Agências Reguladoras.
No que diz respeito à função normativa, objeto deste trabalho, Miguel REALE[3] ensina que normas ou regras jurídicas são esquemas ou modelos de organização e de conduta. Na lição do Mestre, sendo a norma um elemento constitutivo do direito, “como que a célula do organismo jurídico”, é natural que nela se encontrem a natureza objetiva ou heterônoma e a exigibilidade ou obrigatoriedade daquilo que ela enuncia.
Para a teoria kelseniana[III], o ordenamento jurídico se subordina, a partir da lei constitucional, a uma gradação decrescente e prioritária de expressões de competência. Essa lei constitucional fixa a estrutura e os feixes de competência de todo o sistema normativo. Nesse quadro, escreve MIGUEL REALE[4], “somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito.” Assim, lei no sentido técnico da palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, quando introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades públicas. A lei em sentido formal e material é o ato normativo primário.
O Poder Executivo investe-se na qualidade de legislador, quando atua no processo legislativo iniciando, requerendo urgência e sancionando ou vetando projetos de lei. Além disso, a Constituição permite ao Executivo inovar na ordem jurídica por meio de lei delegada[IV] e de medida provisória[V], pois confere a ambas força de lei em sentido formal e material. O Chefe do Poder Executivo tem também o poder-dever de expedir atos normativos de segundo grau, denominados regulamentos, destinados a permitir a fiel execução da lei.[VI] Destaque-se que essa competência é essencial ao desempenho da função administrativa do Estado, pois permite atender às mudanças que ocorrem no mundo contemporâneo, as quais muitas vezes não podem sujeitar-se ao processo legislativo normal.
A organização do Estado brasileiro sob o sistema capitalista exige que ele regulamente, fiscalize e oriente os agentes econômicos quanto à proteção da livre concorrência e defesa do consumidor.
A Constituição autoriza o Estado brasileiro a intervir no domínio econômico de forma direta ou de forma indireta. O art. 173 estabelece as bases para a atuação direta ao prever que, ressalvados os casos previstos na Constituição, “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” Nessa hipótese, o Estado age como executor de atividades econômicas, intervindo diretamente na economia e na atividade produtiva, na qualidade de Estado Empresário, realizando ações estritamente econômicas ou como prestador de serviços públicos.
No âmbito da atuação direta, o Estado pode explorar a atividade econômica de forma direta ou de forma indireta. Na exploração direta, a atividade econômica se dá por intermédio de um dos órgãos da Administração Pública direta ou de autarquias. Já na exploração indireta, o Estado cria pessoas jurídicas a ele vinculadas e com atribuições específicas de execução de atividades mercantis, como no caso das empresas públicas e sociedades de economia mista.
Por seu turno, a intervenção estatal indireta na ordem econômica está prevista basicamente no art. 174 da Constituição, o qual prevê que, na qualidade de “agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”
O art. 175 da Constituição, ao estabelecer a disciplina da prestação dos serviços públicos, dispõe que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por intermédio de licitação, a prestação de serviços públicos. A norma constitucional prevê, também, que lei ordinária deverá dispor sobre: “I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado.”
No que concerne à definição do que é “serviço público”, a doutrina pátria traz várias conceituações. Em sentido amplo, são tão abrangentes que alcançam praticamente todas as atividades exercidas pela Administração Pública. Em sentido estrito, procuram associar o conceito de serviço público a um regime jurídico de direito público.
A União Europeia utiliza uma definição que nos parece mais eficiente e clara. A legislação comunitária divide os serviços em “serviços de interesse econômico geral” e em “serviços não-econômicos”. Os serviços de interesse econômico geral são atividades de natureza econômica, como os serviços postais, as telecomunicações, os transportes ou o fornecimento de eletricidade e de gás. São os chamados serviços uti singuli, ou seja, de fruição individual. Possuem uma clara dimensão econômica, sendo, por conseguinte, regulados por um quadro legislativo comunitário específico. Estão, além disso, subordinados às regras do mercado interno e da concorrência estabelecidas no Tratado que institui a Comunidade Europeia.
Já os serviços não-econômicos são aqueles chamados de fruição uti universi, serviços públicos gerais, prestados à comunidade como um todo, beneficiando um número indeterminado de pessoas, custeados por meio das receitas gerais do Estado, notadamente a segurança pública, a justiça e os regimes de segurança social obrigatórios, não sujeitos portanto à concorrência de mercado.
Para desempenhar sua função de Estado Regulador, estatuída no art. 174 da Constituição, o Brasil optou por importar o modelo das Agências Reguladoras do direito norte-americano e do direito europeu.
No direito norte-americano o Administrative Procedure Act[VII] (Lei do Procedimento Administrativo) utiliza a expressão agency (agência) em sentido amplo, abrangendo qualquer autoridade do Governo dos Estados Unidos que esteja ou não sujeita ao controle de outra agency, com algumas exceções como o Congresso dos Estados Unidos e os Tribunais.
Nos EUA, as agencies podem ser de dois tipos, em razão da atribuição de poderes normativos. As regulatory agencies (agências reguladoras) possuem competência normativa para inovar no mundo jurídico e afetar direitos, liberdades ou atividades econômicas dos cidadãos. Já as non-regulatory agencies (agências não-reguladoras) possuem atribuições que se limitam à prestação de serviços sociais, que não envolvem atividades de regulação de mercados.
Quanto à estabilidade dos dirigentes, as agencies norte-americanas dividem-se em executive agencies (agências executivas), de livre nomeação e exoneração do Presidente dos Estados Unidos da América, e independent regulatory agencies (agências reguladoras independentes) ou comissions (comissões), cujos dirigentes têm mandato fixo.
O modelo brasileiro também prevê dois tipos de Agências: as Agências Executivas e as Agências Reguladoras.
As Agências Executivas foram idealizadas com a finalidade de conferir uma maior autonomia às pessoas jurídicas da administração direta e indireta, responsáveis por atividades e serviços exclusivos do Estado. A Agência Executiva não é uma nova espécie de entidade da Administração Pública brasileira, mas sim uma qualificação conferida por decreto às autarquias e fundações públicas, por meio do chamado contrato de gestão, previsto no § 8º do art. 37 da Constituição[VIII]. Com a ampliação de sua autonomia de gestão, busca-se oferecer às instituições qualificadas como Agências Executivas melhores condições de adaptação às alterações no cenário em que atuam e de aproveitamento de situações e circunstâncias favoráveis ao melhor gerenciamento dos recursos públicos.[IX]
Já as Agências Reguladoras são autarquias criadas com a finalidade de fiscalizar e regular os agentes do mercado nos setores em que atuam. As Agências Reguladoras exercem funções como a concessão e fiscalização de atividades e direitos econômicos, edição de normas, regras e procedimentos com força vinculante para o setor de sua atuação e imposição de penalidades e interpretação de contratos e obrigações.
No modelo de Estado Regulador escolhido pelo legislador constitucional derivado reformador, é imprescindível que os órgãos reguladores disponham de poder normativo e fiscalizador nos respectivos setores que atuam.
Este trabalho se propõe a esmiuçar a relação entre a lei e o regulamento, os limites materiais dos atos normativos, a deslegalização e a delegação legislativa à luz da Constituição, a natureza da competência normativa das Agências Reguladoras brasileiras e o instrumento legislativo de controle da atividade normativa das Agências.
1. Princípios reitores da relação entre a lei e o regulamento e os limites materiais dos atos normativos regulamentares
A Constituição de 1988 elevou o princípio da legalidade ao vértice de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de um princípio-garantia destinado a preservar o estado democrático de direito. O princípio da legalidade na Constituição engloba três vertentes que são desdobramentos deste instituto: a reserva de lei, a reserva de parlamento e a reserva de norma, as quais se passam a detalhar.
CANOTILHO[5] ensina que a reserva de lei comporta duas dimensões: uma positiva e outra negativa. A dimensão negativa significa que, nas matérias reservadas pela Constituição à lei, está proibida a intervenção de outra fonte de direito diferente da lei, a não ser que se trate de normas meramente executivas da Administração. Segundo CANOTILHO, em termos positivos, a reserva de lei significa que, nessas mesmas matérias, a lei deve estabelecer ela mesmo o respectivo regime jurídico, não podendo declinar de sua competência normativa em favor de outras fontes, numa clara proibição a que o legislador decline de sua competência.
O princípio da reserva legal exige que determinadas matérias só possam ser tratadas por lei em sentido material e, principalmente, por lei em sentido formal, com autonomia para inovar na ordem jurídica. Não se admite, nessa hipótese, a edição de normas secundárias para tratar da matéria.
Já a reserva de parlamento representa uma garantia maior para a sociedade, pois requer que a norma, além de ser lei em sentido formal e material, seja examinada e aprovada pelo Parlamento.[X] A Constituição Federal exige reserva de parlamento para os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional; os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; para a matéria reservada à lei complementar; a legislação sobre a organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, a nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais, os planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos, direito penal e processual penal e processual civil, dentre outros.
Por seu turno, a reserva de norma ou reserva de ato legislativo, no dizer de CANOTILHO[6], possui aspecto mais abrangente que os dois primeiros ao prever que a função normativa não se restringe ao Parlamento. Para CANOTILHO nem sempre a reserva de lei significa que o parlamento deva, ele próprio, disciplinar densificadamente determinadas matérias. Para o Jurista Português em alguns casos, “embora se preveja na constituição a competência do parlamento para legislar sobre determinadas matérias, pode o Governo ser autorizado a emanar decretos-leis incidentes sobre essas mesmas matérias. Fala-se aqui de reserva relativa.”
Assim, segundo esse princípio, a competência para editar normas com regras de direito em sentido material pode ser utilizada pelos Poderes Executivo, Judiciário ou pelo Legislativo.
Especificamente em relação ao Poder Executivo, a Constituição permite no art. 62 que o Presidente da República possa adotar medida provisória para disciplinar matérias sujeitas à reserva de norma, ou de ato legislativo, que não exigem reserva de parlamento. Tais matérias estão expressas no § 1º do mencionado artigo.[XI]
1.1. Reserva de lei e competência regulamentar
O Ministro Carlos VELLOSO[7] ensina que os regulamentos são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, em desenvolvimento editados em desenvolvimento da lei, referentes à organização e ação do Estado. Editados pelo Poder Executivo, visam a tornar efetivo o cumprimento da lei, propiciando facilidades para que a lei seja fielmente executada.
CANOTILHO[8] ensina que os regulamentos exprimem o exercício de uma competência normativa da Administração e alerta que uma “pura transferência da competência normativa genérica (mesmo infra legem) para o executivo contrasta com o princípio democrático e o princípio do Estado de Direito.” Para ele, isso explica o fato de, na atualidade, não se conceberem regulamentos independentes que, pelo menos, não tenham fundamento legal no que respeita à matéria a regular.
O Constitucionalista Português[9] afirma, ainda, que os cuidados a se ter na delimitação da competência regulamentar não dizem respeito apenas aos regulamentos propriamente ditos. Conforme o seu entendimento, esses cuidados devem estender-se aos chamados preceitos ou “comandos administrativos”, ou seja, a toda a série de preceitos emanados das autoridades administrativas superiores, destinados a definir, com mais precisão, os atos e a organização da administração, em todas as suas modalidades (ordens, instruções, circulares, despachos interpretativos, etc.). Isso porque muitas das chamadas prescrições administrativas não têm apenas um conteúdo interno instrumental. São “verdadeiros actos administrativos genéricos ou até regulamentos especiais, devendo sujeitar-se ao controlo jurídico normal.”
Sobre a competência regulamentar, BANDEIRA DE MELLO[10] escreve que o regulamento executivo, único existente no sistema brasileiro, é um meio de disciplinar a discricionariedade administrativa da Administração Pública, quando as normas da lei a executar lei demandem maior detalhamento. Em outras palavras, no entendimento de BANDEIRA DE MELLO, o regulamento “cerceia a liberdade de comportamentos dos órgãos e agentes administrativos para além dos cerceios da lei, impondo, destarte, padrões de conduta que correspondem aos critérios administrativos a serem obrigatoriamente observados na aplicação da lei aos casos particulares.”
A conclusão lógica que deflui desse entendimento é que se houver mais de uma interpretação possível do texto da lei, o Chefe do Poder Executivo poderá optar discricionariamente por aquele que julgar mais conveniente e vincular toda a Administração Pública à sua decisão.
BANDEIRA DE MELLO defende a ideia de que o regulamento somente se justifica quando a lei deixa intencionalmente um espaço para que a Administração exerça a sua discricionariedade, escolha o procedimento, os critérios, e as formas a serem adotadas para o fiel cumprimento da lei.
1.2. Competência regulamentar do Presidente da República
ENTERRIA e Ramon Fernandez[XII], citados por ROMAN, escrevem que hoje em dia não há possibilidade de se governar uma sociedade, com relações que estão se tornando mais complexas, sem dotar o Poder Público de uma ampla gama de poderes, dentre eles, o poder regulamentar que é absolutamente essencial.[11]
O inciso IV do art. 84 da Constituição estabelece a competência do Presidente da República para expedir decretos e regulamentos para a correta aplicação da lei, com força para obrigar e vincular, valendo-se do princípio da reserva de norma. Conforme NUNES LEAL, a competência para expedir regulamentos destinados à execução da lei é uma constante das constituições brasileiras.[12] Com efeito, o art. 48 da Constituição de 1891[XIII], o art. 56 da Constituição de 1934[XIV], o art. 74 da Constituição de 1937[XV], o art. 87 da Constituição de 1946[XVI], o art. 83 da Constituição de 1967[XVII] e o art. 81 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969[XVIII], traziam a competência privativa do Presidente da República para expedir regulamentos.
PONTES DE MIRANDA[13], comentando a Constituição de 1967, ensina que o poder regulamentar de que dispõe o Presidente da República não constitui delegação concedida pelo Poder Legislativo, mas poder que lhe foi outorgado pela própria Constituição e que deve ser exercido "sem criação de regras jurídicas que alterem as leis existentes e sem alteração da própria lei regulamentada".
Segundo o Ministro EROS GRAU[14], a função normativa compreende a funções legislativa e regulamentar e caracteriza-se por “emanar instituições primárias, seja em decorrência de exercício do poder originário para tanto, seja em decorrência do poder derivado, contendo preceitos abstratos e genéricos”. Ainda conforme o mesmo Autor[15], examinando o princípio da legalidade e a competência para editar atos normativos regulamentares é possível distinguir duas situações, a saber: i) a vinculação da Administração às definições da lei; ii) a vinculação da Administração às definições decorrentes, isto é, fixadas em virtude da lei. “No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da reserva da norma (norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar ou regimental)”
É preciso observar que “decreto” é o ato administrativo típico do Chefe do Poder Executivo. LOPES MEIRELLES ensina que decretos são atos administrativos da competência exclusiva do Chefe do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso ou implícito, na lei.[16]
Trata-se, portanto, da forma do ato. Já o vocábulo regulamento implica em matéria, conteúdo. Assim, enquanto o decreto é a forma do ato, o regulamento é o conteúdo material deste mesmo ato.
O Presidente da República pode editar dois tipos de decreto, o singular e o regulamentar. O decreto singular contém regras singulares ou concretas como, por exemplo, nomeação, aposentadoria, abertura de crédito, desapropriação, cessão de uso de imóvel, indulto e perda de nacionalidade. Já o decreto regulamentar é ato normativo subordinado.
1.3. Da delegação da competência regulamentar diretamente às Agências Reguladoras
Entende-se que há possibilidade constitucional da lei autorizar diretamente a Agência Reguladora a expedir regulamentos sobre determinada norma. Isso, no entanto, não afasta ou impossibilita que o Chefe do Poder Executivo, no uso de sua prerrogativa constitucional, inscrita no inciso IV do art. 84, expeça decreto regulamentar, norma regulamentadora primária, disciplinando a matéria com observância obrigatória pela Agência. Com efeito, a competência regulamentar é conferida pela Constituição ao Chefe do Poder Executivo e não pode ser afastada pelo legislador ordinário.
Recentemente, a propósito do art. 21 da Lei nº 11.943, de 2009[XIX], com redação dada pela Lei nº 12.431, de 2011, o Advogado-Geral da União aprovou nota técnica[XX] na qual consignou o entendimento de que a ANEEL tem competência para expedir regulamento destinado a definir os critérios para a prorrogação, até 30/12/2011, da data de início de funcionamento das instalações de geração de energia elétrica, prevista na alínea “a” do inciso I do art. 3º da Lei nº 10.438, de 2002.
Destaque-se que a Nota nº 118/2011/DENOR/CGU/AGU, de 19/12/2011, do Departamento de Análise de Atos Normativos da Consultoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da União, sugeriu a não publicação de Decreto para regulamentar o aludido art. 21 da Lei nº 11.943, de 2009, e propôs a delegação à ANEEL da competência para a regulamentação destes critérios e expedir os atos necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela legislação em vigor.
No caso acima citado, e mesmo na situação de delegação por lei, os atos regulamentares das Agências Reguladoras permanecem como atos regulamentares secundários, ou seja, sujeitos à disciplina de atos regulamentares primários emitidos pelo Chefe do Poder Executivo. Entender de forma diferente equivaleria a conferir às Agências Reguladoras independência normativa em face da supervisão ministerial e da competência constitucional privativa do Presidente da República.[XXI]
O Despacho do Advogado-Geral da União entende que é possível constitucionalmente conferir uma competência atípica às Agências Reguladoras. Atípica porque não conferida pela Constituição. Por óbvio, isso não significa que foi dada competência às Agências para alterar políticas públicas estabelecidas em lei. Assim, qualquer regulamento expedido em função dessa competência atípica deve estar conformada dentro dos estritos limites impostos pela norma legal que está sendo alvo de regulamentação.
Não há possibilidade de conflito de competência entre a disciplina estabelecida pela Agência e o regulamento aprovado pelo Presidente da República, uma vez que se encontram em patamares jurídicos diferentes. Enquanto o regulamento do Chefe do Poder Executivo é norma regulamentar primária, destinada ao “fiel cumprimento da lei”[XXII], os regulamentos da Agência Reguladora são atos normativos secundários, subordinados hierarquicamente aos regulamentos primários.
Assim, se o Presidente da República expedir regulamento, no uso da competência privativa do inciso IV do art. 84 da Constituição, automaticamente estará derrogado qualquer dispositivo de regulamento expedido por Agência Reguladora, no exercício da competência regulamentar atípica, reconhecida no Despacho do Advogado-Geral da União.
Com referência aos regulamentos, a doutrina ensina que estes se dividem, em três tipos: os regulamentos de execução, os autônomos e os regulamentos delegados. O que os distingue é a sua relação hierárquica com a lei, como se passa a demonstrar.
1.4. Regulamentos de execução
Os regulamentos de execução são normas secundárias que se destinam a desenvolver ou pormenorizar o conteúdo de uma lei. O regulamento de execução não se impõe por virtude própria, não pode por isto ampliar ou restringir o âmbito de aplicação da lei. Limita-se a explicitar o conteúdo da lei para que seja executada da maneira correta.
Sobre esses CANOTILHO[17] ensina que são normas emanadas da Administração Publica, no exercício da função administrativa e, regra geral, com caráter executivo e/ou de complementar a lei. “É um acto normativo, mas não um acto normativo com valor legislativo. Como se disse, os regulamentos não constituem uma manifestação da função legislativa, antes se revelam produtos da função administrativa.”
FERRAZ JUNIOR[18] relaciona, também, o chamado regulamento de complementação, que ocorre quando o Poder Legislativo estabelece normas gerais, princípios e critérios diretores, sob cuja égide ocorrerão especificações de natureza executiva que não apenas particularizam o conteúdo de regras gerais, mas, de algum modo, criam regras dentro das linhas fixadas pelo legislador.
1.5. Princípios reitores da relação entre a lei e o regulamento de execução
Segundo RAO[19], o Poder Executivo ao exercer a função regulamentar não deve: criar direitos ou obrigações novas, que a lei não criou; ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações constantes da lei; ordenar ou proibir o que a lei não ordena ou não proíbe; facultar ou vedar de modo diverso do estabelecido em lei; extinguir ou anular direitos ou obrigações que a lei conferiu; criar princípios novos, diversos, alterar a forma que, segundo a lei deve revestir um ato, atingindo por qualquer modo o espírito da lei.
CLÉVE[20] ensina que é possível extrair oito princípios reitores das relações entre a lei e o regulamento de execução. O primeiro princípio é o da primazia ou da preeminência da lei. A lei está hierarquicamente acima do regulamento executivo. Logo, este não pode contrariar a lei. A consequência disso é que o direito brasileiro não tolera regulamentos revocatórios (ab-rogatórios ou derrogatórios) e suspensivos da eficácia de normas legais.
Conforme o mencionado Autor, o segundo princípio é o da precedência da lei. Em sua opinião, o Estado Democrático de Direito exige não apenas uma vinculação negativa, entendida como o dever de não contrariar, mas também uma vinculação positiva, ou seja, o dever de apontar o fundamento legal do regulamento. Assim, de acordo com CLÉVE, não é legítima a edição de regulamento de execução sem a prévia existência de lei, pois o regulamento executivo presta-se à aplicação da lei e não para contrariá-la.
O terceiro princípio relacionado por CLÉVE é o da acessoriedade dos regulamentos de execução. São acessórios em relação à lei porque não podem tomar o seu lugar. O regulamento executivo não pode assumir o papel que a Constituição reservou à lei, tendo em vista que são atos normativos sujeitos à lei e dela dependentes.
Oswaldo Aranha BANDEIRA DE MELLO, citado por CLÉVE[21], escreve em relação ao regulamento executivo que "os seus preceitos constituem regras técnicas de boa execução da lei, para melhor aplicação. Complementar os seus preceitos, neles apoiados, como meros elementos de sua execução, como procedimentos de sua aplicação”. São, ainda, acessórios, segundo Oswaldo Aranha BANDEIRA DE MELLO, porque os seus preceitos formam um direito adjetivo e um direito processual do direito substantivo instituído pela lei.
O quarto princípio é o do congelamento da categoria. Segundo CLÉVE dele decorre que disciplinada determinada matéria por meio de lei, apenas por lei ou por ato de hierarquia superior poderá sofrer alteração. Da hierarquia normativa, extrai-se a regra, segundo a qual, um ato normativo só pode ser revogado (derrogado ou ab-rogado), modificado ou substituído, por meio de outro ato normativo de igual ou superior qualidade formal.
O quinto princípio é o da identidade própria do regulamento de execução. CLÉVE defende que, mesmo expressamente previsto pela lei, as normas regulamentares guardam a hierarquia que lhes é própria, não alcançando, com a simples previsão legal, promoção hierárquica ou deslocamento de regime jurídico (do regulamentar para o específico da lei). Em sua opinião, ainda que o Legislativo pretenda que a norma regulamentar integre o diploma legal, isto não pode ocorrer em face da Constituição. Ao que parece, CLÉVE não admite no direito brasileiro o fenômeno da deslegalização.
O sexto princípio é o da autonomia da atribuição regulamentar. CLÉVE advoga que o regulamento de execução independe de autorização legislativa, pois encontra seu fundamento não na lei, mas na própria Constituição. Segundo o Autor: a) com ou sem previsão legal da edição de regulamento executivo, poderá o Chefe do Poder Executivo regulamentar as leis cuja aplicação desafiem a ação administrativa; b) não pode o Legislador proibir a atuação do poder regulamentar do Presidente da República, do Governador ou do Prefeito; e c) para a manifestação da ação regulamentar, basta a existência prévia de lei não autoexecutável.
O sétimo princípio é o da colaboração necessária entre a lei e o regulamento de execução. CLÉVE propõe que, havendo dispositivos não autoexecutáveis, deverá o Presidente da República regulamentá-los, sob pena, inclusive, de praticar crime de responsabilidade.[XXIII]
O oitavo e último princípio é o da autonomia da lei. CLÉVE, citando PONTES DE MIRANDA e Diógenes GASPARINI, afirma que: a) a vigência da lei não pode ficar condicionada à edição de regulamento executivo e qualquer previsão legal neste sentido fere a Constituição, importando delegação vedada de poder; b) a eficácia (execução) da lei pode ficar condicionada à edição do regulamento, desde que seja fixado prazo para a ação normativa do Executivo, pois o princípio da separação dos poderes não admite deixar-se ao inteiro arbítrio do Executivo a suspensão ou adiamento da execução da lei; c) não previsto prazo para a edição de regulamento, então a lei será eficaz desde a sua vigência em tudo aquilo que não depender do ato complementar e inicial da execução; e d) definido o prazo da regulamentação e esgotado sem sua edição, a lei será eficaz em tudo o que não depender do regulamento executivo, já que antes de vencida a dilação temporal, era totalmente ineficaz.
MOREIRA NETO[22] escreve que, sob o aspecto material, a regulamentação é uma função política, no exercício de ser uma prerrogativa do poder político de impor regras secundárias, em complemento às normas legais, com o objetivo de explicitá-las e de dar-lhes execução, sem que possa definir quaisquer interesses públicos específicos nem, tampouco, criar, modificar ou extinguir direitos subjetivos.
CARVALHO FILHO[23] explica que existe uma variedade de atos que integram a concepção de poder regulamentar e defende que existem diversos graus de regulamentação, conforme o patamar em que se aloje o regulamentador. Segundo o Autor, os decretos e regulamentos executivos podem ser considerados como atos de regulamentação de primeiro grau; outros atos que a eles se subordinem e que, por sua vez, os regulamentem, evidentemente com maior detalhamento, podem ser qualificados como atos de regulamentação de segundo grau, e assim por diante. CARVALHO FILHO cita como exemplo de regulamentação de segundo grau as instruções expedidas pelos Ministros de Estado, que têm por objetivo regulamentar as leis, decretos e regulamentos.
1.6. Regulamentos autônomos
Os regulamentos autônomos extraem sua validade e legitimidade diretamente da Constituição, dispensando a necessidade de lei anterior. Ou seja, são considerados atos legislativos primários e por isto podem inovar diretamente no ordenamento jurídico, criando ou restringindo direitos, pois possuem força impositiva própria.
Sobre o tema, CANOTILHO[24] escreve que o problema de autonomia e, consequentemente, da competência regulamentar autônoma, é de relevância política e com dimensão constitucional. Em outras palavras, os regulamentos autônomos são os regulamentos que pessoas jurídicas de direito público emitem no âmbito da autonomia constitucionalmente reconhecida. Conforme o Autor, os regulamentos autônomos são justificados pela ideia de autonomia, que outra coisa não é senão a expressão do princípio de autoadministração, que permite a essas pessoas jurídicas de direito público abarcar todos os assuntos específicos de sua competência.
Para Oswaldo Aranha BANDEIRA DE MELLO[25] os regulamentos autônomos são verdadeiras leis e são “assim chamados tão-somente porque emanados do Poder Executivo, pois não constituem desenvolvimento de qualquer lei ordinária, mas correspondem ao exercício da prerrogativa de legislar a ele reconhecida com base no Direito Constitucional.”
O Ministro Carlos VELLOSO[26] ensina que o regulamento autônomo, ou independente, é a faculdade regulamentar praeter legem e mesmo contra legem para regular qualquer matéria que constitucionalmente não tenha sido reservada aos órgãos legislativos. Segundo o Ministro Carlos VELLOSO, os regulamentos autônomos (independentes) subdividem-se em internos, que abrangem os regulamentos orgânicos e regimentais, e externos, que engloba os regulamentos de polícia administrativa.
1.7. Regulamentos autônomos no Brasil
Em regra, a função regulamentar no Brasil estará sempre adstrita à lei anterior, ou seja, os regulamentos de execução. Excepcionalmente, admite-se regulamentos autônomos de efeitos internos, como na hipótese do inciso VI do art. 84 da Constituição.
PONTES DE MIRANDA[27] escreve que mesmo na hipótese da regulamentação do Poder Legislativo prever a permissão ao Executivo para revogar, alterar leis, ou criar direitos, deveres, pretensões, obrigações, ou ações, tal delegação de poderes é nula.
Corroborando esse entendimento, DI PIETRO[28] assevera que no “direito brasileiro, excluída a hipótese do art. 84, VI, com redação dada pela EC nº 32, só existe o regulamento de execução, hierarquicamente subordinado a uma lei prévia, sendo ato de competência privativa do Poder Executivo”. Assim, também na opinião de DI PIETRO[29], o regulamento de execução não pode inovar na ordem jurídica, criar direito, obrigação, proibição, medida punitiva, devendo limitar-se a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração.
A Constituição não admitia regulamentos autônomos até a alteração no inciso VI do art. 84 da Constituição[XXIV]. A partir da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, passou-se a permitir ao Presidente da República, sem a necessidade de lei anterior, editar decretos para extinguir funções ou cargos públicos, quando vagos, e alterar a organização e funcionamento da administração pública federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Para muitos, a EC nº 32 corrigiu uma distorção da Constituição Federal. Enquanto a Carta permite ao Legislativo[XXV] e ao Judiciário[XXVI] organizarem-se a si próprios, o Poder Executivo necessitava de autorização legislativa, mesmo nos casos em que não havia aumento de despesa e nem criação ou extinção de órgãos públicos. A partir da alteração constitucional, o decreto tornou-se o único instrumento normativo apto a versar sobre as atribuições e a estrutura dos Ministérios e órgãos do Poder Executivo, desde que não implique o aumento de despesa ou extinção ou criação de órgãos.
Além da hipótese do suso inciso VI do art. 84 da CF, o STF reconhece a competência do Poder Executivo para regulamentar autonomamente ou independentemente matérias afeitas unicamente a sua economia interna. Segundo GALVÃO, esses regulamentos guardam semelhança com o regulamento de execução, pois qualquer disposição sobre a organização da Administração derivará, em última análise, da busca pela consecução de algum fim legal.[30]
A jurisprudência do STF tem precedente que reconhece a competência regulamentar autônoma interna ao Poder Executivo. Cite-se o julgamento da ADI/MC 1.946-DF[31] que buscou a declaração de inconstituicionalidade de Portaria do Ministro da Previdência Social, por considerar que a mesma atuava, no caso concreto, na função de lei federal, tendo em vista que o ato normativo do Ministro previa a regulamentação da EC nº 20, de 1998. Naquela assentada o STF decidiu que Portaria ministerial não pode regulamentar norma constitucional e que se a mesma vem a ser baixada é de ser interpretada como de efiácia apenas interna. Em outras palavras, a Corte reconheceu a existência do regulamento independente de efeitos internos, ou seja, restrita ao âmbito da Administração Pública e destinada somente a orientar os servidores.[XXVII]
1.8. Regulamentos delegados
Os regulamentos delegados, também denominados autorizados ou habilitados, são aqueles emanados do Poder Executivo, em decorrência de delegação legislativa para prover matéria sujeita à reserva de lei. Tal como os regulamentos autônomos, os regulamentos delegados podem inovar na ordem jurídica, pois há uma ampliação da atribuição regulamentar, limitada, porém, à matéria e aos termos fixados na delegação.
A diferença é que o regulamento autônomo retira sua competência diretamente da Constituição, ao passo que o regulamento delegado retira sua competência do ato de delegação de poderes aprovado pelo Parlamento.
No Brasil, a Constituição estabelece que o Congresso Nacional aprovará uma Resolução delegando poderes e fixando o prazo e o alcance da delegação para o Poder Executivo promulgar Leis Delegadas. Por consequência, ultrapassados os contornos dessa autorização, a norma regulamentar delegada será inconstitucional.
Ribeiro BASTOS[32] afirma quanto aos regulamentos delegados, que estes “não se amoldam ao nosso direito, porque se trata de transferir competência legislativa, o que só se pode pela única via constitucionalmente aceita, que é a da lei delegada”.
1.9. Reserva de regulamento
Conforme o inciso IV ao art. 84[XXVIII] e o art. 174[XXIX], ambos da Constituição, o poder regulamentar é exercido essencialmente através de regulamentos expedidos pelo Poder Executivo. Não se confundem a competência regulamentar prevista no inciso IV da Constituição com o princípio da “reserva de regulamento”. A competência regulamentar refere-se à expedição de atos normativos abstratos, secundários e destinados a complementar o conteúdo da lei e à sua fiel execução. Já o princípio da “reserva de regulamento” implica que a lei não pode ultrapassar um determinado nível de pormenorização ou particularização, de modo a deixar sempre ao Presidente da República, como titular do poder regulamentar, um nível de complementação normativa relativamente a cada uma das leis.
Também não há, fora da hipótese do inciso VI do art. 84, uma limitação de matérias que a lei pode tratar, tal como ocorre na Constituição Francesa. Com efeito, o art. 34 da Constituição Francesa estabelece que a lei trate dos direitos civis, das garantias fundamentais, das restrições a serem impostas em razão da defesa nacional, da nacionalidade, do estado e capacidade das pessoas, do regime matrimonial, do direito de herança, da determinação dos crimes e delitos e das sanções aplicáveis, da anistia, da criação de novos níveis de competência e do estatuto dos magistrados. Fora isso, todas as demais matérias serão tratadas por regulamento, segundo o art. 37 da Constituição Francesa[XXX].
Sobre a reserva de competência regulamentar, a Corte Constitucional Portuguesa consolidou jurisprudência no sentido de que a “a reserva de competência regulamentar do Governo redundaria necessariamente num limite da competência legislativa da Assembleia da República quanto a certas matérias, limite que a Constituição não permite deduzir perante um preceito como o da alínea c) do artigo 161º que expressamente atribui à Assembleia da República competência para fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas ao Governo. E estas, as competências legislativas reservadas ao Governo, não são outras senão as respeitantes à sua própria organização e funcionamento (nº 2 do artigo 198º da Constituição)”[XXXI].
A Constituição brasileira de 1988 não restringe o âmbito da competência legislativa geral do Poder Legislativo e nem confere ao Executivo uma reserva de competência originária regulamentar em certas matérias, a exceção do mencionado inciso VI do art. 84, introduzido pela Emenda Constitucional nº 32.
1.10. Inconstitucionalidade do regulamento que exorbite do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa
Por se tratarem de normas secundárias, os regulamentos e os decretos não podem invadir a competência da lei que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ultrapasse esse limite não tem validade e é suscetível de impugnação.
A discussão hoje posta é: Quando o regulamento desborda de seus limites estamos diante de uma inconstitucionalidade direta ou de ofensa constitucional indireta, reflexa, quando a lei é constitucional, mas a norma regulamentadora desobedece ao inciso IV do art. 84 da Constituição.
A jurisprudência tradicional do STF é no sentido de que se há necessidade de se fazer uma ponte entre a norma regulatória e o direito ordinário, não se estaria diante de uma inconstitucionalidade, mas de uma ilegalidade. Assim, ao se entender que os atos normativos das Agências Reguladoras têm caráter de regulamento de execução, não se poderia buscar a impugnação destes pela via da declaração de inconstitucionalidade, seja pela via concentrada ou pela difusa.
Esse entendimento está sofrendo questionamentos especialmente em razão do elevado grau de produção normativa das Agências Reguladoras. O Ministro EROS GRAU[33] defende que a ilegalidade de um regulamento importa, em última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a força obrigatória que lhe é própria.
Nessa linha, Roman defende que no caso do regulamento ultrapassar os limites da lei o que se verifica não e tão-só ilegalidade e mera inconstitucionalidade indireta. Há, em verdade, ilegalidade e inconstitucionalidade concomitante e o ato legal e apenas aparentemente interposto. “Afinal, é a própria Constituição que determina que o regulamento obedeça ao texto legal”.[34]
O Ministro GILMAR MENDES[35], em Palestra proferida no Seminário “As Agências Reguladoras”, organizado pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (ESMAF) e pelo Centro de Memória Jurídica (MEMORY), relembrou que HANS KELSEN, em sua célebre palestra sobre a Jurisdição Constitucional, dizia que não via como separar o controle constitucionalidade das leis e o controle de constitucionalidade do ato regulamentar. “Se se afirma que o regulamento há de se fazer intra-legem, dentro do quadro da lei, o regulamento que o desborda não será apenas um regulamento ilegal, mas também inconstitucional.”
Todavia, o Ministro GILMAR MENDES reconhece que, no sentido tradicional do termo, as Agências Reguladoras assumem as funções administrativas de órgãos da Administração e exercem, também, um poder regulamentar. Entende o Ministro GILMAR MENDES que, diante desse universo normativo, é de se esperar que o STF venha a reconhecer o caráter meramente regulamentar da disposição e, assim, venha a afirmar a inadmissibilidade do exame em sede de controle abstrato de normas, porque estaríamos diante de um modelo tipicamente regulamentar.
O Ministro GILMAR MENDES[36] alerta, contudo, que as atribuições legais das Agências são muitas das vezes definidas dentro de marcos normativos mais ou menos amplos, o que suscitaria a discussão da “justeza da delegação, e, ainda, a questão do ato de concretização desta delegação”. Para o Ministro GILMAR MENDES[37], algumas dessas delegações são tão amplas que já se permitiria afirmar estar-se diante do “desenho de algum tipo de regulamento autônomo”.
Afirma o Ministro GILMAR MENDES[38] que o poder regulatório, em algumas áreas, é tão amplamente reconhecido, que não se questiona se a norma regulatória está a observar um marco institucional determinado, sob o argumento de que a norma decorre do mister institucional da Agência. Arrematando a questão, o Ministro escreve que, nessa hipótese, “seria quase um estelionato intelectual dizer-se que se está diante de um regulamento de execução, o que disso não se trata”. Para o Ministro GILMAR MENDES “ficou possível identificar que o Tribunal não deveria adotar a jurisprudência tradicional e deveria tratar dentro do universo dos atos autônomos, suscetíveis de discussão no âmbito do controle de constitucionalidade.”
Particularmente, entede-se que haverá sempre inconstitucionalidade quando o regulamento inovar o sistema jurídico e adentrar nos limites reservados à lei. Isso porque a Constituição distribui de forma exauriente a competência das diversas espécies normativas. Assim, será inconstitucional o ato normativo que tratar de matéria estranha à competência fixada na Constituição. Da mesma forma, se o regulamento adentra no limite de qualquer dos atos legislativos relacionados no art. 59 da Constituição será inconstitucional e não meramente ilegal.
Não se pode olvidar que, com o advento da ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, prevista no art. 102, § 1°, da Constituição, e regulamentada pela Lei nº 9.882, de 1999, a discussão sobre a impossibilidade do STF apreciar a inconstitucionalidade reflexa está mitigado. De fato, na ADPF, o exercício do controle concentrado é mais amplo, abrangendo a inconstitucionalidade direita e a indireta, atos normativos autônomos e subordinados e até mesmo atos normativos anteriores à Constituição de 1988[XXXII].
1.11. Inconstitucionalidade na omissão do poder regulamentar
Há inconstitucionalidade tanto no regulamento que ultrapassa o limite da lei, quanto na omissão da Administração Pública em sua função regulamentar. Com efeito, a Constituição prevê no inciso LXXI do art. 5º a possibilidade de se manejar o mandado de injunção sempre que a “falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
O mandado de injunção, conforme José Afonso da SILVA[39], constitui remédio constitucional destinado a garantir direitos, liberdades ou prerrogativas inviabilizados pela falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição.
A Constituição prevê que os legitimados passivos do mandado de injunção devem ser os entes estatais que são responsáveis pela edição de normas regulamentares. O mandado de injunção pode ser impetrado no STF[XXXIII], quando a competência regulamentar for do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de uma destas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais superiores ou do próprio STF; e no STJ[XXXIV], quando a omissão for de entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.
A jurisprudência do STF é no sentido de que o mandado de injunção pressupõe a existência de preceito constitucional dependente de regulamentação por outra norma, de categoria infraconstitucional, e a demonstração, no caso concreto, da inviabilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais por ausência da norma regulamentadora infraconstitucional. Nessa linha de entendimento, o STF, após o julgamento dos Mandados de Injunção 721/DF e 758/DF, passou a adotar o posicionamento de que essa garantia constitucional destina-se à concretização, caso a caso, do direito constitucional não regulamentado[40].
A ausência de norma regulamentadora pode também ser controlada pelo STF, por meio da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, na qual, se for considerada ausente a medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias[XXXV].
Como se observa, a Constituição considera inconstitucional a omissão em regulamentar a lei, pois, em última análise, seria o mesmo que atribuir ao Poder Executivo o poder negar efetividade à lei, por meio de sua inércia, ofendendo o princípio da separação dos poderes.
2. Deslegalização e leis delegadas
O modelo de Estado normativo e regulador da atividade econômica, previsto no art. 174 da Constituição, fez aumentar o número de normas editadas para cumprir as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Essa exacerbação normativa trouxe à baila a discussão sobre a natureza das normas regulatórias editadas pelas Agências.
Segundo CARVALHO FILHO[41], o Estado Regulador atua basicamente elaborando normas, reprimindo o abuso do poder econômico, interferindo na iniciativa privada, regulando preços e controlando o abastecimento.
A resposta a essa indagação passa pelo exame da questão se a Constituição admite a deslegalização explícita ou implícita ou delegação legislativa em favor das Agências Reguladoras para editar normas nas respectivas matérias da ordem econômica, em face da necessidade de aperfeiçoamento da estrutura regulatória.
2.1. O instituto da deslegalização
Deslegalizar consiste na possibilidade de o Poder Legislativo transferir, por meio de lei, competência sua para que outro órgão do Executivo ou do Judiciário possa tratar da matéria que seria de sua atribuição, de forma inovadora, por meio de ato administrativo normativo.
CANOTILHO[42] ensina que, tendo como limite as matérias constitucionalmente reservadas à lei, existe um fenômeno denominado de deslegalização ou delegificação, que acontece quando “uma lei, sem entrar na regulamentação da matéria, rebaixa formalmente o seu grau normativo, permitindo que essa matéria possa vir a ser modificada por regulamento.”
Para JUSTEN FILHO[43], a deslegalização consiste na possibilidade de o Parlamento estabelecer princípios gerais e diretrizes sobre determinada matéria que não seja reserva absoluta de lei, porém já disposta em lei formal. E, nessa mesma lei deslegalizadora (superveniente), atribuir competência delimitada à Administração Pública para editar regulamento, o qual acabaria por ab-rogar a lei formal que estava vigente.
Por seu turno, ARAGÃO[44] assevera que o instituto da deslegalização constitui fenômeno inteiramente distinto das manifestações de poder regulamentar. Nestas (poder regulamentar), o legislador, no uso da sua liberdade para dispor sobre determinada matéria, atribui um largo campo de atuação normativa à Administração, que permanece, em todo caso, subordinada às leis formais.
Quanto ao fenômeno da deslegalização, ARAGÃO escreve, citando MOREIRA NETO, que se trata da retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei passando-as ao domínio do regulamento.
Já ENTERRÍA[45] leciona que a norma que deslegaliza determinada matéria não é uma lei de regulação material, pois não é uma norma diretamente aplicável como norma agendi([XXXVI]). Portanto, não está sujeita a ter seu conteúdo explicitado por meio de regulamentação. Na opinião de ENTERRÍA, a norma deslegalizadora limita-se a admitir que os regulamentos tratem de matéria antes reservada à lei. Em outras palavras, permite-se que inovem, criem ou suprimam direitos.
Nessa mesma linha, BARROSO[46] esclarece que, no caso da deslegalização, o ato normativo expedido pela Administração cria direitos e obrigações em caráter primário, isto é: sem subordinação à lei, revogando inclusive legislação anterior por acaso existente e que dispusesse de forma diversa.
2.2. O instituto da delegação legislativa
CLÉVE[47] escreve que o termo “delegação” pode ser compreendido como o deslocamento de uma função pertencente a um centro emanador de atos para outro que, a partir daí, exercerá, concomitantemente, a mesma tarefa, mas com certas limitações. Na delegação legislativa ocorre o seguinte fenômeno: “a Lei Fundamental confere ao ato normativo do Executivo natureza de ato legislativo”.
Concernentemente ao limite da delegação, CANOTILHO[48] observa ser necessário “especificar o objecto da autorização, e não indicar apenas, de um modo vago, genérico ou flutuante, as matérias que irão ser objecto de decretos-leis delegados (princípio da especialidade das autorizações legislativas).”
Para BARROSO[49], a fronteira entre o exercício tradicional do poder regulamentar e o que mais modernamente se passou a denominar de delegação legislativa é bastante tênue. Conforme o Autor, a expressão delegação legislativa é empregada, em geral, para descrever hipóteses nas quais o legislador fixa determinados parâmetros – mais ou menos gerais – e autoriza o Poder Executivo a disciplinar de forma mais detalhada um tema. Assim, alega BARROSO que, embora o ato expedido com fundamento na “delegação legislativa” seja inferior à lei e a ela vinculado, o espaço de criação outorgado ao Executivo pode ser substancialmente mais amplo aqui do que no exercício tradicional do poder regulamentar.
Em resumo, o mecanismo da delegação consiste na concessão feita pelo Poder Legislativo, como Poder delegante, em favor do Executivo, Poder delegado, dentro de limitações previamente especificadas pelo Parlamento, para que o delegado possa expedir normas que inovem na ordem legal, sem a necessidade de participação do Congresso Nacional.
2.3. A deslegalização no Brasil
A Constituição de 1988 não admite a deslegalização na forma explicitada pelos autores anteriormente mencionados. A Constituição[XXXVII] atribuiu ao Congresso Nacional o poder/dever de zelar pela preservação de sua competência legislativa decorrente da atribuição normativa dos outros Poderes. Coerente com esse dispositivo, o art. 25 da ADCT revogou todos os dispositivos legais que atribuíssem ou delegassem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, em especial, no que se refere à ação normativa.
Alguns, no entanto, defendem que ocorre no Brasil um fenômeno que chamam de deslegalização implícita, que acontece quando o legislador utiliza-se de conceitos jurídicos indeterminados que exigem a discricionariedade do Poder Executivo para sua complementação.
FERRAZ JUNIOR[XXXVIII] reconhece a existência, de fato e não de direito, de outro tipo de delegação chamada por ele de delegação inominada, com diferentes formas de atribuição de competência normativa delegada, caracterizando-se, em geral, por ser fundada unicamente na legislação infraconstitucional, que parece amoldar-se ao sentido da deslegalização implícita acima descrito.
ARAGÃO[50], um dos que admite a possibilidade de deslegalização implícita, afirma que o princípio da legalidade é atendido “pela lei que qualifica a atividade como serviço público, titularizando-a com exclusividade ao Estado, reconhecendo, de forma mais ou menos explícita, os poderes regulatórios sobre a atividade”.
Os defensores dessa tese citam o voto do Ministro EROS GRAU, no julgamento do HC 85060/PR[51], como exemplo do reconhecimento da deslegalização implícita pelo STF. Naquela assentada, o Ministro afirmou que há clara distinção entre as matérias alcançadas pela reserva da lei em sentido estrito, daquelas alcançadas apenas pelo princípio da legalidade previsto no art. 5º, inciso II, da Constituição, ou seja, pela reserva da norma. Arremata o Ministro EROS GRAU afirmando que no “enunciado do preceito – ninguém será obrigado a fazer ou senão deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei – há visível distinção entre as seguintes situações: [i] vinculação às definições da lei e [ii] vinculação às definições decorrentes – isto é, fixadas em virtude dela – de lei. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da reserva da norma [norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar ou regimental].”
Segundo o Ministro EROS GRAU, na hipótese de reserva da norma, quando as definições se operam em atos normativos decorrentes de previsão implícita ou explícita em lei, o princípio estará sendo devidamente acatado. Em sua opinião, o princípio da legalidade do inciso II do art. 5º da Constituição expressa reserva de lei em termos relativos e não impede a atribuição, explícita ou implícita, ao Poder Executivo para, no exercício da função normativa, definir obrigação de fazer ou não fazer que se imponha aos particulares e os vincule. “Se há matérias que não podem ser reguladas senão pela lei – v.g.: não haverá crime ou pena, nem tributo, nem exigência de órgão público para o exercício de atividade econômica sem lei, aqui entendida como tipo específico de ato legislativo, que os estabeleça – das excluídas a essa exigência podem tratar, sobre elas dispondo, o Poder Executivo e o Judiciário, em regulamentos e regimentos.”
O Ministro EROS GRAU escreve ainda em seu voto que, na hipótese de reserva da norma, não há delegação de competência legislativa e, pois, inconstitucionalidade. Quando o Executivo expede atos normativos de caráter não legislativo (regulamentos), não o faz no exercício da função legislativa, mas no desenvolvimento de função normativa. O exercício da função regulamentar não decorre de delegação de função legislativa e não envolve, portanto, derrogação do princípio da divisão dos poderes.
Quanto à definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei, matérias estas às quais não cabe regulamento, o Ministro EROS GRAU escreve que devem ser colhidas diretamente no texto constitucional.
Data vênia das opiniões dissonantes, entende-se que a utilização de conceitos jurídicos indeterminados não implica a deslegalização implícita e que a decisão do STF no HC 85060/PR não a reconheceu.
A existência de uma margem de indeterminação relativa é inerente à positivação de normas jurídicas. O legislador não consegue determinar no texto da norma, de forma completa e exaustiva, todo o conteúdo correspondente à aplicação individual de sua vontade normatizada. Por isso, o legislador lança mão de vocábulos e conceitos jurídicos indeterminados ou imprecisos para que estes sejam complementados, pela via da interpretação, pelo operador do direito encarregado de aplicá-los. Não se trata de deslegalizar, mas de permitir ao intérprete buscar a mens legis e adaptar a norma ao caso concreto.
O Ministro Carlos VELLOSO[52] escreve que as leis devem, segundo a melhor técnica, ser redigidas em termos gerais, não só para abranger a totalidade das relações que nela incidem, senão, também, para poderem ser aplicadas, com flexibilidade correspondente, às mutações de fato das quais estas relações resultam. Por isso, escreve o Ministro Carlos VELOSO, as leis não devem descer a detalhes. Os regulamentos é que deverão ser detalhistas e conter prescrições práticas com a finalidade de completar a lei em seus detalhes, sem les alterar nem o texto e nem o espírito.
Quando o legislador utiliza conceitos eminentemente abertos, dotados de uma pluralidade de significações, como segurança jurídica ou excepcional interesse público, não está deslegalizando a matéria e autorizando o Poder Executivo a enclausurar estes conceitos de forma definitiva em uma norma administrativa.
Os conceitos jurídicos indeterminados exprimem muitas vezes princípios jurídicos. E os princípios, nas palavras de BONAVIDES[53], são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever/ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.
Diferentemente das regras, que são aplicáveis a uma situação jurídica determinada, os princípios abrangem uma série de situações jurídicas. A regra é editada para ser aplicada a uma situação jurídica determinada. Já os princípios, ao contrário, são genéricos, porque comportam uma série indefinida de aplicações. ALEXY[XXXIX] escreve que um princípio determina que algo deve ser realizado, tanto quanto possível, tendo em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. Portanto, princípios não contêm mandamentos definitivos, mas apenas prima facie. Por isso mesmo, segundo o Autor, os princípios apresentam razões que podem ser deslocadas por outras razões contrapostas.
A Constituição Federal de 1988 é dotada de grande quantidade de conceitos jurídicos indeterminados. São cláusulas abertas que adquirem densidade normativa a partir da atividade do intérprete o qual se utiliza de conceitos políticos, sociais, e outros, e de sua percepção da realidade para delinear a configuração da norma ao caso concreto.
Unes PEREIRA[54], citando ENTERRÍA, escreve que a técnica dos conceitos jurídicos indeterminados é comum em todas as esferas do direito, porém a matéria ganha complexidade quando se trata de normas do direito administrativo, já que a aplicação inicial desses conceitos é feita pela Administração. No entanto, não se deve confundir essa aplicação prévia com o uso de poder discricionário.
Prosseguindo, Unes PEREIRA[55] afirma que a interpretação e aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados pela Administração constituem uma atividade estritamente vinculada à lei, podendo ter várias intenções, menos a de atribuir ipso facto um monopólio de interpretação e aplicação à Administração. “Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand[XL] legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite”.
O fato de o legislador valer-se em diversas situações de conceitos jurídicos indeterminados implica que não era conveniente ou possível estabelecer outro tipo de determinação mais precisa. Isso, contudo, não significa que o legislador transferiu implicitamente competência constitucional sua para o Poder Executivo tratar da matéria de forma inovadora, por meio de ato administrativo normativo.
Há uma imbricação necessária entre a utilização de conceitos jurídicos indeterminados e o que se convencionou denominar de discricionariedade técnica ou discricionariedade imprópria.
Inicialmente cumpre destacar que não se confundem os conceitos de discricionariedade administrativa e discricionariedade técnica. A discricionariedade administrativa se apresenta quando a lei deixa à Administração a possibilidade de, no caso concreto, escolher entre duas ou mais alternativas, todas válidas perante o direito, segundo critérios de oportunidade e conveniência. Já a discricionariedade técnica implica a delimitação do conceito indeterminado utilizado pela lei com base em critérios técnicos extraídos da ciência.
Por isso, alguns entendem que, na discricionariedade técnica, não existe propriamente discricionariedade, pois a solução de questões técnicas deve realizar-se conforme as regras e os conhecimentos técnicos, estando, portanto, fundada em critérios extrajurídicos[XLI].
DI PIETRO ensina que no direito brasileiro, a questão da discricionariedade técnica pode ser analisada em relação aos atos administrativos propriamente ditos e em relação aos atos normativos de órgãos ou entidades da Administração Pública direta ou indireta.
Especificamente em relação à atividade normativa das Agências Reguladoras, DI PIETRO[56] assinala que a “sistemática norte-americana, de deixar os conceitos indeterminados para definição pela Administração Pública, já vem sendo adotada, no Brasil, desde longa data, por inúmeros entes da Administração Pública, que exercem função normativa, como o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central, a Secretaria da Receita Federal, a Comissão de Valores Mobiliários, dentre inúmeros outros.”
Nessa linha de raciocínio, a discricionariedade técnica não envolve decisão política, porque não há liberdade de escolha para a Administração que se limita a definir um conceito técnico que já está contido na lei e cujo conteúdo vai ser apenas explicitado no regulamento.
Para a Professora DI PIETRO[57], na discricionariedade técnica existe uma solução única a ser adotada com base em critérios técnicos fornecidos pela ciência. Segundo a Jurista, quando um ente administrativo edita atos normativos definindo conceitos indeterminados, especialmente os conceitos técnicos e os conceitos de experiência, não está exercendo poder regulamentar, porque este supõe a existência de discricionariedade administrativa propriamente dita, a qual, na sua opinião, não existe. “Se a lei fala, por exemplo, em produtos perigosos para a saúde, a agência pode baixar ato normativo definindo esses produtos ou mesmo elaborando uma lista dos mesmos; isto não se insere no poder regulamentar, porque se trata de conceito técnico cujo conteúdo é dado por conhecimentos científicos de que a agência dispõe para fazê-lo.”
Por definição, a lei é impregnada de abstração e generalidade, cabendo ao aplicador do direito adaptar sua hipótese de incidência ao caso concreto, ou seja, interpretá-la e, segundo BEVILAQUA, “interpretar a lei é revelar o pensamento que anima suas palavras”.
FERRAZ JUNIOR[XLII], tratando da possibilidade constitucional da delegação inominada acima referida, escreve que se esta pudesse ser admitida, suscitaria ademais um problema de delimitação entre lei e regulamento, problema já conhecido no que se refere aos regulamentos de execução, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo.
Assim, no direito constitucional brasileiro não se admite a deslegalização explicita ou implícita. A atividade normativa do Poder Executivo que complementa conceitos jurídicos indefinidos não inova na ordem jurídica. Limita-se a interpretar e explicitar a mens legis que pode variar no tempo, de acordo com a evolução da sociedade.
JUSTEN FILHO[58] escreve que a “impossibilidade material” e a inconveniência social” de exaustiva regulação legislativa da atividade regulatória fundamentam a concessão de um poder normativo específico às Agências para regular essas atividades. Esse conjunto normativo dá origem a um regime denominado de estatutário, caracterizado por uma “menor densidade normativa” das leis aplicáveis, porque maior o campo reservado à avaliação discricionária do administrador.
Os regulamentos das Agências Reguladoras integram sem duvida o direito positivo, mas não possuem força de lei. São expressão do principio da reserva de norma, pois são atos normativos terciários subordinados a lei e ao regulamento de execução do Chefe do Poder Executivo.
2.4. Delegação legislativa
A Constituição prevê a possibilidade de o Congresso Nacional delegar as atribuições previstas no art. 48, pelo uso do instrumento da lei delegada[XLIII]. Trata-se de norma equiparada à lei ordinária, elaborada pelo Presidente da República e votada pelo Congresso Nacional. A norma delega competência constitucional do Poder Legislativo, mediante Resolução[XLIV], que especifica o conteúdo e os termos do exercício desta delegação. Por comando expresso da Constituição[XLV], a lei delegada não pode versar sobre atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, dentre outros.
Cabe ao Congresso Nacional estabelecer o limite material dos atos legiferantes do Poder Executivo e o prazo do exercício da delegação. O limite temporal é essencial para evitar que a competência constitucional do Poder Legislativo seja usurpada, em flagrante ofensa ao princípio da separação e independência dos poderes do Estado.
No julgamento da ADI 425[59], o STF considerou inconstitucional a medida provisória que delegara competência do Poder Legislativo ao Chefe do Poder Executivo, por meio de norma genérica, em razão da violação a princípios constitucionais sensíveis. Também no julgamento do RE nº 264.289/CE[60], de que foi Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, a Corte considerou inválida determinada delegação exatamente porque não acompanhada de qualquer parâmetro.
De acordo com o texto constitucional, não se admite a delegação legislativa diretamente do Poder Legislativo às Agências Reguladoras.
3. A natureza da competência normativa das Agências Reguladoras brasileiras
A produção normativa das Agências Reguladoras advém da descentralização administrativa e não de delegação legislativa, nos moldes do inciso IV do art. 59 da Constituição, ou no instituto da deslegalização. Assim sendo, limita-se a editar regulamentos de execução, pois se destinam a desenvolver ou pormenorizar o conteúdo da lei ou do decreto regulamentar.
O Brasil importou o nome e o modelo das Agências Reguladoras basicamente do ordenamento jurídico norte-americano. Entretanto, é preciso cautela ao procurar definir o papel das Agências brasileiras a partir da tradição dos EUA, tendo em vista as diferenças constitucionais entre os dois países.
DI PIETRO[61] assinala que no direito norte-americano o vocábulo agência tem sentido amplo, que abrange qualquer autoridade do governo dos Estados Unidos, esteja ou não sujeita ao controle de outra agência, com exclusão do Congresso e dos Tribunais, conforme consta expressamente da Lei do Procedimento Administrativo (Administrative Procedure Act).[XLVI]
O modelo norte-americano concebe a existência de basicamente dois tipos de agências, as regulatory agencies (agências reguladoras) e as non-regulatory agencies (agências não reguladoras). A distinção refere-se à delegação de poderes normativos pelo Congresso. No caso, às regulatory agencies são atribuídas pelo Parlamento norte-americano competências normativas capazes de afetar direitos, liberdades ou atividades econômicas dos administrados. Já as non-regulatory agencies são assemelhadas às agências executivas do direito brasileiro, pois se destinam à prestação de serviços sociais.
JUSTEN FILHO escreve que a tradição norte-americana conduziu a uma ampliação muito significativa da competência normativa das Agências. A Constituição norte-americana permite ao Poder Legislativo estabelecer um núcleo normativo extremamente reduzido, com ampla autonomia normativa para esses órgãos. Apesar dessa liberdade legislativa, o Congresso norte-americano controla a atividade das Agências daquele país, podendo rever as normas regulatórias e até mesmo revogá-las. Exemplo dessa competência é o Congressional Review Act (Contract with America Advancement Act[XLVII] of 1996).[XLVIII]
Também o Poder Executivo norte-americano controla as normas das Agências. A Executive Order[XLIX] 12498 – Regulatory planning process,[L] por exemplo, obriga as agências a informar, no início do ano, quais são e qual é o conteúdo dos atos normativos que pretende adotar. Já a Executive Order 12291 – Federal regulation[62] destina-se: a reduzir o ônus dos regulamentos existentes e futuros, a aumentar a accountability[LI] das ações regulatórias, a permitir a supervisão presidencial do processo regulatório, a minimizar a duplicidade e o conflito de normas reguladoras e a assegurar regulamentos razoáveis e bem-fundamentados.[LII]
No âmbito da União Europeia,[LIII] o Parlamento Europeu está discutindo, por meio de um grupo interinstitucional, a necessidade de conceber um regulamento comum para as agências regulatórias europeias para definir as suas competências e das instituições da UE em face destas agências. Para tanto, o Parlamento Europeu aprovou a Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de outubro de 2008, que trata da estratégia para a resolução dos aspectos institucionais das agências reguladoras comunitárias, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 21/1/2010[63].
Nesse documento, o Parlamento Europeu ressalta que, se à primeira vista as agências reguladoras podem ser equiparadas a “micro-instituições”, estas devem estar sujeitas às “macro-incidências” do Governo da UE.
A avaliação das agências, segundo o Parlamento Europeu, deve envolver os seguintes pontos:
– indicação dos domínios em que se deverá centrar a avaliação horizontal;
– fixação de critérios objetivos para avaliar a necessidade da existência de agências, tendo em conta eventuais soluções alternativas;
– avaliação regular dos trabalhos e dos resultados alcançados pelas agências, incluindo a avaliação externa por meio, notadamente, de análises custo/benefício;
– avaliar se a opção pela fórmula da agência é mais econômica do que o desempenho das mesmas atividades pelos próprios serviços da Comissão;
– avaliação dos benefícios eventualmente perdidos devido ao exercício de certas atividades por parte de agências de regulação, e não pelos serviços da Comissão;
– tomada de medidas destinadas a reforçar a transparências das agências, em especial por meio da aproximação das suas características estruturais fundamentais;
– definição dos limites da autonomia das agências, do controle exercido sobre estas e da natureza e do alcance das responsabilidades da Comissão pelas respectivas atividades, tendo em conta o fato de que a Comissão, ao ser chamada a prestar contas, não poderá exceder a competência que lhe foi designada;
– designação de representantes do Conselho e da Comissão para os órgãos de controle das agências e audição dos candidatos perante a comissão parlamentar competente;
– designação dos órgãos executivos das agências, notadamente dos seus respectivos diretores, e definição do papel do Parlamento nesta matéria;
– necessidade de uma abordagem normalizada entre as agências para a apresentação das suas atividades durante o exercício em questão, bem como das respectivas contas e relatórios de gestão orçamentária e financeira;
– um requisito que vincule os diretores de todas as agências a emitirem e assinarem uma declaração de fiabilidade, incluindo eventuais reservas, se for o caso;
– um modelo harmonizado, aplicável a todas as agências e organismos descentralizados, estabelecendo uma distinção clara entre eles:
– um relatório anual destinado ao público em geral sobre as atividades, o trabalho e os resultados do organismo;
– as demonstrações financeiras e o relatório sobre a execução do orçamento;
– um relatório de atividades semelhante aos relatórios de atividades dos diretores-gerais da Comissão;
– uma declaração de fiabilidade assinada pelo diretor do organismo, acompanhada de quaisquer reservas ou observações que este considere adequado indicar à autoridade de quitação;
– definição dos princípios para determinar se as taxas e pagamentos devem ser fonte de financiamento das agências, e em que medida; e
– análise permanente da pertinência das agências existentes e estabelecimento de critérios que permitam decidir se uma agência reguladora cumpriu seu objetivo e pode ser extinta.
A Resolução do Parlamento considera indispensável instaurar regras e princípios mínimos comuns relativamente à estrutura, ao funcionamento e ao controle do conjunto das agências reguladoras, independentemente de sua natureza.
Salienta, também, a necessidade de promover o controle parlamentar da Constituição e do funcionamento das agências reguladoras, o qual deverá basear-se em especial:
– na apresentação do relatório anual ao Parlamento pelas próprias agências;
– na possibilidade de convidar o diretor de cada agência, quando de seu processo de nomeação, a comparecer perante a comissão parlamentar competente; e
– na concessão pelo Parlamento da quitação pela execução das agências que recebem financiamento comunitário.
A citada Resolução do Parlamento sublinha a necessidade de exercícios de avaliação e controle periódicos e coordenados – evitando situações de duplicação e sobreposição -, e de avaliar regularmente as agências comunitárias existentes, debruçando-se prioritariamente sobre a sua rentabilidade.
O documento observa, ainda, que a análise deve responder a algumas questões básicas atinentes à relação custos/benefícios e que deverá utilizar, dentre outros, os seguintes critérios:
– Relevância: em que medida foram os objetivos previstos no regulamento de criação da agência em apreço determinantes do nível de despesa pública autorizado no orçamento?
– Eficácia: que efeitos (impactos) foram possíveis obter com a atividade da agência?
– Eficiência (rentabilidade): com que produtividade foram os recursos mobilizados convertidos em resultados? Foram os efeitos (esperados) obtidos a um custo razoável, em particular no tocante aos meios de pessoal empregados e à organização interna?
Por fim, o Parlamento Europeu salienta que, dado o impacto orçamentário das agências, a Comissão Europeia tem de demonstrar de modo convincente que a instituição de agências constitui a opção mais econômica, eficiente e apropriada para a execução das políticas europeias no presente e no futuro próximo.
Já no Brasil, a Constituição não admite o modelo norte-americano. Os princípios da reserva de lei e da reserva de parlamento implicam a necessidade do ato legislativo disciplinar extensamente a matéria. Segundo JUSTEN FILHO[64], “os dados fundamentais da hipótese de incidência e do mandamento normativo apenas podem ser veiculados por meio de lei. Não se admite que a lei estabeleça um padrão abstrato, preenchível pelos mais variados conteúdos, e remeta à agência seu desenvolvimento autônomo.”
3.1. A descentralização administrativa
A competência normativa das Agências advém da descentralização administrativa, característica do regime autárquico previsto no Decreto-lei 200, de 1967. As leis de criação de cada uma das Agências Reguladoras brasileiras constituíram estes órgãos como autarquias sob regime especial. Em outras palavras, possuem um regime autárquico especial. Assim, ainda que sob regime especial, as Agências Reguladoras brasileiras são, em sua essência, autarquias.
A lei reserva às Agências Reguladoras o papel de regular os respectivos setores, dentro dos limites impostos pela norma. Sem lei autorizativa, a atividade normativa das Agências não pode limitar, criar direitos ou invadir o patrimônio dos agentes do mercado e dos consumidores.
Corroborando esse entendimento, ARAGÃO[65] afirma que a lei pode conferir poder regulamentar a titular de órgão ou à entidade da Administração Pública distinta da Chefia do Poder Executivo e que este fenômeno, nas palavras de SAN THIAGO DANTAS, representa a descentralização do poder normativo do Executivo. Ainda segundo ARAGÃO, o poder de baixar regulamentos – de estatuir normas jurídicas inferiores e subordinadas à lei – é uma atribuição constitucional do Presidente da República que a lei pode conferir, em assuntos determinados, a uma autarquia.
Já MORAES[66] leciona que a moderna separação dos poderes mantém a centralização governamental nos poderes políticos do Estado – Executivo e Legislativo – que deverão fixar os preceitos básicos, as metas e as finalidades da Administração Pública, porém, exige maior descentralização administrativa para a consecução desses objetivos. Nessa linha, preceitua MORAES que o Parlamento permanece com a centralização governamental, pois decidirá politicamente sobre a delegação e seus limites às Agências Reguladoras e poderá permitir a descentralização administrativa, autorizando o exercício do poder normativo para a consecução das metas traçadas na lei.
O Decreto-lei 200, de 1967, introduziu no Brasil um modelo de descentralização administrativa[LIV] em que a prestação do serviço público é deslocada, distribuída ou transferida para outros entes federados ou outras pessoas jurídicas.
A norma fez uma clara distinção entre a Administração Pública direta, centralizada, exercida diretamente pela União, Estados e Municípios, valendo-se de uma estrutura piramidal com ministérios, secretarias, departamentos etc.[LV], e a Administração Pública indireta, descentralizada, exercida por outras pessoas jurídicas que não se confundem com os entes federados.
O art. 4º do Decreto-lei 200 estipula em seu inciso II[LVI] que a Administração Indireta compreende as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas, todas dotadas de personalidade jurídica própria.
Em relação às autarquias, o Decreto-lei 200/67 define-as como órgãos autônomos, criados por lei para executar atividades típicas da Administração Pública[LVII].
Conforme a doutrina mais abalizada, as autarquias dividem-se em comuns ou ordinárias, que se sujeitam ao regime geral quanto à administração de seu pessoal, de seus bens e de seus serviços, e autarquias especiais ou sob regime especial, que são aquelas a que a lei instituidora confere privilégios específicos e aumenta sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública[67].
As Agências Reguladoras nada mais são do que autarquias especiais, caracterizadas pela estabilidade do mandato e pelo rito diferenciado de escolha de seus dirigentes. Com efeito, a Constituição atribui ao Senado Federal competência privativa para aprovar previamente, por maioria absoluta e voto secreto, após arguição em sessão pública, a escolha de titulares dos cargos de diretores das agências reguladoras[68].
BANDEIRA DE MELLO[69] ensina que a despeito do caráter auxiliar, a autarquia não é simples delegada de funções públicas. Dispõe, segundo o Autor, de titularidade sobre os interesses e atividades que lhe foram outorgadas pela ordem jurídica. Portanto, não exerce administração em nome do Estado, mas em nome próprio. Sua situação em relação à atividade pública desempenhada diverge radicalmente da situação do particular no exercício de atividade idêntica, porque, ao contrário deste, a autarquia exerce direitos seus, próprios, perseguindo interesses que a lei lhe atribui como pertinentes à sua capacidade.
É imprescindível que as Agências Reguladoras disponham de poder normativo, sem o qual estariam incapacitadas de agir, sendo que seus atos administrativos e/ou normativos possuem presunção de legitimidade e de legalidade.
É bem verdade que a produção normativa brasileira exacerbou-se com a fase do Estado regulador[LVIII], quando, além da demanda normativa já existente, acresceu-se a necessidade de regulação de atividades econômicas de extrema importância estratégica decorrentes da desestatização de vários setores da economia.
As leis de criação das Agências Reguladoras, de um modo geral, possuem baixa densidade normativa, transferindo para estes órgãos a competência para normatizar o setor regulado. De fato, as Agências Reguladoras exercem, com amparo na lei, poderes de natureza normativa propriamente dita e poderes de natureza concreta como a solução de conflitos de interesses, de polícia administrativa (preventiva, repressiva e investigativa) e de fomento da atividade por ela regulada.
BANDEIRA DE MELLO[70] ensina que a competência normativa das Agências Reguladoras atém-se aos aspectos estritamente técnicos, não podendo se contrapor às leis ou aos princípios constitucionais, "sendo aceitáveis apenas quando indispensáveis, na extensão e intensidade requeridas para o atendimento do bem jurídico que legitimamente possam curar e obsequiosas à razoabilidade”.
A baixa densidade normativa não significa, entretanto, delegação do poder legiferante do Congresso Nacional para as Agências Reguladoras ou deslegalização. Em nossa Constituição, o princípio da separação de poderes é considerado cláusula pétrea e nem mesmo o Constituinte derivado pode alterá-lo, sob pena de atacar a própria integridade da independência dos poderes, notadamente o exercício, pelo Parlamento, da função primária que lhe foi atribuída pela Constituição: legislar.
Como dito antes, o poder regulamentar é exercido não apenas pelo Chefe do Poder Executivo por meio de decretos, que são atos regulamentares primários, subordinados à lei, mas, também, pelo Poder Executivo como um todo, de acordo com sua competência constitucional ou legal, hierarquizados na forma de atos de natureza secundária, terciária, quaternária, etc., destinados a complementar o conteúdo do decreto e dos demais atos normativos (portarias, ordens de serviço, instruções normativas, etc.)
Segundo CUÉLLAR[71], reconhece-se atualmente que o poder regulamentar pode ser exercido não somente pelo Presidente da República, mas também pelos ministros de Estado e por outros órgãos e entidades da Administração Pública indireta, no seu campo de atuação, como as Agências Reguladoras e as autarquias comuns.
O STF corrobora o entendimento da circunscrição da competência normativa do Poder Executivo aos limites da lei. No julgamento de medida cautelar na ADI 1668-DF, ajuizada contra a Lei nº 9.472, de 1997, a qual dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações e prevê a criação e o funcionamento da ANATEL, arguiu-se, dentre outras questões, a inconstitucionalidade dos incisos IV e X do art. 19[LIX], os quais estabelecem a competência da Agência para expedir normas regulamentares quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e de prestação de serviços no regime privado.
O fundamento da inconstitucionalidade arguida pelos autores da ADI 1668-DF seria a ofensa ao inciso XI do art. 21 da Constituição, pois a matéria telecomunicações deveria ser regida por lei e não por decreto do Presidente da República e muito menos por ato normativo da ANATEL. Segundo os autores, nos incisos IV e X do art. 19 da Lei nº 9.472, de 1997, o legislador comum teria delegado à Agência a expedição de normas específicas dos serviços, olvidando o fato do Constituinte haver vinculado ao Congresso Nacional a disciplina da matéria.
O STF deferiu em parte o pedido de medida cautelar, para dar interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, no sentido de que a competência da ANATEL para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado[72].
A decisão do STF[73] entendeu que as Agências Reguladoras podem e devem ter função normativa desde que absolutamente subordinadas à legislação e aos decretos do Presidente da República, que são normas de segundo grau de caráter regulamentar.
Logo, o poder normativo conferido às Agências Reguladoras é de caráter técnico, por excelência, suplementar e não pode ultrapassar ou contrariar a lei e nem usurpar a competência de inovar no direito já existente.
Cumpre destacar que, no âmbito do Poder Executivo, a Advocacia Geral da União uniformizou no Parecer nº AC-51, de 12/6/2006[74], o entendimento de que não há suficiente autonomia para as Agências Reguladoras que lhes possa permitir ladear, mesmo dentro da lei, as políticas e orientações da administração superior, visto que a autonomia de que dispõem serve para a precípua atenção aos objetivos públicos.
Conforme o mencionado Parecer[75], todas as prerrogativas especiais concedidas pela legislação às Agências Reguladoras, incluindo sua autonomia decisória, são apenas instrumentos para que elas possam atuar de forma adequada no desempenho das atividades regulatórias que tenham sido expressamente conferidas a elas por lei. Ultrapassado esse limite, as Agências Reguladoras estão automaticamente desinvestidas dessas salvaguardas excepcionais. E não poderia ser diferente, considerando o atual regime constitucional da organização do Estado brasileiro.
Assim, o limite material da competência normativa das Agências Reguladoras é a lei, o decreto e o regulamento expedido pelo Chefe do Poder Executivo. Nesse aspecto, ressalte-se que o limite material das normas reguladoras das Agências está adstrito tanto à lei especial, que pretende explicitar, quanto às leis gerais. Em outras palavras, o ordenamento jurídico de primeiro grau como um todo impõem barreiras à atuação normativa das Agências. Assim, a Agência ao expedir uma norma, por exemplo, sobre o consumo de energia elétrica deve observar os limites das leis específicas que preveem a fruição do mencionado serviço público, bem como as normas do Código de Defesa do Consumidor e todas as que lhe são correlatas.
O ordenamento jurídico nacional não admite que a Agência Reguladora, sob o propósito de regular a fruição e as regras da atividade econômica do setor que regulam inove na ordem jurídica. Não se pode permitir que essas autarquias com o propósito, por exemplo, de regular o direito dos consumidores de determinado serviço público, contrarie os dispositivos do CDC.
Entender de forma diferente seria reconhecer o direito das agências de inovar na ordem jurídica e revogar direitos garantidos em lei.
3.2. A discussão sobre a competência normativa diferenciada das Agências Reguladoras que possuem sede constitucional
O inciso IX do art. 21[LX] e o inciso III do § 2º do art. 177[LXI] da Constituição preveem a criação de órgãos reguladores das telecomunicações e do petróleo, respectivamente. Em razão dessa previsão constitucional, alguns defendem que as Agências Reguladoras desses setores, no caso a ANATEL e a ANP, seriam juridicamente dotadas de um regime especial que lhes conferiria uma autonomia e um poder normativo diferenciado.
Esse entendimento não se sustenta, uma vez que o art. 174 da Constituição estabelece de maneira genérica que o Estado é o agente normativo e regulador da atividade econômica. De igual forma, o inciso IX do art. 21 e o inciso III do § 2º do art. 177 da Constituição são genéricos e fazem menção apenas a um órgão regulador, sem definir o modelo a ser adotado e sem conferir poderes originais especiais, diferenciados dos atribuídos pela legislação infraconstitucional aos demais órgãos reguladores.
Assim, nada impediria a opção do legislador por um órgão regulador que integrasse a Administração Pública direta ou por entidade que fosse constituída sob a forma de autarquia, em regime especial ou não. Cite-se, no caso, a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), criada pela Lei nº 12.304, de 2010, como empresa pública, sob a forma de sociedade anônima, para a gestão dos contratos de partilha de produção e a gestão dos contratos para a comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União. Essa entidade vai funcionar, na prática, como uma Agência Reguladora dos contratos do Pré-sal[LXII].
A conclusão lógica a que se chega é que qualquer desses órgãos poderá ser extinto por lei ordinária. De fato, nada impede que o legislador ordinário transfira a competência das Agências Reguladoras para órgãos integrantes da estrutura dos ministérios e extinga as atuais Agências, inclusive a ANATEL e a ANP. O que o legislador ordinário não está autorizado constitucionalmente a fazer é transferir ou extinguir a competência do Estado como agente normativo e regulador.
DI PIETRO ressalta que a competência reguladora das Agências, inclusive das que possuem fundamento constitucional, como é o caso da ANP[LXIII] e da ANATEL[LXIV], é limitada "aos chamados regulamentos administrativos ou de organização, só podendo dizer respeito às relações entre os particulares que estão em situação de sujeição especial ao Estado"[76].
Assim, todas as Agências Reguladoras brasileiras são autarquias especiais, com competência normativa semelhante, indiferentemente de previsão constitucional expressa.
4. O decreto legislativo como elemento do processo legislativo constitucional
A ordem jurídica deriva da Constituição e os atos de nível inferior retiram da Carta Constitucional sua legitimidade. FERREIRA FILHO[77] afirma que da Carta Constitucional “derivam outros atos que podem ser ditos primários, porque são os que, em sua eficácia, aparecem como o primeiro nível dos atos derivados da Constituição”. Caracterizam-se por serem atos fundados unicamente na Constituição.
A própria Constituição explicita quais são esses atos normativos de primeiro nível. O art. 59 da Constituição relaciona as espécies normativas primárias, portanto capazes de inovar na ordem jurídica, passíveis de serem produzidas pelo processo legislativo federal[LXV]. A norma define em numerus clausus como atos normativos primários: as emendas constitucionais (art. 60); as leis ordinárias e complementares (arts. 61, 63 a 67 e 69); as leis delegadas (art. 68); as medidas provisórias (art. 62); os decretos legislativos e as resoluções.
Existe hierarquia apenas entre as emendas constitucionais e os demais tipos de atos normativos relacionados no suso art. 59. Entre as demais espécies normativas não existe hierarquia, mas reserva de matéria. Assim, uma lei ordinária não pode tratar de matéria afeita à lei complementar, não por ser inferior hierarquicamente, mas porque a Constituição exige para aquela matéria lei complementar, que possui quórum de aprovação especifico.
O texto constitucional define o rito de elaboração e a reserva de matéria de cada um desses atos normativos primários, a exceção das resoluções e dos decretos legislativos. AFONSO DA SILVA[78] ensina que o decreto legislativo é prioritariamente destinado aos atos do Parlamento que tenham efeitos externos com o fito de regular matéria de competência do Congresso Nacional e de suas Casas. Na mesma linha, MORAES[79] escreve que os decretos legislativos são atos normativos primários veiculadores da competência exclusiva do Congresso Nacional, cabendo ao Parlamento discipliná-lo, pois o seu rito não é tratado pela Constituição.
No dizer de Afonso da SILVA[80], a diferença entre a competência “exclusiva” e a competência “privativa” é que aquela é indelegável e esta, ao contrário, é delegável. Alerte-se, no entanto, que o mencionado doutrinador reconhece que falta rigor técnico à Constituição nesse assunto. Logo, a definição se a competência atribuída é privativa ou exclusiva decorre muito mais de sua materialidade do que do texto constitucional.
Coerentes com essa posição, os Regimentos Internos das duas Casas do Congresso Nacional disciplinam o rito e as matérias a serem veiculadas pela via do decreto legislativo. Assim, na forma do art. 109 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados[LXVI] e do art. 213 do Regimento Interno do Senado Federal[LXVII], o decreto legislativo é a espécie normativa que tem como conteúdo as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, especialmente as previstas no art. 49 da Constituição. Ainda conforme os mencionados Regimentos Internos, o projeto de decreto legislativo pode ser apresentado por qualquer deputado, senador ou comissão de qualquer das Casas do Congresso Nacional, quando não seja de iniciativa privativa da Mesa Diretora ou de outro colegiado específico.
Quanto ao rito, o RICD e o RISF estabelecem que a proposta de projeto de decreto legislativo tramita igual a qualquer projeto de lei ordinária, devendo ser examinado e aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal por maioria simples[LXVIII]. Observe-se, porém, que o decreto legislativo não está sujeito à sanção do Presidente da República, pois é expressão da competência exclusiva do Congresso Nacional. Assim, aprovado nas duas Casas ele entra em vigor tão logo promulgado pelo Presidente do Congresso Nacional.
O decreto legislativo possui duas características básicas que o distinguem. Primeiro, diferentemente do decreto do Chefe do Poder Executivo, que é ato normativo secundário, o decreto legislativo é ato normativo primário e não está subordinado à lei. Pode assim criar direito novo, inovar no mundo jurídico. Segundo, a lei e o decreto legislativo estão posicionados no mesmo degrau formal da hierarquia do ordenamento jurídico. O que os diferencia é a reserva de matéria de cada um. Nesse sentido, Ribeiro BASTOS[81] leciona que o decreto legislativo possui a mesma força hierárquica da lei, sendo certo, contudo, que um não revoga o outro, porque têm campos materiais próprios não existindo, portanto, área comum onde possam atuar e, assim, chocar-se.
O decreto legislativo é utilizado para, dentre outros objetivos, ratificar atos internacionais; sustar atos normativos do Executivo; julgar anualmente as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo; autorizar o Presidente da República e o Vice-Presidente a se ausentarem do país por mais de 15 dias; apreciar a concessão de emissoras de rádio e televisão; autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de recursos minerais em terras indígenas; e para regular as relações jurídicas decorrentes da reprovação de medida provisória, conforme o art. 62 da Constituição[LXIX].
Observe-se, contudo, que, no decreto legislativo que susta regulamento do Poder Executivo, o Parlamento atua como legislador negativo, semelhante ao que ocorre com o STF na declaração de inconstitucionalidade[LXX], protegendo e defendendo sua competência constitucional contra investidas do Executivo.
Logo, o decreto legislativo aprovado com amparo no inciso V do art. 49 da Constituição inova no sistema jurídico não para criar direito, mas antes para afastar normas extraídas de atos normativos do Poder Executivo.
5. O decreto legislativo como instrumento de controle da atividade normativa do Poder Executivo
A Constituição reservou ao Poder Legislativo, como órgão da soberania Estatal e delegado da vontade popular, a função legislativa, que é essencialmente política e que se subdivide em três subfunções: a legislativa, como centro emanador de normas; a representativa, que decorre da escolha do Constituinte pelo modelo estado democrático de direito; e a fiscalizadora, por meio da qual exerce a crítica dos atos do Poder Executivo e a defesa do interesse coletivo.
A Constituição definiu que as normas de auto-organização, de funcionamento do processo legislativo, no âmbito das Casas do Parlamento e das demais competências constitucionais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, aí incluídas as de fiscalização, estariam previstas nos respectivos Regimentos Internos.
O regimento interno é, por definição, o conjunto de normas editadas nas quais estão disciplinadas o gerenciamento, o trâmite e a conduta das entidades.
O STF reconhece a soberania de pronunciamentos e de deliberações como competência constitucional discricionária exclusiva do Poder Legislativo. Assim, os Regimentos Internos extraem sua competência diretamente da Constituição e, por isto, têm status hierárquico próprio. O STF tem proclamado que as normas do RICD e RISF são imunes à crítica judiciária, pois se circunscrevem no domínio interna corporis[82].
A Constituição estabelece que é atribuição exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa, em face da atribuição normativa dos outros Poderes[LXXI].Essa atribuição permite ao Parlamento sustar os atos normativos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa[LXXII].
Destaque-se que a prerrogativa de sustar os atos normativos do Poder Executivo esteve presente também na Constituição de 1934, no art. 91[LXXIII], que permitia ao Senado Federal examinar, em confronto com as respectivas leis, os regulamentos expedidos pelo Executivo, e suspender a execução dos dispositivos ilegais.
Trata-se do poder/dever de exercer o controle político de constitucionalidade dos atos normativos do Poder Executivo. Conforme estabelecido anteriormente, não se admite o manejo da competência dos incisos V e XI do art. 49, em razão de ato político administrativo de efeito concreto, desprovido de atributos de abstração, generalidade ou normatividade e destinados a disciplinar relações jurídicas em abstrato.
O Parlamento recebeu dos cidadãos não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal[83].
No caso do inciso V do art. 49, resta claro tratar-se de competência exclusiva, pois o poder/dever do Poder Legislativo de controlar os atos do Executivo, suspendendo-lhes a eficácia normativa, decorre do sistema de checks and balances[LXXIV] previsto na Constituição.
A norma exige a presença de duas circunstâncias para atrair a competência do Parlamento, a saber: que o ato tenha conteúdo normativo e que tenha ocorrido o desbordamento do poder regulamentar ou dos limites da delegação conferida ao Poder Executivo.
Concernentemente a definição dos atos administrativos normativos que ultrapassam o limite do poder regulamentar, a ultra vires doctrine[LXXV] (doutrina ultra vires) do direito norte-americano defende que o exercício do poder administrativo é ultra vires[LXXVI] não só se não autorizado em substância, mas também quando é formalmente irregular, impropriamente motivado, ou viola regras de direito natural
O RICD e o RISF estabelecem que o decreto legislativo é o instrumento legal adequado para sustar os efeitos normativos de ato do Poder Executivo, da Administração Pública direta e indireta, aí incluída, por óbvio, os atos das Agências Reguladoras.
O STF já decidiu que o abuso do poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Poder Executivo atua contra legem ou praeter legem, expõe o ato transgressor ao exercício, pelo Congresso Nacional, da competência exclusiva que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição[84].
Entende a excelsa Corte que o decreto legislativo também expressa função normativa tal qual a lei, apesar de limitar-se materialmente à suspensão da eficácia de ato oriundo do Poder Executivo[85].
A competência conferida ao Congresso Nacional só deve ser utilizada em atos de natureza normativa, independente do nomem iuris adotado. Assim, qualquer que seja o tipo de ato, deve-se examiná-lo para identificar a existência dos atributos da impessoalidade e da generalidade abstrata que lhe conferem a natureza normativa autônoma.
Isso porque não se admite a sustação de ato administrativo concreto e sem conteúdo normativo, sob pena de inconstitucionalidade por quebra do princípio da separação dos Poderes. Os atos estatais de efeitos concretos não são passíveis de fiscalização, em tese, quanto à sua legitimidade constitucional. “No controle abstrato de normas visa-se, tão somente, à tutela de ordem constitucional, sem vinculações quaisquer a situações jurídicas de caráter individual ou concreto”[86].
No julgamento do RE 486.748/PI, cujo Relator foi o Ministro Menezes Direito, a 1º Turma do STF, por maioria, decidiu que é inconstitucional o decreto legislativo que susta ato jurídico perfeito. No caso, o decreto legislativo estadual anulou a adesão de servidores ao Programa de Demissão Voluntária (PDV), por vislumbrar coação nos desligamentos, e determinou a reintegração dos mesmos ao serviço público. No caso, STF decidiu que o decreto legislativo não poderia prosperar, porquanto invadira a competência específica do Poder Executivo que dá cumprimento à legislação própria instituidora desse programa especial de desligamento espontâneo. Ademais, enfatizou-se que, na presente situação, o Poder Legislativo estadual praticara ato próprio do Poder Judiciário ao reconhecer que teria havido coação, independentemente da provocação dos interessados.
Também no julgamento de medida cautelar na ADI 834/MT, quando se analisou a possibilidade da edição de Decreto Legislativo para sustar concorrência instaurada pelo Poder Executivo, o STF externou o entendimento de que o Decreto legislativo que susta a realização de licitação pública convocada pelo Estado, ainda que formalmente legislativo, não se impregna de essência normativa, precisamente porque seu conteúdo veicula determinação materialmente administrativa. Em razão disso a Corte concedeu a medida cautelar, com base na “necessidade de preservar a incolumidade da ordem politica local e de manter, no plano jurídico-institucional, a harmonia e a independência entre os Poderes Executivo e Legislativo do Estado-membro.”[87]
Ao analisar os regulamentos e as exigências da legalidade, ROMAN assevera que é preciso distinguir os conceitos e o regime jurídico do ato administrativo e do regulamento. Segundo ROMAN a distinção mais obvia é que o ato administrativo é mera aplicação do ordenamento e o regulamento forma uma parte secundária do ordenamento jurídico. “O ato administrativo é concreto, pessoal e individualizado; o regulamento é geral, impessoal e abstrato.” 97 ROMAN acrescenta que não se deve confundir ato administrativo e função administrativa, ou competência para editar regulamentos. O regulamento é norma de direito objetivo e o ato administrativo não. “O regulamento, portanto, integra o ordenamento jurídico objetivo, enquanto o ato administrativo não. O regulamento e abstrato e tem eficácia erga omnes, já o ato administrativo, não”.[88]
No julgamento da ADI 1.552/DF, proposta pelo Governador do DF contra o Decreto Legislativo nº 111/96, da Câmara Legislativa do DF, que sustou o Decreto nº 17.128/96, o qual regulamenta o teto remuneratório dos servidores públicos locais, o Ministro Marco Aurélio, assinalou que o decreto legislativo só pode sustar o ato normativo que contraria a lei, não estender-se ao controle do ato normativo que ataque diretamente a Constituição.
5.1. Os atributos do ato normativo
A melhor técnica para identificar se um ato possui atributos normativos é utilizar os elementos já sedimentados pelo STF na jurisprudência, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pois tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário agem na declaração de inconstitucionalidade e na sustação de atos do Poder Executivo, respectivamente, como legislador negativo.
Nesse sentido, a Corte firmou entendimento de que o ato passível de ser examinado pelo STF quanto à sua constitucionalidade deve, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, possuir coeficiente de generalidade abstrata e de impessoalidade.
No julgamento da ADIn nº 643, o Ministro CELSO DE MELLO pontificou que o controle concentrado de constitucionalidade tem uma só finalidade, qual seja: propiciar o julgamento, em tese, da validade de um ato estatal de conteúdo normativo, em face da Constituição, viabilizando, assim, a defesa objetiva da ordem constitucional. Para tanto, o Ministro ensina que não se tipificam como normativos os atos estatais desvestidos de abstração, generalidade e impessoalidade, não importando a forma. No caso da ADIn nº 643, o Ministro CELSO DE MELLO não enxergou atributos normativos porque, não obstante formalmente legislativo, o ato impugnado atuou como “instrumento concretizador da translação dominial dos bens móveis que enuncia, definindo, em sua extensão subjetiva, o único destinatário desse gesto de liberdade estatal: uma entidade de classe revestida de personalidade de direito privado.”[89]
Esse mesmo entendimento foi reiterado no julgamento da ADIn n.º 842[90], quando o Ministro CELSO DE MELLO reafirmou que o objeto “do controle normativo abstrato, perante a Suprema Corte, são, em nosso sistema de direito positivo, exclusivamente, os atos normativos federais, distritais ou estaduais. Refogem a essa jurisdição excepcional de controle os atos materialmente administrativos, ainda que incorporados ao texto de lei formal”.
No julgamento da ADI 1937 MC-QO, o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator, reafirmou que é da jurisprudência do STF que só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelo menos, de generalidade.
Cite-se como exemplo o julgamento da ADI nº 2.321-MC/DF[91] contra Resolução do TSE que reconheceu o direito dos servidores ativos e inativos da Secretaria da Corte Eleitoral à diferença de 11,98% em sua remuneração, oriunda da conversão em URV dos valores expressos em cruzeiros reais. Naquela assentada, o STF decidiu que a abstração, a generalidade, a autonomia e a impessoalidade “qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais.” No mesmo sentido examine-se a ADI n° 2.195/MT[92].
O julgamento da ADPF nº 186, por sua vez, é o maior exemplo da pouca importância que o STF dá ao nomem iuris do ato impugnado. Nesse decisum a Corte reconheceu conteúdo normativo na Ata da Reunião Extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UNB, realizada no dia 6/6/2003, e no Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial, que resultaram na instituição de cotas raciais na UNB.
Destaque-se que, no direito comparado, a noção de ato normativo sujeito ao controle de constitucionalidade também é ampliada. Com efeito, o Tribunal Constitucional Português há muito abandonou o conceito puramente formal de lei e desenvolveu uma acepção mais ampla de norma, simultaneamente formal e funcional, por ele designado de conceito de norma funcionalmente adequado. O respectivo alcance foi precisado na jurisprudência do Tribunal, como é exemplo o Acórdão n.º 26/85[93].
O Tribunal Constitucional Português entende, na aplicação desta nova concepção de norma, que o controle de um ato jurídico depende da verificação cumulativa de alguns requisitos: primeiro, a sua natureza prescritiva, designadamente, a fixação de uma regra de conduta ou de comportamento; em segundo lugar, o seu caráter heterônomo; em terceiro, o seu caráter vinculativo, ou seja, seu conteúdo obrigatório.
Assim, segundo a jurisprudência da Corte Portuguesa, podem ser objeto de controle de constitucionalidade variados tipos de atos normativos. Para além das normas públicas compreendidas num sentido tradicional (regras de conduta gerais e abstratas, vinculativas e editadas por entidades públicas), podem ter sua constitucionalidade aferida outros atos jurídicos públicos de efeito externo vinculativo de caráter individual e concreto e mesmo as normas produzidas por entidades privadas no exercício de um poder normativo público[LXXVII].
Assim, qualquer ato do Poder Executivo dotado de abstração, imperatividade e normatividade pode ser sustado pelo Congresso Nacional pela adoção de decreto legislativo.
Ressalte-se que não podem ser sustados pelo Congresso Nacional os atos políticos de governo, as decisões jurisdicionais, os atos administrativos de efeitos concretos, os atos jurídicos de direito privado das empresas públicas e das sociedades de economia mista, tal como os contratos e as decisões de caráter privado, ainda que contrários à Constituição.
Quanto aos efeitos do decreto legislativo, entende-se que se destina a sustar as consequências jurídicas do ato e não a revogar o ato em si. Em razão do princípio da separação dos poderes, não poderia o Parlamento extinguir do mundo jurídico ato de competência exclusiva do Poder Executivo.
5.2. Efeitos da sustação pelo decreto legislativo
A competência prevista no inciso V do art. 49 da Constituição é uma espécie de controle de constitucionalidade político repressivo, ou a posteriori. Assim, o decreto legislativo inibe as consequências jurídicas do ato impugnado desde o seu nascedouro, com efeitos ex tunc e erga omnes, tal como ocorre na declaração de inconstitucionalidade pelo STF em sede de controle concentrado.
O controle de constitucionalidade no sistema brasileiro comporta duas dimensões, uma preventiva e outra repressiva.
A preventiva, também designada controle político ou controle a priori, é realizada pelo Congresso Nacional, pelo Chefe do Poder Executivo e, eventualmente, pelo STF. Esse controle destina-se a impedir o ingresso no sistema jurídico de normas consideradas inconstitucionais. Nessa hipótese o ato legislativo está inacabado e não surte qualquer efeito jurídico. MORAES ensina que o controle de constitucionalidade preventivo político, é aquele realizado durante da elaboração de qualquer espécie normativa, visando impedir que um projeto de Lei inconstitucional venha a ser promulgado. Segundo o autor pode-se vislumbrar duas hipóteses de controle preventivo de constitucionalidade, as comissões de constituição e justiça e o veto jurídico.[94]
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal realizam um controle prévio de constitucionalidade por intermédio das respectivas comissões permanentes de constituição e justiça[LXXVIII] às quais incumbe examinar as proposições e decidir quanto a juridicidade e a constitucionalidade de cada uma. A decisão das respectivas comissões é terminativa, ou seja, se a comissão decidir pela inconstitucionalidade a propositura vai ao arquivo.
O Chefe do Executivo realiza o controle prévio de constitucionalidade quando exercita o poder de veto a projeto de lei que considere inconstitucional, com base na competência prevista no inciso V do art. 84 c/c § 1º do art. 66, ambos da Constituição.
A outra dimensão do controle de constitucionalidade é a chamada repressiva, ou a posteriori, realizado principalmente pelo STF e eventualmente pelo Parlamento, destinada a atacar atos normativos em vigor considerados inconstitucionais. Nesse caso, a norma está produzindo efeitos jurídicos e o controle realizado pelo Poder Judiciário, na forma concentrada ou na forma difusa, e pelo Poder Legislativo visa reprimir e retirar os efeitos jurídicos da norma inconstitucional.
Conforme explanado no item 1.10 deste trabalho, em nossa opinião, o regulamento que exorbita do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa é, em última análise, inconstitucional. A exemplo do que ocorre no controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF, o Congresso realiza uma avaliação abstrata da norma, pois não há direito subjetivo individual tutelado, quando exerce a competência prevista no inciso V do art. 49 da Constituição de reprimir “os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. Por isso, os efeitos do inciso V do art. 49 são, em regra, ex tunc e erga omnes. A principal diferença é que o controle concentrado repressivo do Parlamento não pode ser exercitado em face de ato normativo primário.
Todavia, admite-se a possibilidade de modulação dos efeitos temporais do decreto legislativo que susta ato normativo do Poder Executivo, com base nas premissas da boa-fé e da segurança jurídica, por analogia ao art. 27 da Lei nº 9.868, de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF.[LXXIX]
Destaque-se que o § 3º e o § 11 do art. 62 da Constituição, ao tratarem da hipótese de perda de eficácia ou rejeição de Medida Provisória, estabelecem que o Congresso Nacional edite Decreto Legislativo disciplinando as relações jurídicas decorrentes da aplicação do ato político-administrativo que perdeu a validade, seja por decurso de prazo, seja pela sua rejeição.
A Constituição, em respeito à boa-fé e à segurança jurídica, estabelece que as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência de Medida Provisória continuem por ela regidos se não for editado o Decreto Legislativo a que se refere o mencionado § 3º, no prazo de até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia.
Muito embora este dispositivo trate especificamente da perda de eficácia ou da rejeição de Medidas Provisórias, entende-se que o Decreto Legislativo que susta ato normativo do Poder Executivo também pode conter cláusula específica que discipline as relações jurídicas decorrentes do ato sustado.
Sustar um ato normativo do Poder Executivo é exercitar o controle de constitucionalidade político repressivo. Implica atacar a validade do ato normativo porque este ultrapassou a sua competência constitucional. Consequentemente, ao aprovar o Decreto Legislativo previsto no inciso V do art. 49 da Constituição o Congresso Nacional retira a eficácia da norma desde a sua edição ou a partir da aprovação do decreto, se estiver previsto explicitamente a modulação dos efeitos temporais da sustação. Nessa última hipótese, permanecem válidos todos os atos e as relações jurídicas adotadas até a sustação do ato normativo.
Destaque-se que o inciso V do art. 49 da Constituição não é a única hipótese de controle político de constitucionalidade repressivo, pois a Carta prevê, ainda, no inciso X do art. 52, outra forma de controle político repressivo a posteriori. Com efeito, cabe ao Senado Federal, por intermédio de Resolução, “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva” do STF em sede de controle difuso. Nessa hipótese a Corte Constitucional atua no julgamento inter partes e não possui competência para retirar a executoriedade da norma, mas para tirar a eficácia no caso concreto.
É o Senado Federal quem confere efeito erga omnes à decisão proferida pelo STF no caso concreto, aproximando o controle difuso do controle concentrado[95]. Essa atribuição do Poder Legislativo é decorrência direta do princípio da separação dos poderes, pois o Senado Federal retira a eficácia da norma se lhe aprouver. Caso decida suspender a norma impugnada pelo STF, o conteúdo da resolução deve ater-se aos limites do julgamento pela Suprema Corte e a Resolução inibe as consequências jurídicas do ato impugnado desde o seu nascedouro, ou seja, com efeito ex tunc[96].
5.3. O déficit democrático das Agências Reguladoras
Democracia significa soberania popular e governo do povo. É o poder fundado na vontade da maioria, exercido por representantes legítimos. A Constituição brasileira de 1988, de forte viés democrático, garante uma série de direitos sociais, culturais e econômicos que, independentemente de serem autoaplicáveis ou não, expressam a necessidade de se estabelecerem políticas públicas destinadas a conferir-lhes efetividade.
As normas programáticas da Constituição indicam os fins sociais e econômicos que o Estado deve buscar. Essas normas têm por característica possuir baixo grau de densificação normativa, pois dizem respeito a planos e diretrizes futuras a serem implementados pelos governantes. Sobre as normas programáticas, Pontes de Miranda[97] afirma que são "aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames. que são programas dados à sua função."
Barroso[98] ensina que, modernamente, é reconhecido às normas programáticas valor jurídico idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição, como cláusulas vinculativas, contribuindo para o sistema através dos princípios, dos fins e dos valores que incorporam. BAROSO[99] escreve, também, que as normas programáticas geram efeitos que atestam sua efetividade/concretização: “a) revogam os atos normativos anteriores que disponham em sentido colidente com o principio que substanciam; b) carreiam um juízo de inconstitucionalidade para os atos normativos editados posteriormente, se com elas incompatíveis."
As normas programáticas obrigam o Governo a definir suas políticas públicas tendo como pano de fundo o cenário político, econômico e social que se apresenta durante o período do mandato eletivo. Política pública nada mais é do que o conjunto de ações estabelecidas pelo Estado para materializar os direitos constitucionais da sociedade. Por isso, na democracia representativa como a brasileira, a definição da política pública a ser desencadeada está estritamente relacionada à escolha política feita pelos representantes dos cidadãos legitimamente eleitos para tal função.
Numa democracia representativa a ação política, ou a liberdade positiva, deve basear-se no voto. O representante eleito democraticamente deve constituir-se sob duas acepções: um agente cuja ação está sob o controle do povo; e um agente que reproduz as características do eleitor e, por isso, é capaz de substituí-lo ao agir. A legitimidade desse agente pressupõe que a sua ação se identifique com o desejo do povo, o que significa igualá-la à ação política dos próprios cidadãos.[100]
Os dirigentes das Agências Reguladoras não são eleitos e não possuem, por isto, legitimidade democrática para definir as políticas públicas. Assim, a atuação das Agências deve ser legitimada pela estrita vinculação do órgão às políticas públicas estabelecidas pelos agentes eleitos e legalmente constituídos para dirigir o Estado. Em suma, as Agências não têm legitimidade para traçar as políticas de Estado e estas (as políticas) são o marco limitador da atividade dos órgãos reguladores. Qualquer norma ou decisão regulatória que desborde esse limite é ilegítima.
O Ministro GILMAR MENDES, em palestra proferida no Seminário “As Agências Reguladoras”, organizado pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (ESMAF) e pelo Centro de Memória Jurídica (MEMORY), afirma, com propriedade, estar convencido que o poder regulatório, em algumas áreas, é tão amplamente reconhecido que não se questiona se a norma regulatória está a observar um marco institucional determinado. Escreve o Ministro que “a clara violação de autorizações legislativas por parte do Poder Executivo, especialmente quando impõem obrigações, não se traduz apenas no descumprimento da lei. Na verdade, fere a própria Constituição, de forma elementar, a ideia de reserva legal. Então, não há como dizer que aqui estamos diante de uma questão tipicamente de legalidade.”
A falta de legitimidade dos dirigentes das Agências cria um flagrante déficit democrático, normalmente justificado pela premissa de que estes agentes reguladores são mais bem preparados, mais eficientes e tecnicamente superiores para lidar com as práticas sofisticadas dos mercados que regulam. Segundo os que defendem essa tese, permitir a participação de representantes dos usuários/consumidores prejudicaria a eficiência dos órgãos reguladores, pois não teriam experiência e conhecimentos especializados. Nada mais falso.
O caso mais patente dessa defasagem democrática e da necessidade de vinculação das Agências às políticas de Estado foi a chamada “crise aérea” ocorrida em 2007. Naquela oportunidade, a direção da ANAC ficou inviabilizada técnica e politicamente devido a várias omissões que redundaram na violação de direitos dos usuários de transporte aéreo. Em razão disso o Ministério da Defesa, utilizando o poder de supervisão ministerial, decidiu redirecionar a atuação da ANAC para conformá-la à nova política de Estado que estava sendo engendrada para o setor.
Como os diretores das Agências gozam de estabilidade nos mandatos, o Poder Executivo solicitou aos titulares dos cargos da diretoria que renunciassem, de maneira a permitir a reestruturação do órgão. Quatro dos cinco diretores atenderam ao pedido. O único a permanecer no cargo foi o Diretor-Geral. Devido a sua intransigência em renunciar, o Executivo ventilou a hipótese de editar uma Medida Provisória alterando a Lei da ANAC para extinguir o mandato dos diretores. O impasse só chegou ao fim depois de quase um ano, com a renúncia do então titular da Diretoria-Geral da ANAC.
A suposta especialização técnica não tornou mais segura e estável a prestação de serviços públicos. A lista das deficiências das Agências Reguladoras é longa. Blecautes, repetidos problemas nos serviços de telecomunicações, deficiências na infraestrutura, falta de modicidade tarifária e a sequência de falhas regulatórias marca a atuação das Agências e são exemplos do fracasso técnico dos Órgãos reguladores.
As Agências Reguladoras devem encarregar-se da elaboração e implementação de parâmetros técnicos para atender aos fins e objetivos fixados na lei, tendo em consideração as escolhas feitas pelas políticas públicas. Os órgãos reguladores não têm legitimidade para fixar os fins e objetivos dessas políticas.
Os órgãos reguladores, de um modo geral, detém competência para estabelecer suas políticas regulatórias, as quais consistem na maneira de utilização das ferramentas que a autoridade reguladora dispõe para implementar as políticas públicas fixadas pelo Governo. Políticas públicas não se confundem com as políticas regulatórias, pois estas são o meio, enquanto aquelas são o fim a ser atingido.
Assim, as Agências dispõem de discricionariedade para fixar a política regulatória pelo fato de ser dado a estes órgãos competência para ponderar entre as diversas opções técnicas disponíveis para atingir o fim proposto pela politica pública que o órgão regulador está executando, sendo-lhe permitido ponderar os interesses regulados e equilibrar os instrumentos de intervenção no setor regulado para não inviabilizá-lo.
É essencial a submissão da atividade normativa dos órgãos de regulação ao controle do Chefe do Poder Executivo e do Poder Legislativo e à supervisão dos Ministros de Estado. A obrigação de prestar contas e, consequentemente, de submeter-se ao controle, é princípio republicano a que toda a Administração Pública está sujeita. Os atributos de independência e discricionariedade técnica das Agências não tornam a atividade normativa regulatória imune ao controle, por ser incompatível com a natureza administrativa destes órgãos e contrário ao princípio do Estado Democrático de Direito. JUSTEN FILHO[101], ao analisar a questão da legitimidade democrática das Agências Reguladoras, refuta qualquer possibilidade de se pretender que o exercício da regulação implique em qualquer forma de fuga de controle.
As normas regulatórias são legitimadas pela sua aderência às políticas públicas e pela sua eficiência, eficácia e efetividade. A norma será eficiente, quando sopesar os custos e os benefícios de sua adoção, pois a eficiência está voltada para o método (forma) e exige que os recursos, públicos ou privados, sejam aplicados da maneira mais racional possível. Eficaz, se a norma regulatória alcançar os objetivos propostos. O ato normativo regulatório será efetivo se trouxer melhorias para a população, ou seja, a efetividade é mais abrangente que a eficácia, pois afere em que medida os resultados foram benéficos. A falta de qualquer dos elementos aqui citados torna a norma regulatória ilegítima.
Cabe aos representantes do povo, democraticamente eleitos, a formulação das políticas públicas dos diversos setores regulados. A violação pelas Agências dessas políticas atrai a incidência da revisão ministerial, como instrumento para realinhar suas decisões às políticas públicas estabelecidas para esses setores, e a competência do Congresso Nacional de sustar os atos normativos dos órgãos reguladores.
CONCLUSÃO
O grande desafio da regulação econômica é encontrar o ponto ótimo que: a) viabilize o lucro dos concessionários de serviços públicos e o bem-estar dos consumidores, mediante a disponibilização de serviços de qualidade a preços módicos, e a criação de um ambiente favorável ao investimento; e b) suprir as falhas de mercado, reprimindo o abuso do poder econômico, o monopólio e a posição dominante. A competência normativa conferida às Agências Reguladoras deve ser por isso instrumento para a concretização desses objetivos.
É preciso ter em mente a impossibilidade de transposição pura e simples de modelos de outros países com tradição constitucional distinta da brasileira e no qual a rede de infraestrutura já está instalada. Nossa realidade é distinta. No Brasil a rede de infraestrutura de aeroportos, transporte e comunicações é ainda muito precária e sofre com a escassez de capital e carece de vontade política para o seu desenvolvimento.
De tudo o que foi exposto no presente trabalho é possível extrair várias conclusões.
A primeira é que a função normativa possui duas premissas básicas: a norma jurídica constitui-se um elemento essencial do ordenamento jurídico; e a norma jurídica consubstancia-se na invocação de preceito primário no ordenamento jurídico. Essa mesma função normativa é gênero de que são espécies a função legislativa, caracterizada por emanar instituições primárias, em decorrência de exercício do poder originário, e a função regulamentar, caracterizada por conter preceitos derivados ou secundários.
A segunda, o princípio da legalidade engloba três vertentes que são desdobramentos deste instituto: a reserva de lei, a reserva de parlamento e a reserva de norma. A reserva legal exige que determinadas matérias só possam ser tratadas por lei em sentido formal e em sentido material, pois só a lei com essas características tem poder para inovar na ordem jurídica, não se admitindo a edição de normas secundárias para tratar da matéria. A reserva de parlamento significa que a norma, além de ser lei em sentido formal e material, seja examinada e aprovada pelo Parlamento. A reserva de norma, também denominada reserva de ato legislativo, é mais abrangente que as duas primeiras ao prever que a competência para editar normas, com regras de direito em sentido material, possa ser manejada pelo Poder Executivo, pelo Poder Judiciário ou pelo Poder Legislativo.
Nos casos de reserva de lei e de reserva de parlamento, a competência regulamentar funciona como um meio de disciplinar e cercear a discricionariedade da Administração Pública, impondo padrões de conduta e critérios administrativos a serem obrigatoriamente observados na aplicação da lei ao caso concreto.
A terceira, a função normativa regulamentar é o poder/dever de editar regulamentos destinados à execução da lei. Essa função normativa regulamentar caracteriza-se por permear toda a estrutura administrativa do Poder Executivo e por possuir vários níveis hierárquicos.
O inciso IV do art. 84 da Constituição conferiu ao Chefe do Poder Executivo competência para editar regulamentos primários. No que se refere à competência regulamentar do Presidente da República, é preciso observar que “decreto” é o ato administrativo típico do Chefe do Poder Executivo. Trata-se, portanto, da forma do ato. Já o vocábulo regulamento implica na ideia de matéria, de conteúdo. Assim, enquanto o decreto é a forma do ato, o regulamento é o conteúdo material desse mesmo ato.
A Constituição, no inciso II do parágrafo único do art. 87, conferiu aos Ministros de Estado a prerrogativa constitucional de expedir atos normativos regulamentares de segundo grau destinados à execução das leis e regulamentos do Presidente da República. Além dos Ministros de Estado, as Agências Reguladoras também têm prerrogativa de editar regulamentos de segundo grau, a teor do art. 174 da Constituição.
As Agências Reguladoras, por serem os órgãos reguladores do Estado, por excelência, devem impor aos setores em que atuam normas e mecanismos jurídicos de cunho preventivo e repressivo, de forma a evitar e/ou reprimir “o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”; estabelecer punições para os atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular; e regular preços e controlar o abastecimento do mercado, tudo a teor dos §§ 4º e 5º do art. 173 da Constituição.
Organizadas sob a forma de autarquias especiais, conforme o inciso I do art. 5º do Decreto-lei nº 200, de 1967, as Agências Reguladoras surgem, depois da reforma administrativa implementada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, como um instrumento de atuação do Estado no domínio econômico. A autarquia tradicional ganhou maior autonomia administrativa pela estabilidade do mandato de seus dirigentes.
A Quarta, há possibilidade constitucional da lei autorizar diretamente a Agência Reguladora a expedir regulamentos sobre determinada norma. Isso, no entanto, não afasta ou impossibilita que o Chefe do Poder Executivo, no uso de sua prerrogativa constitucional, inscrita no inciso IV do art. 84, expeça decreto regulamentar – norma regulamentadora primária -, disciplinando a matéria com observância obrigatória pela Agência.
A competência regulamentar é conferida pela Constituição ao Chefe do Poder Executivo e não pode ser afastada pelo legislador ordinário. Mesmo na hipótese de delegação por lei, os atos regulamentares das Agências Reguladoras permanecem como secundários, sujeitos à disciplina de atos regulamentares primários emitidos pelo Presidente da República. Entender de forma diferente equivaleria a conferir às Agências Reguladoras independência normativa, em face da supervisão ministerial e da competência constitucional privativa do Presidente da República.
A Quinta, não há possibilidade de conflito de competência entre a disciplina estabelecida pela Agência e o regulamento aprovado pelo Presidente da República, uma vez que se encontram em patamares jurídicos diferentes. Enquanto o regulamento do Chefe do Poder Executivo é norma regulamentar primária, destinada ao “fiel cumprimento da lei”, os regulamentos da Agência Reguladora são atos normativos secundários, subordinados hierarquicamente aos regulamentos primários.
Assim, se o Presidente da República expedir regulamento, no uso da competência privativa do inciso IV do art. 84 da Constituição, automaticamente estará derrogado qualquer dispositivo de regulamento expedido por Agência Reguladora no exercício da competência regulamentar atípica.
A Sexta, existem basicamente três espécies de regulamento, a saber: os regulamentos de execução, os regulamentos autônomos e os regulamentos delegados.
Os regulamentos de execução são normas secundárias destinadas a desenvolver ou pormenorizar o conteúdo de uma lei, não podendo ampliar ou restringir o âmbito de aplicação da norma. Limitam-se a explicitar o conteúdo da lei para que esta seja devidamente executada. Como espécie de regulamento de execução, pode-se citar o chamado regulamento de complementação, que se apresenta quando o Poder Legislativo estabelece normas gerais, princípios e critérios diretores e remete ao regulamento as especificações de natureza executiva, que não apenas particularizam o conteúdo de regras gerais, mas, de algum modo, criam regras dentro das linhas fixadas pelo legislador.
Os regulamentos autônomos extraem sua validade e legitimidade diretamente da Constituição, dispensando a necessidade de lei anterior, podendo inovar diretamente no ordenamento jurídico, criando ou restringindo direitos, pois possuem força impositiva própria. Em razão dessas características, são considerados atos legislativos primários tal qual a lei.
Até a edição da EC nº 32, de 2001, que alterou o inciso VI do art. 84 da Constituição, o regime constitucional brasileiro não admitia explicitamente o regulamento autônomo. A partir da alteração constitucional passou-se a permitir ao Presidente da República, sem a necessidade de lei anterior, editar decretos para extinguir funções ou cargos públicos, quando vagos, e alterar a organização e funcionamento da administração pública federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Hoje é possível afirmar que existe uma reserva de regulamento, pois a matéria versada no inciso VI do art. 84 da Constituição só pode ser tratada por regulamento do Presidente da República.
Os regulamentos delegados, também denominados autorizados ou habilitados, são emanados do Chefe do Poder Executivo em decorrência de delegação legislativa, na forma do art. 68 da Constituição. Destinam-se a prover matéria sujeita à reserva de lei, excetuados os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional; os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; a matéria reservada à lei complementar; a legislação sobre a organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; a nacionalidade, a cidadania, os direitos individuais, políticos e eleitorais; os planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
Na hipótese do art. 68 da Constituição, ocorre a chamada delegação legislativa que consiste no deslocamento de uma função pertencente a um centro emanador de atos para outro que, a partir daí, exercerá, concomitantemente, a mesma tarefa, mas com certas limitações. A delegação legislativa é a concessão feita pelo Poder Legislativo, como Poder delegante, em favor do Poder Executivo, Poder delegado, dentro de limitações previamente especificadas pelo Congresso Nacional, para que o delegado possa expedir normas que inovem na ordem legal, sem a necessidade da participação do Congresso Nacional.
Assim como os regulamentos autônomos, os regulamentos delegados podem inovar na ordem jurídica, pois há uma ampliação da atribuição regulamentar, limitada, porém, à matéria e aos termos fixados na delegação. A diferença entre o regulamento autônomo e o regulamento delegado é que este retira sua competência do ato de delegação de poderes aprovado pelo Congresso Nacional, enquanto aquele extrai sua competência diretamente da Constituição.
Fora das hipóteses do art. 68 e do inciso VI do art. 84, a Constituição exige que a função regulamentar esteja sempre adstrita à lei anterior.
A sétima, a discussão sobre a ilegalidade ou a inconstitucionalidade do regulamento, que ultrapassa os limites da lei que especifica ou a cuja execução se destina, está hoje mitigada em face da ADPF, prevista no § 1° do art. 102 da Constituição, e regulamentada pela Lei nº 9.882, de 1999. De fato, na ADPF o exercício do controle concentrado abrange a inconstitucionalidade direita e a indireta e os atos normativos autônomos e subordinados.
Há inconstitucionalidade tanto no regulamento que adentra o limite da lei, quanto na omissão da Administração Pública em sua função regulamentar, quando a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
A oitava, a Constituição não admite a deslegalização, que consiste na possibilidade de o Poder Legislativo transferir, por meio de lei, sua competência para que outro órgão do Poder Executivo ou do Poder Judiciário possa tratar da matéria que seria de sua atribuição, de forma inovadora, por meio de ato administrativo normativo.
O art. 25 da ADCT revogou todos os dispositivos legais que atribuíssem ou delegassem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, em especial, no que tange à ação normativa, e estatuiu no inciso XI do art. 49 o poder/dever do Poder Legislativo de zelar pela preservação de sua competência legislativa, em face da atribuição normativa dos outros Poderes.
Não ocorre deslegalização implícita ou inominada, quando o legislador utiliza na lei conceitos jurídicos indeterminados. Quando o legislador utiliza conceitos abertos, dotados de uma pluralidade de significações, não está deslegalizando a matéria e autorizando o Poder Executivo a inovar na ordem jurídica. A existência de uma margem de indeterminação relativa é inerente à positivação de normas jurídicas, pois o legislador não consegue determinar no texto da norma, de forma completa e exaustiva, todo o conteúdo correspondente à aplicação individual de sua vontade normatizada. Não se trata de deslegalizar, mas de permitir ao intérprete buscar a mens legis e adaptar a norma ao caso concreto.
A décima, não se confundem os conceitos de discricionariedade administrativa e discricionariedade técnica. A administrativa se apresenta quando a lei deixa à Administração a possibilidade de, no caso concreto, escolher entre duas ou mais alternativas, todas válidas perante o direito, segundo critérios de oportunidade e conveniência. Já a discricionariedade técnica implica a delimitação do conceito indeterminado utilizado pela lei com base em critérios técnicos extraídos da ciência.
A décima primeira, a competência normativa das Agências Reguladoras não decorre de delegação legislativa ou do instituto da deslegalização. A produção normativa desses órgãos advém da descentralização administrativa, limitando-se a editar regulamentos de execução, uma vez que se destinam a desenvolver ou pormenorizar o conteúdo da lei ou do decreto regulamentar.
A descentralização administrativa é característica do regime autárquico previsto no Decreto-lei 200, de 1967. A lei de criação de uma Agência Reguladora constitui este órgão como autarquia sob regime especial e reserva-lhe poderes de natureza normativa propriamente dita e poderes de natureza concreta, como a solução de conflitos de interesses, de polícia administrativa (preventiva, repressiva e investigativa) e de fomento da atividade por ela regulada.
A décima segunda, as Agências Reguladoras brasileiras são autarquias especiais, com competência normativa semelhante, que independe de previsão constitucional expressa. O fato da criação de órgão regulador das telecomunicações (ANATEL) e do petróleo (ANP) estar previsto no inciso IX do art. 21 e no inciso III do § 2º do art. 177 da Constituição, respectivamente, não dotou estes órgãos de um regime especial que lhes conferisse uma autonomia e um poder normativo diferenciado. O art. 174 da Constituição estabelece de maneira genérica que o Estado é o agente normativo e regulador da atividade econômica, sem definir o modelo a ser adotado e sem conferir poderes originais especiais diferenciados a qualquer das Agências Reguladoras.
A décima terceira, é atribuição constitucional exclusiva do Congresso Nacional, prevista no inciso V do art. 49, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Trata-se do poder/dever do Parlamento de exercer o controle político dos atos regulamentares do Executivo que só pode ser manejado em face de ato normativo dotado dos atributos de abstração, generalidade e destinados a disciplinar relações jurídicas em abstrato. Não se admite a sustação pelo Congresso Nacional de ato de efeitos concretos do Poder Executivo, por ofensa ao princípio da separação dos poderes.
O decreto legislativo, previsto no inciso IV do art. 59 da Constituição, é o instrumento legislativo adequado para sustar os atos do Poder Executivo, pois o inciso V do art. 49 da Constituição expressa competência exclusiva do Congresso Nacional.
Diferentemente do decreto do Presidente da República, que é ato normativo secundário, o decreto legislativo é ato normativo primário e não está subordinado à lei. O decreto legislativo pode criar direito novo e inovar no mundo jurídico. Não há conflito entre o decreto legislativo e a lei, pois ambos estão posicionados no mesmo degrau formal da hierarquia do ordenamento jurídico. Um não revoga o outro, a lei e o decreto legislativo têm campos materiais próprios, inexistindo área comum onde possam atuar e, dessa forma, chocar-se.
No decreto legislativo que susta regulamento do Poder Executivo, o Congresso Nacional atua como legislador negativo, protegendo e defendendo sua competência constitucional contra investidas do Executivo. Assim, o decreto legislativo, aprovado com amparo no inciso V do art. 49 da Constituição, inova no sistema jurídico não para criar direito, mas para afastar normas extraídas de atos normativos do Executivo.
Qualquer ato estatal, dotado de abstração, generalidade e impessoalidade, pode ser sustado pelo Congresso Nacional, não importando sua forma ou nomem iuris.
O decreto legislativo, previsto no inciso V do art. 49, não revoga o ato regulamentar do Poder Executivo, em razão do princípio da separação dos poderes. O controle exercido pelo Congresso Nacional destina-se a sustar as consequências jurídicas do ato regulamentar, com efeitos inicialmente ex tunc e erga omnes. Essa competência é uma espécie de controle político de constitucionalidade repressivo.
A décima quarta e última, há um inegável déficit democrático na atuação das Agências Reguladoras brasileiras. Devem ater-se à elaboração de parâmetros técnicos eficientes destinados a conferir efetividade e eficácia às políticas públicas.
O fato de os dirigentes das Agências Reguladoras não serem eleitos torna particularmente relevante fixar a sua responsabilização e estabelecer o controle democrático sobre a atuação dos órgãos reguladores. Alta delegação sem responsabilização gera ineficiência e torna as Agências Reguladoras particularmente vulneráveis ao processo de captura.
O Congresso Nacional pode e deve exercer um controle ex-ante, consubstanciado na elaboração das leis que materializam as escolhas políticas e na sabatina dos indicados aos cargos nas Agências, e um controle ex-post, sob a forma de controle da atividade das Agências.
Uma Agência Reguladora não é um feudo. Apesar da necessidade de se conferir competência normativa às Agências Reguladoras, é essencial controlar e impor limites sobre esta atividade, a fim de se evitar que a Constituição e, em último caso, a sociedade e o Estado sejam submetidos a uma suposta discricionariedade técnica que possibilite o retorno de experiências totalitárias de concentração de poder.
Os membros do Poder Legislativo são eleitos pelo povo e possuem, por isto, legitimidade democrática de atuação. Em razão disso, podem e devem exercer o controle de todos os atos regulamentares, independentemente de sua origem e de seu posicionamento na hierarquia normativa.
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Notas:
(B) the courts of the United States;
(C) the governments of the territories or possessions of the United States;
(D) the government of the District of Columbia; or except as to the requirements of section 552 of this title-
(E) agencies composed of representatives of the parties or of representatives of organizations of the parties to the disputes determined by them;
(F) courts martial and military commissions;
(G) military authority exercised in the field in time of war or in occupied territory; or
(H) functions conferred by sections 1738, 1739, 1743, and 1744 of title 12; chapter 2 of title 41; or sections 1622, 1884, 1891-1902, and former section 1641(b)(2), of title 50, appendix;“
La loi fixe les règles concernant:
– les droits civiques et les garanties fondamentales accordées aux citoyens pour l'exercice des libertés publiques; les sujétions imposées par la Défense Nationale aux citoyens en leur personne et en leurs biens;
– la nationalité, l'état et la capacité des personnes, les régimes matrimoniaux, les successions et libéralités;
– la détermination des crimes et délits ainsi que les peines qui leur sont applicables ; la procédure pénale; l'amnistie; la création de nouveaux ordres de juridiction et le statut des magistrats;” (Tradução livre: A lei é a votada pelo Parlamento. A lei fixará as regras concernentes: – Aos direitos civis e as garantias fundamentais outorgadas aos cidadãos para o exercício das liberdades civis, e as restrições impostas em razão da Defesa Nacional aos cidadãos em suas pessoas e a seus bens; – Nacionalidade, estado e capacidade das pessoas, regimes matrimoniais, herança e presentes; – A determinação dos crimes e delitos e as sanções que são aplicáveis ao processo penal, a anistia, a criação de novos níveis de competência e ao estatuto dos magistrados.)
“Art. 37 – Les matières autres que celles qui sont du domaine de la loi ont un caractère réglementaire.” (Tradução livre: As demais matérias que não as de domínio da lei têm um caráter regulamentar).
[XXXIV] MI 1624/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento: 2/2/2012.
– Vocábulo “Statutory law – rules promulgated by the legislatures.” (Tradução livre: Estatuto legal – regras promulgadas pelo Poder Legislativo).
– Parlamento Europeu: é a única instituição da União Europeia eleita por sufrágio universal.
– Conselho Europeu: órgão superior da União Europeia, composto pelos Chefes de Estado e de Governo de cada um dos Estados Membros e pelo Presidente da Comissão.
– Conselho da União Europeia: órgão composto por um representante de cada Estado Membro. Geralmente, esse representante é o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Contudo, quando os assuntos a tratar são de caráter especializado/técnico (economia, agricultura, transportes, ambiente, indústria etc.), são convocados os Ministros competentes de cada país.
– Comissão Europeia: órgão executivo da União Europeia, composto por um representante de cada Estado Membro, com o papel de guardiã dos Tratados e o poder de iniciativa das políticas comunitárias.
– Tribunal de Justiça: órgão composto por 15 juízes, assistidos por 9 advogados gerais. São nomeados de comum acordo pelos Estados Membros para um mandato de 6 anos e designam entre si o presidente do Tribunal que preside às audiências. O Tribunal de Justiça é o órgão jurisdicional da UE a quem compete assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário. É a este órgão que cabe garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados.
– Tribunal de Contas: órgão composto por 15 juízes nomeados pelo Conselho, com mandato de 6 anos. A função do Tribunal de Contas é o controle da execução do Orçamento da UE e de assistência ao Parlamento e ao Conselho no exercício da sua função de controle da execução do Orçamento.
[LIII] Aspectos institucionais das agências de regulação – P6_TA(2008)0495 – Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Outubro de 2008, sobre uma estratégia para a resolução dos aspectos institucionais das agências de regulação (2009/2013 (INI)), publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 21/1/2010 – C15E/27, p. 27.
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Parágrafo único. A PPSA não será responsável pela execução, direta ou indireta, das atividades de exploração, desenvolvimento, produção e comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos.
Art. 3o A PPSA sujeitar-se-á ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Art. 4o Compete à PPSA: I – praticar todos os atos necessários à gestão dos contratos de partilha de produção celebrados pelo Ministério de Minas e Energia, especialmente: a) representar a União nos consórcios formados para a execução dos contratos de partilha de produção; b) defender os interesses da União nos comitês operacionais; c) avaliar, técnica e economicamente, planos de exploração, de avaliação, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem como fazer cumprir as exigências contratuais referentes ao conteúdo local; d) monitorar e auditar a execução de projetos de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos; e) monitorar e auditar os custos e investimentos relacionados aos contratos de partilha de produção; e f) fornecer à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) as informações necessárias às suas funções regulatórias; II – praticar todos os atos necessários à gestão dos contratos para a comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União, especialmente: a) celebrar os contratos com agentes comercializadores, representando a União; b) verificar o cumprimento, pelos contratados, da política de comercialização de petróleo e gás natural da União resultante de contratos de partilha de produção; e c) monitorar e auditar as operações, os custos e os preços de venda de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos; III – analisar dados sísmicos fornecidos pela ANP e pelos contratados sob o regime de partilha de produção; IV – representar a União nos procedimentos de individualização da produção e nos acordos decorrentes, nos casos em que as jazidas da área do pré-sal e das áreas estratégicas se estendam por áreas não concedidas ou não contratadas sob o regime de partilha de produção; e V – exercer outras atividades necessárias ao cumprimento de seu objeto social, conforme definido no seu estatuto.
Parágrafo único. No desempenho das competências previstas no inciso I, a PPSA observará, nos contratos de partilha de produção, as melhores práticas da indústria do petróleo.”
a) As leis adoptadas pela AR, abrangendo-se nesta categoria as leis-medida e todas as outras leis que possuam um âmbito individual e concreto;
b) Os decretos-leis (actos legislativos do Governo);
c) Os decretos legislativos regionais (actos legislativos das assembleias legislativas das regiões autónomas);
d) Os tratados internacionais e os acordos em forma simplificada, aí se incluindo os tratados-contrato internacionais;
e) Os actos de natureza regulamentar provenientes:
– do Governo;
– dos Governos das regiões autónomas dos Açores e da Madeira;
– dos órgãos das colectividades locais;
– de certas autoridades administrativas (como é o caso dos governos civis);
– de certas pessoas colectivas de direito público;
f) Os assentos do Supremo Tribunal de Justiça;
g) Os acórdãos de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (de acordo com os artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil;
h) As normas criadas pelo juiz (na sua função de intérprete) “no âmbito do espírito do sistema” (artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil) para colmatar as lacunas da lei;
i) Os regulamentos estabelecidos pelas jurisdições arbitrais voluntárias;
j) Os actos específicos ou sui generis, como os que fixam as regras necessárias para o funcionamento e a organização da Assembleia da República, fruto da sua autonomia normativa (apesar da sua natureza de actos interna corporis);
l) As normas compreendidas nos estatutos das associações de utilidade pública;
m) Os regulamentos editados pelas associações de utilidade pública ou por outras entidades privadas quando elas dispõem de poderes normativos delegados por entidades públicas;
n) As normas consuetudinárias (costumeiras), na medida e nos domínios em que são admitidas enquanto fonte de direito interno (cfr. os artigos 3.º, n.º 1, e 348.º do Código Civil);
o) As normas que emanam dos órgãos competentes das organizações internacionais em que Portugal participa, e que estão em vigor na ordem jurídica portuguesa (ver art. 8.º, n.º 3, da CRP).”
Relatório do Tribunal Constitucional Português, XV Congresso da Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, “A justiça constitucional: funções e relações com as outras autoridades públicas”, realizado em Bucareste, de 23 a 25 de maio de 2011, p. 7-8. Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/content/files/conferencias/textos020110-ctceu-xv.pdf.
[1] BOBBIO, Norbeto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; trad. Carmen C. Varriale et al. Dicionário de Política, vol. 1. 10ª ed. Brasília: UnB, 1997, p. 553.
Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/646>. Acesso em: 31 de julho de 2012.
PROCESSO Nº 50000.029371/2004-83
Interessado: Ministério dos Transportes
Assunto: Deliberação da ANTAQ. Agência Reguladora. Competência e recurso hierárquico impróprio. Divergência entre o Ministério e a Agência.
(*) Parecer nº AC – 051
Adoto, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 438/2006, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER Nº AGU/MS-04/06, de 23 de maio de 2006, da lavra do Consultor da União, Dr. MARCELO DE SIQUEIRA FREITAS, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar.
Brasília, 12 de junho de 2006. ALVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA – Advogado-Geral da União
(*) A respeito deste Parecer o Excelentíssimo Senhor Presidente da República exarou o seguinte despacho: Aprovo. Em, 13-VI-2006”
Informações Sobre o Autor
Alexis Sales de Paula e Souza
Economista advogado e servidor público