Resumo: A natureza do Intervencionismo Judicial não é ideia inovadora da sociedade todavia, em se tratando da tutela protetiva do meio ambiente é recente sua implementação. Com as mudanças comportamentais, a produção de bens materiais, as alterações de valores, o consumismo, a preocupação atual e o exaurimento dos recursos naturais, organizações públicas e privadas vem ganhando forma em sua essência, visando a necessidade de políticas de gestão ambiental e, ultima ratio a intervenção estatal para responsabilizar administrativa, civil ou penal, o sujeito ativo causador de lesão ao meio ambiente. A matéria é permeada de recentes reflexões, trazendo a inquietude de legisladores e doutrinas, empenhados em produzir o equilíbrio entre o desenvolvimento sustentável e políticas de proteção e preservação ambiental. Com efeito, a falta de êxito na esfera administrativa, alternativa restante é a intervenção estatal por meio do Poder Judiciário, cujo objetivo é atingir os direitos consignados na Carta Constitutiva garantindo o meio ambiente ecologicamente equilibrado para presentes e futuras gerações.
Palavras-chave: Dano Ambiental. Responsabilidade. Intervenção Judicial. Limites da Sentença.
Abstract: The nature of Judicial Interventionism is not innovative idea of society however, when it comes to protective guardianship of the environment is its recent implementation.
With the behavioral changes, the production of material goods, changes in values, consumerism, the current concern and depletion of natural resources, public and private organizations gaining momentum in its essence, seeking the need for environmental management policies and, last ratio state intervention to hold administrative, civil or criminal, the active subject causing damage to the environment. The matter is permeated with recent reflections, bringing the restlessness of legislators and doctrines, engaged in producing a balance between sustainable development and protection policies and environmental preservation. Indeed, the lack of success at the administrative level, the remaining alternative is state intervention by the judiciary, whose goal is to achieve the rights enshrined in the Charter guaranteeing an ecologically balanced environment for present and future generations.
Keywords: Environmental Damage. Responsibility. Judicial intervention. Limits of Judgment.
Sumário: 1. Introdução; 2. O processo de Efetivação do Direito Ambiental no Brasil; 3. A Proteção normativa do Meio Ambiente; 3.1. Princípios Ambientais; 3.2. O dano Ambiental; 3.3. 3.3. A Responsabilidade Civil Ambiental na Legislação Brasileira: 4. O Intervencionismo Judicial; 5. Reparação por Danos na Ação Coletiva; 6. Reparação por Danos na Ação Individual; 7. Limites da Sentença na Ação de Reparação por Danos ao Meio Ambiente; 7.1. Restauração Natural; 7.2. Compensação Ecológica; 7.3. A Indenização Pecuniária; 7.4. Prescrição da Pretensão de Reparação do Dano Ambiental; 8. Tipos de Decisões; 8.1. Sentença Declaratória; 8.2. Sentença Condenatória; 8.3. Sentença Mandamental; 9. Considerações finais; Referências bibliográficas.
1. Introdução:
A Constituição da República de 1988 ao consolidar uma nova ordem, desconstruiu determinados paradigmas adotando uma sistemática protetiva de cláusula aberta e flexibilizada, assim, destacam-se no texto diversos preceitos de intervenção Estatal, cuja finalidade não é outra senão a tutela jurisdicional dos direitos pessoais, patrimoniais e difusos.
Com efeito, o inciso XXXV do art. 5º da CF/1988, trata da apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça ao Direito e bens por ele tutelado. Intitulado de Princípio da Inafastabilidade do Judiciário, pressupõe garantia de intervenção pelo poder judiciário no exercício jurisdicional para aplicação da Justiça em casos concretos. Nesta órbita, ao tratar de bens tutelados pelo Direito, é possível se falar em princípio da intervenção estatal, reconhecendo caber ao Estado estabelecer normas, paradigmas e conceitos, a fim de garantir a ordem.
Já distante da colonização pátria, mas ainda próximo de uma efetiva proteção judicial, o meio ambiente deixa sua impressão digitalizada nos diversos normativos legais, constituindo assim um intervencionismo Estatal direto e conciso para garantir finalmente o preceito máximo estampado no art. 225 da CR/88, seja através de uma intervenção preventiva direta, ou corretiva indireta, responsabilizando o causador do dano judicialmente, não obstante limitados aos “poderes” da própria sentença Judicial.
O presente trabalho buscará abordar de forma concisa algumas questões pertinentes ao intervencionismo judicial objetivado para a proteção ambiental, com enfoque aos limites das decisões judiciais nesse sentido.
2. O processo de Efetivação do Direito Ambiental no Brasil:
Consignado no costume da época, o Direito Lusitano se pautava pelas Ordenações Afonsinas sem qualquer preocupação ambiental, todavia, no ano de 1326, tais institutos já determinavam os efeitos criminais para aqueles que causassem a morte de aves nativas e, em 1393 por ordem do rei vigente decretou-se a proibição do corte de árvores frutíferas.
Assim, inicialmente foram trazidas e aplicadas no território Brasileiro as Ordenações Afonsinas em 1514, as Ordenações Manuelinas em 1521 promulgadas pelo então rei Dom Manuel, o código de distribuição de Terras, a proteção à caça em período de cria e a proteção às abelhas, tipificando-se ainda como crime o corte de árvores frutíferas destacando-se aqui de forma indireta, a reparação de um dano ecológico.
Em 1530 com o estabelecimento das Capitanias Hereditárias, instituiu-se o combate ao contrabando de madeira e, com poder de distribuição de terras concentrado nas mãos do Donatário, a instituição do pagamento de tributo em percentual pelo cultivo da lavoura, além do envio a colônia penal aqueles que fossem condenados pelo crime de corte de árvores.
Com a instalação em 1548 do Governo Geral, inicia-se o combate à extração e ao contrabando de madeiras, instituindo-se a criação das Cartas Régias, Alvarás e o regime das Provisões, destacando-se a de nº. 12/1548, que em seu cap. 35 “reafirma o regime do Pau Brasil, cuja extração deverá ser feita com menor prejuízo da terra”.
Em meados de 1594, com a devastação das florestas em Portugal, expede-se a 1ª Carta de Regimento de Zoneamento Ambiental e em 1605 institui-se 1ª Lei protecionista florestal Brasileira que tratava do Regimento sobre o Pau Brasil, com a proibição do corte sem licença e considerado crime punido com severa pena.
Com a instalação do “Regimento da Relação e Casa do Brazil” em 1609, instaura-se o 1º Tribunal Brasileiro (Salvador-BA), de jurisdição Colonial, e em 1808 o Jardim Botânico. Instituída a Constituição Republicana de 1891, consigna no texto em seu art. 34 inciso XXIX, a competência legislativa da união para legislar sobre minas e terras.
Já em 1916 o Código Civil destaca em seu art. 554/555, a reprimenda do uso nocivo da propriedade, enquanto o Decreto 16.300 de 1923 trata da saúde e saneamento público. A Constituição de 1934 deixa então de contemplar especificamente a proteção ao meio ambiente, entretanto, determina a competência supletiva dos Estados membros, para legislar sobre as riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca, quando finalmente a CR/88, apresenta em seu art. 225[1] uma estrutura protetiva do meio ambiente, possibilitando inclusive o intervencionismo Estatal através do Judiciário, que a denominou como Constituição Verde.
3. A Proteção normativa do Meio Ambiente:
É cediço que o direito não é ciência absoluta, e conforme preleciona Cabral[2], a proteção ao meio ambiente, além de direito difuso é direito de 3ª geração, podendo inclusive, ser instituído por normatismo externo, conforme preleciona a cláusula aberta do art. 5º, § 2º da CF/88, in verbis:
“§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Torna-se imperativo então, determinar regras para que a partir de determinados marcos conceituais possamos estabelecer o conceito, a extensão e a profundidade do acatamento de determinados Instrumentos Normativos de Proteção Ambiental, sem criar qualquer antinomia.
Como o Brasil é formado por um sistema jurídico instrumentalmente clássico, em princípio tutelando os direitos individuais, devido as constantes e complexas mudanças sociais, este sistema não produz respostas completas às necessidades da sociedade exigindo a todo instante a complementação da ordem jurídica, visando acompanhar os avanços tecnológicos e sociais.
Todavia, o Direito não acompanha esta evolução técnica e social de forma capaz a responder as novas demandas da sociedade com a mesma desenvoltura que a sociedade produz seus conflitos.
Proteger então estes direitos de uma forma diferenciada constituem os Instrumentos Normativos da Proteção ao Meio Ambiente, sejam eles direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, criando novas formas de tutela, capazes de dar respostas a estas demandas sociais.
Com efeito, a base consolidada de proteção ao meio ambiente não é outra senão a redução dos impactos negativos sobre a vida humana, afinal, diante das circunstâncias apresentadas pela crise ambiental, o dilema da sobrevivência da espécie humana permanece: ou o sistema ambiental é protegido ou a vida no planeta será comprometida.
Não obstante, a história recente nos ensina que a fundamentabilidade de qualquer direito não se sobrepõe aos desígnios da legislação, razão pela qual, torna-se necessário compreender que individualmente o direito ou o avanço tecnológico não serão suficientes para garantir a sobrevivência da espécie humana, necessitando desta forma uma interdisciplinaridade para buscar o equilíbrio sustentável.
Neste contexto de modernidade, o homem evoluiu ambientalmente e abandona o conceito antropocêntrico, passando de sujeito a objeto inserido na própria natureza, carecendo assim de proteção ambiental como direito fundamental a vida. Vê-se, portanto, que embora dispersas pelo texto Constitucional, ou mesmo pela legislação infraconstitucional, para atingirmos a plenitude da proteção ambiental, necessário é que nossas ações sejam pautadas pelos instrumentos e procedimentos já instituídos pela legislação vigente.
Luiz Paulo Sirvinskas[3] preconiza que devemos interpretar a expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, conciliando o binômio desenvolvimento (art. 170, VI, CR) versus meio ambiente (art. 225, caput, da CR). Afirma ainda, que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos e completa, que o Direito Ambiental estaria totalmente calcado na CR/88, embora precedido de outros estudos anteriores, e que as normas constitucionais ambientais, devem ser classificadas como normas específicas, normas gerais, normas de competência e normas de garantia.
Neste sentido, o entendimento do autor, é que a estreita ligação entre as atividades do ser humano, a degradação ambiental e as consequências nefastas dessa degradação, têm proporcionado inúmeros problemas ambientais, o que denota a urgente necessidade de um intervencionismo judicial ante a falta de diálogo entre as diversas ciências, visando conciliar desenvolvimento sustentável e o meio ambiente saudável.
Naturalmente que outros teóricos possuem uma visão diversa da interpretação acima, assim, em razão da complexidade interativa, qualquer estudo a cerca do meio ambiente, necessariamente deverá levar em conta todas as variáveis que compõem a questão ambiental, sem deixar a margem, as relações entre as ciências econômicas e sociais, que o autor deixa de citar.
Édis Milaré[4] aborda a base Constitucional da proteção ambiental afirmando que cabe a Constituição como lei fundamental, “intervir, traçar o conteúdo, os rumos e os limites da ordem jurídica”, localizando inclusive, na norma constitucional, os fundamentos da proteção ao meio ambiente.
Afirma ainda, que essa nova perspectiva de desconsiderar o meio ambiente como bem jurídico casual, constitui valor intrínseco e com autonomia determinada pela CR/88, assim como os demais direitos da pessoa e da saúde humana. Com efeito, esclarece o autor que a Carta Constitucional, elevou o Direito ao Meio Ambiente à categoria de valores sociais, institucionalizando-o como direito fundamental do individuo, bem de uso comum do povo e reconhecendo como direito público subjetivo que carece da proteção estatal.
Ressalta ainda, que a CR/88, ao abrigar a proteção ao meio ambiente de forma autônoma como valor fundamental de direito à vida, prescreve garantia e mecanismos capazes de assegurar a cidadania e meios de aplicação da tutela judicial protetiva, reconhecendo ainda que a dimensão e perspectiva da proteção ambiental não se traduzem somente pelo texto constitucional, apresentando em seguida, outros comandos legislativos de proteção ao meio ambiente, tais como: lei 7.735/89, lei 7.802/89, lei 8.723/93 (…) e demais listados em sua obra.
Noutro giro, a chave de leitura que apresenta Paulo Affonso Leme Machado[5] é a expressão “meio ambiente”, como direito de todos, essencial à sadia qualidade de vida, bem de uso comum do povo, e, impossibilitado de ser apropriado ou comercializado.
Esclarece que em consonância com o art. 23 e 24 do texto constitucional, uma nova concepção de federalismo se apresenta, pois a competência legislativa na proteção ao meio ambiente e ao combate a poluição atendendo as peculiaridades de cada caso, poderá ser exercida pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios de forma concorrente, não só na elaboração de leis, mas também, no que tange aos decretos, resoluções e portarias.
Celso Antônio Pacheco Fiorillo[6] sobre o tema entende que o grande objetivo da proteção do meio ambiente é alcançado pela aplicação de princípios já consubstanciados pela CR/88. A ideia principal é que a unicidade de órgãos públicos e organizações da sociedade civil possam desenvolver esforços, no sentido de manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Todavia, nem sempre é possível identificar os responsáveis por agressões ao meio ambiente, uma vez que diante da ameaça ou dano ambiental, o Estado deverá oferecer mecanismos de tutela para a efetiva proteção do meio ambiente.
Entretanto, na ação ou omissão que causem dano ao bioma é necessário distinguir responsabilidades, uma vez que eventualmente o sujeito de direito autônomo é substituído por uma universalidade de titulares, que tem em comum uma situação de fato que os torna momentaneamente atores, interessados ou legitimados na tutela protetiva do direito ambiental.
Complementa ainda afirmando que a nova concepção protetiva de direito ambiental é fundamentada também em outros dispositivos infraconstitucionais apontados pela Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), em redação determinada pela Lei 8.028/90.
A partir desta interpretação, entende o autor que a regra norteadora é a repartição de competência legislativa, que deverá ser consubstanciada pelo principio da predominância dos interesses, o que se traduz na origem de legislar para o território, o estado ou mesmo às localidades regionais, visualizando assim, as situações fáticas de cada região e suas necessidades imediatas de intervenção Estatal.
3.1. Princípios Ambientais:
Quando se trata de discutir a questão ambiental por meio dos princípios que a ela subsistem, a reflexão se torna complexa não havendo consenso na doutrina em determinados conceitos principiológicos.
Neste contexto, os princípios se tornam um norte, importando salientar que a busca de uma combinação entre o crescimento econômico e a preservação ambiental é meta que pesquisadores e autores têm debruçado seu tempo, seja por meio de políticas ambientais ou pesquisas científicas, que traduzem uma crescente preocupação com o meio ambiente e a percepção de que a sustentabilidade do planeta dependerá das condições de preservação do mesmo.
Com efeito, apresentar os relevantes princípios ambientais e como suas colunas estruturais podem colaborar na preservação ambiental, é matéria de estudos mais profundos, entretanto, destacamos alguns princípios norteadores do Direito Ambiental, comumente aplicados em sentenças judiciais através do intervencionismo Estatal, quais sejam: prevenção ou precaução, in dubio pro natura; equivalência ou equilíbrio; publicidade e participação popular; poluidor-pagador; função socioambiental da propriedade; progressividade; seletividade e essencialidade; equidade intergeracional; informação; solidariedade; proibição do retrocesso; entre outros.
Cumpre destacar entre todos os princípios citados, aquele que julgamos blindar o meio ambiente, qual seja: principio da proibição do retrocesso ecológico que nos parece nortear as recentes decisões judiciais, através do intervencionismo necessário, conforme destaca o STJ no conceito do princípio em comento:
“Pressupõe que a salvaguarda do meio ambiente tem caráter irretroativo: não pode admitir o recuo para níveis de proteção inferiores aos anteriormente consagrados, a menos que as circunstâncias de fato sejam significativamente alteradas. Essa argumentação busca estabelecer um piso mínimo de proteção ambiental, para além do qual devem rumar as futuras medidas normativas de tutela, impondo limites a impulsos revisionistas da legislação.”[7]
Referido princípio vem como freio à ânsia do legislador no sentido de produção normativa sem que o devido interesse de proteção ambiental seja levado em consideração frente ao atual nível protetivo.
3.2. O Dano Ambiental:
A preocupação da humanidade com a qualidade de vida e a sobrevivência da espécie humana é recente, entretanto, não se pode perder de vista que a sociedade vem provocando danos ambientais irreparáveis que redundam em um fracasso na proteção de um bem consagrado pela CR/88 em seu art. 225. Nesse sentido, já tarda a necessidade de aprimoramento efetivo da proteção ao meio ambiente como um todo, em detrimento ao ecocídio que vem sendo aplicado aos bens ambientais.
Por seu turno, Leite[8], salienta que o meio ambiente é autônomo, unitário e de interesse múltiplo integrado por vários elementos naturais, artificiais e culturais, alertando ainda, que quaisquer alterações indesejáveis nocivas se transformam em lesão ao direito fundamental, constituindo-se desta forma o “dano ambiental”.
Descrevendo o autor sobre a dificuldade de identificação do “dano ambiental”, classifica o mesmo pela sua amplitude, reparabilidade, extensão e interesse motivado, tendo em vista que no Brasil, o dano reparável tem conceito aberto, podendo ser entendido como qualquer lesão intolerável causada ao meio ambiente pela ação humana, culposa ou não.
Amplificando o conceito de dano ambiental, Custódio[9], considera que toda alteração direta ou indireta no meio ambiente suscetíveis de prejudicar os recursos ambientais vivos e não vivos ali integrantes ou à saúde humana, considera-se evento danoso.
Destaca Steigleder[10], que na legislação Brasileira o dano ambiental reparável não se limita ao dano ecológico puro, que representa apenas uma das facetas do dano, não existindo, portanto, uma definição restritiva na legislação, diferente do oque ocorre na Diretiva 2.004/35-CE, ademais, delimitar o dano, não permite a identificação do bem jurídico protegido. Não obstante, a Lei 6.938/81 que trata da Politica nacional do Meio Ambiente, estabelece em seu texto, a imposição de recuperar e/ou indenizar por danos causados ao meio ambiente, bem como a contribuição pelo uso de recursos para fins econômicos, ante ao extermínio de ecossistemas.
De toda sorte, importa salientar que independente da condição apresentada, o dano ambiental necessita de reparação imediata, de forma a mitigar a perda de qualidade do meio ambiente. O que se percebe é que a tarefa de estabelecer o “dano ambiental” no caso concreto não é medida simples, a iniciar pela própria indefinição legislativa aberta, que podem abranger prejuízos causados ao meio ambiente como um todo, bem como aos elementos individuais da natureza que integram o bioma, incluindo aqui o próprio homem.
Por conseguinte, seja pela relevância do dano ambiental, pela extensão ou pelo agravamento que o evento danoso provocará ao longo do tempo, certo é que não se trata de avaliar o dano em concreto, pois tal complexidade se inicia por precificar os bens ambientais em sua completude, o que se torna impossível definir como um valor mensurável, todavia, a valoração em abstrato é factível, o que pode ocasiona em uma reparação equitativa ou indenização compensatória.
3.3. A Responsabilidade Civil Ambiental na Legislação Brasileira:
Tratar da responsabilidade Civil Ambiental é tarefa que permeia os mais profundos conhecimentos a cerca da matéria, pois a divergência doutrinária habita o campo da natureza jurídica da responsabilidade administrativa, exposta em diversos estudos e por autores renomados como Mierelles[11], em consequência, não se pode deixar a margem desse estudo a Responsabilidade Administrativa Ambiental, positivada no § 3º do art. 225 da CR/88, que considerou que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sujeitarão seus infratores, sejam eles pessoas jurídicas ou físicas á sanções penais e administrativas, sem prejuízo da obrigação legal de reparar os danos causados. Desta forma, resta clarividente a tríade punitiva em que o poluidor poderá ser responsabilizado pelo ato de violação ao meio ambiente através dos instrumentos sancionadores administrativos.
O Código Civil de 2002, diligente aos anseios sociais, e, na tentativa de compartilhar os avanços tecnológicos e industriais da sociedade moderna, estabeleceu relevantes alterações em seu texto quando do tratamento da responsabilidade civil. Transportado de uma sólita interpretação fundamentada na culpa do agente, para outra esfera de visão dualista lastreada na incidência do dano e o nexo causal do risco da atividade, perceberam inúmeros doutrinadores que as regras clássicas da responsabilidade não ofereciam uma blindagem jurídica adequada ao meio ambiente, formalizando assim, a Responsabilidade Civil Ambiental fundada na regra da objetividade.
Neste sentido, as observações dos princípios norteadores do Direito Ambiental foram de crucial importância na formatação deste instituto, frisando sempre que na reparação do dano ambiental não se alcança os resultados do status quo ante, finalidade precípua da responsabilidade civil ambiental.
Nesta tríade responsável, não podemos deixar sem comentários a Responsabilidade Penal Ambiental, que em companhia das demais, buscam a garantia repressiva do meio ambiente saudável, direito natural do ser humano garantido pela carta Constitucional.
Abordado como ultima ratio, pelo Direito penal em matéria de responsabilidade jurídica, a doutrina entende como princípio da intervenção mínima do Estado, qualquer ação ou omissão que envolva a violação de direito tutelado, neste sentido, em que pese o meio ambiente não se encontrar especificamente inserido no ordenamento penal pátrio, inúmeros normatismo tratam da matéria, em consonância ao art. 225, § 3º da CF/88.
Por derredor, cabe citar a Responsabilidade Compartilhada, estampada no art. 30 da Lei 12.305/2010 (Politica Nacional de Resíduos Sólidos), que inova o ordenamento pátrio, redistribuindo preventivamente a responsabilidade pelo ciclo de vida útil de produtos, que hoje superam em muito a proporcionalidade ante aos bens ambientais.
4. Intervencionismo Judicial:
A instituição de um Estado Social Democrático de Direito significa antes de tudo, o triunfo de direitos individuais e difusos de proteção, contra o excesso imoderado dos poderes Estatais. Antigos dogmas de que o poder emana do povo e se torna legitimo através dele, pode ser interpretado a partir da doutrina iluminista, por obras de Locke e Rousseau, que legitimam a participação política através de um novo modelo de Estado.
A percepção de que o Estado deve atuar garantindo os direitos de proteção não é inovadora, assim, podemos afirmar que a Carta de 1988 significou a consagração de um Estado de Democrático de Direito convergindo na soberania protetiva de novos direitos sociais.
Importante salientar, que a superação do modelo Estatal não significa a supressão do direito de intervir e, neste compasso, o Poder Judiciário, vem atuando na busca pela aplicação de medidas consagradas na referida Carta.
Este ativismo judicial vem gerando debates no Brasil, com criticas sobre o desconhecimento a cerca da matéria, o papel comportamental e paternalista de juízes, bem como o entendimento doutrinário de outros autores, afirmando que o Poder Judiciário é responsável pelas garantias do jogo democrático e, em casos específicos, deverá promover uma intervenção incisiva, como podemos extrair das obras de Häberle[12] e Häbermas[13].
Neste sentido e para entender o ponto de vista dos autores, necessário é inicialmente uma interpretação constitucional aberta, em contrariedade ao modelo fechado que concentra a interpretação nos juízes assentada em normativíssimos jurídicos rígidos, de modo que o uma decisão não seja fruto exclusivo da interpretação individual e normativa dos juízes.
Para os autores, todas as forças políticas devem participar da decisão que envolvem os Direitos difusos, devendo ser produzida não apenas pelos sujeitos do processo. Os autores lembram que todos aqueles que se submetem à norma são responsáveis pela construção de sua interpretação, de modo que o resultado de um processo não pode ser limitado aos interessados do caso concreto.
Podemos então concluir, que o Intervencionismo Judicial por designação Estatal, é medida salutar de proteção ao meio ambiente, dentre outros direitos difusos e, neste contexto destacamos com exemplo, a obrigatoriedade de vacinação como forma de intervencionismo estatal na busca de uma proteção difusa a saúde.
Este caráter intervencionista preventivo pode então ser aplicado por meio das normas protetivas ao meio ambiente, que conforme dito alhures, se faz presente no ordenamento pátrio desde a chegada dos Portugueses, embora sem a conotação de proteção ambiental consciente.
Não obstante aos desígnios da sociedade, entendemos que para a efetividade do intervencionismo preventivo são necessárias atividades educacionais destinadas às novas gerações, afinal, o paradoxo que apresentamos, é o meio ambiente como uma “vela” que se acendeu com a instituição da sociedade organizada para o desenvolvimento. No momento em que essa vela se consome, não há retrocesso ao status quo e tão somente uma paralização do estado em que se encontra até onde se queimou.
Nesse sentido preventivo, é que um dos princípios basilares do Direito Ambiental se fortalece concedendo subsídios ao Poder Legislativo, que consubstanciado pelo forte apelo ambiental, possa produzir normas de conduta preventiva que aplicadas à sociedade tenham o encargo de fornecer uma mínima interferência do judiciário, já tão assoberbado em suas funções.
Ressalta-se nesse sentido, o Licenciamento Ambiental, que transversalmente vem exigindo da sociedade industrial previamente, estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA), adotando uma postura oportuna, de manutenção do equilíbrio entre a qualidade de vida, o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade ambiental.
A contra censo, o Judiciário vem se mostrando por meio de suas decisões monocráticas ou colegiadas, que está determinado a implantar uma conduta positivada na legislação existente, com o fim precípuo de uma compensação ou reparação aos danos causados ao meio ambiente.
Nesta seara há de se entender que o Estado através do Judiciário vem tomando seu lugar de direito, produzindo com austeridade suas sentenças e acórdãos, visando atingir a origem do problema como parte de uma solução condicional para compensar ou reparar o dano ambiental.
Não obstante sua intervenção necessária, a atuação do Poder Judiciário em respeito ao princípio da inércia da jurisdição[14], apenas atuará quando devidamente provocado por um legítimo interessado em sua intervenção.
Assim, diante uma lesão ou ameaça de lesão a um direito, o interessado, lesado ou pretenso a ser, deverá provocar o judiciário para que o mesmo aprecie a controversa, solucionando-a a fim de pacificar a sociedade, cumprindo assim seu mister.
Porém, para que uma demanda possa ser devidamente apreciada pelo Poder Judiciário, a mesma deve atender a determinados requisitos de acordo com o caso concreto, variando entre os legitimados ativos, passivos, competência jurisdicional para apreciação, bem como a amplitude do objeto da ação.
Para tanto, o direito processual dispõe de instrumentos diversos para atender aos anseios de um Estado Democrático de Direito, que coloca à disposição de variados atores da sociedade para que suas pretensões sejam apreciadas pelo Poder Judiciário. Entre elas, para o presente estudo, se abordará as de caráter coletivo e a individualista.
5. Reparação por Danos na Ação Coletiva:
Não obstante haverem outros instrumentos processuais coletivos para a defesa do meio ambiente, como o mandado de segurança coletivo, ação popular ambiental, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo ambiental e mandado de injunção, Édis Milaré realça a missão da ação civil pública no ordenamento jurídico nacional como sendo o principal mecanismo para o efetivo exercício dos direitos conferidos no plano material[15], motivo pelo qual, o presente trabalho, nesta se debruçará.
A Lei 7.347 de 24 de julho de 1985 disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica, e à ordem urbanística, sem afastar a possibilidade do manejo da ação popular[16].
Não obstante a ação civil pública passar a ideia primeva de necessidade de ocorrência de um dano para a devida imputação da respectiva responsabilidade, já tarda a aplicação do efeito ex ante para a referida ação podendo ser ajuizada antes da ocorrência do dano previsto, de forma, portanto, cautelarmente[17], visando a não ocorrência deste. Assim, a ação civil pública poderá ter por objeto, além da condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer, também a de não fazer, ou seja, abster-se o pretenso degradador em continuar com sua intenção que levará ao dano[18].
No introito referente aos mecanismos processuais disponíveis à proteção ambiental, fez-se menção ao princípio da inércia da jurisdição, onde o Poder Judiciário somente atuaria após a devida provocação de uma parte interessada. Tal princípio, todavia, não quer dizer que diante a percepção de um dano ou ameaça deste ao meio ambiente, o órgão jurisdicional deva permanecer passivo, pois, a vedação diz respeito ao início da respectiva ação a ser proposta para apreciação pelo próprio judiciário, contudo, este no exercício de suas funções, ao tomar conhecimento de fatos relevante para a propositura da ação civil pública, deverá acionar o Ministério Público para que o mesmo tome as medidas de sua competência[19].
Além do Ministério Público, legitimado por excelência a manejar a ação civil pública, outros possuem referida prerrogativa, quais sejam, a Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; a associação que, concomitantemente esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil[20] e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico[21]. Trata-se de verdadeira legitimação extraordinária, onde terceira pessoa busca “pleitear em juízo direito ou interesse alheio”, uma vez que “protege interesse metaindividual ou transindividual em benefício da coletividade”[22], bem como “legitimação autônoma” como lembra Milaré, em caso de defesa de interesses difusos ou coletivos em sentido estrito, “porque em tal hipótese a lei não permite que o substituído, individualmente, ajuíze a demanda”[23].
Paulo de Bessa Antunes alerta que interesses difusos não se confundem com interesses de grupos se confundindo assim com postulações coorporativas. Para que a pretensão seja acolhida na seara dos direitos difusos, há que se ter a “característica de serem um prolongamento e uma extensão dos direitos humanos fundamentais”, pois do contrário, a ação civil pública ambiental se torna descabida a tal pretensão[24].
Tendo a ação civil pública como objeto, no caso do presente estudo, a proteção ao meio ambiente, o provimento judicial poderá vir, conforme alhures já exposto, mediante a condenação do réu em dinheiro, cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, de acordo com a literalidade do art. 3º da respectiva Lei. Todavia, explica Milaré[25], que diante o disposto no art. 83 do Código de Defesa do Consumidor[26], que se aplica subsidiariamente à Lei da Ação Civil Pública[27], “ficou ampliado a todas as espécies de ações capazes, no caso, de propiciar adequada e efetiva defesa do ambiente”, podendo assim, ser buscada “toda e qualquer tutela jurisdicional para a defesa do meio ambiente”.
Nesta senda, Milaré[28] cita Ada Pellegrini, que aduz ser possível a ação civil pública ser maneja para, por exemplo, “invalidar contrato administrativo lesivo ao meio ambiente”, o que não estaria, portanto, reservado exclusivamente à ação popular.
De acordo com o art. 16 da Lei 7.347/85,
“A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
Com relação à extensão da coisa julgada, a literalidade do dispositivo acima pode levar a equivocada crença de limitação dos efeitos da sentença ao território de competência do órgão prolator.
Todavia, Ada Pellegrini, citada por Milaré, esclarece:
“…o âmbito da abrangência da coisa julgada é determinado pelo pedido e não pela competência. Esta nada mais é do que a relação de adequação entre o processo e o juiz, nenhuma influência tendo sobre o objeto do processo. Se o pedido é amplo (de âmbito nacional), não será por intermédio de tentativas de restrições da competência que o mesmo poderá ficar limitado”.
Assim, não se pode esperar que uma ação coletiva que tutele direitos difusos possa produzir seus efeitos apenas nos limites territoriais de sua propositura, ademais, em se tratando de dano ambiental, o mesmo pode ser iniciado em uma localidade, jurisdição, e se expandir a outras, portanto, tanto para Milaré e Ada Pellegrini, referida disposição nesse sentido introduzida pela Medida Provisória 1.570/97 transformada em na Lei 9.494/97, não possui aplicação prática.
Por expressa disposição do art. 21 da Lei 7.347/85, aplica-se à ação civil pública, no que couber, as disposições contidas, no Título III[29] do CDC, assim, o sistema da coisa julgada foi inovado pelos arts. 103 e 104 do respectivo diploma.
Nesse interim, a ação civil pública se apresenta como o principal meio processual para se tutelar o meio ambiente ecologicamente em equilíbrio, bem de uso comum do povo, portanto, de interesse difuso.
6. Reparação por Danos na Ação Individual:
O meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, portanto, bem difuso, não se confunde com os bens, ou recursos ambientais que o compõe, tais como o solo, a água, o ar, a flora ou fauna.
Em situações de dano ambiental que afete o sistema ecológico de forma a lhe tolher o próprio equilíbrio, as vias judiciais apropriadas à devida restauração, ou compensação e até em último caso a indenização em pecúnia, são sem dúvida as ações coletivas, em especial a ação civil pública como acima exposto.
Todavia, podem ocorrer situações em que haja o dano ao bem difuso a ser tutelado pela via de ações coletivas, e também um dano ao microbem ambiental, ou seja, a alguns de seus recursos, que afete de especifica um indivíduo. Ou ainda, um dano a algum recurso ambiental, sem contudo, caracterizada a ocorrência de dano ao macrobem, ou seja, ao bem ambiental difuso, justamente o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em tais casos, pode o indivíduo diretamente afetado pelo evento danoso se valer de ação ordinária de responsabilidade civil contra o causador do dano, para ver ressarcido seus prejuízos, sejam eles materiais ou morais.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, 6.938, em seu art. 14, §1º, assim expõe:
“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”. (grifo nosso).
Ao tratar das sanções impostas pela própria legislação, teve o cuidado o legislador em deixar expressa referida norma ressalvando o direito de terceiros afetados pelo avento danoso, não obstante, a ausência da referida cautela, não viria a interferir de maneira a obstar a possibilidade de busca do ressarcimento pelo ofendido, que possui o sistema geral de responsabilidade [30]do direito civil a sua disposição.
Em recente palestra, a Prof.ª Carla Amado Gomes[31] destacou a diferença conceitual trazida pela Diretriz Europeia 147/2004, que trata sobre o “dano ambiental e o dano ecológico”, esclarecendo que em se tratando da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, é o titular da ação o sujeito individualizado, pois o entendimento e de que meio ambiente consagra além do meio urbano, o cultural e patrimonial e, portanto, passível de mensuração econômica.
Em contra partida, em se tratando de dano ecológico, o estado é o titular da ação, tendo em vista que o dano ecológico é definido pela diretriz supracitada, como aquele provocado diretamente à natureza que tem conotação de bem difuso e coletivo.
7. Limites da Sentença na Ação de Reparação por Danos ao Meio Ambiente:
O dinamismo das atividades humanas se apresenta tamanho que, ingênuo seria pensar em um total controle estatal frente àquelas atividades geradoras de danos ambientais no sentido de se evitar a depreciação da qualidade ambiental.
Há também que se ressaltar que determinadas atividades, mesmo licenciadas perante os órgãos ambientais competentes, mediante complexos estudos ambientais preliminares (EIA-RIMA[32]), são causadoras de impactos significativos, como, por exemplo, os advindo da indústria extrativista do minério.
Nesse sentido, mister se faz pensar em uma outra estrutura paralela à da prevenção dos danos ambientais visando, quando este ocorrer, sua reparação, seja administrativa ou judicialmente.
Em se tratando de estruturar um sistema de reparação do dano, a própria Constituição da República de 1988 traz dispositivos em particular para o dano ambiental, diferenciando-o da simples responsabilidade civil oriundas de outras searas da vida em sociedade, como por exemplo, o dever de reparar por um acidente de trânsito. Trata-se dos parágrafos 2º e 3º do art. 225 que assim dizem:
“§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
No caso de atividades que exploram recursos minerais, as mesmas se enquadram no exemplo exposto anteriormente, pois, é inevitável à ocorrência do dano ambiental, bem como significativas são suas proporções seja em nível de grau do dano ou extensão do mesmo. Sabedor destas vertentes, o legislador constituinte trouxe então para a Magna Carta a menção expressa sobre a obrigatoriedade de responsabilizar o causador do dano a fim de sua reparação.
Por outro lado, o parágrafo terceiro traz a desvinculação da reparação civil do dano ambiental, tendo assim, possibilidades de se impor sanções outras aos seus causadores nas esferas penais e administrativas, demonstrando mais uma vez a preocupação com a qualidade ambiental.
Ao explanar sobre o tema, José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, realçam não apenas a importância de um sistema de reparação do dano ambiental, mas também o viés que esse sistema adotaria, no caso, preconizando a sua conservação e sua manutenção, tratando-se, portanto, dos institutos da restauração e da compensação ecológica, devendo assim, o sistema preconizar o princípio da conservação, exigindo que as “sanções em direito ambiental estejam, prioritariamente, dirigidas à reconstituição, à restauração e à substituição do bem ambiental”[33].
Édis Milaré por sua vez, esclarece que as hipóteses de reparação do dano ambiental ao impor um custo financeiro ao poluidor possui duplo caráter, sendo o primeiro em “dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima”, bem como “dissuadir comportamentos semelhantes do poluidor por terceiros”, sendo que a efetividade de ambos depende “diretamente da certeza (inevitabilidade) e da tempestividade (rapidez) da ação reparatória”[34].
Nesta senda, o provimento emanado pelo Poder Judiciário deve se atentar ao esperado em matéria ambiental no sentido de viabilizar à sociedade a volta do equilíbrio do meio ambiente como um todo, e não se ater aos recursos ambientais isoladamente, bem como caminhar para a indenização sem antes buscar a restituição do status quo. Para tanto, o magistrado possui o dever de buscar em primeiro plano a restauração natural, a compensação ecológica, e por fim, estas não sendo possível, condenar o agente degradador à indenização pecuniária.
7.1. Restauração Natural:
Sendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado fundamental à sadia qualidade de vida, uma vez este degradado, há que se buscar restabelecer o estado anterior, ou ao menos o mais próximo daquilo que era antes da degradação, com visa a restabelecer, portanto, o equilíbrio como um todo.
Neste caminho por certo a primeira opção se trata da restauração natural, ou seja, retornar ao estado anterior ao da degradação de forma que o equilíbrio do ecossistema envolvido possa seguir seu ritmo natural.
Leite e Ayala ao tratar da “restauração in natura”, aduzem que os caminhos para esta seriam a “recuperação ou recomposição, ao lado da cessação das atividades nocivas”[35].
José de Sousa Cunhal Sendim, apud Milaré, aduz que a restauração natural deve visar:
“recuperação da capacidade funcional ecológica e da capacidade de aproveitamento humano do bem natural determinada pelo sistema jurídico, o que pressupõe a recuperação do estado de equilíbrio dinâmico do sistema ecológico afetado, isto é, da sua capacidade de autorregeneração e de autorregulação”[36].
Importante ressaltar que a condenação à restauração natural não implica unicamente a abstenção de agir contrariamente ao ambiente, ou seja, o simples abandono da área degradada na esperança que esta venha a se recuperar naturalmente ao longo do tempo, mas sim, implica em uma ação ativa do degradador no intuito de viabilizar a melhor e mais rápida forma de recuperação do equilíbrio afrontado, o que passa, por exemplo, em atitudes de reflorestamento, repovoamento com fauna silvestre, entre outras.
7.2. Compensação Ecológica:
Não obstante a prioridade seja a restauração natural, hipóteses podem ocorrer em que esta não será possível, assim, há que se estabelecer um sistema de compensação ambiental que vise a melhor alternativa viável frente aos danos ocasionados e sua mitigação.
O instituto da compensação ecológica visa compensar o dano ocorrido de forma mais próxima do possível necessária, com a devida substituição do bem ambiental lesado por outro que venha lhe fazer às vezes no cenário do respectivo ecossistema.
Milaré aduz que a compensação ecológica deve corresponder funcionalmente em área de influência e de preferência diretamente à da área degradada, e que visaria inclusive impedir o “sucedâneo da indenização pecuniária”[37].
Leite e Ayala classificam esta forma de reparação ambiental de acordo com a gênese da obrigação, podendo ser jurisdicional; extrajudicial; preestabelecida ou normativa; e por fundos autônomos [38].
Nessa perspectiva tem-se que a compensação jurisdicional advém de uma imposição através do Poder Judiciário, mediante sentença transitada em julgado. A compensação extrajudicial se relaciona ao “termo de ajustamento de conduta” (TAC) firmado entre o poluidor junto ao Ministério Público. A compensação preestabelecida ou normativa advém de norma pré-existente onde o legislador prevê a forma de compensação a determinados casos, como, por exemplo, a Lei 9.985/2000[39]. E por fim, os fundos autônomos que recebem contribuições de potenciais poluidores constituem importantes recursos a serem aplicados aos danos ambientais de grande vulto.
7.3. A Indenização Pecuniária:
A indenização pecuniária, mais comum no ordenamento jurídico nacional, visa à compensação pelo dano não exatamente levando em conta o seu retorno ao estado anterior, portanto, não visa em primeiro plano à compensação ecológica ou restauração natural propriamente dita.
Por tal motivo, se julga pertinente o seu deslocamento para outra espécie de sanção frente ao dano em relação à compensação ecológica acima exposta, não obstante doutrinadores como Leite e Ayala, assim não as dividirem, sob o argumento de que os valores arrecadados em sede de ação civil pública são revertidos a um fundo, que por sua vez, seriam revertidos à compensação ecológica[40].
Todavia, com a existência de um dano ambiental, todas as hipóteses de restauração e compensação ambiental devem ser preconizadas em relação à indenização pecuniária, que caso imposta, possui caráter alternativo ou cumulativo as ações que buscam o restabelecimento do equilíbrio do meio ambiente, não se vinculando diretamente seus recursos ao local do dano, como nos casos do fundo gerenciador dos recursos da ação civil pública, que pode disponibilizar montantes oriundos de uma condenação referente a um dano específico a outro dano ou ação de promoção da qualidade ambiental em localidade distinta.
Outro ponto que afasta os dois institutos se trata da possibilidade de compensações financeiras destinadas diretamente aos ofendidos pela ocorrência do evento danoso. Em tais hipóteses, esses indivíduos são indenizados diante prejuízos que sofreram diante o dano específico, seja prejuízo de ordem material, ou moral, não sendo destinado, portanto, ao reestabelecimento do bem ambiental.
Por tais motivos se defende a desvinculação desse tipo de compensação pecuniária pura e simples pelo evento danoso, do instituto da compensação ecológica propriamente dita que visa à recuperação da qualidade ambiental, não obstante que para tanto, recursos financeiros deverão ser dispendidos.
Édis Milaré aduz que a indenização pecuniária possui caráter subsidiário em relação à restauração e compensação ecológica, sendo assim uma forma indireta de sanar a lesão[41].
7.4. Da Prescrição da Pretensão de Reparação do Dano Ambiental:
Conforme visto em tópico apropriado, o dano ambiental possui características peculiares que o faz receber atenção distinta referente ao instituto da prescrição, pois, ao mesmo tempo em que abarca a toda coletividade através da ofensa ao macrobem meio ambiente ecologicamente equilibrado, pode o mesmo fato vir a individualizar o dano, passível de ser postulado pela pessoa diretamente atingida pelo evento danoso, diante dano específico ao microbem a esta vinculada.
Édis Milaré, em matéria de prescrição diante ao dano ambiental, sustenta que
“não estamos diante de direito patrimonial quando se fala de tutela do meio ambiente difusamente considerado. As pretensões veiculadas na ação civil pública se relacionam com a defesa de um direito fundamental, indisponível, do ser humano; logo, inatingível pela prescrição”[42].
Todavia, para o mesmo autor, “no dano reflexo ou infligido ao microbem ambiental, aí, sim, estarão definidas as regras de prescrição pelos ditames do Código Civil, pois tem titulares determináveis”[43].
Por outro lado, Paulo de Bessa sustenta que “romper a barreira prescricional seria, no caso concreto, estabelecer um nível insuportável de falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito e, reflexamente, para a atividade econômica”[44].
Antunes reconhece a dificuldade prática para o início da contagem do prazo prescricional para cada um dos legitimados a intentar a ação civil pública, todavia, sustenta que tendo legitimados determinados pela legislação, uma vez possível caracterizar o início da contagem do prazo prescricional, está deverá ser computada e os efeitos da prescrição, caso atingido o lapso temporal, deverão incorrer no caso concreto[45].
Como fiel da balança para o presente estudo, Servinskas na linha de Milaré, aduz que uma vez o direito ambiental tutelar bem de uso comum do povo e essencial a sua sadia qualidade de vida (art. 225 da CF), sendo, portanto, denominado bem difuso, seria indisponível e imprescritível[46].
Contudo, ressalta-se que em se tratando de pretensão individual frente a dano ambiental, esta pode ser atendida pelo instituto da prescrição, uma vez se tratar de dano patrimonial e não difuso.
8. Tipos de Decisões:
Como relatado alhures, as decisões judiciais na seara ambiental, em especial as oriundas das ações coletivas como a ação civil pública, não necessariamente ficam restritas a condenação do réu em dinheiro, cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, de acordo com a literalidade do art. 3º da respectiva Lei, mas podendo ser buscada toda e qualquer tutela jurisdicional para a defesa do meio ambiente, das quais, algumas se passam a analisar.
8.1. Sentença Declaratória:
Ao buscar a apreciação da controvérsia pelo Poder Judiciário, o demandante pode “pedir” que este declare a existência ou não de um direito, ou a validade ou não de determinado ato administrativo, por exemplo.
Trata-se de um pleito declaratório que visaria, segundo João Batista Lopes, “a desfazer dúvida ou incerteza quanto à existência ou inexistência de uma relação jurídica”[47].
Paulo de Bessa afirma que
“em não poucas oportunidades, a reparação de uma lesão poderá demandar uma prévia declaração judicial da existência ou da inexistência de uma relação jurídica, a validade de um ato jurídico, verbi gratia, a anulação de licenças ambientais concedidas ao arrepio da lei”[48].
De fato, a ação declaratória pode se configurar necessária em certos casos, todavia, ao que se percebe na prática, esta aparece mais frequentemente cumulada com outra ação, ou pedido, seja de condenação, ou obrigação de fazer ou deixar de fazer.
8.2. Sentença Condenatória:
A sentença condenatória pressupõe a existência de um dano efetivado o qual daria causa à condenação que se pleiteia. Trata-se da “imposição de uma sanção, ou seja, uma determinação cogente, sob pena de execução ou cumprimento coativos”[49].
Assim, diante a existência de um dano, há que se percorrer a sua extensão, gravidade, bem como os ofendidos pelo mesmo, pois, o degradador poderá ser condenado ao pagamento de indenização em pecúnia para o ofendido diretamente ou para o Fundo destinado à Reconstituição de Bens Lesados (art. 13 LACP).
Conforme alhures se explanou, determinada demanda se apresenta como a última hipótese em se tratando de dano ambiental, pois, em princípio se dever perquirir a prevenção do dano, e posteriormente, diante sua materialização, o retorno ao estado anterior do bem lesado mediante a restauração natural ou compensação ambiental, objeto da ação mandamental.
8.3. Sentença Mandamental:
Dentre as sentenças expostas, a que melhor vem a atender os anseios da sociedade em se preservar o equilíbrio ambiental, sem dúvidas, trata-se da sentença mandamental, cuja qual possui como finalidade ordenar o réu à obrigação de fazer ou não fazer, seja, com visas à recuperação ambiental, ou buscando a proibição de inicio ou continuidade de determinado ato lesivo ao meio ambiente.
Tal instituto encontra-se como objeto clássico da ação civil pública estampado em seu art. 3º, com o providencial apoio do respectivo art. 11 da mesma legislação que assim determina:
“Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.”
Ainda é possível ao juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo, inclusive com cominação de multa pelo descumprimento do determinado, porém, esta, só se torna exequível com o trânsito em julgado da decisão antecipatória convertida em definitiva[50].
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Ao encerrar este ensaio, sem, contudo exaurir o tema da tutela protetiva judicial dos bens ambientais, remetemo-nos à necessidade da busca de um instrumento eficaz, célere e correto, capaz de solucionar as adversidades entre a responsabilização pelo dano ambiental, a necessária intervenção estatal através do judiciário e as consequências de uma sentença judicial condenatória ou reparadora. No entanto, pergunta-se esse instrumento, a sentença judicial, realmente cumpre com seu propósito?
Por outro lado, não teria o meio ambiente soluções próprias de se reordenar e regenerar por si mesmo? Posto que, sem ele, em pouco tempo a humanidade se extinguirá, em razão da escassez dos recursos naturais básicos para sobrevivência do homem. Ou necessita utilizar-se da jurisdição, para o prolongamento da sobrevivência da raça humana?
Com efeito, ao agregar incertezas acerca da eficácia dos instrumentos processuais para suprir a necessidade da proteção ao meio ambiente é que se prescreveu o presente estudo, buscando analisar a eficácia da Intervenção Judicial através dos limites da sentença nas ações de reparação de danos ao meio ambiente, para tutelar tão precioso bem, através da responsabilidade civil, com o objetivo de salvaguardar interesses metaindividuais e intergeracionais.
Por conseguinte, ao utilizar-se deste instrumento de intervenção, através da responsabilização civil pelo dano ambiental, acreditamos, ainda que momentaneamente ser o mais eficiente.
Informações Sobre os Autores
Pedro Paulo Ayres Pinto
Auditor Ambiental, Advogado, Mestrando em Direito Ambiental
Paulo Engel Vieira
Advogado