Incentivo a pragmática dos princípios de direito material e processual na realização da garantia do processo justo: o avançar da ontologia para epistemologia

Resumo: A institucionalização do devido processo legal é possível com a realização da pragmática. O presente trabalho pretende a realização da garantia do processo justo a partir do avanço da práxis de uma perspectiva ontológica para a perspectiva epistemológica de análise relacional dos valores constitucionais.

Palavras-chave: ontologia, epistemologia, pragmática.

Abstract: The institutionalization of due process is possible with the realization of the pragmatics. This work aims the implementation of the guarantee of a fair trial from the advancement of the practice of an ontological perspective to the epistemological perspective of relational analysis of constitutional values

Keywords: ontology, epistemology, pragmatics.

Sumário: 1. Introdução. 2. Correlação entre devido processo legal material e procedimental para integralidade do sistema jurídico. 3. Perspectiva ontológica do princípio do devido processo legal. 4. Perspectiva epistemológica do devido processo legal. 5 Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

O devido processo legal é princípio constitucional explícito no art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República. Em termos claros, significa impedir o abuso do Estado contra o cidadão, sendo uma proteção procedimental e material à ação do Estado em benefício do jurisdicionado no caso concreto.

Os princípios de Direito Material e Processual, juntos, tem o potencial de tornar efetivo e concreto o devido processo legal, ou seja, a pragmática da realização do direito de justiça tutelado, consubstanciado na contenção da arbitrariedade na condução do processo pelas partes e Estado, em contraposição à mera ideia abstrata da proteção legislativa.

As garantias do processo justo podem ser definidas sistematicamente em substantive due process of law e procedural due process of law. O primeiro faz referência à índole material da garantia do devido processo legal que, de maneira geral, significa o dever do Estado de submeter a sociedade somente à leis razoáveis. O segundo, que em processo judicial ou administrativo, é devido garantia de efetividade material das regras que constituem o devido processo legal procedimental, encerrando amplo acesso à justiça aos administrados.

2 CORRELAÇÃO ENTRE DEVIDO PROCESSO LEGAL MATERIAL E PROCEDIMENTAL PARA INTEGRALIDADE DO SISTEMA JURÍDICO

A noção de correlação entre devido processo legal material e procedimental como garantia de amplo acesso à justiça para realização de processo justo, nas palavras de Alexandre Câmara, significa que:

“[…] ‘acesso à justiça’, para que se torne clara a visão aqui manifestada do princípio do devido processo legal […] frise-se antes de mais nada, não pode ser tido como uma garantia formal, em que se afirmasse de forma hipócrita que todos podem demandar, provocando a atividade do Judiciário, bastando para tal que se contrate um advogado e que se adiante as custas do processo. Tal garantia seria inútil, ineficaz e conseguintemente uma falsa garantia”[1].

Para Kazuo Watanabe a garantia do devido processo legal deve ser entendida como garantia de ‘acesso à ordem jurídica justa’[2]. Nesse passo, torna-se sistemática a questão do devido processo legal, pois o direito e garantia de processo justo regula o sistema jurídico como um todo, conferindo maior relevância ao conceito pela noção de abrangência, generalidade e universalidade com que se impõe.

Ordem jurídica significa o “sistema legal adotado para assegurar a existência do Estado e a coexistência pacífica dos indivíduos em sociedade”[3]. Portanto, a abrangência e generalidade da garantia do devido processo legal transcende a ciência jurídica para figurar como pressuposto da Teoria Geral do Direito, com ganho de importância para a sociedade civil, a ponto de não se poder falar em presença do Direito se não garantido o devido processo legal.

3 PERSPECTIVA ONTOLÓGICA DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

A concepção de princípios representa automática diferenciação das regras de direito, que juntos compõem o ordenamento jurídico: princípios não são regras, e segundo Alexy são “mandamentos de otimização”. Regras são normas de aplicação imediata sem margem para valoração, porque explicitam o conteúdo da norma diretamente do texto da lei, como, por exemplo, a previsão do prazo decadencial de seis meses para representação do ofendido em matéria penal ou o prazo de quinze dias para contestar em âmbito civil.

A ideia de princípios como “mandamentos de otimização” leva à crença que princípios, dentre eles o princípio do devido processo legal, “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”[4].

Como assevera Edmundo Husserl, “nas profundidades [é que] residem as obscuridades e, nas obscuridades, os problemas”[5]. Admitindo-se que devido processo legal é princípio e que princípios são normas de otimização aplicadas na maior medida do possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas do caso concreto, é forçoso o reconhecimento de ser admitido no Estado de Direito eventual não aplicação do devido processo legal, caindo por terra o conceito da Administração Pública de ordem jurídica como “sistema legal adotado para assegurar a existência do Estado e a coexistência pacífica dos indivíduos em sociedade”[6].

4 PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Solução da controvérsia trouxe Ana Paula de Barcellos com o estudo intitulado “As regras têm preferência sobre os princípios constitucionais”, onde observa que o núcleo dos princípios constitucionais possui estrutura de regra, que não deve ser submetida à ponderação[7].

O Direito é um fenômeno social e requer aplicabilidade, ou melhor, em linguagem usual, efetividade. Assim, a ordem jurídica como sistema legal adotado para assegurar a existência do Estado e a convivência pacífica dos cidadãos deve ser concreta, ou seja, não deve ser concebida como um ídolo abstrato e funcionalizado. Para tanto, como advertido por Habermas, é necessário consciência de que:

‘[…] como todo domínio político é exercido sob a forma de direito, também aí existem ordens jurídicas em que o poder político ainda não foi domesticado sob a forma do Estado de Direito. E da mesma forma há Estados de Direito em que o poder governamental ainda não foi democratizado”[8].

O devido processo legal é direito fundamental com estrutura de regra de direito que não deve ser ponderada e requer aplicação efetiva e concreta. Tal efetividade e concretude, inobstante, depende da medida e forma com que os cidadãos se relacionam com o Estado e meio social[9].

Os direitos fundamentais na qualidade de princípios têm estrutura nuclear de regra com a superfície sujeita a valoração realizada pelo interprete da norma e por isso com admissão de inúmeras conclusões – vale lembrar que o Direito é um fenômeno social.

5 CONCLUSÃO

Para que os princípios do Direito material e Processual tornem efetivo e concreto o devido processo legal e garantam o processo justo, não basta somente conhecê-los na realização ontológica, é preciso ação para requerer seu exercício e implementação com vistas à institucionalização, em perspectiva epistemológica.

As garantias do processo justo são liberdades de matriz em ideais desenvolvidos nas revoluções burguesas, marco do fim do regime absolutista típicos do sistema feudal, e como toda liberdade, busca-se institucionalização. “Uma vez institucionalizadas enquanto liberdades, seu exercício normalmente pode ignorar seus motivos originais. […] Dessa forma a sociedade torna-se objeto do seu próprio mecanismo jurídico […]”[10].

Entretanto, o conhecimento específico dos princípios de Direito material e Processual se faz imprescindível (ontologia) para a luta mais difícil de exercício efetivo que segue (epistemologia).

 

Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo, Malheiros, 2008.
BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. Item II.1 “As regras têm preferência sobre os princípios”. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3ª ed. revista, Rio de Janeiro, Renovar, 2008.
CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I, 20ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Iuris, 2010, p. 37.
HABERMAS, Jügen. Direito e Democracia: entre a factilidade e validade, volume I, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2011, p. 171.
HABERMAS, Jurgen. A inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 285-286.
HUSSERL, Edmund. A Ideia de Fenomenologia. Lisboa, Edições 70, 1989, p. 30.
LUHMAN, Niklas. Sociologia do Direito II. Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1985, p. 117.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 6ª ed., Niterói, Impetus, 2012, p. 1.
 
Notas:
[1] CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I, 20ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Iuris, 2010, p. 37.

[2] WATANABE apud CÂMARA, ibidem, p. 38.

[3] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 6ª ed., Niterói, Impetus, 2012, p. 1.

[4] Cf. para aprofundamento na discussão sobre a subdivisão da norma jurídica em regras e princípios e seus conceitos. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo, Malheiros, 2008.

[5] HUSSERL, Edmund. A Ideia de Fenomenologia. Lisboa, Edições 70, 1989, p. 30.

[6] MARINELA Op. cit.

[7] Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. Item II.1 “As regras têm preferência sobre os princípios”. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3ª ed. revista, Rio de Janeiro, Renovar, 2008

[8] HABERMAS, Jurgen. A inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 285-286.

[9] HABERMAS, Jügen. Direito e Democracia: entre a factilidade e validade, volume I, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2011, p. 171.

[10] LUHMAN, Niklas. Sociologia do Direito II. Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1985, p. 117.


Informações Sobre o Autor

Jorge Luiz Barbosa Alves Junior

Advogado em Niterói/RJ, especialista em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Gama Filho.


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