Resumo: O presente trabalho aborda o instituto da arbitragem como meio de resolução de controvérsias no âmbito das relações comerciais internacionais, com relevância para seus aspectos legislativos, contemplando os textos que normatizam a arbitragem nas relações comerciais do Brasil com os demais países. Especificam-se aqueles textos legais que têm maior relevância para o comércio internacional e para o Brasil em suas relações multilaterais, traçando-se de forma sucinta a abrangência, o conteúdo processual e a importância de cada um no sistema internacional, bem como a influência que têm na prática brasileira da arbitragem e de sua normatização, tanto no que diz respeito a sua aplicação interna, como no comércio com outros países, principalmente no Mercosul. Dessa forma, pretende-se trazer uma visão generalista da matéria, dentro do escopo da participação brasileira, seja através de entidades estatais, de empresas privadas ou pessoas físicas, como uma forma de introduzir a matéria de maneira sistemática e coerente, sem a pretensão de aprofundá-la às minúcias ou de esgotar seu conteúdo.
Palavras-chaves: Arbitragem; comércio internacional; Direito Internacional
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e Classificação de Arbitragem. 3. Normas de Arbitragem Internacional. 4. Breves Considerações sobre a Lei-modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional (Lei-modelo) e a Lei 9.307/96. 5. Conclusão.
1. Introdução
O avanço do comércio internacional e das relações multilaterais entre os Estados e instituições internacionais, a partir de meados do século XX, fez surgir novas exigências quanto à solução de conflitos em âmbito internacional, sejam eles advindos de relações comerciais ou estatais, no sentido estrito, o que possibilitou a utilização de forma mais extensa de meios como a arbitragem, com o fim de dirimir questões controversas surgidas no decorrer dessas relações.
Se, por um lado, o crescente avanço da tecnologia e dos transportes nas últimas três décadas ampliou as possibilidades de intercâmbio comercial, cultural, legal, bem como a universalização do conhecimento e da informação, a arbitragem, como meio pacífico de solução de conflitos, já existe há muito mais tempo. De acordo com Portela (2010), remonta a arbitragem à época do Egito Antigo, do Império Romano e da Idade Média, com a ação do Papado.
Não obstante a origem tão remota, a arbitragem vem se adaptando de maneira bastante adequada às necessidades internacionais, tornando-se um caminho seguro e confiável de solução de controvérsias, sejam elas no âmbito estatal ou privado, aos quais eram direcionados, anteriormente, a órgãos específicos judiciais, ou até mesmo pela força, quando se esgotavam outros meios.
De fato, a opinião pública internacional não tem mais suportado com a mesma passividade de outros tempos atos de demonstração de força e de violação de direitos, sob o pretexto de suposta medida de justiça, com o fim de estabelecer soluções parciais. E ainda, no âmbito de disputas comerciais, os cidadãos de países envolvidos nessas questões, que acompanham através de noticiários de veiculação imediata o desenrolar dessas querelas que, muitas vezes, trazem consequências sensíveis às economias internas, não deixam mais de se manifestar. Tal realidade pode ser observada seja através da produção científica nos centros universitários, seja por meio da rede mundial de computadores, ou também através de protestos e manifestações de rua.
Considerado o atual estágio de crescimento estrutural, tecnológico e legislativo e de difusão do comércio e das relações multilaterais e bilaterais dos Estados, a arbitragem tem-se configurado como meio de solução célere, técnico e especializado, além de proporcionar outras vantagens, conforme anota Calmon (2004), como o sigilo, a imparcialidade, a neutralidade ideológica e os baixos custos ao médio prazo.
Sendo assim, o atual crescimento das relações internacionais, em seu viés da solução pacífica de conflitos, tem levado a uma aplicação mais consciente e apropriada da arbitragem, com o surgimento de normas e precedentes que dão maior segurança e confiabilidade a sua aplicação.
Exemplo disso é a Lei-modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional (Lei-modelo), adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 21 de junho de 1985, especificamente no que diz respeito à arbitragem comercial, trazendo as normas mínimas que devem reger a arbitragem.
2. Conceito e Classificação de Arbitragem
A doutrina se tem esforçado para definir a arbitragem. Temos, na realidade, diversos conceitos bastante precisos, o que demonstra a maturidade em que se encontra a abordagem da matéria nos círculos científicos.
Para Carmona (1998), a arbitragem é o "meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela". E acrescenta que a decisão se faz sem intervenção estatal, destinando-se, entretanto, a assumir a mesma eficácia da sentença judicial.
Por sua vez, Braga (2009) assinala algumas “situações de ordem prática” advindas do conceito de arbitragem, que tornam mais claro o seu entendimento, tais como: i) a arbitragem é uma instituição; ii) há necessidade de resolver um conflito; iii) quem intervém para resolver o conflito é um terceiro fora da estrutura do Estado; iv) há necessidade de manifestação prévia das partes para formação do juízo arbitral; v) inexistência de vedação legal na submissão do litígio à arbitragem; vi) aceitação compulsória da decisão prolatada.
E ainda, em complemento, Marco (2005) conclui que "o instituto jurídico da arbitragem é um meio de solução de controvérsias relativo a direitos patrimoniais disponíveis, em que as partes escolhem um árbitro, ou grupo de árbitros, para que este possa colocar fim ao litígio através de uma sentença arbitral".
Observe-se, portanto, que acrescenta na definição um importante limite às causas que podem ser decididas por meio da arbitragem, posto que as controvérsias devem ser relativas a direitos patrimoniais disponíveis, conforme o art. 1º, da lei 9.307/96, que, na realidade, abrange a maior parte dos direitos advindos das relações de comércio internacional.
De forma mais específica, considerando o objeto próprio aqui abordado, id est, a arbitragem comercial internacional, a Lei-modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 21/06/1985 (Lei-modelo), define como sua área de aplicação exclusiva, no art. I, 1, a do comércio internacional. Ou seja, as relações que estiverem fora da definição de comércio internacional, não serão regidas pela Lei-modelo. E nesse sentido, define a arbitragem internacional, no art. I, 3:
3 – Uma arbitragem é internacional se:
a) as partes numa convenção de arbitragem tiverem, no momento da conclusão desta Convenção, o seu estabelecimento em Estados diferentes; ou
b) um dos lugares a seguir referidos estiver situado fora do Estado no qual as partes têm o seu estabelecimento:
I) o lugar da arbitragem, se estiver fixado na convenção de arbitragem ou for determinável de acordo com esta;
II) qualquer lugar onde deva ser executada uma parte das obrigações resultantes da relação comercial ou o lugar com o qual o objeto do litígio se ache mais estreitamente conexo; ou
c) as partes tiverem condicionado expressamente que o objeto da convenção da arbitragem tem conexões com mais de um país.
Portanto, aquilo que não estiver circunscrito na definição do art. I, da Lei-modelo, não será objeto de arbitragem internacional, seja por não fazer parte de uma relação comercial, seja por não estar essa relação definida como de âmbito internacional.
Cabe observar que existem diversas classificações de arbitragem, das quais citamos as seguintes, de acordo com Braga (2009):
Quanto à vontade, podem ser voluntárias ou obrigatórias. No primeiro caso expressa a autonomia da vontade, através da convenção arbitral e no caso das obrigatórias sua utilização nasceria de uma imposição legal.
Quanto às regras procedimentais, será ad hoc quando forem estabelecidas pelas partes tais regras, desde a sua instauração até a sentença, ou poderá ser institucional, quando as regras serão aquelas definidas pela instituição escolhida.
A arbitragem ainda pode ser de direito ou de equidade, conforme expresso no art. 2º, da lei 9.307/96, à escolha das partes. No caso da arbitragem de direito, a solução só poderá ser dada com base na legislação escolhida pelas partes ou definidas pela instituição arbitral. Na arbitragem por equidade o árbitro pode decidir de acordo com o seu sentimento de justiça no caso concreto, observando suas peculiaridades. Importante notar aqui que, considerando que a equidade é uma forma de exceção, a lei 9.307/96, no art. 11, II, possibilita a autorização expressa no compromisso arbitral para que o árbitro decida com base na equidade.
E finalmente, no que diz respeito à sua classificação, poderá ainda ser doméstica ou internacional, o que já ficou bastante entendido da leitura supra do art. 1, da Lei-modelo. Cabe lembrar, ainda, que, não obstante, a convenção de arbitragem pode conter o lugar onde o procedimento arbitral será realizado bem como a legislação que será aplicada e que é doméstica a arbitragem se, basicamente, não estiver relacionada ao comércio internacional, conforme a Lei-modelo.
3. Normas de Arbitragem Internacional
Diante do avanço da multilateralidade do comércio internacional, bem como da maior integração regional em todos os Continentes, é natural que se tenham diversas normas jurídicas regulando as relações comerciais internacionais. No entanto, cabe ressaltar que algumas delas sobressaem, seja pela sua abrangência, seja pelo volume de negócios realizados pelos países que as adotam, merecendo destaque devido a sua importância aqui para a própria arbitragem internacional.
Assim, passemos a analisar, de maneira sucinta, as normas mais importantes, levando em conta esses critérios, bem como a proximidade com a realidade brasileira.
3.1 Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional
A Convenção Interamericana traz normas sobre arbitragem comercial internacional, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Torna válido, portanto, o acordo em virtude do qual os Estados se obrigam a submeter em suas relações mercantis as controvérsias delas advindas à decisão arbitral.
Em seu art. 2 define que a nomeação dos árbitros é feita na forma em que convierem as partes, podendo recair em nacionais ou estrangeiros.
Atribui em seu art. 4 força de sentença judicial definitiva aos laudos arbitrais não impugnáveis segundo a lei ou as normas processuais aplicáveis, dando assim força necessária à decisão proferida na arbitragem para encerrar a questão suscitada.
A Convenção Interamericana ainda lista os casos em que se faz possível a denegação do reconhecimento e da execução do laudo arbitral, quando provada perante a autoridade competente do Estado em que forem pedidos o reconhecimento e a execução algumas situações tais como: que as partes estavam sujeitas a alguma incapacidade, que o acordo não é válido perante a lei a que as partes o tenham submetido, que a parte contra a qual se invocar a sentença arbitral não fora devidamente notificada, dentre outras listadas exaustivamente no art. 5.
Prevê ainda o adiamento da decisão sobre a execução na possibilidade do pedido de anulação ou suspensão da sentença, sendo também possível aqui o pedido de garantias apropriadas à execução.
3.2 Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras
O Brasil ratificou a Convenção de Nova Iorque através do decreto legislativo nº 52, de 25 abril de 2002, no entanto foi concebida em 10 de junho de 1958.
Sua importância está no fato de assegurar a validade internacional das sentenças arbitrais, tornando-as reconhecidas fora dos países em que foram proferidas.
Note-se, entretanto, que, para alguns doutrinadores, como José Carlos Magalhães (Marco, 2005), a aceitação no ordenamento jurídico brasileiro dessa Convenção revoga em parte a lei 9.307/96. Nesse raciocínio, considerando que a Convenção regula de forma diferenciada o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, em relação à lei 9.307/96, fica prevalecendo a Convenção, uma vez que tratados revogam lei anterior, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). E isso ocorreria assim nos arts. 34 a 40 da lei 9.307/96, que preveem, e.g., a recusa à homologação para o reconhecimento ou execução do laudo arbitral, quando demonstrado pelo réu que tenha sido anulada ou suspensa por órgão judicial do país onde a sentença foi prolatada.
Entende essa parte da doutrina que, na verdade, mesmo que tenha sido anulado o laudo arbitral no país onde fora prolatada, poderá ser aceita no Brasil, onde será executada, sendo inclusive desnecessária a sua homologação para ser executada no Brasil.
Já outra parte da doutrina entende que não há revogação de artigos da lei 9.307/96, como Arnold Wald (Marco, 2005), alegando que continuam válidas as regras da citada lei, assegurando-se inclusive a homologação de sentença arbitral estrangeira, independente de controle judicial prévio feito no país de origem, homologação essa que passou a ser de competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), após a Emenda Constitucional nº 45/2004.
3.3 Convenção de Washington de 18/03/1965
Esta Convenção surgiu com a finalidade de solucionar as controvérsias relacionadas a investimentos entre Estados e nacionais de Estados distintos, sob a tutela do Banco Mundial, sendo criado o Centro Internacional para Solução de Controvérsias em Relação a Investimentos. Dessa forma, tem objetivo de dar solução a controvérsias entre investidores, sejam privados ou Estados.
3.4 Princípios do Comércio Internacional da Organização Mundial do Comércio (OMC)
Os princípios de comércio internacional previsto nas normas da OMC são de grande importância, uma vez formarem as bases das relações comerciais entre os Estados, sendo assim, no dizer de Gomes (2010), “o marco jurídico do intercâmbio comercial”.
3.4.1 Princípio da Cláusula da Nação Mais Favorecida
Considerando a necessidade de reciprocidade, transparência e justiça nas relações comerciais entre os País-membros da OMC, este princípio delimita que ao ser concedida uma vantagem para outro País-membro, a mesma vantagem deve ser concedida aos demais Países-membros, suportando assim o próprio multilateralismo no comércio internacional.
De acordo com o previsto no art. I, 1 do GATT-94, qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedido por uma parte contratante a um produto originário de outro país, será concedido imediata e incondicionalmente a todo produto similar originário das outras partes contratantes.
3.4.2 Princípio da Exceção à Cláusula da Nação Mais Favorecida
Caso fosse considerado o Princípio da Cláusula da Nação Mais Favorecida como absoluto, tornar-se-ia difícil aos membros da OMC estruturarem-se em blocos econômicos. Dessa forma, nos casos em que houver a associação de Países-membros em blocos econômicos, poderão ser concedidas vantagens recíprocas exclusivas aos seus membros, o que favorece as integrações regionais e se caracteriza como exceção no comércio internacional.
3.4.3 Princípio do Tratamento Nacional
O Princípio do Tratamento Nacional estabelece que o tratamento em matéria tributária e de regulamentação interna das mercadorias importadas dos Países-membros deverá ser igual ao do produto nacional similar, não podendo sobretaxar ou fazer incidir outro tributo diverso daquele existente para o similar.
Entretanto, de acordo com Gomes (2010), “(…) na hipótese de importação de mercadoria, deve-se recolher o imposto de importação, mas, outras restrições, como transporte ou decorrente de legislações, não poderão ser impostas”.
3.4.4 Princípio da Não Discriminação
Tal princípio é denominado pelo art. XIII, 1 do GATT-94, como da aplicação não discriminatória de restrições de quantidade. Trata-se, na realidade, nesse caso, da vedação de imposição de restrições às mercadorias importadas ou exportadas por força de qualidade ou quantidade de produtos originários do território de outra parte contratante ou destinado ao território de outra parte, a menos que se imponha uma restrição ou proibição semelhante à importação de produto originário de qualquer terceiro país ou àquele similar destinado a qualquer terceiro país.
3.4.5 Princípio do Favorecimento às Economias Menores
Visando a possibilitar um tratamento mais equilibrando entre as diversas economias, beneficiando países que possuem menos recursos econômicos, este princípio viabiliza o tratamento favorável em termos de política comercial, com o fim de permitir o desenvolvimento econômico, àqueles países em que se dispõe de um baixo nível de vida da população.
Assim, tais países podem estabelecer, visando ao crescimento econômico, medidas de proteção que influenciem as importações, fazendo frente às suas necessidades, utilizando-se de uma estrutura aduaneira ou de restrições a eles favoráveis.
3.5 Protocolo de Olivos
O Protocolo de Olivos (PO) surgiu em 18/02/2002, subscrito pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, levando em conta a necessidade de interpretar corretamente, aplicar e cumprir as normas do Mercosul e os instrumentos do seu processo de integração e derrogou o Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias, adotado desde 1991.
Sua aplicação se dá no âmbito das controvérsias surgidas entre os Estados partes, de acordo com o art. 1, 1, sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das decisões do Conselho do Mercado Comum, das resoluções do Grupo Mercado Comum e das diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul.
Em seu Capítulo VI, o PO prevê o procedimento arbitral ad hoc, quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos procedimentos de intervenção do Grupo Mercado Comum ou de negociações diretas, marcando assim o início da controvérsia no âmbito arbitral.
O Tribunal Arbitral Ad Hoc será formado por três árbitros, tendo cada Estado parte a possibilidade de designar um árbitro titular da lista registrada na Secretaria Administrativa do Mercosul, formada previamente por 12 árbitros designados por cada Estado parte, sendo que o presidente e seu suplente não poderão ser nacionais dos Estados partes na controvérsia.
Para a defesa dos direitos dos Estados partes, cada um designa seus representantes perante o Tribunal Arbitral Ad Hoc, podendo designar ainda assessores, normalmente conhecedores da área relativa ao assunto em discussão.
A delimitação do objeto da controvérsia é feita a partir dos textos de apresentação e de resposta entregues ao Tribunal Arbitral Ad Hoc, sendo este um marco importante, devido a não poder ser posteriormente ampliado tal objeto, conforme prevê o art. 14, 1, do PO.
O Tribunal Arbitral Ad Hoc terá o prazo de 60 dias, contado a partir da comunicação feita pela Secretaria Administrativa do Mercosul às partes e aos demais árbitros informando a aceitação da designação pelo Presidente. Ainda poderá esse prazo ser prorrogado por 30 dias, por decisão do Tribunal.
Havendo discordância relativa ao laudo arbitral, qualquer das partes poderá socorrer-se de recurso de revisão do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc, ao Tribunal Permanente de Revisão, que se pronunciará através de laudo confirmando, modificando ou revogando a fundamentação jurídica e as decisões do Tribunal Arbitral Ad Hoc. Este novo laudo, do Tribunal Permanente de Revisão, é definitivo e prevalece sobre o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc.
Interessante é que, sempre que acordarem as partes, o conflito poderá ser resolvido em uma única instância, diretamente no Tribunal Permanente de Revisão, sem passar pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc.
Cabe observar, enfim, que o sistema de solução de controvérsias exclui o acesso direto dos particulares ao Tribunal, sendo feito sempre entre de forma intergovernamental, o que não impede a reclamação de particulares, pessoas físicas ou jurídicas, conforme previsto no art. 39 do PO.
4. Breves Considerações sobre a Lei-modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional (Lei-modelo) e a Lei 9.307/96
A Lei-modelo foi adotada em 21 de junho de 1985, com o objetivo de fornecer normas mínimas de arbitragem para solucionar as controvérsias nas relações comerciais entre os países.
No que diz respeito a seu âmbito de aplicação, como já visto no item 2 supra, aplica-se à arbitragem comercial internacional, na forma como a define em seus art. I.
Assim, cabe lembrar que a Lei-modelo não pretende reger as controvérsias internas do comércio em cada Estado, nem mesmo servir de norma para os procedimentos arbitrais que não contemplem o comércio internacional, sendo assim possível a existência de legislação interna que regule a arbitragem no âmbito restrito do comércio no Estado e que preveja procedimentos diferentes daqueles existentes na Lei-modelo.
É o caso do ordenamento jurídico brasileiro que dispõe da Lei de Arbitragem, a lei 9.307/96, regulando a arbitragem no âmbito interno, mesmo quando não inteiramente de acordo com a Lei-modelo ou com qualquer outra legislação sobre arbitragem, quando aplicada apenas nas relações do comércio interno.
Verdade é que em se tratando do comércio internacional, há de se observar qual norma deverá ser aplicada, uma vez ter o Brasil desenvolvido relações multilaterais com países de todos os Continentes, pertencentes a diversos blocos econômicos e signatários de outros tantos acordos de comércio.
É interessante notar inclusive que a própria lei 9.307/96 sofreu influencia da Lei-modelo, quando de sua elaboração, bem como da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Sobre esse fato, Marco (2005) manifesta-se da seguinte forma: "(…) pode-se afirmar que a contribuição da Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional para o processo de modernização da legislação brasileira sobre arbitragem já produziu os seus efeitos, passando o Brasil, desde então, a estar ao lado dos países que em seu ordenamento jurídico prestigiam a arbitragem como forma válida de solução alternativa de controvérsias, tanto de natureza internacional como interna".
Portanto, não apenas pelo seu conteúdo didático, mas também pela aplicabilidade de suas normas, a Lei-modelo se reveste de grande importância no contexto da arbitragem comercial internacional.
No que diz respeito a suas regras, tenta abranger ao máximo a matéria desde as questões de interpretação e definição, passando pela convenção de arbitragem, composição do tribunal e sua competência, até aos procedimentos de recursos e de reconhecimento e execução das sentenças.
4.1 A Convenção de Arbitragem
No teor do disposto no art. 7, 1, da Lei-modelo, a convenção de arbitragem é uma convenção pela qual as partes decidem submeter à arbitragem todos ou alguns dos litígios surgidos ou a surgir entre elas com respeito a uma determinada relação jurídica, contratual ou extracontratual. É possível que a convenção de arbitragem tenha a forma de uma cláusula num contrato ou seja uma convenção autônoma.
Já o art. 3º, da lei 9.307/96, prevê como convenção de arbitragem uma cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Em seguida, no art. 4º, define cláusula compromissória como a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir nesse contrato.
Por sua vez, o compromisso arbitral é firmado posteriormente, após constatada a impossibilidade de acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem. Trata-se de uma convenção pela qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, devendo conter obrigatoriamente algumas informações, conforme art. 10 da lei 9.307/96, tais como a matéria que será objeto da arbitragem, qualificação das partes, nome, profissão e domicílio do árbitro ou dos árbitros e o lugar em que será proferida a sentença arbitral.
4.2 O Tribunal Arbitral
Na Lei-modelo, as partes podem determinar livremente o número de árbitros, sendo que se não for indicado, será em número de três.
Na lei 9.307/96, as partes podem determinar um ou mais árbitros, mas sempre em número ímpar e cada um deve ser nomeado de pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
A Lei-modelo e a lei 9.307/96 abordam ainda diversas situações relativas à escolha dos árbitros, prevendo situações de falta de acordo na escolha, recusa de árbitro e seu processo, inação de árbitro e nomeação de substituto.
Bastante importante, entretanto, é o disposto no art. 18, da lei 9.307/96, que determina que o árbitro é o juiz de fato e de direito do caso, sendo que sua sentença não fica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário, o que dá uma segurança na efetividade da decisão arbitral.
4.3 A Sentença Arbitral
A Lei-modelo determina que qualquer decisão do tribunal arbitral será tomada pela maioria dos seus membros, salvo convenção das partes em contrário. No que diz respeito à forma e conteúdo da sentença, devendo ser assinada pelo menos pela maioria dos membros para que tenha validade, devendo ser mencionada a razão da ausência de assinatura dos membros restantes.
Interessante que a sentença, conforme art. 31, 2, da Lei-modelo, não precisará ser necessariamente fundamentada, quando assim convencionarem as partes ou quando se trata de uma sentença proferida com base num acordo das partes que ponha fim ao litígio.
A lei 9.307/96 também prevê a decisão por maioria, no entanto determina em seu art. 26 requisitos obrigatórios da sentença arbitral, dentre eles o fundamento da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se expressamente, se os árbitros julgaram por equidade. Além disso, devem constar o relatório, o dispositivo, a data e o lugar em que foi proferida a sentença.
4.4 Recurso da Sentença Arbitral
No caso da Lei-modelo, o recurso de uma sentença arbitral só pode se revestir de um pedido de anulação. Nesse caso, lista nos §§ 2 e 3, do art. 34, os motivos pelos quais se faz possível requerer a anulação da sentença arbitral e seu prazo.
A lei 9.307/96 dispõe nesse sentido que a parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral e prevê tais casos no art. 32, como, e.g., quando for nulo o compromisso arbitral, for a sentença proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, não decidir todo o litígio submetido à arbitragem, dentre outras situações.
No seu art. 30, a lei 9.307/96 possibilita ainda outros expedientes, no prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, podendo solicitar ao tribunal arbitral ou ao árbitro que corrija qualquer erro material da sentença arbitral, bem como que esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou ainda que se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se.
De uma maneira geral, pode-se notar com certa facilidade as semelhanças entre a Lei-modelo e a lei 9.307/96, mesmo porque, como já assinalado, a construção deste foi bastante influenciada por aquela.
5. Conclusão
Como se pode observar nessa visão geral da arbitragem no comércio internacional, ainda existem diversos empecilhos a uma uniformização da legislação em âmbito internacional, constituindo um diploma único. Isso devido às diversas realidades particulares a cada cultura, em cada região do mundo, cujos costumes e ordenamentos jurídicos próprios respondem pela diversidade ainda existente.
Por sua vez, nota-se como tem avançado os tratados que regulam a arbitragem internacional e como tem sido utilizado esse expediente de solução de controvérsias, cada vez mais, devido à confiança, rapidez e especialidade que favorece decisões muitas vezes mais técnicas que aquelas advindas do Judiciário.
Cumpre, portanto, ter em mente que não são estáticas as legislações e os procedimentos arbitrais atualmente existentes, sejam particulares de determinados grupos de estados em integração regional, sejam regras gerais, como os princípios de comércio internacionais, sendo assim um sinal de que há muito o que evoluir em seus aspectos técnicos, com o avanço das relações multilaterais, o aumento das demandas e da integração através de blocos econômicos e acordos de comércio internacional.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Gerard
Bacharel em Direito (UNIT) e em Administração (UFBA). Especialista em Gestão de Crises em Relações Internacionais (UGF), em Direito Eleitoral (UNISUL/LFG) e em Redes de Computadores (FRB). Analista Judiciário do TRE/SE, Chefe de Cartório em Aracaju e professor universitário