Resumo: Dentro da temática do Direito Civil e suas reformulações históricas, este estudo se propõe a descrever a evolução histórica e os pressupostos da responsabilidade civil. Parte-se de uma abordagem conceitual sobre o instituto para, então, delimitar seu desenvolvimento no tempo, desde o período da antiguidade até à visão atual. Aborda-se, então, seu pressupostos, quais sejam, a ação ou omissão, o dano, o nexo de causalidade e a culpa. O presente trabalho baseou-se em pesquisa eminentemente bibliográfica, utilizando fontes doutrinárias clássicas e atuais do direito civil pátrio.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Evolução histórica. Pressupostos.
Abstract: Within this theme of Civil Law and its historical reformulations, the proposal of this study is to describe the historical evolution and the civil responsibility's assumption. It is part of a conceptual approach about the institute to, then, delimitate its development on time, since antiquity until current view. It is approached, then, its assumptions, the action or omission, the damage, the nexus of the eventuality and the guilt. The following work is based on an eminently bibliographic research, using classical and current doctrinal sources of the homeland civil law.
Keywords: Civil Responsibility. Historical Evolution. Assumption.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Evolução histórica. 3. Funções da Responsabilidade Civil. 4. Pressupostos. 4.1 Ação ou omissão. 4.2 Dano. 4.3 Nexo de causalidade. 4.4 Culpa. Conclusão.
O cenário da sociedade contemporânea releva que as consequências do exercício de qualquer ação são inerentes a todos os indivíduos, notadamente pela coexistência de pessoas na sociedade. Neste contexto, o Direito, como produto da atividade humana e fenômeno histórico e cultural tem como finalidade a busca de pacificação e harmonia por meio de normas e técnicas de solução de conflitos.
Na seara do direito civil, o tema da responsabilidade integra o ramo do direito obrigacional, relativo ao dever, segundo o qual a conduta humana está vinculada ao seu fim, econômico ou social, e, na eventualidade do descumprimento de uma obrigação, surge, então, o dever de compensar o dano causado.
De forma geral, o Direito sempre combateu as injustiças sofridas em decorrência dos atos humanos por meio de penas ou indenizações. No entanto, para que seja possível entender as concepções atuais sobre a responsabilidade civil, faz-se necessário compreender sua extensa evolução histórica e seus pressupostos.
Dentro deste contexto, o presente estudo teve como objeto verificar como se deu a evolução histórica e quais são os pressupostos da responsabilidade civil. Assim, o objetivo da pesquisa foi oferecer uma resposta ao problema proposto, por meio da investigação sistemática, coerente e rigorosa do tema. Isso porque os estudos relacionados ao assunto proposto não têm se dedicado à compreensão da questão ventilada, que ganha espaço no atual momento histórico, ante o reconhecimento de que todo prejuízo deve ser indenizado.
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa empregou a técnica bibliográfica, limitando-se a análise de livros, artigos, dissertações e teses encontradas em meios eletrônicos. Entendendo a metodologia como um meio de facilitação do planejamento e organização da pesquisa, consistente na coordenação de ações tomadas ao longo da investigação, o presente trabalho desenvolver o método descritivo, com discussão de argumentos e dados coletados sobre o tema, sem, contudo, alcançar um resultado definitivo.
Assim, o caminho trilhado pelo estudo partiu de uma abordagem bibliográfica preliminar, com formulação do problema, busca de fontes de pesquisa, leitura do material selecionado, comparação do assunto com outras fontes, organização sistemática do assunto abordado e a redação do texto da pesquisa.
1. CONCEITO
O termo responsabilidade é utilizado em várias áreas da ciência, possuindo significados diversos conforme o contexto. Segundo Abbagnano (2003, p. 855), no âmbito filosófico, responsabilidade é “a possibilidade de prever os efeitos do próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal previsão […]”. Conforme leciona Stoco (2007, p. 111) a expressão “tanto pode ser sinônima de diligência e cuidado, no plano vulgar, como pode revelar a obrigação de todos pelos atos que praticam, no plano jurídico.”
Etimologicamente o termo responsabilidade deriva do vocábulo respondere, spondeo, e possui ligação direta com o conceito de obrigação de natureza contratual originária do direito romano. Neste sistema a responsabilidade vinculava o devedor ao credor por meio de um contrato realizado verbalmente, com perguntas e respostas (AZEVEDO, 2004, p. 276).
A expressão não surgiu para exprimir a obrigação de reparar um dano, mas “variou da expressão sponsio, da figura stipulatio, pela qual o devedor confirmava ter com o credor uma obrigação que era, então, garantida por uma caução ou responsor” (STOCO, 2007, p. 112). (Grifos do autor). Por isto, o termo responsabilidade, inicialmente, não se vinculava a ideia de compensação por um prejuízo causado, mas a concepção romana de responsabilidade.
Na seara do direito civil, o tema da responsabilidade integra o ramo do direito obrigacional, relativo ao dever, segundo o qual a conduta humana está vinculada ao seu fim, econômico ou social, e, na eventualidade do descumprimento da obrigação, surge, então, o dever de compensar o dano causado.
Embora os conceitos de responsabilidade civil e obrigação tenham muitas semelhanças são conceitos distintos,
“[…] a responsabilidade civil, nós a diferenciamos da obrigação, surge em face do descumprimento obrigacional. Realmente, ou o devedor deixa de cumprir um preceito estabelecido num contrato, ou deixa de observar o sistema normativo, que regulamenta sua vida. A responsabilidade nada mais é do que o dever de indenizar o dano” (LIMONGI FRANÇA, 1977, p. 332).
Assim, a violação de um dever jurídico originário (obrigação) configura um ilícito civil, que, quase sempre, gera um prejuízo a alguém, decorrendo daí um novo dever jurídico, o de reparar o dano. Desta forma a “responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 02).
Como regra geral, a responsabilidade civil impõe a necessidade de reparação ao prejuízo causado por aquele que, agindo de forma omissiva ou comissiva, cause dano a outrem (CC., art. 927). Sendo assim, a responsabilidade civil pode ser entendida como a obrigação de reparar o prejuízo causado a uma pessoa, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dependam dela (RODRIGUES, 2007, p. 06), ou como a
“[…] aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral e/ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por que ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal” (DINIZ, 2005. p. 200).
Stoco (2007, p. 116) conceitua a responsabilidade civil como “a obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado por conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedere) implícito ou expresso na lei” (grifos do autor). Sendo assim, responsabilizar alguém significa imputar-lhe a causa de algum prejuízo, patrimonial ou moral, devendo o agente responder pelas consequências de seus atos, recompondo o status quo ante afetado por sua ação.
Não obstante, mostra-se necessária a compreensão da evolução histórica do instituto a fim de compreender as concepções atuais sobre a temática, revendo seus aspectos e sua trajetória ao longo dos tempos.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O Direito, como produto da atividade humana e fenômeno histórico e cultural, tem como finalidade a busca da pacificação social por meio de normas e técnicas de solução de conflitos. Por isto, o instituto da responsabilidade civil permeou uma série de ideias dos povos, com a consequente modificação do instituto. Daí decorre a necessidade de se estudar, de forma sucinta, o desenvolvimento do tema ao longo dos tempos.
A responsabilidade civil tem uma extensa e morosa evolução histórica. De forma geral, o dano causado pelo ilícito sempre foi combatido pelo Direito. O que se modificou ao longo da trajetória humana foi apenas a forma de ação contra os danos sofridos em decorrência de um ato praticado em descumprimento a um dever de conduta.
Num primeiro estágio de evolução histórica da responsabilidade civil, comum a todos os povos, não se levava em consideração a culpa do agente causador do dano, bastando, tão somente, a ação ou omissão deste e o prejuízo sofrido pela vítima para que aquele fosse responsabilizado. Nesta época os costumes regiam as regras de convivência social, levando os ofendidos a reagir de forma direta e violenta contra o causador do dano. Essa ação lesiva do ofendido era exercida mediante a vingança coletiva, caracterizada pela “reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes” (DINIZ, 2009, p. 11).
O marco inicial da responsabilidade civil em Roma relaciona-se com referido período, fazendo com que a retaliação, antes pertencente ao grupo dominante, passasse a ser reconhecida e legitimada pelo Poder Público. É a chamada vingança privada, ou vendetta. Vigorava a Lei de Talião, sintetizada pela ideia de “olho por olho, dente por dente”. Bastava o dano efetivamente sofrido pela vítima para provocar “a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido” (GONÇALVES, 2009b, 04). Daí a desnecessidade ou inaplicabilidade da culpa do ofensor.
“O talião, aplicado primeiramente pelos povos do Oriente Médio e depois por outros que foram influenciados por eles, como os da bacia mediterrânea (chegando à Roma do tempo da Lei das XII Tábuas, que é de meados do século V a.C.), representou outro progresso, com a reciprocidade que representava, entre ofensa e castigo – mesmo que hoje pareçam chocantes preceitos como o contido no § 230 do Código de Hammurabi (de começos do século XVIII a.C.), segundo o qual se a casa construída ruísse e matasse o filho do proprietário, o filho do construtor deveria ser morto” (NORONHA, 2007, p. 528).
Neste período o Poder Público por vezes permanecia inerte, intervindo apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, para produzir no ofensor um dano idêntico ao que experimentou (DINIZ, 2009, p. 11). Portanto, prevalecia no direito romano a responsabilidade objetiva, fundada no princípio da equidade.
O período que sucedeu ao da vingança privada é o da composição, onde a vítima passou a perceber as vantagens e conveniências da substituição da violência pela compensação econômica do dano. Surgiu, então, o princípio segundo a qual o patrimônio do ofensor deveria responder por suas dívidas e não sua pessoa. Aparecem então as tarifações para determinadas formas de dano, como aquelas instituídas pelo Código de Ur-Nammu, Código de Manu e Lei das XII Tábuas.
Posteriormente fixou-se a proibição do ofendido fazer justiça com as próprias mãos. Todavia, somente
“[…] quando já existe uma soberana autoridade, o legislador veda à vitima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição econômica, de voluntária que era, passa a ser obrigatória, e, ao demais disso, tarifada. É quando, então, o ofensor paga tanto por membro roto, por morte de um homem livre ou de um escravo […]” (GONÇALVES, 2009b, p. 07).
As ideias iniciais sobre distinção de pena e reparação foram estabelecidas pelos romanos, ante a diferenciação entre delitos públicos e privados. Destarte, o delito público tinha uma conotação mais elevada, quando havia violação de norma jurídica que o Estado considerava de relevante importância social, enquanto o delito privado era a ofensa feita à pessoa ou aos seus bens (MOREIRA ALVES, 2003, p. 223).
Conforme ensina Venosa (2009, p. 16) “o conceito de reparar o dano injustamente causado surge em época relativamente recente da história do Direito.” Tal fato ocorre porque, inicialmente, a responsabilidade civil e penal confundiam-se, sendo posteriormente dissociadas, aplicando em relação à primeira a indenização (sanção civil) e, no tocante à segunda, a pena.
No entanto, somente com o surgimento da Lei de Aquilia é que se inicia um princípio norteador para a reparação do dano. Essa norma
“[…] foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou no início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens” (VENOSA, 2009, p. 17).
A Lei de Aquilia é vista como marco fundamental para a aplicação da culpa na obrigação de indenizar, originando a responsabilidade extracontratual, também denominada “responsabilidade aquiliana” a partir da qual a conduta do causador do dano é medida pelo grau de culpa com que atuou.
Após este período o Estado assumiu definitivamente o ius puniendi, tomando para si a função de punir os ofensores da ordem jurídica. Surge então a ação de indenização derivada da responsabilidade civil.
Na Idade Média, como consequência dos princípios e normas romanas, o direito foi aperfeiçoando a responsabilidade civil em toda a Europa Medieval, notadamente no direito francês, sendo que
“[…] aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência” (GONÇALVES, 2009b, p. 08).
Conforme explica Noronha (2007, p. 528/529) somente nos séculos que se sucederam à Idade Média (em especial o século XVIII, durante o período do Iluminismo) é que houve a total distinção entre a responsabilidade civil e penal, esta perante o Estado, com imposição de penas, quando houvesse infração penal e aquela circunscrita à sua função essencial de reparação de danos, no âmbito privado.
Já a Idade Moderna foi marcada pela mudança de paradigma no fundamento da responsabilidade civil, que passou a se situar na quebra do equilíbrio patrimonial causado pelo dano. Houve então uma transferência do enfoque da culpa, como fenômeno centralizador da indenização, para o dano (VENOSA, 2009, p. 17).
A mudança de paradigma se deu principalmente em razão de alguns fatores apontados por Gonçalves (2009, p. 09) como o surto do progresso, a industrialização e o aumento dos danos, que levaram ao surgimento de novas teorias dentro da responsabilidade civil, capazes de propiciar uma maior segurança às vítimas. Daí o surgimento e estabilização da teoria do risco, vista sob o aspecto objetivo: quando alguém sofre um dano, aquele que tira proveito da atividade perigosa deve repará-lo, independentemente da existência de culpa.
Após a viabilização dos fundamentos da Revolução Francesa em 1789 e o surgimento do Código Civil Francês, promulgado em 21 de março de 1804 (Código de Napoleão), ficou expressamente diferenciada a responsabilidade civil da responsabilidade penal. Este Código representou uma reforma normativa, unindo de forma detalhada as leis civis do país, protegendo o liberalismo e o conservadorismo e, especialmente, a propriedade.
A legislação civil da França irradiou-se por grande parte da Europa, servindo de base para elaboração dos códigos de vários países, orientando e influenciando a legislação privada de muitas nações ao longo de dois séculos.
Em nosso país a responsabilidade civil passou por vários estágios de desenvolvimento, especialmente pela modificação da legislação existente. A título de exemplo, o Código Criminal de 1830, que se fundava na justiça e equidade, previa a reparação natural ou a indenização ao ofendido, quando fosse viável (GONÇALVES, 2009b, p. 09).
Inicialmente “a reparação civil era condicionada à condenação criminal. Posteriormente, foi adotado o princípio da independência da jurisdição civil e da criminal” (GONÇALVES, 2009b, p. 09).
O Brasil, desde seu descobrimento, adotou as Ordenações do Reino de Portugal (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) como parâmetro normativo para as relações privadas, que perduraram até 1916, quando, então, surgiu o primeiro Código Civil, com projeto elaborado por Clóvis Beviláqua, jurista cearense. O Código Civil de 1916 filiou-se a teoria subjetiva da responsabilidade civil, exigindo prova robusta da culpa do agente causador do dano, e, em determinados casos, presumindo-a.
O Código Civil manteve a teoria subjetiva da responsabilidade civil, exigindo a demonstração da culpa do agente, definindo que todo aquele que, mediante ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito (art. 186). Uma das principais inovações do Código Civil no âmbito da responsabilidade civil encontra-se na locução do art. 187, que ampliou a noção de ato ilícito, estabelecendo a ilicitude do exercício de um direito quando violar seu fim econômico, social ou os limites da boa-fé e bons costumes. Houve, portanto, o condicionamento do exercício de um direito a certos limites que vedam seu uso de forma abusiva.
De qualquer forma, o atual Código Civil impõe a necessidade de reparação do dano causado por ato ilícito (arts. 186 e 187), inclusive com a obrigação de reparação do prejuízo, independentemente de culpa, nos casos especificados pela lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Trata-se da chamada teoria do risco, fruto de trabalhos do final do século XX, principalmente de juristas da França, que buscavam um fundamento para a responsabilidade objetiva. Nesta modalidade “todo o prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 136).
Noronha (2007, p. 537-538) afirma que em decorrência principalmente dos riscos trazidos pela revolução industrial, fazendo crescer as demandas de reparação de danos decorrentes das máquinas, a exigência de uma conduta culposa norteada pelo século XIX não era compatível com a necessidade social de se assegurar a reparação dos danos, mesmo que seu causador não houvesse agido com culpa. O direito não deveria preocupar-se somente com o comportamento do agente, precisava olhar o lado do prejudicado também.
Portanto, o Código Civil acolheu a teoria do risco, em determinados casos, onde o simples exercício de uma atividade perigosa impõe a obrigação de indenizar os danos eventualmente causados, sem a necessidade de comprovação da culpa do agente que causou o dano (art. 927, parágrafo único). Contudo, de maneira geral, a culpa continua a ser o fundamento da responsabilidade civil, juntamente com o risco, na teoria objetiva.
Em síntese, a evolução histórica da responsabilidade civil é marcada pela noção de reparabilidade por um mal causado a alguém. Esta ideia parte inicialmente da confusão entre responsabilidade civil e criminal, com a vingança privada, até o conceito atual, subjetivo, de reparação fundada na culpa, juntamente com a tendência contemporânea à objetivação do instituto na teoria do risco.
Na próxima parte do trabalho será realizada uma breve abordagem da compreensão das funções do instituto aqui estudado, principalmente com análise de seu papel no âmbito jurídico e social.
3. FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
É notável o entendimento de que a responsabilidade civil tem, como função primordial, reparar os prejuízos sofridos por alguém, no entanto, existem outras funções como a sancionatória (punitiva) e a preventiva (dissuasória).
A função reparatória, também conhecida como ressarcitória ou compensatória, surgiu da necessidade de recompor um estado alterado pelo dano, apagando ou minorando seus efeitos. Segundo Cavalieri Filho (2009, p. 13), a função principal da responsabilidade civil é a reparatória, ou seja, a de restabelecer o equilíbrio jurídico violado, encontrando parâmetro “no mais elementar sentimento de justiça”.
O dano causado pela ação ou omissão do ofensor rompe o equilíbrio jurídico anteriormente existente entre este e o ofendido, repercutindo em sua esfera patrimonial em determinados casos, ou repercutindo no âmbito moral do indivíduo. Daí surge a necessidade de restabelecimento do equilíbrio violado, recolocando o prejudicado no status quo ante por intermédio da reparação.
A função sancionatória (ou punitiva) visa retribuir o ilícito com uma pena imposta ao infrator, sempre de forma proporcional ao dano causado (NORONHA, 2007, p. 437). Por isso, a obrigação de reparar o prejuízo assume uma forma de pena privada, uma vez que
“[…] constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito” (DINIZ, 2009, p. 08). (grifos da autora).
Por sua vez, a finalidade preventiva (ou dissuasória) atua juntamente com a função punitiva, desmotivando condutas prejudiciais futuras uma vez que “obrigando o lesante a reparar o dano causado, contribui-se para coibir a prática de outros atos danosos não só pela mesma pessoa como sobretudo por quaisquer outras (NORONHA, 2007, p. 439).
Atualmente, a função fundamental da responsabilidade civil baseia-se no princípio da dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, art. 1º, inciso III) e visa a restituição integral do status que o ofendido detinha antes de ser lesado. Isto é feito por meio de uma indenização fixada em proporção ao dano (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 13).
Sendo assim, a função central da responsabilidade civil, traduz-se no “interesse de restabelecer o equilíbrio violado pelo dano” (DINIZ, 2009, p. 05). Por isto, na reparação do dano causado, a indenização deve ser proporcional, sob pena de se responsabilizar a vítima pelo prejuízo patrimonial ou moral que sofreu. A reparação, assim, também não deve servir como critério de enriquecimento ilícito da vítima, mas apenas restaurar a situação anterior ao prejuízo, ou ao menos minorar seus efeitos.
De qualquer modo, a visão hodierna da responsabilidade civil induz a crença de que todo prejuízo sofrido por alguém afeta o equilíbrio existente entre as partes e entre estes e a sociedade, e neste contexto é que a função do instituto visa à reparação do dano com a restituição da situação anterior ao ato lesivo, mediante indenização. Assim, a recomposição do equilíbrio violado é a própria razão de existir do instituto.
4. PRESSUPOSTOS
Conforme visto alhures, a responsabilidade civil surge necessariamente da inexecução obrigacional (contratual ou extracontratual), obrigando o agente causador do dano a responder pelos prejuízos dele decorrentes, recompondo o status quo ante existente entre as partes.
A teoria clássica da responsabilidade civil aponta três elementos essenciais para a caracterização da responsabilidade civil: a ação ou omissão culposa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre a ação e prejuízo experimentado pela vítima.
Importante entender que só existirá responsabilidade civil quando houver um comportamento humano capaz de ferir a ordem jurídica e causar um dano. Para Stoco (2007, p. 129) “o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária”. Ou seja “a lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo.”
Daí que a indenização pode derivar de uma ação ou omissão do agente, sempre que, infringir a um dever contratual, legal ou social. (RODRIGUES, 2007, p. 19). Não obstante, o elemento constitutivo da responsabilidade será
“[…] o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado” (DINIZ, 2009, p. 40).
Por conseguinte, não são todos os atos capazes de ensejar a responsabilização, mas somente aqueles que possam causar dano, consoante art. 186 do Código Civil. Pouco importa se o ato é legal ou não, uma vez que o ato ilícito baseia-se na culpa e o ato lícito fundamenta-se no risco da atividade realizada.
O ato poderá ser praticado por uma ação, quando existir previamente uma obrigação de não fazer algo. Por isto, se houver um dever legal de abstenção e o agente realizar tal conduta, estará violando um dever e consequentemente causando um dano, ficando passível de responsabilização.
Todavia, o ato ilícito também poderá ocorrer por omissão, quando decorrer da infração a um dever (contratual ou extracontratual) de realizar determinada conduta. A dúvida que surge é se a omissão pode causar um prejuízo, pois, sendo uma atitude negativa “a rigor não pode gerar, física ou materialmente, o dano sofrido pelo lesado” No entanto, “a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado” (CAVALIERI FILHO 2009, p. 24). (grifos do autor).
O dever de reparar o dano também poderá surgir de um ato que esteja em dissonância com o aspecto social. Talvez a atitude do agente não esteja ostensivamente contra a lei, mas sim contra seu sentido axiológico. Trata-se dos atos praticados com abuso de direito (RODRIGUES, 2007, p. 20), onde o agente deixa de considerar os limites impostos pela lei, especialmente o art. 187 do Código Civil.
Verifica-se que a responsabilidade subjetiva baseia-se no ato ilícito, obrigando seu autor a indenizar o dano causado pela transgressão de um dever jurídico pré-existente. Já na responsabilidade objetiva, pouco importa a culpa do agente, pois a reparação do dano fundamenta-se no risco da atividade desenvolvida.
O dano é um elemento essencial à caracterização da responsabilidade civil do agente[1]. A expressão deriva do latim damnum, significando “todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa resultar uma deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo a seu patrimônio” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1984, p. 02). (Grifos do autor).
Como um dos pressupostos da responsabilidade civil, o dano refere-se sempre à diminuição de um bem juridicamente tutelado e pode ter cunho patrimonial ou moral. Conforme lição de Noronha (2007, p. 473) o dano é
“[…] o prejuízo, de natureza individual ou coletiva, econômico ou não-econômico, resultante de ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada”.
Sendo assim, só haverá o dever de indenizar quando, de fato, houver um dano causado à vítima, ainda que este prejuízo seja presumido. Isso acontece porque a responsabilidade resulta do dever de reparar um bem jurídico violado. Por isto, para que surja a obrigação de indenizar, será necessário comprovar o dano efetivamente causado.
Nas palavras de Diniz (2009, p. 64), o dano é “a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral” e deverá ser real, demonstrado para que seja indenizável, exceto nos casos em que a lei o presume (responsabilidade objetiva). Neste aspecto, o prejuízo, em toda sua extensão, deve abranger aquilo que se perdeu (dano emergente) e aquilo que se deixou de ganhar (lucros cessantes).
Como regra geral, o dano poderá ser patrimonial ou moral[2]. Será patrimonial quando tiver cunho eminentemente econômico, alcançando diretamente os bens patrimoniais do ofendido, ou moral, quando atingir somente a pessoa, afetando seus direitos de personalidade e dignidade. Em princípio, o prejuízo moral não terá repercussão patrimonial, todavia, de forma indireta, poderá decorrer de uma lesão a um bem com valoração econômica para o ofendido, por via reflexa.
Esclareça-se que “o dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano” (GONÇALVES, 2009, p. 616).
O dano moral pode ser ainda subdividido em direto, quando lesiona um direito da personalidade (vida, liberdade, honra, intimidade) ou indireto, quando atinge interesse não patrimonial em decorrência de uma lesão ao patrimônio da vítima.
O nexo de causalidade é um elemento que deriva das próprias leis naturais. Como a responsabilidade civil só existe em razão da relação de causa e efeito existente entre ação ou omissão do agente e o dano, o nexo de causalidade é “o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano” (VENOSA, 2009, p. 47).
“Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 46).
A tarefa de estabelecer o nexo de causalidade não é simples. Por esta razão, o legislador elencou hipóteses em que a pessoa será obrigada a reparar o dano ainda que não seja a responsável por ele. É o caso da responsabilidade por fato de terceiro. Assim, é perfeitamente possível que haja a responsabilidade sem culpa do agente, porém, a responsabilidade só poderá existir se houver nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o prejuízo experimentado pela vítima.
Na responsabilidade civil subjetiva somente haverá o dever de reparar o dano quando a conduta do agente lesante for culposa, pois somente esta é capaz de causar prejuízos a outrem. Exige-se além da ação ou omissão do agente, que sua conduta seja culposa, capaz de obrigá-lo a indenizar o dano causado.
Para Beviláqua, culpa “ em sentido lato, é tôda violação de dever jurídico.” (1979, p. 172). Em sentido amplo, pode ser vista como a “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 34). Reforçando esta ideia, Aguiar Dias considera que culpa é
“[…] a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude” (1979, p. 136).
Segundo Cavalieri Filho (2009, p. 35) três são os elementos imprescindíveis para a caracterização da culpa: a) conduta voluntária com resultado involuntário; b) previsão ou previsibilidade e c) falta de cuidado, cautela, diligência ou atenção.
Importante esclarecer que o dolo (intenção livre e consciente de realizar determinada conduta) pode ser entendido como uma forma de culpa, lato sensu,na medida em que constitui um comportamento contrário a um dever de cuidado.
Stoco (2007, p. 130) apresenta três modos de revelação da culpa: a) imprudência, visto como o comportamento apressado, exagerado ou excessivo; b) negligência, que ocorre quando o agente se omite e deixa de agir quando deveria fazê-lo ou deixa de observar regras de bom senso, que recomendam zelo e cuidado; e c) imperícia, verificada pela atuação profissional desqualificada, sem conhecimento técnico e científico, conduzindo ao dano.
A culpa contratual é aquela decorrente da desobediência de um pacto, uma avença, enquanto a culpa extracontratual ocorre quando há o descumprimento de uma lei. Por fim, a culpa pode ser ainda dividida em graus. Será grave quando o agente atuar de forma grosseira, com falta de cuidado; leve, se puder ser evitada com o cuidado do ser humano comum; levíssima, quando ocorrer a falta de atenção eventual, pela ausência de atenção ou conhecimento.
CONCLUSÃO
Como visto ao longo do presente trabalho, as consequências das ações humanas são inerentes a todos indivíduos, notadamente pela coexistência de pessoas na sociedade. Assim, o Direito, como fenômeno histórico e cultural tem como finalidade a pacificação e harmonia de todos por meio de técnicas de solução de conflitos.
Dentro deste contexto, por meio da presente pesquisa, objetivou-se a análise da evolução histórica e dos pressupostos da responsabilidade civil.
Notadamente em relação aos conceitos gerais de responsabilidade civil, verifica-se que a responsabilidade civil integra o ramo do direito obrigacional, relativo ao dever, segundo a qual a conduta humana vincula-se a seu fim, e, na eventualidade do descumprimento de uma obrigação, surge, então, o dever de compensar o dano causado por meio de uma indenização.
Por sua vez, a evolução histórica da responsabilidade civil se deu de forma morosa, passando por diversos estágios, como a vingança coletiva, vingança privada, composição voluntária e obrigatória. Por sua vez, a Idade Média foi marcada pelo moroso aperfeiçoamento da responsabilidade civil porém, somente no século XVIII houve a distinção total entre pena (âmbito criminal) e reparação (seara privada). Verifica-se também que a Idade Moderna foi marcada pela mudança de paradigma da culpa para o dano, em razão do surgimento da teoria do risco.
Em síntese, a evolução histórica da responsabilidade civil é marcada pela noção de reparação por um mal causado. Esta ideia parte inicialmente da confusão entre responsabilidade civil e criminal, com a vingança coletiva, até o conceito atual, subjetivo, de reparação fundada na culpa, juntamente com a tendência contemporânea à objetivação do instituto na teoria do risco.
Ao longo deste caminho, cheio de contrastes, algumas ponderações podem ser traçadas, não de forma definitiva, diante da amplitude das questões ventiladas, mas procurando, singelamente, responder a problemática apresentada.
Os resultados obtidos com os dados colhidos no primeiro tópico especificam o enfoque geral sobre a responsabilidade civil, sua integração com o ramo obrigacional e a visão hodierna que induz a crença de que todo prejuízo efetivamente sofrido por alguém deve ser reparado, pois afeta o equilíbrio existente entre as partes e entre estes e a sociedade, e, neste contexto é que a recomposição do status quo ante é a própria razão de existir do instituto.
No que tange aos pressupostos da responsabilidade civil, deve-se reconhecer que a doutrina especifica a ação (ou omissão), o dano, o nexo de causalidade e a culpa como requisitos para a imposição do dever de indenizar.
Como se vê, as disposições atinentes à historicidade e pressupostos da responsabilidade civil visam dar elementos para reconhecer que todo prejuízo deve ser indenizado, pois do contrário seria ineficaz toda a construção doutrinária erigida ao longo da história.
Informações Sobre o Autor
Fernando Penafiel
Advogado. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo UNASP. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera UNIDERP