Resumo. O presente trabalho vai examinar as normas que disciplinam a compensação de prejuízos nas apurações das bases de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro. O ponto de partida será a delimitação e o alcance do conceito constitucional de renda. Na sequência será abordado o histórico legislativo das normas que disciplinam o direito das empresas à compensação dos prejuízos fiscais no Brasil. Posteriormente, será feita uma análise das leis que regem a compensação dos prejuízos fiscais na atualidade para se verificar se estas estão de acordo com o conceito constitucional de renda. Por fim, será feita uma análise da atual jurisprudência administrativa e judicial sobre do tema em discussão.
Palavras chaves. imposto sobre a renda; compensação de prejuízo fiscal; jurisprudência.
Sumário. Introdução. 1. Considerações sobre os termos ‘renda’ e ‘lucro’ na constituição. 1.1 Competência constitucional. 1.2. Conceito constitucional de renda. 1.3. O termo ‘lucro’ na constituição. 2. Histórico legislativo. 2.1. Os regimes jurídicos de compensação de prejuízo fiscal. 2.2. A atual sistemática de compensação de prejuízo fiscal. 3. Compensação de prejuízos fiscais. 3.1. Limitação de 30% à compensação de prejuízos fiscais na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. 3.2. Prazo para o exercício do direito à compensação de prejuízos fiscais. 3.3. Jurisprudência. 4. Não-limitação à compensação de prejuízos fiscais na extinção da pessoa jurídica. 4.1. Inaplicabilidade da limitação à compensação de prejuízos fiscais na extinção da pessoa jurídica. 4.2. Vedação à compensação de prejuízos fiscais nos casos de incorporação, fusão ou cisão. 4.3. Jurisprudência. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
O presente trabalho pretende analisar as normas que dizem respeito à compensação de prejuízos nas apurações das bases de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro à luz do conceito constitucional de renda. Mais especificamente, será feita um exame das normas que limitam em trinta por cento a compensação de prejuízo fiscal na apuração da base de cálculo do IRPJ e a base de cálculo negativa da CSLL.
Como o fundamento básico para o estudo do direito à compensação dos prejuízos fiscais é imperioso definir o alcance dos termos do conceito de renda, sob pena de se afastar dos conteúdos semânticos traçados pela Constituição Federal. A partir dessas noções constitucionais de renda é que se poderá buscar o efetivo aumento patrimonial, para fins de incidência do imposto sobre a renda.
O presente trabalho percorrerá o histórico legislativo das normas que disciplinam o direito das empresas à compensação dos prejuízos fiscais, desde a edição da Lei 154/47 até as Leis 8.541/92 e 9.065/95. A partir daí, será feita uma análise das leis que regem à compensação dos prejuízos fiscais no Brasil para se verificar se estas estão de acordo com o conceito constitucional de renda.
Também será objeto deste estudo a análise da atual jurisprudência administrativa e judicial sobre do tema em discussão. À propósito, o Tribunal Pleno do STF, por ocasião do julgamento do RE 344.994/PR, já decidiu pela constitucionalidade dos arts. 42 e 58 da Lei 8.541/92, com base nos arts. 150, III, a e b e 5º, XXXVI. Entretanto, este assunto será novamente analisado pelo STF no RE 591.340/SP, no qual já foi reconhecida a repercussão geral do tema e foi alegada ofensa aos arts. 145, § 1º, 148, 150, IV, 153, III e 195, I, da Constituição Federal.
Ficará claro que este trabalho tomará por base as lições/teorias de Paulo de Barros Carvalho. O ilustre professor faz uma distinção bem nítida entre o sistema do direito positivo e o sistema da Ciência do Direito. Segundo ele, o sistema do direito positivo é composto pelo: “plexo de normas jurídicas válidas [que] está posto num corpo de linguagem prescritiva, que fala do comportamento do homem na comunidade social”[1]. O sistema da Ciência do Direito, por sua vez, emprega uma linguagem eminentemente descritiva para discorrer acerca de seu objeto – o direito positivo. É exatamente por este motivo, que o professor Paulo de Barros Carvalho afirma que a Ciência do Direito é uma sobrelinguagem ou linguagem de sobrenível[2].
Como embasamento teórico, serão utilizadas algumas das premissas que informam as diferenças entre o direito positivo e a Ciência do Direito, que foram bem sistematizadas pela professora Aurora Tomazini de Carvalho, em seu Curso de Teoria Geral do Direito[3], a partir de critérios linguísticos:
A partir das premissas fixadas neste trabalho, se perquirirá a constitucionalidade das leis que limitam a compensação de prejuízos fiscais na apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, considerando a definição e os conteúdos semânticos dos termos ‘renda’ e ‘lucro’ trazidos pela Constituição Federal.
1. Considerações sobre os termos ‘renda’ e ‘lucro’ na constituição
1.1. Competência tributária
Como é cediço, a Constituição Federal outorgou aos entes políticos internos competência para criarem, por meio de lei, normas jurídicas tributárias. Ao discriminar as competências tributarias, a Constituição Federal conferiu às pessoas políticas a possibilidade de instituírem as regras-matrizes de incidência[4] de cada tributo, estabelecendo um verdadeiro molde para a atuação dos entes políticos. Neste contexto, as “pessoas políticas só podem criar in abstracto tributos se permanecerem dentro das faixas exclusivas que a Constituição lhes outorgou”[5].
Por oportuno, vale destacar o conceito de RMIT de Paulo de Barros Carvalho:
“A regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, u`a norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado”[6].
Em razão do princípio da legalidade (arts. 5º, II e 150, I da CF), o exercício da competência tributária se dá por meio de lei (em sentido amplo). Tácio Lacerda Gama, analisando a fenomenologia da criação das normas de competência tributária, assevera que:
“a norma de competência tributária em sentido estrito requer a reunião das proposições construídas a partir da leitura do direito positivo numa estrutura lógico-condicional. No antecedente dessa norma, descreve-se um fato – o processo de enunciação necessário à criação dos tributos -, imputa-se a esse fato uma relação jurídica, cujo objeto consiste na faculdade de criar tributos. De forma análoga ao que se dá com as demais normas jurídicas, sem que se construa essa norma em sentido estrito, a análise da competência estará incompleta”[7].
Ressalte-se que a competência tributária não se confunde com a capacidade tributária ativa, que é questão a ser considerada quando o legislador, ao criar a regra-matriz de incidência, elege determinada pessoa para integrar a relação jurídica obrigacional.
1.2. Conceito constitucional de renda
O art. 153, III, da CF confere à União Federal competência para instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, dentro dos limites em que determina. Entretanto, o dispositivo em questão não deu ao legislador ampla liberdade para criar um imposto sobre tudo o que considerar renda e proventos de qualquer natureza[8]. Ao repartir as competências impositivas, a CF relacionou, minuciosamente, os fatos econômicos que pretendia tributar, exatamente para que não houvesse conflito entre os entes políticos.
O termo ‘renda’ é mencionado por diversas vezes na Constituição Federal, porém, a Carta magna não revela expressamente os conceitos de renda e de proventos de qualquer natureza, sendo que apenas por meio de uma análise sistemática do texto constitucional é que se pode delimitar os conteúdos semânticos do termo ‘renda’. Assim, no exercício de sua competência constitucional, a União deverá respeitar os conteúdos semânticos da expressão ‘renda’ apresentados pela Constituição Federal.
Discorrendo sobre a noção de ‘renda’, José Luiz Bulhões Pedreira já alertava que:
“A noção de renda que nos interessa não é a utilizada pela ciência econômica nem a que teoricamente seja a mais perfeita para as finanças públicas, mas a que se ajusta ao sistema tributário nacional definido na Constituição Federal em vigor. Esse é o conceito que permitirá conhecer os limites de competência da União ao definir a base imponível do imposto sobre a ‘renda e proventos de qualquer natureza’”[9].
Infere-se, desde logo, que a materialidade deste imposto não pode, de maneira alguma, ser confundida com a materialidade dos demais impostos descritos na CF, como por exemplo, a circulação de mercadoria, a industrialização de produtos, a importação de bens.
A questão acerca da existência (ou não) de um conceito constitucional de renda e de proventos de qualquer natureza sempre gerou grandes discussões doutrinárias. Inúmeros autores se propuseram a conceituar renda e proventos de qualquer natureza, senão veja-se.
Para Roque Antônio Carraza, renda e proventos de qualquer natureza: “são os ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio, nem certo lapso de tempo”[10].
No mesmo sentido, comentário de Misabel Abreu Macho Derzi: “por meio de lei ordinária e a título de imposto de renda, somente se legitimará a tributação de renda e proventos de qualquer natureza, assim entendido como o acréscimo de riqueza, o ganho ou o aumento advindo do trabalho ou do capital”[11].
A expressão renda e proventos de qualquer natureza, para Paulo Ayres Barreto,
“é de ser interpretada, nos estritos termos em que constitucionalmente plasmada, como acréscimo a um dado conjunto de bens e direitos (patrimônio), pertencente a uma pessoa (física ou jurídica), observado um lapso temporal necessário para que se realize o cotejo entre determinados ingressos, de um lado, e certos desembolsos, de outro”[12].
Luís Cesar Souza de Queiroz, por sua vez, afirma que o conceito de rendas e proventos de qualquer natureza:
“está contido em normas constitucionais relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que designa o acréscimo de valor patrimonial, representativo da obtenção de produto ou de simples aumento no valor do patrimônio, apurado, em certo período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem para o acréscimo de valor do patrimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos que, estando relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou à preservação da existência, com dignidade, tanto da própria pessoa quanto de sua família, contribuem para o decréscimo de valor do patrimônio (fatos-decréscimos)”[13].
Paulo de Barros Carvalho, sob outro enfoque, admite que a definição do conceito de renda esteja expressa no CTN (arts. 43 e 44[14]), com fundamento nos pressupostos do art. 153, III, da CF. Afirma, ainda, que, no direito brasileiro, prevalece a teoria do acréscimo patrimonial, segundo a qual: “o que interessa é o aumento do patrimônio líquido, sendo considerado como lucro tributável exatamente o acréscimo líquido verificado no patrimônio da empresa, durante período determinado, independentemente da origem das diferentes parcelas”[15].
O conceito de renda previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional tende a distinguir os conceitos renda e de proventos de qualquer natureza. Na verdade, o CTN pretendeu consagrar a teoria do acréscimo patrimonial, como explicou o professor Paulo de Barros de Carvalho, para conceituar o fato gerador do imposto de renda. Assim, pode-se afirmar que o fato gerador do imposto de renda e proventos de qualquer natureza é a aquisição de riqueza nova, decorrentes do confronto de entradas e saídas, em um determinado período de tempo, como previu a CF.
A par das discussões doutrinárias acerca da existência (ou não) de um conceito constitucional de renda e de proventos de qualquer natureza, é certo que a Constituição Federal estabeleceu conteúdos semânticos para hipótese de incidência do IR. A partir de uma análise sistemática da CF, pode-se afirmar que a hipótese de incidência deste imposto somente pode alcançar os acréscimos patrimoniais auferidos por pessoa física ou jurídica, durante determinado lapso temporal.
Saliente-se que a fixação deste lapso temporal (inicial e final), para fins de comparação do patrimônio da pessoa física ou jurídica, é indissociável da noção de renda, de forma que a incidência do IR alcance o efetivo acréscimo patrimonial. Nesse sentido, Humberto Ávila lembra que: “justamente porque o conceito de renda é dinâmico que não se pode sequer concebê-lo sem a noção de período. Esse período será delimitado pelo legislador, como imposição de ordem prática, para que se possa exigir o tributo e garantir a arrecadação”.[16]
José Artur Lima Gonçalvez, em aprofundado ensaio sobre o tema, concluí que, qualquer que seja o conceito de renda adotado, sempre estarão presentes as noções de: “ganho patrimonial resultante de (ii) confronto entre elementos (ingressos e saídas) verificados (iii) ao longo de certo período”[17].
Muito embora a Constituição Federal não tenha conceituado expressamente renda e proventos de qualquer natureza, quaisquer valores que não representem efetivo acréscimo patrimonial estariam fora do campo de abrangência da regra-matriz de incidência do imposto de renda. A tributação apenas pode alcançar o resultado positivo apurado pela pessoa física ou jurídica, deduzidos as despesas indispensáveis à sua manutenção. No caso de pessoas jurídicas, por exemplo, o IRPJ não pode incidir sobre meros ingressos no caixa, sobre os financiamentos contratados, sobre o patrimônio[18].
Sob o ponto de vista dos princípios constitucionais, Roque Antônio Carraza faz uma análise do conceito de acréscimo patrimonial, asseverando que este: “só pode ser levado à tributação quando atende aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da não-confiscatoriedade”[19]. Assim, segundo o professor, “renda e proventos deixam de ser meros resultados da atividade econômica, para assumirem a conotação de acréscimo patrimoniais, excluídos os valores necessários à manutenção da personalidade digna e dos próprios mecanismos de produção de renda”[20].
Pelo que já foi exposto, resta claro que a construção do conceito constitucional de renda não deve se restringir à análise do art. 153, III, da Constituição Federal. O próprio art. 153 da CF estabelece em seu § 2º, inciso I, que o imposto sobre a renda deve ser informado pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade, nos termos da lei. Além disso, há de se considerar, como bem lembrado pelo professor Roque Antônio Carraza, os princípios da isonomia (art. 150, II, da CF), da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF) e do não-confiscatoriedade (art. 150, IV, da CF).
Como se vê, a análise sistemática da Constituição Federal é imprescindível para se delimitar a hipótese de incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Somente com a construção de um conceito constitucional de renda é que se permitirá conhecer os limites de competência da União para legislar sobre IR.
1.3. O termo ‘lucro’ na Constituição
A Constituição Federal trata, em seu art. 195, I, c, da contribuição social sobre o lucro: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: c) o lucro”
Contudo, é a Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) que define o conceito de lucro:
“Art. 191. Lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190”.
“Art. 190. As participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada”.
“Art. 189. Do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a Renda.
Parágrafo único. O prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem”.
Com base nestes dispositivos, infere-se que lucro tributável é aquele que configura um resultado final positivo, deduzidos as despesas descritas pela lei como necessárias à sua obtenção.
O art. 2º da Lei 7.689/88, por seu turno, estabelece que: ”A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda”. Roque Antônio Carraza entende que a frase contida neste dispositivo legal: “há de ser entendida como sinônima de ‘lucro’, até porque é justamente sobre ele que a Constituição autoriza a criação do tributo em tela. (…) Como é apodíctico, a contribuição social sobre o lucro só poderá ser exigido das empresas que o obtiverem”[21].
A base de cálculo da CSLL, portanto, é o lucro líquido antes da provisão do imposto de renda, apurado contabilmente segundo o art. 189 da Lei 6.404/76. A partir dele (lucro líquido) é que serão ajustadas as adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação fiscal. Neste contexto, assim como no caso do IRPJ, o lucro tributável pela CSLL deve sempre representar um resultado positivo, razão pela qual é inafastável dos limites semânticos traçados pela Constituição Federal.
Como se vê, tal contribuição social tem a mesma base de cálculo do IRPJ, qual seja, o lucro da pessoa jurídica. O traço distintivo entre a CSLL e o IR, segundo Ricardo Mariz de Oliveira, é a destinação. Muito embora tenha hipóteses de incidência coincidentes, a CSLL é destinada a custear os investimentos e as despesas gerais da União[22].
Em suma, a CSLL incide sobre o lucro obtido pela pessoa jurídica, depois de ajustadas as adições, exclusões ou compensações autorizadas pela lei. Registre-se, desde logo, que os prejuízos acumulados em períodos anteriores devem ser integralmente deduzidos da base de cálculo deste tributo, sob pena de se tributar aquilo que não é lucro.
Por fim, ressalte-se que o art. 57 da Lei 8.981/95[23] determina a aplicação à CSLL das mesmas normas de apuração e pagamento estabelecidas para o IRPJ, mantidas a base de cálculo e as alíquotas de cada tributo. Tal dispositivo legal repetiu a previsão do art. 44 da Lei 8.383/91, que já autorizava a empresa a compensar em períodos posteriores a base de cálculo negativa da CSLL[24].
2. Histórico legislativo
2.1. Os regimes jurídicos de compensação de prejuízo fiscal
Ao longo de décadas, a legislação do imposto sobre a renda adotou vários regimes de compensação de prejuízos fiscais.
A compensação de prejuízos fiscais teve sua primeira regulamentação na Lei 154/47. O seu art. 10 admitia a compensação de prejuízos verificados nos três exercícios anteriores[25], desde que não houvesse fundos de reserva ou lucros acumulados. O Decreto 1.493/76 aumentou este prazo de compensação para quatro exercícios para àqueles fatos ocorridos a partir de 1977.
Com o advento do Decreto – Lei 1.598/77, permaneceu a limitação temporal de quatro anos para que o prejuízo fiscal apurado no exercício anterior fosse compensado em exercícios posteriores. Além disso, o referido decreto passou a permitir à empresa resultante de fusão, à que incorporar outra, às resultantes de cisão ou à que incorporar parcela do patrimônio de empresa cindida compensar os prejuízos das empresas extintas. Entretanto, este dispositivo foi revogado dois anos depois pelo Decreto- Lei 1.730/79.
O Decreto 2.341/ 87 trouxe duas hipóteses de vedação à compensação de prejuízos fiscais: (i) nos casos de modificação do controle societário e do ramo de atividade (art. 32); e (ii) nos casos de sucessão por incorporação, fusão ou cisão, a empresa sucessora não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida (art. 33). No caso de cisão parcial, este decreto também previu a possibilidade de a empresa cindida compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido.
A Lei 7.450/85 adotou a compensação pelo sistema de períodos-base semestrais, que foi revogado pelo Decreto- Lei 2.354/87.
A Lei 8.383/91 incluiu no ordenamento jurídico o sistema de períodos-base mensais e previu a possibilidade de compensação independentemente do prazo, a partir de 1992. Nesta época, coexistiram, temporariamente, dois sistemas: aquele do Decreto–Lei 1.598/77, para os períodos encerrados até 1991; e aquele sem prazo instituído pela Lei 8.383, a partir de 1992.
A Lei 8.541/92 reinstituiu o prazo de quatro anos, mas o delimitou expressamente para os fatos geradores ocorridos após 1993. Diante deste dispositivo legal, passou a coexistirem três sistemas de apuração de compensação de prejuízos fiscais.
2.2. A atual sistemática de compensação de prejuízo fiscal
Os arts. 42 da Lei 8.981/95 e 15 da Lei 9.065/95 introduziram um limite de trinta por cento para a compensação[26], na base de cálculo do IRPJ, dos prejuízos fiscais acumulados, a partir de 1995:
“Art. 42. A partir de 1º de janeiro de 1995, para efeito de determinar o lucro real, o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento.
Parágrafo único. A parcela dos prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, não compensada em razão do disposto no caput deste artigo poderá ser utilizada nos anos-calendário subsequentes”.
“Art. 15. O prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado.
Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios do montante do prejuízo fiscal utilizado para a compensação”.
Estas limitações também são aplicadas às bases negativas da CSLL por meio dos arts. 58 da Lei 8.981/95 e 16 da Lei 9.065/95:
“Art. 58. Para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, o lucro líquido ajustado poderá ser reduzido por compensação da base de cálculo negativa, apurada em períodos-base anteriores em, no máximo, trinta por cento”.
“Art. 16. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, quando negativa, apurada a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensada, cumulativamente com a base de cálculo negativa apurada até 31 de dezembro de 1994, com o resultado do período de apuração ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação da referida contribuição social, determinado em anos-calendário subsequentes, observado o limite máximo de redução de trinta por cento, previsto no art. 58 da Lei nº 8.981, de 1995.
Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios da base de cálculo negativa utilizada para a compensação”.
Registre-se, desde logo, que as normas que regem atualmente a compensação de prejuízos fiscais não delimitaram um prazo para a compensação e geração dos prejuízos fiscais, como fizeram as legislações anteriores.
Como se vê, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 alteraram significativamente o modo de apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Cabe, agora, analisar se estas modificações estão de acordo com os conceitos de renda e de lucro e se efetivamente tributam o aumento patrimonial, para fins de incidência do imposto sobre a renda e da contribuição social sobre o lucro, ou se acabam por tributar o mero patrimônio da empresas.
3. Compensação de prejuízos fiscais
3.1. Limitação de 30% à compensação de prejuízos fiscais na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL
Como amplamente demonstrado no capítulo1, o IRPJ e a CSLL somente podem alcançar os acréscimos patrimoniais auferidos pela pessoa jurídica, durante determinado lapso temporal. É por este motivo que todas as conclusões que forem feitas acerca dos prejuízos fiscais do IRPJ deverão ser aplicadas às base negativas da CSLL.
Para que fique claro, prejuízos “nada mais são que despesas e custos anteriores que não produziram – ou não produziram ainda – resultados positivos”[27]. O prejuízo fiscal, por diversas vezes mencionado, pode ser conceituado como “o lucro real negativo apurado ao final de qualquer período-base da pessoa jurídica, o qual, segundo a lei, pode ser compensado com os lucros tributáveis dos períodos-base subsequentes”[28].
Com efeito, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 instituíram uma norma limitadora do direito à compensação de prejuízos fiscais das empresas que estão sujeitas à tributação pelo lucro real, com a finalidade de reduzir o lucro do período mediante o aproveitamento dos prejuízos fiscais acumulados nos exercícios anteriores. Como a seguir será demonstrado, tal inovação alterou as hipóteses de incidência do IRPJ e da CSLL, em desacordo com os conteúdos semânticos dos termos ‘renda’ e ‘lucro’ traçados pela Constituição Federal.
A determinação do efetivo acréscimo patrimonial pressupõe a compensação integral dos prejuízos fiscais incorridos nos períodos de apuração anteriores, sob pena de tributação do patrimônio da empresa. Nesse sentido, Roque Antônio Carraza é firme ao asseverar que: “limitar a compensação dos prejuízos a 30% do lucro auferido no período significa, em última análise, tributar parte (70%) da recomposição do patrimônio, e não simplesmente a renda, como autoriza o art. 153, III, da Carta Magna”[29].
É válido esclarecer que o referido limite de trinta por cento disposto nos arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e os arts. 15 e 16 da Lei 9.065/95 é aplicável ao lucro líquido ajustado de cada período-base em que se vai proceder a compensação e não sobre os trinta por cento do valor do prejuízo fiscal experimentado.
Foi exposto no capítulo1, que os limites semânticos do termo ‘renda’ excluem do campo de incidência do IRPJ todas as verbas que não representem efetivo acréscimo patrimonial. Disto decorre que os prejuízos fiscais não podem ser limitados ou minimizados, sob pena de se fazer incidir o IRPJ sobre o patrimônio da empresa, ou seja, sobre uma riqueza nova que, na verdade, não existiu.
Ora, se do encontro entre os prejuízos anteriores e o produto obtido pela empresa naquele exercício decorrer um resultado positivo, haverá acréscimo patrimonial – fato gerador do IRPJ. Por outro lado, se do encontro dessas contas resultar um saldo negativo, não haverá base tributável, em razão da ausência do acréscimo patrimonial. A restrição à compensação, nesse sentido, equivaleria à tributação de uma renda que ainda não foi auferida, em verdadeira presunção da ocorrência do fato gerador destes tributos.
Com fundamento na RMIT, o fato jurídico tributário[30] e a relação obrigacional correspondente não poderão ser constituídos, pois não ocorreu a perfeita subsunção do fato à norma. Em outras palavras, a norma individual e concreta não poderá ser constituída, na medida em que não foi atendido o critério material da RMIT.
No mais, o art. 43 do CTN reforça a ideia de que o IR somente pode incidir sobre as aquisições de disponibilidade econômica ou jurídica, ou seja, sobre a riqueza nova. Não é demais ressaltar que a riqueza nova demanda valores líquidos, excluídas todas aquelas despesas necessárias à sua manutenção, bem com os prejuízos fiscais dos exercícios anteriores. Frise-se: somente é possível falar em acréscimo patrimonial quando do resultado positivo obtido do confronto das entradas e saídas (inclua-se, nesse contexto, os prejuízos acumulados dos períodos anteriores). É exatamente por este motivo que Eurico Marcos Diniz de Santi assegura que:
“Aplicar a Regra-matriz de Incidência do IRPJ e da CSLL significa constituir um enredo normativo formando um sistema de regra. Ou seja, a Regra-matriz de Incidência do IRPJ e da CSLL é um feixe normativo formado (i) pela regras de apuração do IRPJ e da CSLL (regras de reconhecimento de receitas e despesas, adições e exclusões); (ii) pela regra de compensação de prejuízos fiscais (que integra o feixe da regras de apuração e estabelece a relação entre a regra de apuração do exercício atual e os prejuízos fiscais de exercícios anteriores); (iii) pela regra de ajuste anual (que consolida a relação entre apuração do lucro real e as estimativas e retenções na fonte desse mesmo ano-base) e eventuais regras outras não pertinentes para essa análise”[31].
Assim, os resultados apurados para determinação da base de cálculo do IRPJ não podem ser considerados num único exercício financeiro. Tais resultados devem levar em conta a data do início das atividades da empresa, para que não se tribute o patrimônio da empresa. Disto decorre a necessidade da compensação integral dos prejuízos fiscais experimentados pela empresa ao final do período-base.
Roque Antônio Carraza esclarece o assunto, ao tecer as seguintes considerações:
“Sujeitar à tributação apenas os lucros obtidos num exercício financeiro, isto é, com desconsideração dos eventos econômicos relevantes, verificados nos anos anteriores, significa, em última análise, admitir o absurdo da hipótese de a pessoa jurídica ser obrigada a pagar imposto (que – tornamos a repetir – incide sobre a renda) ainda que se encontre, considerando-se o termo inicial de suas atividades (e não apenas o período de apuração), em situação de prejuízo”[32].
À mesma conclusão chegou Humberto Ávila:
“a comunicação entre os períodos de apuração e a compensação de prejuízos fiscais anteriores em anos-calendário subsequentes são consequências normativas necessárias do conceito de renda como acréscimo patrimonial líquido configurado com base no critério da progressividade. Em outras palavras, nem a incomunicabilidade entre os períodos é imposição constitucional, nem a compensação de prejuízos fiscais é cortesia legal. Ao contrário, a comunicabilidade de períodos e o direito de compensação de prejuízos físicas é que são implicações normativas inafastáveis da ordem constitucional”[33]
Sob outra perspectiva, pode-se afirmar que a compensação de prejuízos fiscais configura recomposição do patrimônio da empresa. Dessa forma, somente se poderia falar em acréscimo patrimonial depois de restabelecida a situação patrimonial originária da pessoa jurídica[34]. Nesse sentido, a expressão ‘cumulativamente’ prevista nos art. 15 e 16 da Lei 9.065/95 reforçaria o entendimento de que, na fixação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, a compensação dos prejuízos fiscais poderá ser apurada nos períodos anteriores a 1994.
Por tudo que já foi exposto, infere-se que os arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e os arts. 15 e 16 da Lei 9.065/95, ao limitarem em 30% o direito à compensação de prejuízos fiscais, acabaram por instituir a cobrança do IRPJ e da CSLL sobre o patrimônio da pessoa jurídica, em dissonância com os conteúdos semânticos dos termos ‘renda’ e ‘lucro’ trazidos pela Constituição Federal e em afronta ao art. 43 do CTN. Este também é o entendimento de Paulo Cesar Conrado:
“inibir a compensação integral dos prejuízos, além de engendrar um desvirtuamento do conceito de ‘renda’ / ‘lucro’ inscrito no art. 189 da Lei 6.404/76 (malferindo-se, pois, o artigo 110 do Código Tributário Nacional), implica, também (e o que é mais grave), num artificial ‘alavancamento’ do resultado da pessoa jurídica, impondo-lhe, à guisa de IRPJ e CSL, um tributo que não incide sobre a ‘renda’ ou ‘lucros’ verdadeiros, mas sim sobre algo que o legislador quis que fosse considerado como tal”[35].
Contudo, não se pode deixar de registrar os argumentos a favor das normas que limitam o direito à compensação dos prejuízos fiscais acumulados em períodos anteriores. Nessa linha de pensamento, Ricardo Mariz de Oliveira afirma que:
“todo empreendimento econômico tem que ser segmentado em seu desenvolvimento temporal, para inúmeros efeitos empresariais e jurídicos, sob pena de que, somente no encerramento definitivo da própria atividade jurídica que se pretende desenvolver através da pessoa jurídica, seria possível determinar com segurança e em definitivo a existência e o montante do incremento patrimonial produzido por tal atividade”.[36]
Não obstante as opiniões diversas, somente se poderia falar em acréscimo patrimonial depois de restabelecida a situação patrimonial originária da pessoa jurídica. Ao limitar a dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e da CSLL em trinta por cento do lucro líquido do período-base, os referidos dispositivos infraconstitucionais desconsideram a materialidade destes tributos – o acréscimo patrimonial – e passam a tributar o patrimônio da empresa. Se não houve incremento patrimonial, ou seja, renda tributável, não há que se falar em incidência do IRPJ e da CSLL.
Entendemos que é possível determinar o montante do incremento patrimonial no final do exercício com o simples encontro de contas entre o patrimônio originário e o patrimônio final da empresa naquele exercício. Havendo resultado negativo, este deverá ser considerado integralmente nos períodos de apuração subsequentes para fins de compensação, independentemente do lucro apurado no período-base.
Ressalte-se, por fim, que a limitação de 30% em comento não é aplicável à compensação de prejuízos fiscais apurados pelas pessoas jurídicas titulares de Programas Especiais de Exportação, aprovados até 3 de junho de 1993 pela Comissão para Concessão de Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação – Befiex (art. 95 da Lei 8.981).
3.2. Prazo para o exercício do direito à compensação de prejuízos fiscais
As Leis 8.981/95 e 9.065/95 não delimitaram um prazo para a compensação e geração dos prejuízos fiscais, ao contrário do que fizeram as legislações anteriores. Saliente-se que não há consenso na doutrina acerca da existência ou não de um prazo prescricional ou decadencial para o exercício do direito à compensação.
De um lado, Roque Antônio Carraza observa que: “a legislação, corretamente, já não fixa termo ad quem algum para a compensação de prejuízos fiscais, que podem, portanto, ficar pendentes por muitos anos, até virem a ser utilizados”[37].
Ricardo Mariz de Oliveira, por seu turno, admite a aplicação do Decreto 20.910/32 (art. 1º [38]), que dispõe sobre as normas de prescrição e decadência de direitos e ações contrárias às Fazendas Públicas. Para este autor, a limitação temporal prevista no Decreto 20.910/32 é aplicável ao exercício do direito à compensação após a aquisição do mesmo, ou seja, a partir do momento em que a empresa obtenha lucro maior de que o prejuízo fiscal, considerando o limite legal de trinta por cento. Assim, segundo o autor:
“a partir do encerramento do período-base que apresente lucro real, e estritamente quanto aos valores de prejuízos fiscais que nele poderiam ser compensados, mas que não o tenham sido, começa a correr o prazo geral de cinco anos para o exercício de direitos contra a Fazenda Pública”[39].
Parece compartilhar do mesmo entendimento Henry Tilbery:
“na realidade, não há motivação lógica convincente para impor limite de tempo qualquer para compensação de prejuízos, que deveria ser admitida indefinitivamente (…), apenas com a ressalva de uma possível ligação entre o prazo prescricional e o limite de tempo para compensar prejuízos”[40].
A rigor, por não estabelecer um prazo como fizeram as legislações anteriores e por outorgar uma faculdade ao contribuinte, entendemos não ser aplicável o prazo decadencial de cinco anos disposto no Decreto 20.910/32.
3.3. Jurisprudência
No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a questão da limitação de 30% na compensação de prejuízos fiscais foi objeto da Súmula 3 editada pelo Conselho de Contribuintes:
“Súmula 1ºCC nº 3: Para a determinação da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro, a partir do ano-calendário de 1995, o lucro líquido ajustado poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento, tanto em razão da compensação de prejuízo, como em razão da compensação da base de cálculo negativa”.
No âmbito do STJ, a jurisprudência também não é favorável aos contribuintes, como se observa nos seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. CSLL. BASE DE CÁLCULO NEGATIVA. IMPOSTO DE RENDA. PREJUÍZOS FISCAIS. LIMITES DA COMPENSAÇÃO. ARTS. 42 E 58, DA LEI N. 8.981/95.(…)
2. A limitação da compensação em 30% (trinta por cento) dos prejuízos fiscais acumulados em exercício anteriores, para fins de determinação da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) e do Imposto de Renda, não se encontra eivada de ilegalidade. Precedentes: EREsp Nº 429.730 – RJ, Primeira Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 9.3.2005; AgRg no Ag 935.250/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 09/09/2008; AgRg no REsp 1027320/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 21/08/2008, DJe 23/09/2008.
3. Recurso especial não provido”[41].
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. PREJUÍZOS FISCAIS. DEDUÇÃO. LIMITES À COMPENSAÇÃO. LEI 8.981/95. LEGALIDADE. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. INCIDÊNCIA. EXAME DE VIOLAÇÃO À INSTRUÇÃO NORMATIVA. INCABÍVEL EM SEDE DE APELO ESPECIAL.(…)
3. A posição firmada pelo julgado de origem encontra-se alinhada à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido da legalidade da limitação de 30% imposta pela Lei 8.981/95 na compensação dos prejuízos fiscais acumulados, apurados em exercícios anteriores, para fins de determinação da base de cálculo da CSSL e do IR.
4. Precedentes: REsp 969.061/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe 04/06/2009, EDcl no AgRg no REsp 925.920/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 21/08/2009; AgRg no REsp 944.427/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe 25/05/2009; AgRg no REsp 989.015/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJe 01/12/2008.
5. Agravo regimental não provido”[42].
Confirmando as orientações do CARF e do STJ, o STF julgou constitucional a limitação de 30% na compensação de prejuízos fiscais:
“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS. LIMITAÇÕES. ARTIGOS 42 E 58 DA LEI N. 8.981/95. CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 150, INCISO III, ALÍNEAS "A" E "B", E 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O direito ao abatimento dos prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores é expressivo de benefício fiscal em favor do contribuinte. Instrumento de política tributária que pode ser revista pelo Estado. Ausência de direito adquirido 2. A Lei n. 8.981/95 não incide sobre fatos geradores ocorridos antes do início de sua vigência. Prejuízos ocorridos em exercícios anteriores não afetam fato gerador nenhum. Recurso extraordinário a que se nega provimento”[43].
Conforme se observa, o STF, por seu Tribunal Pleno, julgou constitucionais as limitações previstas nos arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e reconheceu se tratar de um benefício fiscal[44]. Além disso, o STF considerou que o limite de quatro anos para a compensação de prejuízos fiscais dos períodos anteriores não mais persistiria no ordenamento jurídico.
À respeito de se encarar a compensação de prejuízos fiscais como um benefício fiscal, Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, se posicionaram no sentido de que:
“a compensação de prejuízos não ser encarada como um benefício ou um favor do legislador ordinário ao contribuinte. Ora, se um contribuinte tem perda de 100 em um determinado exercício e no exercício seguinte apura lucro de 50, permanece ele com um déficit de 50, sem ter auferido qualquer acréscimo em seu patrimônio. É imperativo constitucional e de justiça que se promova a compensação integral desse prejuízo, haja vista quem caso isso não ocorra, estar-se-á tributando perda patrimonial. A admissão de compensação não cuida de favor legislativo, mas sim de obediência a conceitos e princípios expressos na nossa Constituição”[45].
Apesar da decisão desfavorável aos contribuintes proferida pelo Tribunal Pleno do STF, é importante destacar que esta decisão: (i) somente tem efeito entre as partes envolvidas no processo; e (ii) não foi analisada à luz do art. 145, § 1º, da CF (princípio da capacidade contributiva). De todo o modo, cumpre enfatizar o voto vencido do Ministro Relator Marco Aurélio, que entendeu pela inconstitucionalidade do art. 42 da Lei 8.981/95:
“Vê-se que o teor do citado artigo consagra o recolhimento do imposto de renda, sem que, ante a dinâmica da vida da pessoa jurídica, haja lucro real. Seguramente, a mitigação do instituto viabilizador da redução do lucro líquido dos prejuízos, a compor o nosso cenário jurídico desde 1947 – Lei nº 154 -, acaba por incluir verdadeira ficção no dia-a-dia dos contribuintes que se mostra contrária até mesmo a nomenclatura reveladora do objeto, da base de incidência do próprio tributo – a renda e proventos de qualquer natureza. Vale dizer: se, no balizamento temporal considerado, é encontrada renda que, em vista dos prejuízos acumulados, é absorvida, não se conta com o indispensável fato gerador de tributo, faltando, por isso mesmo, a base de cálculo. A colocação dos prejuízos em simples estado latente, em mera reserva, abstraindo-os no cálculo da renda a ser tributada, implica em última análise, antecipação do tributo, e não cobrança, dado o ano-base a ser perquirido. A atuação do fisco em tal sentido ganha contornos próprios a empréstimo compulsório, sem a existência de lei complementar e dos objetivos que estão previstos de forma exaustiva no artigo 148 da Constituição Federal. Além de suportar o resultado negativo, o contribuinte vê-se forçado a recolher tributo que não corresponde, em si, à renda. O imposto sobre a renda, conforme proclamado nos Recursos Extraordinários nºs 172.058 e 117.887, pressupõe acréscimo patrimonial disponível”[46].
Embora a jurisprudência dominante caminhe no sentido de assegurar a constitucionalidade das normas limitadoras do direito à compensação de prejuízos fiscais, em nenhum momento cogitou-se a hipótese de o contribuinte perder seu direito à compensação dos prejuízos fiscais acumulados, pelo contrário, muitos destes julgados buscam como fundamento de validade a manutenção desse direito à compensação.
Por oportuno, cabe destacar que este assunto será novamente analisado pelo Tribunal Pleno do STF no RE 591.340/SP, no qual já foi reconhecida a repercussão geral do tema e foi alegada ofensa aos arts. 145, § 1º, 148, 150, IV, 153, III e 195, I, da Constituição Federal. Esta nova fundamentação poderá, sem dúvida, fazer o STF rever o seu posicionamento anterior, levando em consideração toda a amplitude da discussão constitucional que envolve o tema.
Apenas a título ilustrativo, Humberto Ávila cita decisões sobre a limitação de prejuízos fiscais nos tribunais estrangeiros:
“o Tribunal Constitucional alemão decidiu que a limitação definitiva da compensação é inconstitucional, por violar o princípio da capacidade contributiva concretizado pelo princípio da tributação da renda líquida disponível. No mesmo sentido, o Tribunal Financeiro de Munique decidiu pela inconstitucionalidade da limitação definitiva quando, em razão da incorporação empresarial, a empresa sucedida não puder aproveitar todo o prejuízo fiscal de exercícios anteriores por causa da restrição percentual à compensação e, por isso, terminar sendo tributada excessivamente”[47].
Não obstante o julgamento do RE 591.340/SP, duas outras questões ainda deverão ser colocada na pauta dos tribunais judiciais. A primeira é o prazo para o exercício do direito à compensação dos prejuízos fiscais, como exposto no capítulo 3.2. A segunda é a não-aplicação das normas limitadoras do direito à compensação por ocasião do encerramento das atividades da pessoa jurídica, como a seguir será exposto.
4. Não-limitação à compensação de prejuízos fiscais na extinção da pessoa jurídica
4.1. Inaplicabilidade da limitação à compensação de prejuízos fiscais na extinção da pessoa jurídica
Apesar da jurisprudência administrativa e judicial ser contrária aos argumentos até agora expostos acerca da inconstitucionalidade e da ilegalidade das normas que limitam em trinta por cento o direito à compensação de prejuízos fiscais, constata-se que esta limitação não deve prevalecer por ocasião do encerramento das atividades da pessoa jurídica[48].
De fato, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 não prescrevem expressamente que limitação à compensação dos prejuízos fiscais acumulados é aplicável aos casos de extinção da pessoa jurídica. Tais normas também não prescrevem que a limitação de 30% não se aplica aos casos de extinção da pessoa jurídica. Num primeiro momento, poder-se-ia pensar que se tratar de lacuna da lei. Entretanto, convencido do contrário, Eurico Marco Diniz de Santi, afirma que:
“a compensação integral de prejuízos fiscais nos casos de extinção da pessoa jurídica não é caso de lacuna normativa, pois há norma jurídica válida Nd, derivada de normas constitucionais Nx (art. 153, III) e Ny (art. 145, parágrafo 1º). Nem é caso de lacuna axiológica que supõe a existência de uma propriedade relevante em determinado caso concreto (critério axiológico denominado hipótese de relevância) e que foi ignorada pelo sistema jurídico tão somente porque o legislador, quando elaborou a regra, não previu tal propriedade e, se a tivesse previsto, haveria dado uma solução diferente da que o sistema oferece: em vez de solucionar o caso de forma genérica, haveria dado uma solução específica. Ao contrário da lacuna axiológica, a existência normativa válida da norma derivada Nd (compensação plena de prejuízos fiscais no caso de extinção da pessoa jurídica) não se tornou norma expressa no sistema brasileiro justamente porque o legislador tributário, quando elaborou a regra do art. 15 da Lei 9.065, de junho de 1995, em decorrência dos critérios constitucionais impostos pelo conceito de renda e da capacidade contributiva, entendeu desnecessário e redundante regular expressamente que no caso da extinção da pessoa jurídica, o direito à compensação de prejuízos é pleno”[49].
Da análise do histórico legislativo, verifica-se que nunca houve restrição à plena compensação de prejuízos fiscais nos casos de extinção da pessoa jurídica[50]. E não poderia ser diferente.
Por ocasião do encerramento das atividades da empresa, não haveria meios dos prejuízos fiscais serem utilizados nos anos posteriores, como determina a legislação. Dessa forma, a interpretação sistemática do termo ‘renda’ e do princípio da capacidade contributiva, assim como entendeu Eurico Marco Diniz de Santi, leva a conclusão de que a limitação prevista nas Leis 8.981/95 e 9.065/95 não é aplicável aos casos de extinção da pessoa jurídica. A mesma posição é defendida por Pedro Anan Júnior[51] e Igor Mauler Santiago[52],
Como se vê, o critério continuidade da pessoa jurídica é de suma importância para a aplicação ou não da norma que restringe a compensação de prejuízos fiscais. Apesar de não haver tratamento expresso na legislação atual, este critério pode servir como premissa para fundamentar as decisões judiciais e administrativas sobre o tema.
4.2. Vedação à compensação de prejuízos fiscais nos casos de incorporação, fusão ou cisão
Outro argumento que reforça a conclusão de que as normas limitadoras do direito à compensação de prejuízos fiscais não devem ser aplicadas por ocasião do encerramento das atividades da empresa é que o art. 33 do Decreto 2.341/ 87 veda a possibilidade da pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão compensar os prejuízos fiscais da pessoa jurídica sucedida. Tal determinação foi repetida no art. 514 do RIR/99:
“Art. 514. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33).
Parágrafo único. No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33, parágrafo único)”.
Se a lei proíbe a empresa sucessora por incorporação, fusão ou cisão compensar o montante dos prejuízos fiscais acumulados da empresa sucedida, qualquer restrição à compensação pela pessoa jurídica extinta configuraria tributação do patrimônio e não propriamente da renda.
Convém salientar que a vedação prevista no art. 33 do Decreto 2.341/ 87 somente pode ser aplicada às bases negativas CSLL a partir da entrada em vigor da MP 1.858-6/99, que passou a prever, em seu art. 20, a aplicação “à base de cálculo negativa da CSLL o disposto nos arts. 32 e 33 do Decreto-Lei nº 2.341, de 29 de junho de 1987”. Disto decorre que, até o advento da referida medida provisória, não havia impedimento legal para que a empresa sucessora por incorporação, fusão ou cisão pudesse compensar a base de cálculo negativa da CSLL, razão pela qual a compensação era permitida[53].
A questão referente à legalidade do art. 33 do decreto 2.341/ 87 não será objeto do presente estudo. Contudo, vale destacar que este tema já foi objeto da jurisprudência da Segunda Turma do STJ:
“TRIBUTÁRIO – COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS – SUCESSÃO DE PESSOAS JURÍDICAS – INCORPORAÇÃO E FUSÃO – VEDAÇÃO – ART. 33 DO DECRETO-LEI 2.341/87 – VALIDADE – ACÓRDÃO – OMISSÃO: NÃO-OCORRÊNCIA. (…)
2. Esta Corte firmou jurisprudência no sentido da legalidade das limitações à compensação de prejuízos fiscais, pois a referida faculdade configura benefício fiscal, livremente suprimível pelo titular da competência tributária.
3. A limitação à compensação na sucessão de pessoas jurídicas visa evitar a elisão tributária e configura regular exercício da competência tributária quando realizado por norma jurídica pertinente (REsp 1107518 / SC. Rel Ministra Eliana Calmon. data do julgamento 06.08.09. DJE 25.08.09)”.
Apesar do entendimento da Segunda Turma do STJ acima citado, entendemos que qualquer restrição à compensação pela pessoa jurídica não se coaduna com os conceitos de renda e lucro. Até mesmo os autores mais legalistas admitem que a lei não poderia vedar a compensação de prejuízos nos casos de incorporação:
“no caso de incorporação, a legislação fiscal deveria permitir a incorporadora compensar os prejuízos fiscais da incorporada, proporcionalmente à sua participação societária desde que tenha o controle do capital há mais de cinco anos. Ninguém irá fazer um empreendimento com vista a obtenção de prejuízo. O prejuízo é uma fatalidade”[54].
De todo o modo, passa-se a análise da jurisprudência acerca da limitação do direito à compensação de prejuízos fiscais nos casos de extinção da empresa.
4.3. Jurisprudência
No âmbito CARF, a limitação de 30% à compensação dos prejuízos fiscais acumulados nos casos de extinção da pessoa jurídica parece não estar pacificada. No julgamento do processo 13807.003133/2004-36, a 5ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes entendeu que a limitação de 30% na compensação de prejuízos fiscais deveria ser aplicada em qualquer hipótese, inclusive nos casos de extinção da pessoa jurídica:
“INCORPORAÇÃO – DECLARAÇÃO FINAL – Inexiste amparo para, a luz da legislação que rege a matéria, se proceder, em virtude do desaparecimento da empresa em decorrência de reorganização societária, a compensação dos prejuízos fiscais sem observância do limite de 30% a que se reporta o artigo 15 da Lei nº 9.065, de 1995. No contexto do ordenamento jurídico-tributário, em homenagem ao princípio da legalidade, o silêncio da lei não pode ser preenchido pelo seu intérprete, mormente na situação em que tal interpretação objetiva assegurar direito não contemplado, nem mesmo pela via de exceção, nos diplomas legais que regem a matéria. Recurso negado”. (Quinta Câmara/Primeiro Conselho de Contribuintes. Ac. 105-15.908 Data da sessão 16.08.06).
Contudo, a jurisprudência majoritária deste órgão administrativo caminha no sentido de que a limitação não pode ser imposta aos casos de extinção da pessoa jurídica, mas tão-somente aos casos em que a empresa permanece com suas atividades regulares:
“IRPJ CSLL COMPESAÇÃO DE PREJUÍZO FISCAIS E BASES DE CÁLCULO NEGATIVAS APURADAS EM PERÍODOS ANTERIORES. CISÃO. INAPLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO. Constitui pressuposto da aplicação da limitação à compensação de prejuízos fiscais e bases negativas acumuladas a continuidade das atividades do contribuinte e a paulatina apropriação dos prejuízos. Nas hipóteses de cisão, fusão e incorporação, com a consequente extinção da personalidade jurídica da sucedida, não se faz possível a aplicação do limitador, dês que tal determinaria o fenecimento do direito do contribuinte. Precedentes deste Conselho” (Sétima Câmara/Primeiro Conselho de Contribuintes. Ac.107-09447. Data da sessão13.08.08).
“COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS DE TERCEIROS. Não são de terceiros os débitos de uma mesma pessoa jurídica apenas com estabelecimentos diversos conforme separação determinada no regulamento do IPI. IRPJ – COMPENSAÇÃO DE PREJUIZO FISCAL – LIMITE DE 30% – EMPRESA INCORPORADA. A lei não traz qualquer exceção a regra que limita a compensação dos prejuízos fiscais à 30% do lucro líquido ajustado. Entretanto, havendo o encerramento das atividades da pessoa jurídica em razão de incorporação, não haverá meios dos prejuízos serem utilizados em anos subsequentes, como determina a legislação. Neste caso, tem-se como legítima a compensação da totalidade do prejuízo fiscal, sem a limitação de 30%. Recurso voluntário provido” (Primeira Câmara/Primeiro Conselho de Contribuintes. Ac. 101-95872. Data da sessão 09.11.06).
"INCORPORAÇÃO – DECLARAÇÃO FINAL DA INCORPORADA – LIMITAÇÃO DE 30% NA COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS – INAPLICABILIDADE – No caso de compensação de prejuízos fiscais na última declaração de rendimentos da incorporada, não se aplica a norma de limitação a 30% do lucro líquido ajustado. Recurso provido." (Segunda Turma/Segunda Câmara. Ac. 108-06682. Data da sessão 20.09.01).
Recentemente, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF proferiu uma polêmica decisão, segundo a qual: “não há previsão legal que permita a compensação de prejuízos fiscais acima deste limite, ainda que seja no encerramento das atividades da empresa”[55]. Contudo, este entendimento é equivocado porque a limitação à compensação dos prejuízos fiscais somente pode alcançar as empresas que se encontram em funcionamento normal. Aplicar a norma que limita em 30% a compensação dos prejuízos fiscais acumulados nos casos de extinção da pessoa jurídica afronta nitidamente o conceito constitucional de renda e os princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco.
Não obstante as decisões conflitantes no âmbito do CARF, esta discussão ainda não chegou ao Poder Judiciário. Se o STF, no âmbito de sua competência, seguir a jurisprudência majoritária do CARF, deverá garantir às empresas extintas a inaplicabilidade da limitação de trinta por cento na compensação de prejuízo fiscal em sua última declaração, em homenagem aos princípios constitucionais tributários e o conceito constitucional de renda.
Ainda que o Tribunal Pleno do STF, no julgamento do RE 591.340/SP, entenda pela constitucionalidade das normas que limitam em 30% o direito das empresas à compensação de prejuízos fiscais, cremos que estas normas deverão continuar inaplicáveis nos casos de encerramento das atividades da pessoa jurídica.
Conclusão
A competência constitucional conferida à União Federal para instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza deu liberdade ao legislador infraconstitucional para criar a RMIT deste imposto de acordo com os conteúdos semânticos do termo ‘renda’ traçados pela própria Constituição Federal.
Muito embora não exista um conceito de renda e de proventos de qualquer natureza expresso na Constituição Federal, pode-se afirmar que os limites semânticos do termo ‘renda’ pressupõem um acréscimo patrimonial e um lapso temporal para a comparação do patrimônio inicial e final da pessoa física ou jurídica. A partir dessas premissas, pode-se construir um conceito constitucional de renda para, então, se delimitar a hipótese de incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
Com efeito, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 instituíram uma norma limitadora do direito à compensação de prejuízos fiscais das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL das empresas que estão sujeitas à tributação pelo lucro real.
Como se viu, a legislação do imposto sobre a renda, ao longo de décadas, adotou vários regimes de compensação de prejuízos fiscais. Contudo, as modificações no regime de compensação de prejuízos fiscais introduzidas pelas Leis 8.981/95 e 9.065/95 estão em desacordo com o conceito constitucional de renda e acabaram por tributar valores que não representam efetivo acréscimo patrimonial.
Demonstrou-se que a compensação de prejuízos fiscais configura recomposição do patrimônio da empresa. Sendo assim, somente se poderia falar em acréscimo patrimonial depois de restabelecida a situação patrimonial originária da pessoa jurídica.
Não há, de fato, um prazo para o exercício do direito à compensação de prejuízos fiscais expresso nas Leis 8.981/95 e 9.065/95, como fizeram as legislações anteriores. Por outorgar uma faculdade ao contribuinte, concluiu-se pela não aplicação do prazo decadencial previsto do Decreto 20.910/32.
Apesar de o Tribunal Pleno do STF ter decidido no RE 344.994/PR que a limitação à compensação de prejuízos fiscais prevista na Lei 8.981/95 é constitucional, destacou-se que a decisão somente tem efeito entre as partes envolvidas no processo e que ela não foi analisada à luz do art. 145, § 1º, da CF.
Não obstante a decisão acima referida, o Tribunal Pleno do STF poderá rever seu posicionamento no julgamento do RE 591.340/SP. Como serão analisados novos fundamentos, há grande probabilidade de o STF julgar inconstitucionais os art. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e arts. 15 e 16 da Lei 9.065/95
Por outro lado, as normas que limitam em trinta por cento o direito à compensação de prejuízos fiscais não devem ser aplicadas por ocasião do encerramento das atividades da pessoa jurídica. Isso porque não haveria meios desses prejuízos fiscais serem compensados nos anos posteriores pela empresa extinta e a legislação proíbe expressamente a utilização desses prejuízos fiscais pela empresa sucessora. Nesse caso, a jurisprudência do CARF parece caminhar a favor dos contribuintes.
É de suma importância lembrar que em nenhum momento as normas que dispõem sobre a compensação de prejuízos fiscais cogitaram a hipótese de vedar este direito do contribuinte. Em última análise, independentemente do conteúdo das normas restritivas do direito à compensação de prejuízos fiscais, é certo que o contribuinte poderá pleitear na via judicial a restituição do tributo pago indevidamente.
Informações Sobre o Autor
Fabio Seiki Esmerelles
Mestrando em Direito Tributário