A validade da trasladação em documentos ao meio virtual e necessidade de manutenção dos documentos originais

Resumo: A transladação de documentos para o meio virtual é uma prática cada vez mais usual. O objetivo de quem usa esse meio é a conservação e diminuição nos arquivos de papeis. No entanto, por falta de regulamentação específica, a aplicação prática deste método ainda é precária devida a insegurança jurídica causada no descarte dos documentos duplicados depois de trasladados.

Palavras-chave: Transladação – Validade – Segurança – Legalidade – Conservação

Abstract: The transferring of documents for virtual environment it is a practice more and more usual. The objective whom use this environment it’s the conservation and decrease of documents in paper. However, in absence of specific rules, the adoption of this method has been away from the practice legal uncertainty caused by the disposal of duplicate documents after transferred.

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Keywords: Transferring – Validity – Security – legality – Conservation.

Sumário: Introdução. 1. A legalidade da trasladação. 2. Do Desfazimento dos documentos originais físicos e Segurança Jurídica. 3. Conclusão.

Introdução

A presente nota jurídica tem por objetivo analisar a legalidade e validade jurídica dos documentos trasladados para o meio eletrônico, bem como a segurança jurídica na adoção desse procedimento e descarte dos documentos físicos haja vista a regulamentação legal da matéria pela Lei 12.682/12.

Referida discussão contempla especial relevância no momento atual da sociedade brasileira e do meio jurídico que está vivenciando um período de transição para a era digital, seja pela implantação do processo judicial eletrônico, seja pela ampliação do uso da certificação digital nos atos da vida civil.

1. A legalidade da trasladação

A trasladação com fé pública é o processo pelo qual mídias digitais, contendo imagens geradas pela trasladação do acervo documental em papel, são registradas em Cartório de Registro de Títulos e Documentos, para fins de guarda e conservação perpétua de seu conteúdo. Trata-se, portanto, de uma espécie de “cópia autenticada” em meio digital.

O processo de trasladação é assegurado pela Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) e tem sua legalidade positivada no artigo 142, capitulo III[1]. Ainda, sua devida utilização é assegurada pela Lei 8.935/94 em seu capítulo III, artigo 41[2].

Mais recentemente, a Lei 12.682/12 regulamentou a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos e deu as diretrizes pelas quais o procedimento de trasladação seria regido. Referida lei busca dar efetividade e regulamentar as leis mencionadas anteriormente, sendo esta última específica e aplicada em caso de controvérsia sobre a matéria.

Todavia, não obstante a existência dos referidos dispositivos legais a validade dos documentos transladados para o meio digital e notadamente a possibilidade de descarte dos documentos físicos são aspectos que ainda geram controvérsias.

2. Do Desfazimento dos documentos originais físicos // Segurança Jurídica

A partir da análise das disposições legais que relativas ao procedimento de transladação, pode-se inferir que inexiste disposição legal que autorize o desfazimento dos documentos originais (via física) submetidos ao procedimento de trasladação. Ao contrário, o artigo 6°[3]da Lei 12.682/12 dispõe que os registros públicos originais devem ser preservados de acordo com a legislação vigente.

Nestes moldes, mister esclarecer que a Lei de Registros Públicos,em seu art. 127, VII[4], estabelece que a transcrição feita pelo cartório poderá ter a finalidade de conservação do documento original já que a cópia autenticada teria valor equivalente aos originais. Todavia, tal lei não previu a possibilidade de arquivamento apenas no meio digital.

É notório que a Lei 12.682/12conferiu validade ao documento virtual após devidamente registrado em cartório. Não obstante, nada dispôs sobre a existência autônoma do documento em meio digital.

Neste caso e considerando que o entendimento acerca do assunto não está consolidado em razão da novidade do procedimento, ainda não é possível afirmar, com segurança se a posterior impressão do documento trasladado seria equiparada ao documento original, por exemplo, para fins de instrução de processos judiciais ou fiscalização pela Receita Federal.

Não obstante a implantação do processo eletrônico no âmbito do Poder Judiciário, não é raro encontrar magistrados que criam óbices à utilização de documentos digitais ou a validade destes por não haverem se adequado a tal modalidade.  Ademais, o processo eletrônico ainda não está totalmente implantado de forma que os processos físicos ainda são a maioria no Poder Judiciário brasileiro.

Desta feita, considerando que a aceitação de documentos eletrônicos em processos judiciais físicos depende da interpretação e avaliação do julgador – permeada por critérios de subjetividade – existem riscos no descarte da documentação original depois do processo de trasladação o que corrobora com a necessidade de conservação dos originais em meio físico.

Corroborando com tal posicionamento, existem inúmeros julgados em que o Poder Judiciário exige a apresentação de documentos originais notadamente quando a cópia – ainda que autenticada – tem sua validade/autenticidade contestada pela parte contrária. Nesse sentido, citam-se os seguintes julgados:

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – INTIMAÇÃO PARA EMENDA – RESPOSTA DO AUTOR – PRECLUSÃO NÃO VERIFICADA – TÍTULO EXECUTIVO – PRESENÇA – APRESENTAÇÃO DO TÍTULO ORIGINAL – DESNECESSIDADE – RECURSO PROVIDO E SENTENÇA CASSADA.

Se a intimação para emenda da inicial foi respondida pelo autor, embora divergindo da posição do Juiz, não se há falar em preclusão.

A apresentação da cédula de crédito bancário original não é indispensável à propositura da execução, vez que é dever da instituição financeira a guarda dos contratos firmados, mormente quando não há qualquer impugnação ao seu conteúdo.

Recurso conhecido e provido. Sentença cassada.

V.V. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. ORDEM DE EMENDA DA INICIAL. JUNTADA DO TÍTULO ORIGINAL OU CÓPIA AUTENTICADA. DESCCUMPRIMENTO. AUSÊNCIA DE RECURSO. PRECLUSÃO. EXTINÇÃO DO FEITO. POSSIBILIDADE. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE.

Tendo transitado em julgado a decisão que determinou que a parte autora emendasse a inicial, juntando documento o título original ou sua cópia original, deve ser mantida a sentença que julgou extinto o feito, se a parte autora não cumpriu a ordem nem dela recorreu.

Tal qual entendimento do STJ, a extinção do processo, sem julgamento do mérito, em razão de não ter sido promovida a emenda à inicial no prazo assinado pelo Juízo, pode ser decretada independentemente de prévia intimação pessoal da parte.Apelação   0576152-06.2012.8.13.0024 (1), TJMG, Data do Julgamento 26/03/2013,

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – TÍTULO EXECUTIVO ORIGINAL – DESNECESSIDADE – CÓPIA REPROGRÁFICA – SUFICIÊNCIA. A execução fundada em contrato de empréstimo bancário pode ser instruída com cópia do documento, o qual, por não ter circulação no mercado, não enseja perigo de nova execução.

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V.V DO REVISOR: EMENTA: EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – JUNTADA DE CÓPIA – INADIMISSIBILIDADE – NECESSIDADE DE JUNTADA DO TÍTULO EXECUTIVO ORIGINAL

– A juntada da via original do título executivo extrajudicial é requisito essencial à formação válida do processo de execução.Agravo de Instrumento Cv 1.0024.12.276876-5/001 , TJMG, Data do Julgamento 26/03/2013.”

Diante dos arestos supra, resta claro que no âmbito do Poder Judiciário é altamente recomendada a manutenção dos documentos originais em via física ainda que estes tenham sido submetidos ao procedimento de trasladação.

Tal entendimento é reforçado pelo fato de que foi vetado o artigo 2º[5] da Lei 12.682/12 que dispunha sobre a possibilidade dos documentos físicos serem destruídos.

Nas razões do veto pode-se concluir que ter sido adotado entendimento de que os documentos físicos devem ser mantidos para casos de futuras discordâncias acerca da sua validade jurídica, vejamos:

“Ao regular a produção de efeitos jurídicos dos documentos resultantes do processo de digitalização de forma distinta, os dispositivos ensejariam insegurança jurídica. Ademais, as autorizações para destruição dos documentos originais logo após a digitalização e para eliminação dos documentos armazenados em meio eletrônico, óptico ou equivalente não observam o procedimento previsto na legislação arquivística.

A proposta utiliza, ainda, os conceitos de documento digital, documento digitalizado e documento original de forma assistemática. Por fim, não estão estabelecidos os procedimentos para a reprodução dos documentos resultantes do processo de digitalização, de forma que a extensão de efeitos jurídicos para todos os fins de direito não teria contrapartida de garantia tecnológica ou procedimental que a justificasse.”

Nesses moldes, no atual cenário pode-se dizer que é temerário o descarte dos documentos originais depois de submetidos ao procedimento de trasladação haja vista que estes podem ser requeridos em procedimentos de fiscalização ou em processos judiciais, bem como porque a Lei que regulamenta a trasladação não autoriza o descarte dos documentos físicos.

Por fim, é necessário frisar que outras leis estabelecem casos específicos em que somente poderão ser considerados válidos o documento original, como é o caso dos títulos de crédito[6]. Nestes casos, a trasladação poderá ser utilizada como forma de arquivo e consulta do documento mas os efeitos jurídicos advindos do título exigem a apresentação dos originais (via física e assinada).

3. Conclusão

Por todo exposto, conclui-se serem plenamente válidos os documentos trasladados para o meio eletrônico notadamente porque a matéria contempla previsão legal na Lei n. Lei 6.015/73.

Todavia, considerando que as leis que dispõe sobre o procedimento e validade da trasladação não autorizam o descarte dos documentos físicos, permanece necessária a manutenção dos originais de tais documentos.

 

Referências
– COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa. 14º ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pág.382
 
Notas:
[1]Art. 142. O registro integral dos documentos consistirá na trasladação dos mesmos, com a mesma ortografia e pontuação, com referência às entrelinhas ou quaisquer acréscimos, alterações, defeitos ou vícios que tiver o original apresentado, e, bem assim, com menção precisa aos seus característicos exteriores e às formalidades legais, podendo a transcrição dos documentos mercantis, quando levados a registro, ser feita na mesma disposição gráfica em que estiverem escritos, se o interessado assim o desejar.
[2]Art. 41. Incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução.

[3]Art. 6°Os registros públicos originais, ainda que digitalizados, deverão ser preservados de acordo com o disposto na legislação pertinente.

[4]Art. 127No Registro de Títulos e Documentos será feita a transcrição(…)VII – facultativo, de quaisquer documentos, para sua conservação.

[5]Art.2º(VETADO).Éautorizadooarmazenamento,emmeioeletrônicoópticoouequivalente,dedocumentospúblicoseprivados,sejanelescompostospordadosouimagens,observada as disposições constantes desta Lei e da regulamentação específica.
§1º.Apósadigitalização,constatadaaintegridadedodocumentodigital,ooriginalpoderáserdestruído,ressalvadososdocumentosdevalorhistórico,cujapreservaçãodeveráobservaralegislaçãopertinente.
§2º.Odocumentodigitalesuareprodução,emqualquermeio,procedidadeacordocomodispostonestaLeiterãoomesmovalorprobatóriododocumentooriginal,paratodososfinsdedireito.

[6]“Do conceito do título de crédito se pode extrair a referência ao princípio da cartularidade, segundo o qual o exercício dos direitos representados por um título de crédito pressupõe a sua posse. Somente quem exibe a cártula (isto é, o papel em que se lançaram os atos cambiários constitutivos de crédito) pode pretender a satisfação de uma pretensão relativamente ao direito documentado pelo título. Quem não se encontra com o título em sua posse não se presume credor. (…)” COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa. 14º ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pág.382


Informações Sobre os Autores

Paola Karina Ladeira

Sócia do escritório Chenut Oliveira Santiago – Sociedade de Advogados, graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientadora e co-autora do artigo

Débora Pessoa Mundim

Advogada do escritório Chenut Oliveira Santiago – Sociedade de Advogados, graduada pela Universidade FUMEC, estudante de pós graduação em LLM Direito Empresarial na Fundação Getúlio Vargas.

Felipe Zanetti Prado

Acadêmico de Direito pela Universidade FUMEC


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