Resumo: O presente artigo versa sobre violência de gênero, que consiste em um comportamento abusivo e coercivo, herança da hierarquia patriarcal. A violência de gênero doméstica é a maior manifestação da desigualdade entre o homem e a mulher, pois esta abrange a unidade familiar que a vítima faz parte, comprometendo além de sua integridade física, a integridade psicológica. Mecanismos protetivos são necessários a fim de corrigir um erro histórico já enraizado em todas as sociedades. Muito tempo se passou para que a mulher pudesse encontrar uma possibilidade de resgatar sua condição de sujeito. Mesmo diante da estrutura jurídica atual, que abomina qualquer manifestação discriminatória de gênero, muitas mulheres ainda são submetidas a agressões e abusos diariamente, porém, são silenciadas pelo medo e vínculo afetivo. A mencionada pesquisa nortear-se-á pelo método dedutivo ou racional, o qual parte de fatos e enunciados gerais, organizados como premissas de um raciocínio, alcançando conclusões particulares.
Palavras-chave: Mulher. Sociedade. Violência. Gênero.
Abstract: This article focuses on gender violence, which consists of an abusive and coercive, patriarchal inheritance hierarchy. Gender violence is the largest domestic manifestation of inequality between men and women, as this covers a family unit that is part of the victim, as well as compromising their physical, psychological integrity. Protective mechanisms are needed in order to correct a historic mistake already entrenched in every society. Much time has passed so that women could find an opportunity to redeem their status as subjects. Even before the current legal framework, which abhors any manifestation of gender discrimination, many women are still subjected to daily beatings and abuse, however, are silenced by fear and emotional bonds. The mentioned research will guide the rational or deductive method, which part of facts and general statements, organized as premises of an argument, reaching particular conclusions .
Keywords: Women. Society. Violence. Gender.
Sumário: Introdução. 1. Conceito e origem da violência de Gênero. 2. Lei 11340/2006. 3. Dados acerca da Violência de Gênero. Conclusão. Referências.
Introdução
O objetivo do presente artigo é fazer uma visão crítica do trajeto evolutivo dos direitos da mulher brasileira, quanto à violência sofrida no âmbito doméstico, em diferentes períodos históricos e as possibilidades de avanço no referido tema. Assim como demostrar o progresso da proteção da Mulher, refletido nas normas jurídicas, mostrando o progresso temporal e as desigualdades ainda presentes na sociedade brasileira. Comprovando que medidas garantidoras de proteção não constituem um privilégio à mulher, mas sim um mecanismo de proteção, com a finalidade de corrigir um erro histórico de preconceito e marginalização da figura feminina.
A problemática da discriminação e violência contra a mulher, apesar de ser um tema extremamente difundido atualmente, não é recente, é um problema milenar, que somente agora na ascensão de novos Direitos e Instrumentos jurídicos Contemporâneos encontram amparo e fundamento legal. Embora a mulher já tenha conquistado um espaço notável, a evolução não ocorreu homogeneamente, ainda existe uma expressiva parcela que sobre abusos e agressões, inclusive dentro de seus lares, colocando em risco a integridade da própria família. Os direitos humanos são compreendidos modernamente por aqueles direitos que o homem possui pela sua própria natureza, fundamentais para sua existência digna. Durante séculos pessoas tentaram a definição de tais direitos.
A importância da proteção da mulher, por si só já justifica o intenso estudo do tema, tema este que apesar de atualmente ser alvo de inúmeros debates e questionamentos, ainda possui um árduo caminho a ser trilhado. Medidas protetivas e garantidoras dos direitos às mulheres são mais que justas, são devidas. As leis de proteção à mulher servem de escudo para todas formas de maus tratos, indo além do papel, cumprindo uma função zeladora, inibindo o agressor e cuidando pela segurança física e psicológica da vitima, alcançando até mesmo os lares mais carentes, sendo entoada a cada possibilidade de abuso.
1. Conceito e Origem da Violência de Gênero
A violência é um comportamento consciente e abusivo que pode provocar tanto lesões corporais quanto lesões psicológicas à vítima. A palavra violência se origina do latim “violentia”[1] que significa o ato de abusar com brutalidade, imposição física, coação de cumprir ação não desejada. O fenômeno da violência, pode ser explicada como uma questão puramente cultural, que incentivam que o homem exerça a força física e coerção psicológica contra mulher como uma manifestação de virilidade e poder.
Segundo Luiz Eduardo Soares a palavra violência possui múltiplos sentidos:
“Pode designar uma agressão física, um insulto, um gesto que humilha, um olhar que desrespeita, um assassinato cometido com as próprias mãos, uma forma hostil de contar uma historia despretensiosa, a indiferença ante o sofrimento alheio, a negligência com os idosos, a decisão politica que produz consequências sociais nefastas (…) e a própria natureza, quando transborda seus limites normais e provoca catástrofes.” (SOARES, 2005, p.245).
A violência de gênero ocorre quando é exercida de um sexo sobre o sexo oposto. Ela possui um caráter distinto, que a torna mais cruel, pois é fomentada por problemas históricos e falsamente legitimadas pela hierarquia patriarcal, criando uma falsa concepção da superioridade masculina e o direito, e talvez o dever, de submeter à mulher à posição inferior. Na história humana, não raro, algumas passagens apresentam sociedades que os patriarcas detinham o poder supremo sobre a mulher. Hodiernamente, mesmo o homem não apresentando mais esse domínio, ainda permanece a relação de posse. Por motivos diversos, homens praticam atos de absurda violência, justificando-se sobretudo pela livre defesa da honra. No trabalho da Dr.ª Luiza Nagib Eluf, “ A paixão no banco dos réus.
Conforme a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena, Áustria, no artigo 18 de sua Declaração:
“Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais […]. A violência de gênero e todas as formas de assédio e exploração sexual […] são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas […] Os direitos humanos das mulheres devem ser parte integrante das atividades das Nações Unidas […], que devem incluir a promoção de todos os instrumentos de direitos humanos relacionados à mulher.”
Marilena Chauí, em seu famoso artigo intitulado “Participando do Debate sobre a Mulher e Violência”[2], ela aponta a violência contra as mulheres como resultado de uma ideologia de dominação masculina que além de ser reproduzida por homens é também por mulheres que acreditam em sua inferioridade. A autora, sabiamente define violência como uma ação que transforma diferenças em desigualdades hierárquicas com o fim de dominar, explorar e oprimir. A mutação do ser dominado, de sujeito para objeto, tornando-o passivo e dependente, perdendo sua autonomia.
A autora, afirma inclusive que as diferenças entre o feminino e masculino são transformadas em desigualdades hierárquicas através de discursos masculinos, que incidem na grande totalidade sobre o corpo da mulher. Tais discursos são defendidos exaustivamente tanto por homem quanto por mulheres, causando assim uma violência “da mulher, para a mulher”, pois estas são cúmplices da violência que recebem e praticam.
SAFFIOTI alega que o principal beneficiário do sistema atual é o homem rico, branco e adulto, e essa ideologia machista cria o homem para dominar a mulher e esta submeter ao seu poder.
“Dada sua formação de macho, o homem julga-se no direito de espancar sua mulher. Esta, educada que foi para submeter-se aos desejos masculinos, toma este “destino” como natural. O patriarcado não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele é também um sistema de exploração. Enquanto a dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente nos campos político e ideológico, a exploração diz diretamente ao terreno econômico.” (1987, p.20)
Ao contrario de Chauí, a autora contesta que a mulher seja cúmplice de tais abusos, elas são forçadas a “aceitar” a situação em nome da unidade familiar, inclusive sentindo-se culpadas e merecedoras destas brutalidades.
2. A Lei 11.340/2006
A Lei 11.340/2006, amplamente conhecida como Lei Maria da Penha, é a lei mais difundida no território nacional. Ela cria mecanismos para Coibir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226, §8º da Constituição Federal. A sua redação trouxe definições sobre formas de violência praticadas contra a mulher em seu artigo 5º, in verbis:
“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I- No âmbito da unidade domestica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vinculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II- No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III- Em qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação."
A violência de gênero doméstica é a maior manifestação de desigualdade entre o homem e a mulher. Entre tantas outras, esta possui uma peculiaridade, o afeto entre a vítima e o agressor, algo que a torna mais silenciosa, cruel e de difícil punição. Pois a conduta foi praticada em razão da unidade que a vítima faz parte, abalando toda a sua segurança.
O termo gênero tratado pelo legislador no caput do supracitado artigo 5º possui uma digna explicação, Neste diapasão, sabiamente, Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Correa salientam:
“O gênero é concebido como uma forma de dar significado às relações de dominação e de poder que terminam por ensejar as desigualdades de gênero, que concederam ao longo do tempo aos homens funções nobres e valorizadas pela sociedade, restando às mulheres papeis menos apreciados social e culturalmente.” (2007, p. 212)
Não é necessário que a vítima possua algum vínculo de parentesco com o agressor, apenas que frequente aquela unidade doméstica de maneira rotineira, e não periódica, caso não seja respeitado tal requisito, é considerado apenas violência praticada em um domicílio.
“A mulher agredida no âmbito da unidade domestica deve fazer parte dessa relação domestica, não seria lógico que qualquer mulher, bastando entrar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse aplicação da agravante trazida pela Lei Maria da Penha.” (NUCCI, 2006, p. 864)
Também estão enquadradas as empregadas domésticas que criam vínculo doméstico, frequentam a unidade que trabalham, no entanto as “diaristas” estão excluídas do vínculo doméstico devido a pouca estabilidade no ambiente.
Em seu inciso II, o artigo 5º, garante que qualquer instituto constitua âmbito familiar, não apenas o casamento, mas todas as variações reconhecidas pela Constituição Federal, como exemplo, anaparentais, monoparentais, união estável, entre outras. Ou apenas com vínculo afetivo, como dispõe o referido artigo: “indivíduos que são ou se consideram aparentados”. Portanto os filhos afetivos, também estão inclusos neste rol, assim como relacionamentos paralelos se submetem à referida Lei.
Em conformidade com o assunto:
“Diante desta nova realidade não já como restringir o alcance da previsão legal. Vínculos afetivos que fogem ao conceito de família e de entidade familiar nem por isso deixam de ser marcados pela violência. Assim, namorados e noivos, mesmo que não vivam sob o mesmo teto, mas resultando a situação de violência no relacionamento, faz com que a mulher mereça o abrigo da Lei Maria da Penha. Para a configuração de violência doméstica é necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação intima de afeto.” (JESUS; SANTOS; 2006 p.98)
A lei Maria da Penha é considerada por muitos como afrontadora do Princípio da Igualdade decorrente da equiparação dos sexos, pois segundo este princípio, é vedado qualquer tratamento desigual entre os sexos. Porém, essa igualdade não é absoluta, pois existem fatores e situações de desigualdades a serem corrigidos. BOBBIO, neste sentido afirmava que:
“Uma desigualdade torna-se um instrumento de igualdade pelo simples motivo de que corrige uma desigualdade anterior: uma nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades.” (1997, p.32)
Neste diapasão, as Ações Afirmativas vêm se tornando uma ferramenta indispensável para a o cumprimento dos direitos fundamentais da mulher. Inobstante, a tutela estabelecida no texto Constitucional, que garante o princípio da Igualdade, se trata apenas de uma isonomia formal, pois a violência e discriminação da mulher permanecem ilesas na sociedade. Em outras palavras, o tratamento diferenciado dispensado a parcelas materialmente excluídas dos meios do direito e da politica não é, necessariamente, um atentado contra a igualdade.
A posição dos juristas quanto as Ações Afirmativas é quase unanime, salvo raras exceções, pois acreditam que é a única forma de reparação de uma desigualdade. Tal mecanismo busca a produção de igualdade, e não o contrário. Pois, sempre que for possível uma maior inclusão de cidadãos, o principio da igualdade estará sendo colocado em prática.
Portanto, a análise da desigualdade depende de fatores reais de cada situação, no caso concreto percebem-se as inúmeras disparidades, mesmo a violência de gênero sendo uma constante em todos os ambientes.
3. Dados acerca da Violência de Gênero
Um estudo recente pela Fundação Perseu Abramo alertou que quatro a cada cinco mulheres que faltam ao trabalho, se ausentam devido à violência doméstica.
Maria Berenice Dias (2011) salienta que a principal causa de lesões contra mulheres de 15 a 45 anos são agressões por parte de seus parceiros, e estes são responsáveis por 66,3% dos homicídios contra mulheres, e em 80% a defesa da honra é alegado. Dados mais alarmantes existem como 11% das grávidas já sofreram violência durante a gravidez e dessas 38% receberam socos e pontapés na barriga. O perfil das vitimas: 76% restam com lesões corporais, 40% das agressões resultam em lesões corporais graves, 24% sofreram agressão física e moral, em 17% dos casos há utilização de objetos, 76% têm filho com o agressor, 17% estão gravidas; 30% dos filhos também são agredidos¸75% são agredidas seguidamente. 7% são agredidas uma única vez; apenas 50% buscam auxilio policial por conta própria. A cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil.
Dados estes que demostram a seriedade da temática, e o quanto a sociedade ainda precisa evoluir em prol da proteção à mulher, e o quanto a sociedade brasileira ainda tem vestígios medievais de discriminação feminina, a ponto de submeter a maior parcela de sua população a situações de risco e de violência extrema.
A violência contra a mulher é um problema complexo que encontra obstáculos históricos e culturais. Medidas preventivas ao combate a violência é um dos meios mais eficazes na busca desse objetivo tão almejado e necessário. É impossível a conquista de tal direito sem criar uma sanção cabível a pratica de tais atos. A impunidade fomenta ainda mais a violência e discriminação contra a mulher.
Conclusão
A violência de gênero é, sem duvida, um dos temas mais discutidos na sociedade atual, pois atinge todas as classes sociais e faz centenas de vítimas diariamente. Portanto, chega-se a conclusão, depois de um exaustivo estudo sobre o tema, que, o amparo legal e ações afirmativas de gênero, são ações necessárias para garantir a mulher a promessa Constitucional de Isonomia.
Uma característica marcante da sociedade em que vivemos, são as constantes e profundas modificações políticas, sociais, econômicas, ou simplesmente, culturais. Transformações drásticas são percebidas a cada década, esse dinamismo social fez com que a mulher, outrora apenas expectadora do lar em uma posição secundária na sociedade, se tornasse titular de Direitos Humanos e chefes de família responsáveis pelo seu próprio destino. Esse é um dos temas mais discutidos e aplaudidos no âmbito jurídico, pois a Lei Maria da Penha é uma das leis mais conhecidas e apreciadas no Brasil. A mulher que era apenas um animal doméstico[3] como citou George Sand[4], nunca esteve tão presente na estrutura política, social e administrativa do país.
Os principais avanços ocorreram no aspecto formal, porém, mais difícil que conquistar apoio legal, é a mudança na mentalidade da própria sociedade, a consciência coletiva. Pois, além de uma parcela masculina aproveitar-se dessa desigualdade, ainda existem mulheres que inconscientemente acreditam em sua inferioridade social. Somente tais mudanças de pensamento e uma revolução cultural serão capazes de transformar e modificar esse quadro que , parece irreversível, porém, utilizando-se das palavras de Eduardo Galeano, em As Palavras Andantes, “A Utopia serve para nos fazer caminhar”.
Informações Sobre o Autor
Camilla Balbinot
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso- UFMT