Resumo: Durante muito tempo, o Direito Disciplinar caminhou sem que lhe dessem importância devida. Havia poucas regras previstas em lei. As autoridades administrativas formavam comissão de processo como lhe conviessem e as comissões de processo conduziam o processo sem lhe dar forma ou conteúdo. Nunca se discutiu se outros ramos do Direito poderiam ser utilizados subsidiariamente. Todavia, após 1988, o Superior Tribunal de Justiça começou a delinear o Direito Disciplinar. Esse Tribunal tem decidido que vários institutos do Direito Penal podiam e deveriam ser utilizados no Direito Disciplinar. Assim, defendemos que o Direito Disciplinar pode se valer das causas de exclusão de ilicitude e de culpabilidade do Direito Penal. É dizer que o Direito Disciplinar não é uma ilha. O Direito é uno, portanto, não há motivo para não se utilizar de regras do Direito Penal no Direito Disciplinar de forma a dar ampla defesa ao servidor público. O Direito Penal protege bens jurídicos relevantes na sociedade. O Direito Disciplinar também protege bens jurídicos relevantes para a sociedade.
Palavras-chave: Direito Penal. Direito Disciplinar. Superior Tribunal de Justiça. Causas de exclusão de ilicitude e de culpabilidade.
Abstract: For a long time, it has not given to the Disciplinary Law any importance. There were few rules established by law. The administrative authorities chosed members of Disciplinary Comission without attempting to any rule and the Disciplinary Comissions led the process without giving it any form and content. They have never discussed whether other branches of law could be used alternatively. However, after 1988, the Supreme Court of Justice began to outline the Disciplinary Law. That Court has stated that several institutes of criminal law could and should be used in the Disciplinary Law. Thus, we say that law can take advantage of Disciplinary causes of exclusion of unlawfulness and culpability. It is said that the Disciplinary Law is not an island. Law is not an island, so there is no reason not to use the rules of the Criminal Law in Disciplinary Law in order to give broad protection to the public servant. Criminal law protects relevant legal interests in Society. The Disciplinary Law also protects relevant legal interests in society.
Keywords: Penal Law. Disciplinary Law. Supreme Court of Justice. causes exclusion of unlawfulness and culpability.
INTRODUÇÃO
O Direito Disciplinar tem sido relegado segundo plano há muito tempo. Para se ter uma ideia, havia poucas regras previstas em lei para condução do processo administrativo. As autoridades administrativas formavam comissão de processo sem atentar que os membros deveriam conhecer das técnicas e procedimento para a condução do processo disciplinar. Assim, por sua vez, as comissões de processo conduziam o processo sem lhe dar forma ou conteúdo. Nunca se discutiu se outros ramos do Direito poderiam ser utilizados subsidiariamente. Todavia, após 1988, o Superior Tribunal de Justiça começou a delinear o Direito Disciplinar. Esse Tribunal tem decidido que vários institutos do Direito Penal podiam e deveriam ser utilizados no Direito Disciplinar. Assim, defendemos que o Direito Disciplinar pode se valer das causas de exclusão de ilicitude e de culpabilidade do Direito Penal. É dizer que o Direito Disciplinar não é uma ilha. O Direito é uno, portanto, não há motivo para não se utilizar de regras do Direito Penal no Direito Disciplinar de forma a dar ampla defesa ao servidor público. O Direito Penal protege bens jurídicos relevantes na sociedade. O Direito Disciplinar também protege bens jurídicos relevantes para a sociedade.
Assim, o Direito não é só regras. Os princípios irradiam a todo ramo do direito. Por isso, não é diferente no Direito Disciplinar. Assim, a exclusão de ilicitude e culpabilidade também pode ser aplicada quando da análise do ilícito administrativo disciplinar. Como se sabe, o princípio da culpabilidade é regra geral na Constituição República que não permite a responsabilidade objetiva, mormente, em se tratando de sanção penal e disciplinar. Outrossim, somente se pode responder por uma infração quer penal quer administrativa se houver ilicitude. E mesmo assim a ilicitude comporta excludentes que também devem ser reconhecidas no Direito Disciplinar.
2. DIREITO DISCIPLINAR E DIREITO PENAL
Pergunta-se: Qual a relação entre Direito Administrativo e Direito Penal? Em um primeiro momento, poder-se-ia dizer que não há nenhuma. Todavia, veremos que eles têm muito em comum, mormente porque também no Direito Administrativo Disciplinar, pode aplicar a teoria do direito penal para absolver o acusado ou para minorar sua pena.
O Direito Disciplinar pode se valer das causas de exclusão de ilicitude e de culpabilidade do Direito Penal? Essa pergunta é importante, pois no Direito Penal existem penas similares às do Direito Disciplinar, tais como ressarcimento, perda do cargo público, etc., embora essas penas, no Direito Penal, sejam acessórias.
Em um primeiro momento, deve-se atentar para a finalidade do Direito Disciplinar. O Direito Disciplinar é um conjunto de regras previstas nos Estatutos dos Servidores Públicos, cuja finalidade é disciplinar a relação entre servidores públicos, e administrados e servidores públicos. Tem, ainda, finalidade de resguardar os princípios norteadores da Administração Pública.
Para cumprir esse desiderato, a autoridade administrativa detém o poder disciplinar, que é o poder de instaurar processos administrativos disciplinares e aplicar sanções descritas na lei. Isso não se faz sem que haja um processo disciplinar, sendo certo que a autoridade conta com uma comissão de processo que irá investigar o servidor, produzir provas e, ao final, produzir um relatório sugerindo absolvição ou responsabilidade administrativa do servidor.
Sobre o tema, Antônio Carlos Alencar Carvalho acentua que:[1]
“A estrutura hierarquizada da Administração Pública constitui e tem por fundamento o poder dos órgãos e agentes situados em posição hierárquica superior não somente de ordenar, coordenar e rever os atos praticados pelos inferiores, como ainda de aplicar a estes as punições necessárias, em caso de cometimento de irregularidades.
Daí que se assevera que é do poder hierárquico que decorre o correspondente poder do hierarca superior de punir os subordinados, como acentua Hely Lopes Meirelles: “Todo chefe tem o poder e o dever de punir o subordinado quando este der ensejo, ou, se lhe faltar competência para a aplicação da pena devida, fica na obrigação de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente”, ensino reiterado por José Armando da Costa ao pregar que o zelo pela disciplina interna da Administração constitui dever de todos quantos exerçam o poder hierárquico.
Ruy Cirne Lima explica: “Ora, desde que há uma hierarquia , há poder disciplinar, há ato e há pena disciplinar, qualquer ingerência da Justiça na economia moral do encadeamento administrativo seria perturbadora da finalidade mesma das regras que estabelecem o dever de obediência e o direito de mandar.”
Assim, o Direito Disciplinar é dirigido apenas aos servidores públicos, não atingindo terceiros. As regras disciplinares somente valem para aqueles que detêm a qualidade de servidor público municipal, estadual ou federal.
Já o Direito Penal existe para harmonizar a convivência de uma sociedade. Ele estabelece e define quais fatos serão punidos como crime e, ainda, fixa as penas de detenção, reclusão e medidas de segurança e os sujeitos passivos.
Francisco de Assis Toledo dá-nos o acertado conceito de Direito Penal:[2]
“1. Quando se fala em direito penal pensa-se logo em fatos humanos classificados como delitos; pensa, igualmente, nos responsáveis por esses fatos – os criminosos – e, ainda, na especial forma de conseqüências jurídicas que lhes estão reservadas – a pena criminal e a medida de segurança.
Sob esse ângulo, o direito penal é realmente aquela parte do ordenamento jurídico que estabelece e define fato-crime, dispõe sobre quem deva por ele responder e, por fim, fixa as penas e medidas de segurança a serem aplicadas.”
O Direito Penal visa à proteção de bens jurídicos considerados relevantes para a sociedade, tais como vida, integridade física, etc. Francisco de Assis Toledo nos ensina que:[3]
“Dissemos, linhas atrás (supra, n. 5), que o ordenamento jurídico-penal está dirigido para a proteção de algo; mais adiante identificamos o objeto dessa proteção como sendo certos bens jurídicos. Importa, agora, elucidar o conceito de bem jurídico.
Bem, em um sentido muito amplo, é tudo o que nos apresenta como digno, útil, necessário, valioso. É tudo aquilo que ‘est objet de satisfaction ou d’approbation dans n’importe quel ordre de finalité: parfait em son genre, favorable, réussi, utile à quelque fin…’²¹ Os bens são, pois, coisas reais ou objetos ideais dotados de “valor”, isto é, coisas materiais e objetos imateriais que, além de serem o que são, “valem”. Por isso, em geral, apetecidos, procurados, disputados, defendidos, e, pela mesma razão, expostos a certos perigos de ataques ou sujeitos a determinadas lesões. Aristóteles não faz exceção ao afirma que “toda ação e toda eleição parecem tender a algum bem” e, logo em seguida, define o “bem” como sendo “aquilo a que todas as coisas tendem.”²² […]
“Por isso, dentre o imenso número de bens existentes, seleciona o direito aqueles que reputa “dignos de proteção” e os erige em “bens jurídicos”. Para Welzel, o “bem jurídico é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido. Pode ele apresentar-se, de acordo com o substrato, de diferentes formas, a saber: objeto psicofísico ou objeto espiritual-ideal (exemplo daquele, a vida; deste, a honra), ou uma situação real (respeito pela inviolabilidade do domicílio), ou uma ligação vital (casamento ou parentesco), ou uma relação jurídica (propriedade, direito de caça), ou ainda um comportamento de terceiro ( lealdade dos funcionários públicos, protegida contra a corrupção). Bem jurídico é, pois, toda situação social desejada que o direito quer garantir contra lesões”²4.
Gomes em sua monografia, sob o título “Do Sujeito Ativo nos Crimes Contra o Sistema Financeiro,” assim define o bem jurídico:[4]
“A finalidade do Direito Penal é a proteção de um bem jurídico. Tal bem jurídico vai ter certa relevância na medida em que a sociedade lhe dá um certo valor. Assim, Ney Moura Teles enumera alguns desses bens jurídicos: "São bens jurídicos a vida, a liberdade, a propriedade, o casamento, a família, a honra, a saúde, enfim, todos os valores importantes para a sociedade."(36)
A proteção de certos bens jurídicos pelo Direito Penal ocorre porque a sociedade os considera de maior valor. Entretanto, a proteção desse bem pelo Direito Penal servirá como uma prevenção geral. Apenas, inibirá aquele que quiser lesionar tal bem. Pois, bem, o Direito Penal irá dizer aquele que lesionar tal bem, terá uma pena tal. Portanto, quem se adequar ao tipo penal que protege um determinado bem jurídico, estará incorrendo em um ilícito penal”.
O ilícito penal, então, é a realização do tipo penal constante no ordenamento jurídico. Frise-se que há previsões de crimes em várias leis extravagantes, e não somente no Código Penal. Assim, um ilícito penal pode constituir em ilícito civil ou administrativo, mas um ato lícito civil ou administrativo poderá não constituir um ilícito penal. Essas são as digressões de Francisco de Assis Toledo, a ver:[5]
“Note-se que a ilicitude penal não se restringe ao campo do direito penal: projeta-se para o todo o direito do direito. Por isso é que Welzel define a ilicitude como sendo “a contradição da realização do tipo de uma norma proibitiva com o ordenamento jurídico como um todo”14. Disso resulta que um fato ilícito penal não pode deixar de ser igualmente ilícito em outras áreas do direito, pois um ato lícito civil, administrativo etc., não pode ser ao mesmo tempo um ilícito penal. Não se deve, entretanto, confundir o conceito de ilicitude com o de injusto, conforme ressaltamos nesta obra, pois este último, por exigir também a tipicidade, pode apresentar-se, em certos casos, localizado em determinada área do direito (ilícito civil, administrativo etc.). Apenas o injusto típico penal não dispensa a nota da contrariedade com o ordenamento jurídico total, pelo que não pode deixar de ser, igualmente, um ilícito global. Poderíamos representar graficamente essa distinção através de dois círculos concêntricos: o menor, o do injusto penal, mais concentrado de exigências; o maior, o do injusto extrapenal (civil, administrativo etc.), com exigências mais reduzidas para sua configuração. O fato ilícito situado dentro do círculo menor não pode deixar de estar situado também dentro do maior, por localizar-se em uma área comum a ambos os círculos que possuem o mesmo centro. Já o mesmo não ocorre com os fatos ilícitos situados fora da tipificação penal – o círculo menor – mas dentro do círculo maior, na sua faixa periférica e exclusiva. Assim, um ilícito civil ou administrativo pode não ser um ilícito penal, mas a recíproca não é verdadeira.”
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do MS 8998[6], estabelece uma distinção entre sanção administrativa e sanção penal, afirmando que a sanção administrativa destina-se a salvaguardar os interesses da administração e a sanção penal à proteção da coletividade.
Ora, as primeiras distinções entre Direito Disciplinar e Direito Penal estão postas. O Direito Disciplinar aplica-se aos servidores públicos do Município, Estado e da União, e não a particulares. O Direito Penal aplica-se a todos indistintamente, caso venham a cometer crimes.
As penas, previstas no Direito Disciplinar, aplicadas a servidores, se circunscrevem à advertência, suspensão e demissão, cassação de aposentadoria ou indisponibilidade, destituição de cargo em comissão ou função comissionada (art. 127 da lei nº 8.112/1990); enquanto o Direito Penal prevê penas principais de detenção, reclusão, e acessórias de perda do cargo, função ou mandato eletivo, inabilitação para dirigir veículos, etc. (art. 92 do Código Penal).
Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal são frutos da relevância dada pela sociedade a determinado fato social, ou seja, alguns fatos sociais são tão reprovados pela sociedade que são transformados em crime, de modo a proteger os indivíduos daqueles que os praticam. Já o Direito Disciplinar tem por finalidade a regularidade do serviço público e, ainda, estabelecer regras de convivência entre os servidores, e administrados e servidores, para que se possa dar continuidade aos objetivos da instituição pública, bem ainda estabelece a proteção ao patrimônio público, erário e observância dos princípios da Administração Pública.
Lúcia Valle Figueiredo faz a seguinte distinção entre ilícito penal e ilícito administrativo:[7]
“Deveras, a diferença fundamental entre as sanções administrativas e as penais está apenas na gravidade da infração.
Enfatizamos que as sanções administrativas têm caráter repressivo, porém para infrações consideradas pelo legislador como potencialmente menos agressivas. O ilícito administrativo é punido, por isso mesmo, com sanções administrativas, e não com penas privativas de liberdade ou penas alternativas, como modernamente também se pode utilizar quando se tratar de sanções penais”.
O tipo penal “é um modelo abstrato de comportamento proibido. É, em outras palavras, descrição esquemática de uma classe de condutas que possuam características danosas ou ético-socialmente reprovadas, a ponto de serem reputadas intoleráveis pela ordem jurídica.”[8]
O tipo penal constitui-se de uma descrição abstrata do fato considerado como crime e de uma sanção. Por exemplo, o crime de homicídio do Código Penal:
“Homicídio simples
Art 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.”
Por sua vez, Costa[9] afirma que o ilícito administrativo é bastante semelhante ao ilícito penal sob o aspecto da antijuridicidade. Veja-se:
“[…] Por outro lado, deve-se destacar que, pelo aspecto da antijuridicidade, as infrações penal e disciplinar guardam, entre si, perfeita semelhança.
Necessitam, pois, essas duas condutas (penal e disciplinar) do elemento da antijuridicidade, para que possam ser consideradas como transgressão.
A antijuridicidade ou injuridicidade traduz comportamento (base factual) contrário ao Direito.”
Os ilícitos administrativos, previstos no art. 116 da lei nº 8.112/1990, muitas vezes, prescindem de uma apreciação da autoridade administrativa para verificar se a conduta do servidor é ou não contrária à lei. Noutros casos, como o do art. 132 da mesma lei, haverá necessidade de outras normas para se obter o conceito do ilícito estatuído nesse artigo.
O inciso I, do art. 116, por exemplo, estatui que o servidor deve “exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo”. Quem vai dizer que o servidor não trabalha com zelo e dedicação? Será constituída uma comissão de processo para avaliar, naquele caso concreto, o zelo e dedicação do servidor público. Não é fácil adequar a conduta do servidor ao dever do servidor previsto naquele inciso.
Outro exemplo é o ilícito administrativo “crimes contra a administração”, previsto no art. 132 do Estatuto dos Servidores. Nesse caso, é necessário tomar como base o Código Penal, mais precisamente o capítulo dos crimes contra administração praticados por servidor público, não para dizer que o fato praticado pelo servidor público, no âmbito administrativo, é crime, pois essa tarefa é do Ministério Público e da Polícia Judiciária, mas para verificar se esse fato, que constitui crime no Código Penal, é ilícito administrativo. Se o fato constituir crime no Código Penal, no caso de crime contra a administração, com certeza será considerado como ilícito administrativo. Nesse caso, há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e pareceres da Advocacia-Geral da União nos quais se afirmam que o ilícito previsto como “crimes contra administração” somente pode ser punido após sentença condenatória com trânsito em julgado. Essa seria uma condição de procedibilidade para a instauração de processo disciplinar para apurar o citado ilícito.
Como se verifica, as diferenças entre o tipo penal e o ilícito administrativo são consideráveis. Todavia, sem dúvidas, o Direito Penal será subsídio para o Direito Administrativo Disciplinar. Léo da Silva Alves, discorrendo sobre o tema, faz a seguinte nota:[10]
“No Código Penal há um elenco enorme de dispositivos que são de aplicação subsidiária pertinente à sindicância e ao processo disciplinar, sobretudo para acatar ou desacolher teses da defesa. Assim, há que se considerar as questões da coação, da embriaguez, da violenta emoção e das excludentes de ilicitude, como a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de um direito.”
Então, é de notar que o ilícito penal com certeza afeta à sociedade como um todo, enquanto determinados ilícitos administrativos afetam somente a Administração. Porém, pode ocorrer do ilícito administrativo atingir toda uma coletividade, como é o caso da prática de corrupção, desvio de verbas públicas, crimes contra a Administração, além de outros.
É por isso que os Estatutos de Servidores Públicos Federais preveem ilícitos administrativos de maior potencial ofensivo, digamos assim, como aqueles de potencialidade lesiva a toda sociedade. Tenham como exemplo daqueles, o art. 132 da lei nº 8.112/1990 e alguns do art. 117 da mesma lei.
3. CAUSAS DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE E DE CULPABILIDADE
Antes de abordarmos o tema exclusão de ilicitude e culpabilidade, é necessário definir o crime para, assim, saber a razão pela qual o agente não responde pelo crime quando acobertado pela causas de exclusão já citadas.
O crime é uma seleção feita pelo legislador, que ouve os anseios da sociedade, daquelas condutas consideradas mais relevantes em determinada época para toda coletividade. Naturalmente, há crimes que eram, e, ainda, são relevantes e merecem a reprimenda do Estado, como exemplo, o homicídio, que desde os primórdios é considerado crime grave.
Sérgio Augusto Veloso Brasil assim discorre sobre o tema:[11]
“O crime nada mais é, na verdade, do que fruto de uma seleção daquelas condutas contrárias ao interesse da convivência pacífica e harmoniosa entre os homens, portanto julgadas ilícitas e, que sejam de tamanha gravidade que necessite, em um segundo momento, em alguns casos a sua tentativa, aplicando-lhe uma punição aos casos concretos, segregando, no mais das vezes, o agente que incorrer nestas condutas.”
Portanto, para criminalizar um fato, o legislador cria o tipo penal, que é a descrição do fato punível. O tipo penal serve como garantia do cidadão, que não pode ser processado por crime se os fatos que praticar não se enquadrarem no tipo penal.
Rogério Greco afirma:[12]
“Por imposição do princípio do nullum crimen sine lege, o legislador, quando quer impor ou proibir condutas sobe a ameaça de sanção, deve, obrigatoriamente, valer-se de uma lei. Quando a lei em sentido estrito descreve a conduta (comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinados bens cuja tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo penal.”
Assim, a ilicitude ou antijuridicidade da conduta do agente é a contrariedade à norma que estabelece que é crime praticar esse ou aquele fato.[13]
Sem adentrar nas várias teorias existentes no Direito Penal acerca do tema, Rogério Greco diz que existem três elementos integradores do crime: “para que se possa concluir pela infração penal é preciso que o agente tenha cometido um fato típico, antijurídico e culpável. Esses elementos, que integram o conceito analítico de crime, devem ser analisados nessa ordem, pois que, na lapidar lição de Welszel, […][14]
Portanto, se presentes todos esses elementos, fato típico, antijuridicidade e culpabilidade, haverá crime, então vejamos o que afirma Rogério Greco com muita propriedade:[15]
“Tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade estão de tal forma relacionados entre si que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior. A divisão do delito em três aspectos, para fins de avaliação e valoração – tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade –, facilita e racionaliza a aplicação do direito, garantindo a segurança contra as arbitrariedades e as contradições que freqüentemente poderiam ocorre. Essa divisão tripartida da valoração permite um resultado final adequado e justo.”
Por outro lado, o Direito Penal antevê que certas condutas podem não conter um dos elementos do crime, a saber: antijuridicidade ou culpabilidade. Ausente um desses elementos, o agente não sofrerá a reprimenda do Estado. A doutrina chama essa ausência de excludentes de ilicitude ou antijuridicidade. Assim, embora o agente tenha praticado o crime, ele não será punido em razão de haver uma excludente de ilicitude, ou seja, o fato praticado pelo agente será considerado lícito.[16]
Note-se que não citamos o elemento “fato típico”, tipicidade, pois ausente esse elemento, não haverá crime, o crime nunca existiu. Naqueles outros casos, antijuridicidade e culpabilidade, o crime existe, mas não é punível em razão de a própria lei indicar em quais circunstâncias o agente não responde pelo crime.
O conceito de culpabilidade abrange culpa e dolo. A culpa ocorre quando o agente age com negligência, imprudência e imperícia; o dolo quando o agente tem a intenção/vontade livre de praticar o crime.
Assim, em alguns casos, o agente não responderá pelo crime em razão de tê-lo cometido acobertado por uma excludente de culpabilidade. Explica Bittencourt:[17]
“[…] Em primeiro lugar, a culpabilidade – como fundamento da pena – refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal.
Desse modo, algumas causas de exclusão de ilicitude do Direito Penal podem, sem dúvidas, ser aplicadas ao Direito Disciplinar, uma vez que a teoria geral do Direito Penal aplica-se ao Direito Disciplinar, tais como estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito, consentimento do ofendido.
Igualmente, as causas de exclusão de culpabilidade podem ser consideradas, a saber: inimputabilidade, inexigibilidade de outra conduta, estado de necessidade exculpante, excesso de legítima defesa exculpante, a emoção e paixão, coação irresistível, caso fortuito e força maior, erro de proibição, descriminantes putativas e obediência hierárquica.
Não vamos discorrer sobre todas as causas de exclusão de ilicitude e culpabilidade. Apenas abordaremos as principais causas de modo a dar um norte aos membros de comissão de processo.
3.1 Causas de exclusão de ilicitude
O direito penal prevê causas que excluem a antijuridicidade do fato típico. São causas excludentes da criminalidade, causas excludentes da antijuridicidade, causas de justificação, causas excludentes da ilicitude ou descriminantes, como muitos doutrinadores as denominam.
Assim, a própria norma exclui a licitude do fato considerado típico quando o agente agir conforme aquelas excludentes. A tipicidade da conduta persiste, mas a conduta não será punível em razão, justamente, da permissão legal dada ao agente para praticar o fato típico sem que seja punido por assim agir.
O art. 23 do Código Penal dispõe sobre as causas de exclusão de ilicitude, vejamos:
“Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – em legítima defesa; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito .(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Excesso punível (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Além das causas de exclusão do fato típico, previsto no art. 23 acima transcrito, há outras, na parte especial, tal como o aborto praticado por médico para salvar a vida da gestante, ou resultante a gravidez de estupro, caso não haja outro meio de salvá-la.
Desse modo, essas causas de exclusão de antijuridicidade e culpabilidade podem ser aplicadas no Direito Administrativo Disciplinar, pois o Direito Administrativo não é uma “ilha”, mas somente tem interdependência em relação aos outros ramos do Direito.
O objetivo deste livro não é aprofundar nas teorias do Direito Penal, mas fazer um paralelo entre alguns institutos do Direito Penal e sua aplicação no Direito Administrativo Disciplinar.
3.1.1 Legítima defesa
O art. 25 do Código Penal assim conceitua legítima defesa:
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
O agente poderá repelir agressão injusta, sem que com essa ação seja punido. O Direito Penal permite o cidadão a usar de meios próprios para se proteger em alguns casos, pois o Estado não é onipresente e onipotente.
No Direito Administrativo Disciplinar, encontraremos esse permissivo legal no art. 132, inciso VII, da lei nº 8.112/1990, que prevê a legítima defesa própria ou de terceiros, como causa de exclusão de ilicitude administrativa, in verbis:
“Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: […]
VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;” (grifamos)
Como se verifica, nesse caso, o ilícito administrativo existirá, todavia, o servidor não poderá ser punido em razão da excludente de ilicitude prevista no artigo mencionado.
Ressalte-se que a autoridade administrativa deverá instaurar sindicância administrativa (apuratória/investigatória) para apurar os fatos. A comissão de processo poderá, ao final, concluir pelo reconhecimento da excludente.
Nesse caso, a autoridade administrativa necessitará enviar cópias ao Ministério Público, que fará juízo de valor quanto à ação penal a ser proposta.
Frise-se que os fatos também se subsomem ao tipo do art. 129 do Código Penal (lesão corporal). O crime de lesão corporal, leve e culposa, somente se inicia com ação penal pública condicionada à representação, como se depreende do art. 88 da lei nº 9.099/95.[18] Desse modo, se um ou outro servidor se sentir prejudicado, pode fazer a devida representação.
3.1.2 Estado de necessidade
Conforme art. 24 do Código Penal considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para se salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Eis o teor artigo mencionado:
“Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
A ocorrência do estado de necessidade pode ser vislumbrada no Direito Disciplinar, quando o servidor público quebra uma janela da repartição pública para salvar um servidor, em caso de incêndio.
3.1.3 Estrito cumprimento do dever legal
Diz o art. 23, inciso III, do Código Penal:
“Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)[…]
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Júlio Fabbrini Mirabete assim discorre sobre o estrito cumprimento de dever legal:[19]
“Não há crime quando o agente pratica o fato no “estrito cumprimento de dever legal” (art. 23, inciso III, primeira parte). Quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ilícito penal, uma vez que a lei não contém contradições. Falta no caso a antijuridicidade da conduta e, segundo os doutrinadores, o dispositivo seria até dispensável. A excludente, todavia, é prevista expressamente para que se evite qualquer dúvida quando a sua aplicação, definindo-se na lei os termos exatos de sua caracterização.”
Continua o citado autor:[20]
“A excludente pressupõe no executor um funcionário ou gente público que age por ordem da lei, não se excluindo o particular que exerça função pública (jurado, perito, mesário da justiça eleitoral etc.). Estão abrigados pela justificativa o policial que cumpre um mandado de prisão, o meirinho que executa o despejo e o fiscal sanitário que são obrigados à violação de domicílio, o soldado que executa por fuzilamento o condenado ou elimina o inimigo no campo de batalha etc. Agem em estrito cumprimento do dever legal os policiais que empregam força física para cumprir o dever (evita fuga de presídio, impedir a ação de pessoa armada que está praticando um ilícito ou prestes a fazê-lo, controlar a perturbação da ordem pública, etc.)”
Refere-se o artigo em discussão ao dever legal, ou seja, ao previsto em norma jurídica (lei, decreto, etc.). Pode derivar da própria lei penal ou extrapenal, como, por exemplo, nas disposições jurídicas administrativas. A obediência a uma ordem não manifestamente ilegal exclui apenas a culpabilidade (item 5.3.4)”.
Como se verifica, a ação praticada em cumprimento de um dever legal também não pode ser punida pelo Direito Administrativo Disciplinar. A lei impõe ao servidor certa conduta para que ele possa exercer sua função, portanto, a despeito de exercê-la, não poderá ser punido. Nessa circunstância, não constitui ilícito administrativo o servidor – agente de segurança – que, por ordem de autoridade administrativa, retira à força da repartição pública (e.g. plenário do Senado, Câmara Federal, Assembleia Legislativa, Câmara Municipal) cidadão que está causando perturbações na condução dos trabalhos.
O Oficial de Justiça, que cumpre um mandado de busca e apreensão de menor, pode retirar a criança das mãos dos próprios pais em razão da ordem judicial.
3.1.4 Exercício regular de direito
Ainda, preceitua a última parte do inciso III, do art. 23, do Código Penal:
“Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)[…]
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Afirma Júlio Fabbrini Marabete:[21]
“Não há também crime quando ocorre o fato no “exercício regular de direito” (art. 23, inc. III, segunda parte). Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou faculdade previsto na lei (penal ou extrapenal). É disposição constitucional que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, da CF), excluindo-se a antijuridicidade nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse comportamento. Há exercício regular de direito na correção dos filhos pelos pais, na prisão em flagrante por particular, no penhor forçado (art. 779 do CC), na defesa em esbulho possessório recente (art. 502 do CC), no expulsar, ainda que usando a força, pessoas que entravam abusivamente ou permanecem em escritório, clube ou outro local em que lhe está vedado ao acesso etc. Não age o sujeito ativo por dever, como na justificativa anterior, mas exercita uma faculdade de agir conforme o Direito. Prevê a lei penal, na Parte Especial, casos específicos de exercício regular de direito: a “imunidade judiciária” (art. 142, inc. I); o direito de crítica (art. 142, inc. II); a coação para evitar suicídio ou para a prática de intervenção cirúrgica (art. 146, §3º) etc”.
No Direito Administrativo Disciplinar, pode ocorrer o fato “exercício regular de direito” quando o chefe chama “atenção” do servidor hierarquicamente subordinado em razão de seu comportamento na repartição pública, ou mesmo para que realize as tarefas de acordo com as orientações da chefia.
Igualmente, o agente de segurança judiciária, por ordem do presidente do Tribunal, que retira de uma sala de sessões cidadão que está causando tumulto, inclusive pode usar a força, pois estará agindo em exercício regular de direito.
3.1.5 Consentimento do ofendido
O consentimento do ofendido, segundo alguns doutrinadores, é causa supralegal de justificação. Isso quer dizer que não existe previsão legal, mas é amplamente aceito no sistema jurídico.
César Roberto Bitencourt[22] salienta que as causas de justificação previstas no art. 23 do Código Penal, a despeito de não serem exaustivas, dão pouco espaço para causas supralegais de justificação. Todavia, afirma que ocorrendo uma causa supralegal, esta deve ser reconhecida. Continua o autor: “Caso típico é o consentimento do ofendido, mas somente aquele que se impõe de fora para dentro, para excluir a ilicitude, sem integrar a descrição típica.”[23]
Júlio Fabbrini Mirabete abordando o tema assevera que[24]:
“O problema do consentimento do ofendido, na prática do fato típico, não é solucionado expressamente em nossa lei. Parte da doutrina o considera como causa supralegal de exclusão da ilicitude. (…) Reconhece-se, portanto, a existência de bens indisponíveis, aqueles em cuja conservação há interesse coletivo, do Estado (vida, integridade corporal, família, regularidade da administração pública etc.), e disponíveis, exclusivamente de interesse privado (patrimônio, honra, etc.). Atingidos estes últimos, pode não haver crime, por exclusão do tipo (inexiste violação de domicílio quando o morador acaba consentindo na entrada ou permanência do sujeito; não há estelionato quando o agente, ciente da fraude, entrega seu bem jurídico ao que o tenta ludibriar, etc.), ou por exclusão da antijuridicidade (a injúria e a difamação aceitas pela vítima, embora figuras típicas, não são antijurídicas)”.
É de se notar que não há crime, ou mesmo exclui-se a antijuridicidade, quando o sujeito passivo consente em determinadas condutas, desde que tais condutas não afetem bens indisponíveis.
O consentimento do ofendido para obstar um processo administrativo disciplinar é muito claro no cotidiano dos servidores públicos. Por vezes, servidores públicos brincam no serviço, dando-se certas liberdades, tais como deixarem-se ser chamados de “baixinho”, “arrepiado”, etc. É muito comum colegas de serviço se tratarem usando esses apelidos.
Outrossim, servidor(as) públicas, que se mostram carinhoso(as) com o chefe, passam a chamá-lo de “chefinho”. Chefinho pode ser um chefe baixo ou de menor importância, mas dependendo como é falado e por quem é falado pode se tratar de palavra de carinho.
Houve um caso, em uma determinada repartição pública na cidade de Belo Horizonte, na qual a servidora pública chamava o chefe de “cheiro”. Por semanas, o chefe ouviu tal tratamento, no entanto, resolveu pedir à servidora que o tratasse pelo nome próprio. Entendeu o chefe que aquele tratamento, além de inapropriado na repartição pública, era constrangedor. Infelizmente, há muitos servidores públicos (incluo homens e mulheres, para deixar claro) que não têm noção do ridículo e se esquecem que a repartição pública não é a extensão da casa deles. Deve haver um mínimo de respeito aos colegas e respeito próprio. No caso ocorrido, a servidora era tida por “sem noção”, uma verdadeira “alienígena” no serviço público.
O ideal seria evitar esses “predicados” e tratar os servidores por nome, mas a natureza humana não pode ser domada. Seria “matar” a criatividade do ser humano. É exigir demais dos servidores que sejam apenas mecânicos no trato com os colegas, mas devem evitar abusos.
De qualquer forma, não haverá ilícito administrativo se houver o consentimento do outro servidor, que não acha tais expressões ofensivas à sua honra.
É claro que se o servidor solicita ao outro servidor que deixe de chamá-lo por apelido considerado ofensivo e este não o atende, ele (servidor ofendido) poderá representar perante a chefia imediata contra o servidor. Nesse caso, a conduta do servidor que assim procede poderá constituir ilícito administrativo.
3.2 Causas de exclusão da culpabilidade
3.2.1 Inimputabilidade
A inimputabilidade está prevista no art. 26 do Código Penal, e a redução da pena em razão de semi-inimputabilidade no parágrafo único do mesmo artigo, a ver:
“Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Redução de pena
Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
A inimputabilidade do sujeito ativo de crime exclui a culpabilidade. Somente responde pelo crime o sujeito que sabe distinguir o “certo do errado.”
Bitencourt salienta que:[25]
“Pode-se afirmar que, de uma forma genérica, que estará presente a imputabilidade, pelo Direito Penal brasileiro, toda vez que o agente apresentar condições de normalidade psíquica e maturidade psíquica. A falta de sanidade mental ou a falta de maturidade mental, que é a hipótese da menoridade (18 anos), podem levar ao reconhecimento da inimputabilidade, pela incapacidade de culpabilidade. Podem levar, dizemos, porque a ausência dessa sanidade mental ou dessa maturidade mental constitui um dos aspectos caracterizadores da inimputabilidade. […]”
A inimputabilidade no Direito Administrativo Disciplinar, além de excluir o ilícito administrativo, pode levar à aposentadoria do servidor público. O art. 160 da lei nº 8.112/1990 prevê que o servidor que tenha problemas mentais será examinado por junta médica, que poderá concluir por sua inimputabilidade ou não. Cita-se o referido artigo:
“Art. 160. Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra.
Parágrafo único. O incidente de sanidade mental será processado em auto apartado e apenso ao processo principal, após a expedição do laudo pericial.”
Assim, caso o laudo pericial conclua pela inimputabilidade do servidor, a comissão de processo sugerirá o arquivamento do processo e, ao mesmo tempo, sugerirá à aposentadoria por invalidez, nos termos dos artigos 186 e 188 da lei nº 8.112/1990.
3.2.2 Coação irresistível
A coação irresistível ocorre quando uma pessoa emprega força física ou ameaça a outra pessoa para que ela cometa um crime. A primeira parte do art. 22 do Código Penal faz previsão da coação irresistível:
“Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Julio Fabbrini Mirabete assim discorre sobre a justificante:[26]
“A coação existe quando há emprego de força física ou de grave ameaça para obrigar o sujeito a praticar um crime. Pode ser assim física (vis corporalis ou vis absoluta) ou moral (vis compulsiva). Na coação física, o coator emprega meios que impedem o agente de resistir porque seu movimento corpóreo ou sua abstenção do movimento (na omissão) estão submetidos fisicamente ao coator. Não existe, na coação física, ação voluntária do coacto e não se pode, falar em conduta, o que leva à afirmação na doutrina da inexistência do próprio fato típico. […]
Existe na coação moral uma ameaça, e a vontade do coacto não é livre, embora possa decidir pelo que considere para si um mal menor; por isso, trata-se de hipótese em que se exclui não a ação, mas a culpabilidade, por não lhe ser exigível comportamento diverso. É indispensável, porém, que a coação seja irresistível, ou seja, inevitável, insuperável, inelutável, uma força de que o coacto não se pode subtrair, tudo sugerindo situação à qual ele não se pode opor, recusar-se ou fazer face, mas tão-somente sucumbir, ante o decreto do inexorável”.
O Direito Administrativo Disciplinar contempla também a justificante na medida em que um servidor público ou um terceiro pode obrigar outro servidor a cometer um ilícito administrativo, tal como retirar um bem da repartição pública, alterar dados informáticos, etc.
Desse modo, ao se deparar com a justificante, a comissão de processo deverá sugerir a absolvição do servidor acusado e abertura de processo em desfavor do servidor que exerceu a coação, além de remessa ao Ministério Público para apurar eventual crime cometido pelo servidor ou por terceiro, se houver.
3.2.3 Embriaguez proveniente de caso fortuito e força maior e embriaguez voluntária
No caso de embriaguez, o art. 28 e incisos preveem isenção e redução de pena, in verbis:
“Art. 28 – Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)[…]
Embriaguez
II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º – É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Primeiramente, é necessário asseverar que o a embriaguez voluntária não isenta de pena o acusado, nos termos do inciso II, do art. 28 do Código Penal. Todavia, a embriaguez completa em razão de caso fortuito ou força maior, ou se for considerada como doença, afasta a sanção do tipo penal.
Bitencourt nos oferece a exata compreensão de caso fortuito e força maior ao afirmar:[27]
“O caso fortuito e a força maior constituem marcos negativos delimitadores da responsabilidade penal. Na hipótese de força maior a punibilidade de um fato típico é afastada diante da impossibilidade de evitar-se o resultado danoso, embora previsível. Na hipótese de caso fortuito, o fundamento da impunibilidade reside na imprevisibilidade do resultado, embora evitável, que é o mínimo exigível para configurar a culpa consciente. Enfim, a força maior caracteriza-se pela inevitabilidade (embora previsível) e o caso fortuito, pela imprevisibilidade (embora evitável) do resultado danoso.
Hungria fazia a seguinte distinção entre caso fortuito e força maior, que, aliás, já era antecipada pelo Direito Canônico: “Costuma-se distinguir entre caso fortuito e força maior: no primeiro, o resultado, se fosse previsível, seria evitável; na segunda, ainda que previsível ou previsto o resultado, é inevitável. Juridicamente (ou para o efeito de isenção de punibilidade), porém, equiparam-se o casus e a vis major: tanto faz não pode prever um evento, quando prevê-lo ou poder prevê-lo, sem, entretanto, poder evitá-lo.”
O caso fortuito exclui a culpabilidade, mas a força maior[28] exclui a própria ação humana.
No Direito Disciplinar, não poderia ser diferente. A embriaguez, por exemplo, em serviço, proveniente de caso fortuito ou força maior, não é punida.
Na verdade, mesmo a embriaguez voluntária tem sido considerada doença, portanto, nesse caso, não haveria punição, mas tratamento do servidor de modo a reintegrá-lo ao serviço público. Caso a embriaguez não seja curável, deve-se aposentar o servidor público nos termos do art. 186 da lei nº 8.112/1990. Essa é a orientação do Superior Tribunal de Justiça.[29]
Portanto, como se vê, diferentemente do Direito Penal, em que a embriaguez voluntária apenas atenua a pena, no Direito Disciplinar ela é causa de tratamento e, consequentemente, de aposentadoria.
3.2.4 Erro de proibição
O erro de proibição ocorre quando o sujeito ativo não sabe que sua conduta é contrária ao Direito Penal, ou seja, não tem consciência da ilicitude de sua conduta.
Julio Fabbrini Mirabete diz que:[30]
“Foi visto que, para existir culpabilidade, necessário se torna que haja no sujeito ao menos a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do fato. Quando o agente não tem ou não lhe é possível esse conhecimento, ocorre o denominado erro de proibição. Há, portanto, erro de proibição quando o autor supõe, por erro, que se comportamento é lícito. Nessa hipótese, o agente atua voluntariamente e, portanto, dolosamente, porque seu erro não incide sobre elementos do tipo; mas não há culpabilidade, já que pratica o fato por erro quanto à ilicitude de sua conduta. Não é possível “censurar-se de culpabilidade o autor de um fato típico penal quando ele próprio, por não ter tido sequer a possibilidade de conhecer o injusto de sua ação, cometeu o fato sem se dar conta de estar infringindo alguma proibição.”
O sujeito ativo, nesse caso, equivoca-se ao pensar que sua ação é lícita. É certo que a ninguém é permitido alegar o desconhecimento da lei, nos termos do art. 21 do Código Penal. No entanto, o sujeito pode não compreender bem a lei. Assim, deve ser lida a segunda parte do artigo 21, que se colaciona abaixo:
“Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
No Direito Administrativo, pode ocorrer que o servidor público desconheça as várias leis (portarias, resoluções, etc.) que existem acerca do funcionamento da Administração, bem ainda pode fazer uma leitura errônea delas.
A Administração tem obrigação de dar conhecimento das proibições e deveres do servidor público. A atuação do servidor não é uma mão de via única. De um lado, a Administração tem o dever de profissionalizar o servidor, de outro lado, o servidor tem o dever de conhecer as normas pertinentes à sua atuação na Administração.
Sobre o tema Raquel Dias da Silveira, em seu artigo, assevera que:[31]
“Miriam Mabel Ivanega, explicando esse caráter “aflitivo” do direito disciplinário, dada a debilitação que produz na esfera jurídica dos agentes públicos, aponta-lhe três características: a) a competência administrativa de ditar normas que delineiam o tipo de infração e os limites da sanção, ainda que mediante normas gerais, como conseqüência da remissão regulamentária; b) a prerrogativa de a Administração decidir sobre a imposição de sanção, determinando seu conteúdo; e c) a faculdade de a Administração autoexecutar a mesma sanção, diante do princípio da autotutela executiva. Explica a autora que vínculo entre o poder sancionador e o pode disciplinário é uma relação de gênero e espécie que deve respeitar as características próprias de cada uma, em particular pelos fins que perseguem e os direitos que lhes são afetos. Miriam Mabel Ivanega também mostra que a independência do direito disciplinário advém da necessidade de submeter o respectivo poder às bases da juridicidade, de modo a refletir o equilíbrio entre os direitos dos agentes públicos e a eficiência e eficácia da organização administrativa. O direito displinário, segundo a autora, não se assenta nem no direito penal, nem no direito administrativo, mas em princípios gerais do direito.[…]
Afinal, como fundamento da culpabilidade e, por conseqüência, da responsabilidade, tem-se a inexigibilidade de conduta diversa. Quer dizer, a consciência do ilícito afeta a natureza antijurídica do comportamento. Nessa seara, tenho comigo que só se pode exigir conduta diversa de infrações que geram responsabilidade se o servidor tiver prévio conhecimento de sua disciplina. Esse conhecimento não pode ser tratado com presunção pelo Direito, a partir de formalização de vínculo (no Brasil, mediante assinatura do termo de posse, em se tratando de regime estatutário, ou celebração do contrato de trabalho, quando estiver diante de regime trabalhista). Se, por um lado, existe para o servidor público o dever de informa-se, existe, muito mais, para o Estado, o dever de profissionalizar seu pessoal. A profissionalização, sob o ponto de vista do servidor, é direito público subjetivo e, do Estado, obrigação. Somente a partir do momento em que o Estado coloca à disposição do servidor instrumentos de profissionalização é que o servidor passa a compartilhar com ele o múnus pelo aperfeiçoamento e pela necessária informação e capacitação. Portanto, a máxima de que ninguém é defeso alegar o desconhecimento do direito não se aplica aos servidores públicos a que o Estado não deu a oportunidade de se profissionalizarem, como determina a Constituição”. (grifamos)
Com certeza, a Administração Pública não pode se valer de servidores públicos amadores, mas para que esses servidores atinjam um grau desejável de profissionalização, é necessário que a Administração tome as medidas que conduzam a uma efetiva profissionalização.
A Administração tem de incluir nos planos estratégicos o item profissionalização do servidor público. Nesse ponto, vale aqui fazer um parêntese, já que muitas vezes a Administração sequer tem um plano estratégico, um plano de metas bem definido. São cegos guiando cegos. Assim, como essa Administração pode exigir conduta ética e retilínea dos servidores públicos?
É chegada hora da Administração por fim ao amadorismo no serviço público, bem ainda por fim à conduta de servidores que utilizam da função pública em benefício próprio.
Voltando ao tema, por fim, podemos exemplificar o erro de proibição com a seguinte conduta do servidor: o servidor que assume a chefia de um Cartório Eleitoral, inesperadamente, sem que a Administração tenha lhe dado algum treinamento e capacitação, equivoca-se no prazo estabelecido em Resolução para remessa de formulários (títulos eleitorais), preenchidos pelos eleitores, ao Tribunal Regional Eleitoral para processamento, impedindo, dessa forma, que centenas de eleitores deixem de votar, nas eleições, não comete ilícito administrativo, pois a Administração não se desincumbiu do ônus de capacitar o servidor para exercer a importante tarefa de Administrar e gerir a coisa pública.
3.2.5 Obediência hierárquica
A obediência hierárquica, como causa de exclusão de culpabilidade, ocorre quando um servidor público pratica um crime sob ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico.
A segunda parte do art. 22 do Código Penal estabelece que:
“Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
De acordo com Júlio Fabbrini Mirabete,[32] “trata-se, segundo a doutrina, de um caso especial de erro de proibição. Supondo obedecer a uma ordem legítima do superior, o agente pratica o fato incriminado.”
Ocorrendo a justificante, no processo disciplinar, o servidor público que obedeceu a ordem não manifestamente ilegal deverá ser absolvido, e o chefe que deu a ordem deve ser responsabilizado, pois incumbia a ele conhecer da legalidade de seus atos.
Naturalmente, há condutas extremas que não eximem de responsabilidade nem o servidor que obedeceu a ordem nem o chefe, é o caso de uma ordem do chefe para desviar dinheiro público. Nesse caso, a ordem é absolutamente manifestamente ilegal. Tal ordem não pode ser cumprida. Igualmente, a ordem de um delegado de polícia para que o agente policial cause lesões a um preso é manifestamente ilegal e punível pelo Direito.
Ocorrendo tais hipóteses, o servidor e o chefe respondem por crime e por ilícito administrativo.
3.2.6 Inexigibilidade de conduta diversa
A inexigibilidade de outra conduta não é contemplada no Código Penal. Júlio Fabbrini Mirabete[33], ao discorrer sobre o tema, afirma que a inexigibilidade de conduta diversa, como as demais causas de exclusão de culpabilidade, para ser reconhecida, deve estar prevista em lei.
De toda sorte, afirmam os doutrinadores, dentre eles, Luiz Regis Prado,[34] que a inexigibilidade de conduta diversa ocorrerá sempre que estiverem presentes as causas de exclusão de culpabilidade, tais como coação física e moral irresistível, obediência hierárquica ou devida, estado de necessidade exculpante. Nas palavras de Prado:[35]
“Estado de necessidade exculpante – a situação de estado de necessidade só existe, preenchidos os termos do art. 24 do Código Penal. Essa modalidade de estado de necessidade decorre da teoria diferenciadora ou discriminadora, conforme já analisado nas causas de justificação. Embora a opinião de grande parte da doutrina, em razão exatamente da orientação perfilhada pela nossa lei, seja o sentido de vislumbrar somente o estado de necessidade justificante, cientificamente não se entende como o posicionamento mais correto. Em determinadas situações socorre a exclusão da culpabilidade do agente por inexigibilidade de outra conduta: em se tratando de bens equivalentes ou de maior valor.”
Francisco Munoz Conde acentua que a inexigibilidade de outra conduta exclui a própria culpabilidade:[36]
“O direito não pode exigir comportamentos heróicos, ou, em todo caso, não pode impor uma pena quando, em situação extrema, alguém prefere realizar um fato proibido pela lei penal a ter que sacrificar sua própria vida ou sua integridade física. Desde modo, a não-exigibilidade de um comportamento diverso nessas situações não exclui a antijuridicidade (o fato não é justificado pelo ordenamento), mas a culpabilidade (o fato continua sendo antijurídico, mas seu autor não é culpável). A idéia da inexigibilidade de outra conduta não é privativa da culpabilidade, mas um princípio regular e informador de todo ordenamento jurídico. Na culpabilidade, exige ela comprovação, antes de se formular o juízo completo de culpabilidade, se um autor, com capacidade de culpabilidade e conhecimento da ilicitude de sua ação, realizou um fato típico e antijurídico, mas encontrava-se numa situação tão extrema que não seria aconselhável, do ponto de vista dos fins da pena, impor-lhe uma sanção penal (cf. Sainz Cantero, La exigibilidad de conducta adecuada La norma em derecho penal, Granada, 1965).”
Tanto no Direito Penal, quanto no Direito Administrativo Disciplinar, não há como negar a aplicação da inexigibilidade de outra conduta quando o servidor público, por mais que queira se comportar conforme o Direito, não tenha controle sobre a sua ação ou mesmo não tenha como agir de outro modo, senão afrontando o Direito para salvaguardar sua integridade física, sua vida ou mesmo a de outrem.
4. CONCLUSÃO
O Direito não é uma ilha, como já dito na introdução desse artigo. O Direito deve servir à sociedade e não a sociedade deve servir ao Direito. Assim, o Direito tem de ser pensado como um todo e não isoladamente, como o foi durante décadas, por que não dizer séculos.
Como dito, as regras são importantes no Direito, pois finca certos parâmetros aos quais se devem render sem controvérsia, em muitos casos. Todavia, haverá casos mais complexos que exigirão do operador do direito uma visão mais sistêmica e principiológica do Direito. Aí é que se deve lançar mão de outros institutos de outros ramos do Direito, de forma a atingir a justiça desejada no caso concreto.
O Direito Penal, nesse ponto, tem categorias deontológicas que podem servir muito bem ao Direito Disciplinar. Na verdade, é o ramo do Direito que mais se aproxima do Direito Disciplinar, pois ambos têm sanções que atingem diretamente a dignidade da pessoa. O Direito Penal, quando prevê reclusão, detenção, perdimento de bens, perda do cargo, como na acessória e o Direito Disciplinar, quando prevê pena de suspensão, com conversão em multa, demissão, reversão de aposentadoria, acabam por afetar a dignidade da pessoa humana, quer isolando-o da sociedade, quer tirando-lhe o sustento.
Assim, não se pode tratar o Direito Disciplinar como um ramo do Direito ilhado dos demais, uma vez que suas sanções são tão nefastas quando a do Direito Penal.
Por isso, as causas de exclusão de ilicitude e culpabilidade não deve se circunscrever somente ao Direito Penal, mas sim fazer parte do Direito Disciplinar para que na análise do ilícito disciplinar sejam utilizadas como meios de absolver o servidor público ou mesmo considerá-lo incapaz para responder pelo ilícito.
Informações Sobre o Autor
Reginaldo Gonçalves Gomes
Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna; Pós-graduado em Ciências Penais pela Fundação Ministério Público de Minas Gerais e Pós-graduado em Processo: Grandes Transformações pela Universidade de Santa Catarina – Unisul em parceria com o curso LFG; Pós-graduação em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera em parceria com o curso LFG; Membro de diversas comissões de processo administrativo disciplinar, Cargo efetivo de Analista Judiciário e Cargo comissionado de Assessor Jurídico dos Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais