A análise econômica do direito como instrumento analítico na prática jurídica: a forma e o conteúdo do direito: uma visão interdisciplinar

Resumo: O direito exerce importante papel na solução dos conflitos e no atendimento das necessidades da sociedade. Na perspectiva do trabalho, ele se revela sob uma ótica formalista, cujo conteúdo é preenchido por valores edificados em sistemas cognitivos paralelos e com ele relacionados como a moral, a política, a economia, a cultura, a psicologia, dentre tantas outras instituições sociais. A análise econômica do direito surge como mais um instrumento analítico de que dispõem os juristas para melhor lidar com as questões postas, seja para escolher normas mais adequadas ou para tomar decisões desejáveis do ponto de vista do resultado, e sua utilização tem muito a contribuir na construção de uma República tal qual idealizada na Constituição, garantindo os direitos fundamentais e o observando seus objetivos.

Palavras-chave: Análise econômica do direito/ pragmatismo/ formalismo/ justiça/ eficiência/ constituição/ analítica/ epistemologia.

Abstract: Law plays a prominent part in solving the conflicts and attending to the needs of society. For purposes of this essay, it is seen from a formalistic point of view, as a framework whose content is filled with values derived from parallel related cognitive systems, such as morality, politics, economy, culture, psychology, among many others social institutions. The economic analysis of law provides jurists with an alternative analytical tool for better dealing with legal demands, by allowing for choosing more appropriate legal rules or for making the most desirable decision from the standpoint of the result. The employment of economic analysis of law can contribute a great deal to the achievement of a Republic as conceived in the Constitution, upholding the fundamental rights and observing their aims.

Keywords: economic analysis of law/ pragmatism/ formalism/ justice/ efficiency/ Constitution/ analytical/ epistemology.

Sumário: 1.Introdução. 2.Neutralidade de conteúdo e isolamento disciplinar. Diferenças fundamentais. 2.1.A crise do momento ex ante. 2.2.A crise no momento ex post. 3. O papel da análise econômica do direito como instrumento analítico para decisões jurídicas. 3.1.O objeto do direito e sua relação com a norma. 3.2.A eficiência econômica e sua contribuição ao direito. 3.3. Se o direito é vazio de conteúdo qual a finalidade do sistema de direitos. 3.4.As armadilhas retóricas de muitas das críticas feitas à analise econômica do direito.  3.5. Exemplo dessa perspectiva no direito do consumidor. O caso dos cartões de crédito. 4. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O direito, a despeito de todas as discussões sobre seu conceito, pode, sem sobra de dúvidas, ser visto como um instrumento. Em que pese a polêmica do tema, não parece insidioso imaginar o direito como um vazio de conteúdo. Não se trata de demérito à atividade jurídica, como podem alguns pensar.

Dizê-lo vazio de conteúdo não significa desprezar a significância do direito para o desenrolar da história. Trata-se de imaginá-lo, ou mesmo concebê-lo, de modo mais próximo possível daquilo que efetivamente significa para as pessoas que compõem o corpo social.

Alguns economistas desenvolvem idéias e teorias para explicar alguns fenômenos sociais. Estes, por sua vez, às vezes teimam em contrariar as previsões econômicas. De pronto o teórico conclui: o mundo está errado, porquanto contrariou a teoria.

Um erro epistemológico pode levar a resultados absolutamente inesperados, como o do pesquisador em nutrição que, observando o comportamento dos clientes de um restaurante percebe que as pessoas mais gordas sempre consomem adoçante, pelo que conclui que adoçante engorda!

A discussão proposta é: o direito possui em si mesmo respostas para os problemas que pretende resolver? Argumentaremos que não. E isso não é uma falha do sistema jurídico, mas sua própria natureza. Portanto, imaginar o direito com conteúdo material próprio, sem sê-lo, e resolver problemas sociais com base nessa premissa, pode resultar em conseqüências indesejáveis, como a conclusão do pesquisador nutricionista.

2. NEUTRALIDADE DE CONTEÚDO E ISOLAMENTO DISCIPLINAR. DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

Qual significado de afirmar ser o direito vazio de conteúdo? Essa é a primeira pergunta que deve ser feita para que o presente ensaio tenha algum sentido.

O direito é um instrumento utilizado pelo homem organizado em sociedade para lidar com os mais diversos conflitos surgidos na comunidade. Conflitos surgidos sempre entre homens, ainda que por meio de instituições ou em torno de bens. Diante do conflito o direito aponta uma solução. Trata-se, portanto, de uma disciplina de escolhas.

Podemos reconhecer dois momentos-chave (ou de crise) na vida da atividade jurídica, a que denominamos de: ex ante e ex post. O momento ex ante é aquele em que a sociedade, geralmente por meio de instituições, escolherá qual norma deve ser criada para lidar com os problemas futuros. O momento ex post é justamente aquele em que, diante de um problema e de um conjunto normativo posto há de se escolher, dentre as alternativas argumentativas possíveis, a melhor decisão para resolver o caso.

A principal diferença entre um e outro é que, no primeiro, faz-se um exercício de projeção relativo a fatos que venham ou não a ocorrer no futuro. No segundo caso, o fato já ocorreu, sendo a decisão voltada a lhe imputar a conseqüência mais adequada do ponto de vista ‘jurídico’.

Por outro lado, o momento ex ante, em que pese se voltar essencialmente para o futuro (fatos vindouros), se socorre de parâmetros pretéritos para estimar quais as conseqüências mais adequadas. Em outras palavras, com base na experiência histórica, decidem-se as quais condutas o direito deve impor essas ou aquelas conseqüências.

Do mesmo modo, o momento ex post, mesmo lidando com um fato já ocorrido, sempre leva em consideração quais os incentivos que uma ou outra decisão dará a outros membros da comunidade que pretendam praticar condutas semelhantes. É uma relação de simbiose.

Assim, tanto ao elaborar a norma (ex ante) quanto ao aplicar a norma posta (ex post), o direito trata diretamente de escolhas, configurando um instrumento para concretizá-las por meio do monopólio da violência de que detém o Estado.

O direito não possui ínsitas essas escolhas, e por isso ele é vazio de conteúdo. Num e noutro momento, o direito se socorre de outros campos do conhecimento para preencher seu vazio e assim fazer com que tenha algum sentido. Socorre-se da política, da moral, da religião, da economia, psicologia (heurística, por exemplo – HASTIE & DAWES, 2001), linguagem, etc.

Pelo já dito, não é difícil perceber que o vazio de conteúdo significa uma visão formalista[1] do direito, que servirá de instrumento para legitimação das escolhas perante o corpo social. Com isso, não se imagina que o jurista decidirá com base apenas em silogismos normativos, já imprecisos pelos ruídos lingüísticos a que se sujeita a hermenêutica. Esse apenas é o limite do direito, insuficiente para a tomada da decisão em boa parte dos casos. Daí que a decisão é preenchida por elementos outros, estranhos ao direito. O que se propõe é que isso seja posto de maneira transparente[2].

Isso não significa um isolamento disciplinar, muito pelo contrário. O direito, nessa perspectiva, obrigatoriamente irá relacionar-se com outros campos do conhecimento para se contextualizar no momento histórico e se relacionar com seu objeto (em geral, o homem) do modo mais preciso possível.

Desse modo, a ordem jurídica é o palco onde os valores de sistemas cognitivos, de culturas, tradições, interesses e crenças diversas se arranjam numa ordem institucional legitimada pela forma e que resulta na aplicação dessas normas, em busca de resultados desejados, concretizados tanto pelo cumprimento voluntário dos comandos como pela aplicação forçada pelo Estado – ainda que pela aplicação de sanções ou pela coerção.

2.1. A crise do momento ex ante.

É muito mais fácil compreender essa argumentação observando-se o primeiro momento de crise do direito (ex ante). Quando da elaboração da norma, não se espera um legislador iluminado por princípios jurídicos. Via de regra, os critérios de decisão são políticos, na melhor acepção que essa palavra possa ter (exercê-la com maestria ou não é uma gradação qualitativa dentro de um mesmo conceito). Fosse a elaboração da norma uma atividade jurídica, tal mister estaria adstrito a juristas.

Os critérios políticos não são igualmente puros, tal qual o direito. Para a realização de escolhas políticas é preciso conhecimento do objeto da decisão, se necessário, por meio de instrumentais cognitivos mais desenvolvidos naquele campo. Por exemplo, estabelecer determinadas restrições à comercialização de uma droga não pode ser feito de modo prudente sem o conhecimento fármaco-químico da substância, suas conseqüências para o homem. Com base nessas informações, faz-se o julgamento político: estabelecer ou não restrições e, caso estabelecidas, quais.

Isso se verifica em infindáveis exemplos, como estabelecimento de contagem de tempo especial para aposentadoria em razão do exercício de atividade insalubre (conhecimento do potencial ofensivo da atividade), estabelecimento de percentuais para reserva legal de proteção ambiental (conhecimento do impacto do desmate no bioma), estabelecimento de proteção legal a minorias (conhecimento sociológico e antropológico das comunidades).

Nos exemplos citados, de modo bastante simplificado, as informações obtidas foram sempre de áreas do conhecimento de cunho científico. Nem sempre é assim. Às vezes, o preenchimento do vazio jurídico ocorre em outros ramos do conhecimento, especialmente da moral, e cada vez menos da religião.

É o caso da fixação de regras para o casamento, filiação, adoção, comportamento social, aborto, pena de morte, tortura, violência, liberdade, escravidão, direito à vida, entre outros.

2.2. A crise no momento – ex post.

É de se reconhecer que a defesa dessa argumentação no momento ex post é muito mais difícil, porque esse momento, em princípio, é o momento sagrado do jurista, o momento em que somente ele pode estrelar esse papel, porquanto restrito.

Quanto a essa idéia, há de se fazer duas considerações gradativas. A decisão jurídica, para muitos, é um ato típico do juiz, a exemplo do que defende Dworkin com a projeção do juiz hercúleo, que encontrará no direito a melhor decisão possível, a decisão correta[3].

Não parece razoável nem compromissado com a realidade imaginar que apenas o magistrado toma decisões jurídicas. Todos os profissionais do direito tomam decisões jurídicas em diversos momentos, elaborando teses jurídicas, orientando clientes, dando pareceres, publicando livros, etc. E mais, não apenas os juristas tomam decisões jurídicas, todos os homens as tomam, quando escolhem não matar, não sonegar impostos, não faltar ao trabalho, habilitar-se para o exercício de atividades restritas, submeter-se a instituições. Todas essas são decisões jurídicas, eis que se configuram como respostas aos incentivos dados pela norma – geralmente negativos, em forma de sanção.

Não se pode esquecer, ainda, que os casos judicializados representam a extrema minoria dos eventos que comportam decisões jurídicas, pois diariamente milhões e milhões de pessoas decidem cumprir as normas. Noutros casos, normas não são cumpridas sem que haja judicialização, seja pelo conformismo da parte prejudicada, seja pela ineficácia do sistema de controle ou simplesmente porque não houve prejudicado.

Assim, o momento ex post é, classicamente, uma decisão de juristas, mas também se estende a todas aquelas decisões tomadas pelos homens levando-se em conta os parâmetros fixados em normas jurídicas, os incentivos.

Essa argumentação pode ser observada em inúmeros exemplos, ou em inúmeras perspectivas, como a decisão de um empresário em pagar ou não determinado tributo. Não se imagine que pagar tributo seja uma decisão tomada com base no comprometimento pessoal com a norma instituidora. Fosse assim, não haveria necessidade de sanção. Pagar pode decorrer de uma decisão moral do homem, de seu comprometimento com a vida em sociedade e noção de coletividade. No entanto, diante de um Estado sem legitimidade, deixar de pagar um tributo pode ter uma conotação positiva, quando seu pagamento significar alimentar uma instituição imoral.

Sob outra ótica, caso não pagar o tributo se apresente mais lucrativo do que pagar, ainda que o contribuinte tenha que sofrer todas as sanções, certamente o percentual de sonegação aumentaria drasticamente (considerando os riscos envolvidos em razão do índice de efetividade da norma – número de sonegadores que sofrem sanções).

Mesmo o juiz, diante de casos conflituosos, pauta suas decisões muitas vezes em parâmetros não jurídicos, o que é normal pela sua condição humana, e porque não dizer desejável, dada a hipercomplexidade dos conflitos sociais não raras vezes desconsiderada pela norma.

Quantificar uma pena, realizar um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, estabelecer prioridades, fixar prazos, formar livre convencimento – ou não, compatibilizar princípios, privilegiar direitos em detrimento de outros. Socorrer-se de parâmetros não jurídicos parece inevitável. Ao que parece, ou o juiz utiliza-e de parâmetros jurídicos para decidir (legalidade), aplicando uma escolha meta-jurídica realizada anteriormente, quando da elaboração da norma, ou, não se conformando com essa decisão posta (a norma), ou mesmo quando ela não baste para solucionar a causa, se utiliza de parâmetros meta-jurídicos próprios, que serão legitimados por meio da argumentação. É uma visão típica da pós-modernidade, a verdade é substituída pela opinião.

Com isso se conclui, com base na premissa de que o direito é vazio de conteúdo a) tanto elaborar quanto aplicar normas jurídicas representam escolhas realizadas em outros espaços cognitivos que não o jurídico; b) Essa conclusão não representa nem um elogio nem uma crítica, apenas uma constatação; c) conscientizar-se desse exercício mental permite maior transparência no exercício e no controle da atividade jurídica.

3. O PAPEL DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO COMO INSTRUMENTO ANALÍTICO PARA DECISÕES JURÍDICAS

Dentre o leque cognitivo de que se vale o direito para conformar suas decisões, a economia vem ocupando cada vez maior papel de destaque. A economia, como ciência de tomar decisões com base em critérios racionais e num ambiente de escassez, pode em muito ajudar na tomada de decisões jurídicas, essencialmente voltadas a evitar ou resolver conflitos. Enquanto a economia parametriza suas escolhas com base na eficiência, o direito o faz fulcrado na justiça[4].

Fábio Nusdeo observa o papel da economia num ambiente de escassez, delimitando-lhe o papel de “criar um padrão decisório coerente a ser utilizado quando recursos escassos devam ser destinados a um fim qualquer. A atividade econômica é, pois, aquela aplicada na escolha de recursos para o atendimento das necessidades humanas. Em uma palavra: é a administração da escassez” (NUSDEO, 2008, p. 28).

Não se deve confundir economia com monetarismo, o que é muito comum. Olhar problemas sociais com os olhos da economia não significa retornar ao utilitarismo. Não pretende a economia, por óbvio, uma busca obcecada por estabelecer preço a todas as coisas da sociedade. A economia procura estabelecer critérios objetivos para parametrizar escolhas, ainda que abstratas[5].

Interpretar princípios (maior expressão moral do direito) não é fazer um cálculo matemático com base em “preços” atribuídos a eles pelo mercado. No entanto, não se pode negar, decidir entre propriedade privada e função social da propriedade, livre iniciativa e intervenção estatal, legalidade e livre convencimento, autonomia funcional e impunidade, proteção ao meio ambiente e desenvolvimento econômico, direitos fundamentais e reserva do possível, por exemplo, é dizer que, num dado momento, um “vale” mais que outro. Ponderar esses princípios não é mais que percentualizá-los subjetivamente[6]. Sendo essas escolhas feitas fora do direito (na moral, na política, na psicologia) nada mais razoável que introduzir nesse jogo argumentativo alguns critérios econômicos objetivos a fim de tornar a decisão argumentativamente mais adequada, de um lado, e aferível – controlável – de outro. Esse trabalho não é simples[7].

Compatibilizar justiça e eficiência é possível, desde que se estabeleça previamente, com um mínimo de objetividade, o que se pode considerar como uma e outra, e isso depende de identificar a relação da decisão com o seu objeto e conhecer, ao menos argumentativamente, a conseqüência desejada pela norma.

A economia pode ajudar a prever as conseqüências da decisão com mais precisão, bem como oferecer um imenso instrumental analítico ao jurista para conhecer melhor o panorama fático englobado na sua escolha. Pensar a decisão também pelas suas conseqüências é, além de desafiador, mais comprometido com os objetivos da República estabelecidos na Constituição.

3.1. O objeto do direito e sua relação com a norma.

Como é sabido, a estrutura lógica da norma, via de regra é disjuntiva, não proibitiva, de modo que a um enunciado hipotético (conduta) a norma atribui uma conseqüência (sanção). Deparado com essa situação, o objeto da norma (o homem) decide simplesmente cumprir a norma ou se sujeitar às sanções. É uma resposta volitiva.

Essa vontade humana é uma escolha racional individual que estabelece uma preferência pessoal. A sanção é o incentivo que o direito dá ao homem para cumprir a norma, que só faz sentido diante do medo de sofrer a sanção, que deve ser menos proveitosa do que cumprir a norma.

Embora na maioria dos casos o seja, a sanção nem sempre é negativa. Quando o Estado deseja que as pessoas não pratiquem determinado tipo de conduta, pode estabelecer uma sanção negativa caso a conduta seja praticada. Entretanto, a utilização da sanção positiva tem sido cada vez mais freqüente, como estabelecer benefícios àqueles que praticam condutas desejadas pelo Estado.

Deixar de pagar um tributo é uma conduta indesejada pelo Estado, a que atribui uma sanção negativa como, por exemplo, a multa. Pagar um tributo em dia é uma conduta desejada, a que se pode atribuir uma sanção positiva, como desconto no valor pago. Se o benefício do desconto for mais vantajoso do que o produto do a) valor da multa pelo b) benefício do retardamento ou não pagamento e pelo c) seu índice de aplicação (efetividade), certamente o índice de adimplemento crescerá. Essa norma só fará sentido para o Estado caso o aumento na arrecadação decorrente do incentivo supere a perda arrecadatória do desconto. Trata-se de um jogo de incentivos[8].

Essa observação merece um aparte quando se trata de normas de direito econômico. Nesse caso, o mercado passa a ser o objeto direto da norma, e o homem seu objeto oblíquo. Assim, o jogo de incentivos não se dirige, nesse caso, ao homem diretamente, mas ao mercado. Este, não responde volitivamente à norma por uma simples razão: não tem vontade própria. A vontade do mercado é formada pela soma das preferências individuais dos seus agentes, sujeitas a todo tipo de assimetria[9]. Em outras palavras, “a actividade econômica se funda, unicamente num conjunto de relações interindividuais, cuja expressão é o mercado” (MONCADA, 2000, p. 15).

Costuma-se dizer que a economia não responde volitivamente aos incentivos da norma, mas reativamente, como um “estado de natureza”, não no sentido de irracionalidade, mas no sentido de uma racionalidade peculiar num ambiente de conflito[10].

É desse modo que a ciência econômica, no âmbito da intervenção do Estado na economia, ganha ainda mais importância, na medida em que serve de instrumental analítico mais preciso para estabelecer quais normas são mais adequadas para serem produzidos os efeitos almejados, bem como quais as melhores escolhas jurídicas diante das normas postas.

3.2. A eficiência econômica e sua contribuição ao direito.

São muitos os conceitos de eficiência econômica, mas, dentre eles, pode-se apontar a eficiência de Pareto como um dos mais estudados.

Para o sociólogo e economista Vilfredo Pareto, uma mudança só pode ser considerada eficiente caso o cenário novo resulte num produto global superior ao verificado anteriormente, sem que, para tanto, nenhum dos atores envolvidos apresentem perdas. Assim, só pode ser considerada uma melhoria de Pareto a situação em que pelo menos um agente apresente ganhos sem que qualquer outro apresente perdas.

O ponto positivo dessa visão é que almeja a utilização de valores potenciais ainda não utilizados. Só utilizando um potencial ocioso é que alguém pode ganhar sem ninguém perder. Estimula o crescimento sem conflito.

Esse ganho pode ser individual quando, por exemplo, um Fazendeiro melhora a produtividade de sua terra sem avançar nas terras do vizinho, nem sem lhe impor nenhuma externalidade negativa. O produtor `A` produziu, no ano de 2009, uma tonelada de um determinado produto. O seu vizinho, `B`, também produziu uma tonelada de outro produto. No ano de 2010, o produtor `A` aumentou sua produção para uma tonelada e meia, ao passo que `B` manteve a produtividade em uma tonelada. A mudança significa uma melhoria de Pareto, pois a produção total passou de duas toneladas para duas toneladas e meia.

O ganho também pode ser não individual, como numa relação comercial de compra e venda. Quem vende prefere o dinheiro ao bem, ao passo de que quem compra prefere o bem ao dinheiro. Após a operação, o índice de satisfação global será maior, pois quem preferia o dinheiro e tinha o bem, agora tem o dinheiro, e quem preferia o bem ao dinheiro, e tinha o dinheiro, agora tem o bem. Pressupondo a inexistência de falhas de marcado, a operação significou uma melhoria de Pareto, pois, como o preço foi consensual, ambos estão em situação melhor do que antes da operação.

Quando se chega à situação em que nenhum dos agentes pode ganhar sem significar perda para qualquer outro, ou seja, quando não há mais capacidade ociosa, podemos dizer que esse é um ótimo de Pareto.

 

O lado negativo da eficiência de Pareto é que representa uma perspectiva extremamente conservadora de melhoria, pois não considera a alocação dos recursos. Se num ambiente em que o ganho global máximo é de cem unidades, e um dos agentes ostenta os cem, em detrimento dos demais que não ostentam nada, ainda assim, essa situação é um ótimo de Pareto. Isto porque qualquer modificação nesse cenário não pode representar uma melhoria de Pareto, pois atribuir uma unidade a qualquer dos agentes que não possui nada representa apropriá-la do que possui tudo. Assim, como o ganho para um representa uma perda para outro, essa situação não pode ser considerada como uma melhoria de Pareto, pois o que interessa é a utilização máxima do potencial ocioso.

A eficiência de Pareto, portanto, se mostra interessante a fim de aumentar o ganho total utilizando-se da capacidade produtiva ociosa. Para outras situações esse critério se mostra insuficiente, a exemplo de quando se faz necessário realocar recursos.

A realocação de recursos faz sentido quando aquela mesma unidade representa ganho maior na mão do agente que não o possui no momento. Essa ilação não faz sentido apenas sob a ótica da produtividade, mas se insere também na própria lógica do sistema republicano eventualmente adotado nas constituições. Qual o valor de um prato de comida? Depende da alocação. Para quem já comeu o primeiro prato, outro prato vale bem menos do que para quem ainda não comeu nenhum. Um real vale bem menos para um milionário do que para um pedinte.

Como exemplo podemos citar a desapropriação para fins de reforma agrária, em que a transferência da propriedade de um agente (que a tem por excesso) para outro (que não a possui) representa um instrumento de realocação recursos. Do mesmo modo a tributação também pode representar um instrumento de realocação de recursos, por exemplo, para programas de distribuição de renda, como o bolsa família (transferência direta) ou como o custeio de programas sociais (transferência indireta).

O sistema jurídico, inspirado em critérios políticos, econômicos, morais, ou qualquer que seja, irá estabelecer preferências na alocação de recursos na sociedade a fim de nortear esses programas de transferência de patrimônio.

Nesse contexto surge o conceito de eficiência de Kaldor-Hicks, por meio do qual se admitem ganhos para uns que representem prejuízos para outros, utilizando-se um sistema de direitos que permita a compensação, ainda que potencial, do prejudicado.

Estabelecer preferências alocativas não é um trabalho simples, se considerarmos a escolha pelas suas conseqüências, pois nem sempre uma distribuição igualitária ou mesmo equilibrada dos bens representa um ganho pró-futuro. Para evitar as polêmicas dos casos concretos, é possível utilizar o seguinte exemplo. Uma ilha habitada por quatro pessoas tem como única fonte de alimento um coqueiro alto, no qual os frutos só são alcançados pela sobreposição de quatro caixotes disponíveis. Caso esses quatro caixotes sejam apropriados por um único habitante, temos a garantia da viabilidade na colheita dos frutos. Dividir os caixotes entre os habitantes não garante a colheita do fruto, já que isoladamente não servem à colheita, e não há garantia de que haverá cooperação entre os quatro habitantes. Nesse caso, talvez seja mais adequado estabelecer um sistema de direitos que garanta a colheita e a distribuição dos frutos do que simplesmente dividir os caixotes e esperar uma cooperação incerta entre os habitantes.

Pela utilização do critério de eficiência de Kaldor-Hicks é possível estabelecer um critério de apropriação dos frutos já colhidos pelos que não possuem o caixote, ainda que se estabeleça uma compensação ao possuidor dos caixotes. É preciso se levar em conta que a) os frutos em cima da árvore não têm valor e b) o possuidor precisa de uma garantia de que, colhidos os frutos, ele poderá consumi-los, ainda que parcialmente, já que os não possuidores são maioria e poderiam tomar-lhe os frutos, ou mesmo os caixotes. Esse raciocínio pode e é freqüentemente utilizado para justificar ganhos em escala.

Esse sistema de direitos, estabelecido num critério político democrático de consenso, garante a colheita e o consumo dos frutos por todos os habitantes, ainda que de modo razoavelmente desigual.

3.3. Se o direito é vazio de conteúdo, qual a finalidade do sistema de direitos?

Segundo a linha de raciocínio até então desenvolvida, o Direito é vazio de conteúdo, configurando uma técnica (ou arte, ou fato social) de justificar, pela legitimação, escolhas feitas com base em diversas instituições sociais: política, moral, religião, economia, etc.

Nesse desiderato, o direito se apresenta fundamentalmente em dois momentos: a elaboração da norma (ex ante) e a aplicação da norma (ex post).

No momento ex ante, a escolha pode ser sem parâmetros jurídicos anteriores, como numa constituinte (partindo-se do pressuposto formalista do direito, desconsiderando a existência de qualquer “direito natural”). Essa escolha também pode ser guiada por parâmetros fixados em normas anteriores, como nos casos de constituinte derivado, legislador ordinário, regulamentador e prolator de atos administrativos (todos esses aqui denominados de normas derivadas). Não se olvide que essas normas derivadas foram criadas com base em parâmetros fixados em normas anteriores, e assim sucessivamente até o retorno à norma primária, no caso, a constituição. Mesmo assim, observados esses parâmetros fixados nas normas anteriores, as normas derivadas também apresentam em maior ou em menor grau espaços decisórios não vinculados a normas anteriores, pois fosse para repetir integralmente a norma velha não faria sentido criar uma nova.

Assim, a elaboração da norma é sempre um “marco zero” do direito, direta ou indiretamente, em maior ou em menor grau. Sendo esse o “marco zero”, por óbvio a busca de conteúdo não se dará no próprio direito, mas nos outros espaços cognitivos do homem.

Esses espaços cognitivos informarão o criador da norma a respeito do seu conteúdo, estabelecendo sua conexão com o mundo real. Entre o conceito jurídico de homicídio e morte provocada existe uma infinidade de julgamentos morais, culturais, psicológicos, que levaram à instituição do crime, atribuindo-se-lhe uma sanção severa. Mais severa, por exemplo, que o furto.

Sem adentrar na temática do neo-constitucionalismo, as constituições contemporâneas, que estabelecem a estrutura estatal, na qual se inclui o sistema jurídico, escolheu com base nesses critérios meta-jurídicos valores (princípios), metas (objetivos da República, por exemplo – art. 2.°, CF; e boa parte dos direitos fundamentais), e limites (direitos fundamentais protetivos).

Assim, com base na legitimação garantida pelo direito, o Estado tem como escopo atingir as metas estabelecidas na constituição respeitados os limites de incursão na esfera individual.

A análise econômica do direito se insere nessa trama a fim de dar ao jurista meios de conhecer melhor os fatos e assim poder decidir de forma a, respeitadas as restrições, adotar medidas menos custosas que representem maior ganho na consecução das metas.

O mesmo raciocínio também pode ser aplicado ao momento ex post. A única diferença é que “momento zero” é muito menor, fato que vem mudando dado o enorme espaço decisório que vem sendo dado ao aplicador do direito, por meio de fenômenos como a criação judicial do direito e a judicialização da política, bem como com o desenvolvimento das teorias da argumentação jurídica.

3.4. As armadilhas retóricas de muitas das críticas feitas à análise econômica do direito.

Algumas críticas dirigidas à análise econômica do direito são absolutamente equivocadas, porquanto impingidas do erro que lhe imputam: ideologia.

Atribuir à análise econômica do direito o caráter instrumental de propagação do ideal liberal, carimbando-lhe a pecha maniqueísta de “neoliberal” é, no mínimo, desconhecer seu instrumental teórico. Ao contrário, percebe-se nesse tipo de argumentação uma visão recheada de ressentimentos ideológicos geralmente fundados num antiamericanismo ingênuo e, convenhamos superado.

Do mesmo modo, contrapor a análise econômica do direito à realização dos direitos fundamentais igualmente representa um equívoco epistemológico quanto aos fundamentos da pesquisa.

A análise de impacto das decisões jurídicas no ganho social, o estudos dos custos de transação nos sistemas jurídicos, das externalidades, dos incentivos, das estruturas de poder econômico, da concorrência, dos monopólios, dos preços, nada disso leva sempre a uma única solução. Imaginar que a aplicação desse maquinário teórico (dentre inúmeros outros típicos da disciplina) leva sempre a uma solução deduzida da “cartilha neoliberal” é não querer ver a realidade que já se mostra posta: esse momento já passou.

O contexto da geopolítica mundial vem sendo violentamente alterado, especialmente com a perda de poder econômico gradual por parte dos países ricos em detrimento dos emergentes. Talvez quem menos tenha gostado da globalização tenha sido o operário americano que perdeu seu emprego para um chinês. Não há como negar a crescente dependência americana das economias estrangeiras, especialmente das emergentes, como do petróleo árabe e do mercado consumidor chinês.

A questão que se apresenta é: como construir uma estrutura institucional nos países emergentes – dentre os quais se inclui o Brasil – que permita crescer economicamente com desenvolvimento sustentável. Gerar riqueza, também gerando desenvolvimento, é uma fórmula que deve ser buscada incessantemente, e abrir mão de um vasto instrumental por caprichos ideológicos datados não parece minimamente comprometido com os interesses da sociedade como um todo. Não se busca um projeto “neoliberal”, já superado inclusive nos Estados Unidos, mas um projeto de nação soberana que se relacione nesse novo contexto mundial de modo a se aproximar cada vez mais do cumprimento dos objetivos da República estabelecidos na Constituição.

Uma análise econômico-normativa do direito pode sugerir tanto uma menor intervenção do Estado como uma intervenção em nível superior, a depender dos resultados de um e de outro modelo. Interessa menos o modelo e mais o resultado. Daí a neutralidade.

O próprio Richad Posner, na recente obra “A failure of capitalism – the crisis of ’08 and the descent into depression”, a respeito da crise financeira americana, reclamou uma maior intervenção estatal no mercado financeiro, atribuindo em parte a responsabilidade pela crise ao excesso de absenteísmo estatal: “but without any government regulation of the financial industry, the economy would still, in all likelihood, be in a depression. We are learning from it that we need a more active and intelligent government to keep our model of a capitalist economy from running off the rails. The movement to deregulate the financial industry went too far by exaggerating the resilience – the self-healing powers – of laissez-fare capitalism” (POSNER, 2009, p. xii)[11].

Como os direitos fundamentais se inserem nesses resultados? Não seriam eles colocados em segundo plano pelos modelos econômicos? Evidente que não. Como já debatido linhas atrás, é o sistema normativo que fixa os fins, e a análise econômica (aliada aos demais ramos do conhecimento, como a política, a moral, etc), por meio do direito que os legitima, que vai dizer como se chegar nesse desiderato de modo menos custoso (custo econômico, mas também custo moral, político, etc).

Não se tratam de fórmulas mágicas, mas de parâmetros científicos que auxiliam o Estado nesse mister. Não basta, diante de um enunciado constitucional de direito fundamental à saúde, sugerir decisões normativas ou judiciais que criem por passe de mágica essa estrutura. É preciso pensar como essa estrutura deve ser modelada para funcionar melhor e com o menor custo social futuro.

É preciso fazer uso de toda essa gama de conhecimento acumulado para dar vazão de forma cada vez mais eficiente ao imenso passivo social debitado à sociedade brasileira, projetando para o futuro uma nação livre, um Estado racional e uma sociedade menos desigual.

3.5. Exemplo dessa perspectiva no direito do consumidor. O caso dos cartões de crédito.

Não é novidade que o direito consumerista, por razões de igualdade material, opta por proteger o agente mais fraco nas relações de consumo: o consumidor. Assim, impõe aos fornecedores inúmeros custos excepcionais, num sistema de direitos cuja ótica é estabelecer um efetivo equilíbrio na relação regulada. Daí a inversão do ônus da prova, o sistema de responsabilidade, a limitação na liberdade de estabelecer cláusulas e a instituição de órgãos estatais com poder de polícia específicos para solucionar esses conflitos. O norte é evitar o abuso do poder econômico.

Um exemplo de norma mal sucedida nessa seara é a que trata da proibição, ao fornecedor, de cobrar um preço maior quando a venda for realizada por meio de cartões de crédito. O objetivo da norma é evitar que o vendedor, repasse ao comprador, um custo que deveria ser seu. Esse custo é a manutenção, pelo estabelecimento, do sistema de pagamento via cartão de crédito, serviço que engloba o pagamento de aluguel da máquina de processamento da operação, mais um percentual do valor pago. O resultado é que as vendas no cartão devem ter o mesmo preço que as vendas à vista.

Indaga-se: qual o maior beneficiário da norma? É lógico, as empresas de cartão de crédito. E o consumidor? Esse foi o maior prejudicado. Isto porque, na prática, a venda pelo sistema de cartão de crédito é mais custosa para o fornecedor que a venda a vista, pois sobre a primeira incidem os custos de manutenção do sistema. O que a norma fez foi proibir que os fornecedores oferecessem os descontos correspondentes aos custos do sistema de cartão de crédito aos consumidores que quisessem pagar em dinheiro. Aos fornecedores coube embutir em todas as vendas, em dinheiro ou em cartão, os custos do sistema de crédito, quando não nivelaram os preços por cima. Diminuindo os incentivos da compra em dinheiro, a norma incentiva os consumidores a utilizarem o cartão, aumentando a demanda pelo serviço e o poder de mercado das operadoras de crédito sobre os fornecedores, o que lhes permite aumentar cada vez mais os custos do serviço, aumentando, assim, também os preços.

O resultado é que o custo médio dos produtos aumentou em razão da inclusão nos seus preços dos custos da operação de crédito. Retirou do consumidor o poder de escolha (e de barganha) e transferiu destes para as operadoras de cartão de crédito o ganho decorrente do pagamento à vista.

4. CONCLUSÃO

O objetivo desse ensaio foi refletir sobre o papel do direito na solução dos conflitos e das necessidades da sociedade, debatendo o modo pelo qual a atividade jurídica é exercida e como ela se relaciona com outros campos do conhecimento.

A linha argumentativa construída foi no sentido de que o direito se revela numa perspectiva formalista, cujo conteúdo é preenchido por valores edificados em sistemas paralelos e com ele relacionados como a moral, a política, a economia, a cultura, a psicologia, dentre tantos outros. Imaginar que o operador do direito tira do próprio sistema jurídico suas decisões parece um tanto ingênuo, tal qual a crença salvacionista do jurista puro, asséptico e aculturado, enfim, um homem sem história.

Tendo o jurista que beber nas fontes do conhecimento humano para realizar escolhas, a análise econômica do direito surge como mais um instrumento analítico de que dispõem os juristas para melhor lidar com as questões postas, seja para escolher normas mais adequadas ou para tomar decisões desejáveis do ponto de vista do resultado. Enfim, como lidar com o jogo de incentivos que caracteriza a relação do homem com as normas.

 

Referências:
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Morra; tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo, Ícone, 1995.
COASE, Ronald H. The nature of the firm. In: The firm, the market, and the law, The University of Chicago Press, Chigado and Londom, 1988.
COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost. In: The firm, the market, and the law, The University of Chicago Press, Chigado and Londom, 1988a.
COOTER, Robert e ULEN, Thomas. Law and economics. 3rd edition, Library of Congress Cataloging-in-publication data, 2000.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo; revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
HASTIE, Ried & DAWES, Robin. Rational choice in an uncertain world: the psychology of judgment and decision making. London: Sage, 2001.
MONCADA, Luiz Cabral de. Direito econômico. 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 2000.
NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao direito econômico. 5 ª edição (rev. e atual.). São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.
POSNER, Richard A. A failure of capitalism – the crisis of ’08 and the descent into depression. Havard University Press, Cambrige, Massachusetts, and London, England, 2009.
POSNER, Richard A. El análisis económico del derecho. Primeira edición em español (primeira reimpressión). Fondo de Cultura Económica, México, 2000.
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “direito e economia”?. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & Economia. 2 ª edição (rev. e atual.). Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008.
SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica. 2 ª edição rev. Rio de Janeiro, Renovar, 2003.
STIGLITZ, Joseph E. e WALSH, Carl E. Introdução à microeconomia. Tradução da 3ª edição original de Helga Hoffmann, 7 ª  reimpressão. Rio de Janeiro, Campus, 2003.
VASCO, Rodrigues. Análise económica do direito: uma introdução. Coimbra, Almedina, 2007.
 
Notas:
[1] “a concepção formal do direito define portanto o direito exclusivamente em função de sua estrutura formal, prescindindo completamente de seu conteúdo – isto é, considera somente como o direito se produz e não o que ele estabelece (BOBBIO, 1995, p. 145).

[2] Discutindo a relação entre ordem política e ordem jurídica, Nelson Saldanha observa que: “ninguém negará que, olhadas as coisas sob um prisma sociológico, isto é, segundo a consideração dos fatos e da ‘gênese das estruturas’, o Direito resulta da Política. As denominações vigentes condicionam a criação de regras; a forma de governo se reflete no trabalho legislativo, e na própria existência de uma função legislativa específica. Códigos e instituições revelam interesses partidários, pressões, predomínios de classe.
O outro lado da questão, porém, é o direito como disciplinação direta das condutas, dentro embora de um quadro definido pelo poder político. O Direito ‘oficializa’ o mando; inclusive oficializa o Estado, mesmo que possamos talvez afirmar a recíproca” (SALDANHA, 2003, p. 168).

[3] “Hércules serve a nosso propósito porque é livre para concentrar-se nas questões de princípio que, segundo o direito como integridade, formam o direito constitucional que ele aplica. Não precisa preocupar-se com a urgência do tempo e dos casos pendentes, e não tem dificuldade alguma, como inevitavelmente ocorre com qualquer juiz mortal, de encontrar uma linguagem e uma argumentação suficientemente ponderadas para introduzir quaisquer ressalvas que julgue necessárias, inclusive as suas caracterizações iniciais do direito” (DWORKIN, 2003, p. 453).

[4]Pero las nociones de La justicia incluyen algo más que la eficiência. No és obviamente ineficiente tolerar los pactos suicidas; tolerar la discriminación privada por razones raciales, religiosas ou sexuales; tolerar que se mate y se devore al passagero más débil del barco de la vida em circunstâncias de desesperación genuína; obligar a los individuos a declarar contra si mismos; azotar a los prisioneros; permitir que vendan niños para su adopción; permitir el uso de la fuerza homicida en defesa de um interés  puramente material; legalizar el chantaje; o permitir que los condenados elijan entre la prisión y la participación em experimentos médicos peligrosos. Sin embargo, todas esas cosas ofenden el sentimiento de justicia de los estadunidenses modernos, y todas son ilegales em mayor o menor (de ordinário mayor) medida. (…) La justicia és algo mas que economia, lo que el lector deberá tener presente al evaluar los enunciados normativos de este libro. Puede haber límites definidos, aunque amplios, para el poder explicativo y reformador del análisis econômico del derecho. Sin embargo, la economía siempre podrá proveer una aclaración del valor mostrando a la sociedad lo que debe sacrificar para alcanzar um ideal econômico de la justicia. La demanda de justicia no es independiente de su precio” (POSNER, 2000, p. 33).

[5] “O que verdadeiramente interessa à Economia é perceber quais os incentivos a que as pessoas reagem e como é que lhes reagem: o facto desses incentivos serem, ou não, monetários é irrelevante” (RODRIGUES, 2007, p. 37).

[6] Recentemente o STF tem discutido inúmeras questões que obviamente encontram respostas fora do direito, como a interrupção da gravidez em fetos anencéfalos, a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, a disciplina no uso de algemas pela polícia, o fim do nepotismo, a fidelidade partidária, o regime da greve de servidores públicos, a pesquisa em células-tronco, etc.

[7] Bruno Meyerhof Salama observa a dificuldade de aplicar critérios econômicos no âmbito jurídico:“Ao longo desse texto vou ressaltar o fato de que a disciplina serve, antes de tudo, para eliminar problemas jurídicos e apontar implicações das diversas possíveis escolhas normativas. Aqui me afasto tanto da visão do Direito e Economia como um conjunto de receitas de bolo (que é ridícula) quanto da visão de que a discussão sobre eficiência seja irrelevante para o Direito (que é míope porque a construção normativa não pode estar isolada das suas conseqüências práticas).(…)
Qual seria, então, o projeto acadêmico da disciplina de Direito e Economia? A meu ver, deve ser essencialmente o de (a) aprofundar a discussão sobre as opções institucionais disponíveis, trazendo os efeitos de cada opção para o centro do debate, (b) apontar os incentivos postos pelas instituições jurídico-políticas existentes, de modo a identificar interesses dos diversos grupos, inclusive daqueles sub-representados no processo político representativo, (c) repensar o papel do Poder Judiciário, de modo que este se encaixe nos sistemas modernos de formulação de políticas públicas, mas tendo em conta que o país já possui uma tradição jurídica, e (d) enriquecer a gramática jurídica, oferecendo novo ferramental conceitual que ajude os estudiosos, os profissionais, e os pesquisadores em direito a enfrentar dilemas normativos e interpretativos” (SALAMA, 2008).

[8] Stiglitz e Walsh exemplificam um sistema de incentivos para o mercado de energia elétrica, diferenciando o efeito renda e o efeito substituição, dando conta de como a economia pode induzir com mais precisão condutas desejadas: “No inverno de 2001, o estado da California foi atingido por uma escassez de energia. Sob uma legislação que desregulava em parte o mercado de eletricidade, as principais empresas fornecedoras de eletricidade do estado tinham de adquirir a energia no mercado aberto enquanto a vendiam aos consumidores a um preço pré-fixado. Com o grande aumento nos custos do atacado, as empresas se viram obrigadas a vender a energia bem abaixo do custo. A demanda superava a oferta.
Quando a demanda excede a oferta, há duas soluções possíveis: aumentar a oferta ou reduzir a demanda. Num sistema de mercado desregulado, o preço da eletricidade teria aumentado e os preços mais elevados teriam proporcionado aos consumidores incentivos para poupar energia. Um preço mais alto reduz a demanda por dois caminhos. Quando os preços da eletricidade aumentam em relação aos preços de outros bens que as famílias compram, cada família tem incentivo para economizar eletricidade. É o efeito substituição. Mas há também um efeito renda. Como a eletricidade se tornou mais cara, a renda real da família se reduz – tem de gastar mais para obter a mesma quantidade de bens (incluindo a eletricidade) que consumia. Com uma renda real menor, a família corta despesas com todos os tipos de bens, incluindo a eletricidade. É o efeito renda.
Como os custos de energia mais altos podem ter um impacto desproporcional sobre as famílias de baixa renda, os políticos muitas vezes relutam em permitir aumento nos preços de energia. Contudo, a solução não é impedir o aumento dos preços – manter os preços baixos simplesmente reduz os incentivos para que todas as famílias poupem um recurso escasso. Antes, imagine que o acréscimo nos custos de energia represente em média US$ 200 por família. O efeito renda pode ser eliminado, permitindo-se, contudo, que o efeito substituição cumpra seu papel de reduzir a demanda, se for concedido a cada família um reembolso de US$ 200. Em média, a renda das famílias não se reduzirá – o impacto dos preços mais altos de energia será compensado pelo reembolso de US$ 200. Mas o efeito substituição ainda estará em operação. Ao gastar sua renda, a família se depara com um preço relativo mais elevado para a eletricidade. Assim, terá um incentivo para economizar eletricidade” (STIGLITZ e WALSH, 2003, p. 96).

[9] Isso, logicamente, num contexto de economia de mercado, como é o caso do Brasil.

[10] “O mercado não é de facto o meio ambiente característico do «estado de natureza» no sentido hobbesiano do termo, caracterizado por uma situação irracional de conflito permanente e anárquico de todos contra todos, ao sabor da mera apetência individual, anterior à Aufklärung ou seja, ao esclarecimento racional da vontade individual consequente e pressuposto da vida em comunidade. Tal concepção de mercado é puramente ideológica na medida em que visa desvalorizar os efeitos e conseqüências do respectivo funcionamento para melhor fazer a apologia dos mecanismos centralizados e planificados de decisão económica, arvorados afinal em critério exclusivo da respectiva racionalidade.
Pelo contrário, a intervenção do estado na economia parte muitas vezes do princípio de que o mercado é o terreno por excelência de uma racionalidade espontânea, «natural», caracterizada pela concertação dos planos econômicos individuais que é uma consequência necessária da própria natureza heterogênea dos interesses em jogo e da arbitrariedade da vontade individual” (MONCADA, 2000, p. 29).

[11] Livre tradução: “Porém, sem qualquer regulação governamental do setor financeiro, a economia ainda estaria, provavelmente, numa depressão. Nós estamos aprendendo com isso que precisamos de um governo mais ativo e inteligente para manter o nosso modelo de economia capitalista funcionando nos trilhos. O movimento para desregulamentar o setor financeiro foi longe demais exagerando a resiliência – os poderes de auto-cura – do capitalismo de laissez fare”.


Informações Sobre o Autor

Gustavo Ramos Carneiro Leão

Procurador Federal doutor em Direito e Professor Universitário


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